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A trajetória de Alfredo Nasser

14 de Setembro de 2018 às 10:00
Crédito: Reprodução
A trajetória de Alfredo Nasser
Documentário Alfredo Nasser
A "Trajetória de Alfredo Nasser" é tema de documentário em exibição na TV Assembleia, onde conta um pouco da vida e das atividades políticas daquele que empresta seu nome à sede do Poder Legislativo de Goiás.

Talento político nato, vocacionado e apaixonado, Alfredo Nasser nasceu em 1905, em São Paulo, mas foi como homem público de Goiás que ele se destacou nacionalmente. Embora muitos fatos de sua vida não sejam claros, relatos de amigos e parentes serão contados aqui e no documentário "A trajetória de Alfredo Nasser", em exibição na programação da TV Assembleia. Trata-se de uma pequena biografia em homenagem a Nasser, que nomeia a sede do Poder Legislativo de Goiás.

Em 1967, a sede do Poder Legislativo de Goiás, situado na Alameda dos Buritis, passou a se denominar Palácio Alfredo Nasser, numa homenagem ao político goiano. A iniciativa da propositura foi do então deputado estadual Ary Valadão, conforme consta dos anais da Assembleia Legislativa. Um busto em sua homenagem encontra-se cravado na entrada do prédio.

Essa é uma história em que a cronologia tem a menor das importâncias. A vida de Alfredo Nasser merece ser lembrada, não apenas pelas datas importantes para a história política, mas, principalmente, pelas lembranças que existem nos olhos da amiga Maria Cabral, ao lembrar do “homem excepcionalmente generoso” com o qual ela dividiu vinte anos uma sincera amizade.

Nasser, que era filho de imigrantes libaneses, nasceu em 30 de abril de 1905, em São Paulo, embora se orgulhasse em dizer que era natural da cidade de Caiapônia (GO). Sua família nunca foi rica, e ele passou sua trajetória cheia de mudanças de cidade:  Caiapônia, Tupaciguara e Uberlândia, ambas em Minas Gerais. Viveu a juventude dividido entre São Paulo e a Cidade de Goiás. Os tempos de maturidade passou no Rio de Janeiro, então capital da República. Depois, Goiânia, quando fundou o Jornal de Notícias, em 1952. Por fim, foi para Brasília, quando integrou os quadros do Ministério da Justiça, ganhando projeção política nacional.

O talento descoberto

Um de seus talentos, a oratória, foi descoberta com Nasser ainda menino, aos sete anos, em Tupaciguara, quando foi escolhido para saudar, com um discurso em praça pública, o bispo de Uberaba, D. Eduardo – que foi também bispo da cidade de Goiás. Dez anos depois, após concluir os estudos, Alfredo se dirigiu para São Paulo, sustentado e incentivado pelo irmão Gabriel.

Outro momento em que seu texto foi premiado aconteceu em 1922, em São Paulo, quando era redator da Folha da Noite e Folha da Manhã. Aos 20 anos de idade, ele foi classificado em primeiro lugar num concurso literário promovido pelo São Paulo Jornal, com o conto Volúpia. A banca julgadora foi composta por ninguém mais, ninguém menos, que Menotti Del Picchia, Paulo Setúbal e Oswald de Andrade, isto em plena efervescência da Semana de Arte Moderna de 1922. Não é para menos que seus textos são considerados obras-primas.

Em 1928, ele voltou a Goiás, indo residir na antiga Capital, onde prestou serviço militar e, ao mesmo tempo, passou a lecionar no Lyceu do Estado. Aos 24 anos, nas horas vagas, foi convidado para trabalhar como redator principal do jornal O Democrata, dirigido pelo senador Antônio Di Ramos Caiado, o Totó Caiado, que durante mais de duas décadas dominou a política goiana. Neste momento, começava a relação de amor entre Nasser e a política.

Casamento com a política

Maria Cabral também lembra de uma frase icônica do político que nunca constituiu família. Ele dizia que “havia se casado com a política, mas a boa política”, e por isso não dividia sua vida com mulher e filhos. Apenas criou duas sobrinhas como suas filhas, Consuelo Nasser e Stela Nasser, ambas já falecidas.

Nasser nunca comprou casa, nem formou fortuna, assim como nasceu, morreu sem posses. Seu sobrinho-neto, o ex-deputado Ayr Nasser, lembra do desapego do tio com bens materiais e de seu apego profundo em ajudar as pessoas.

“Ele tirava a roupa do corpo e dava para as outras pessoas. Quando morreu, deixou apenas quatro prestações atrasadas em uma joalheria. Ele era muito simples e desapegado, não dava valor para as coisas. Nunca vai existir outro como ele”, disse Ayr, entre uma respiração e outra, ofegante e cheia de saudosismo.

Voltando para aos fatos históricos, é preciso deixar uma coisa clara: Nasser e Pedro Ludovico eram rivais políticos inconciliáveis. Nasser era idealista e muito ligado aos Caiado, tanto que em 1930, quando Pedro Ludovico Teixeira foi nomeado interventor em Goiás por Getúlio Vargas, ele foi preso e perseguido, passando, em seguida, a militar na oposição. E pela oposição, ele fundou jornais e participou da Coligação Libertadora, ao lado de Domingos Neto Velasco, também rompido com Ludovico.

Este movimento exigia uma nova Constituição e eleições livres. Neste contexto efervescente, Alfredo fundou o seu primeiro jornal – Coligação – e, simultaneamente, foi eleito deputado estadual à Assembleia Constituinte de Goiás. Com o golpe de 1937, foram fechados todos os legislativos do País, e os adversários da ditadura passaram a ser presos. Nasser se aliou a Sales Oliveira, na resistência, e começou a trabalhar no jornal A Razão, fechado pela censura, como acontece em todo governo ditatorial.

Passando para o fim da ditadura Vargas e a volta da democracia, continuando a carreira apaixonada de Nasser pela política, agora, nacional. Neste momento da história, ele se elege suplente de deputado, por Goiás, à Assembleia Nacional Constituinte, pela União Democrática Nacional (UDN), partido que ajudou a fundar.  Após a promulgação da nova Carta Constitucional, ele assume, na democracia, seu primeiro mandato ordinário, para, em janeiro de 1947, aos 42 anos, e quase rompido com a UDN, ser eleito senador.

Na realidade, Nasser deveria ter se tornado à época governador. Na primeira convenção udenista, em 1946, ele havia sido escolhido, por unanimidade, candidato oficial do partido na disputa pelo Palácio das Esmeraldas, entretanto, alguns opositores usaram a desculpa de ele não ter dinheiro, e indicaram Jerônimo Coimbra ao cargo, um engenheiro milionário.

“Ao abrirem-se as urnas, uma surpresa: Nasser fora eleito senador, com 40 mil votos a mais do que Coimbra a governador. Um ano antes de chegar ao Senado da República, Nasser havia fundado, em Goiânia, o Jornal do Povo, no qual foi o único redator em sua primeira fase”, conta o escritor, historiador e procurador da República aposentado, Luiz Augusto Paranhos Sampaio. Alfredo Nasser fundou também o Jornal de Notícias, que logo depois deu origem ao jornal Diário da Manhã, em cuja sede também existe um busto em sua homenagem.

Aqui chegamos a um ponto da vida pública de Nasser que foi muito marcante, principalmente pela frustração de ele nunca ter conseguido se eleger Governador do Estado. Mas também deixou mais claro uma de suas principais qualidades: a honestidade.

Ao ser impedido de sua principal ambição política por falta de dinheiro, Nasser disse: “Prefiro perder a eleição, por falta de dinheiro, que ganhar por falta de vergonha”. Isso quem conta é seu sobrinho-neto, o ex-deputado estadual Ayr Nasser. Que também falou da tristeza do tio em ter morrido sem ocupar a cadeira do Palácio das Esmeraldas.

Contudo, ele ainda tentou, por mais duas vezes, e ambas sem sucesso. A situação fez com que ele rompesse de vez com a UDN, em 1950. Num discurso de improviso e dramático, terminando com um capítulo importante de sua vida pública, ele disse: “Meu cérebro parou, esmagado pelo rolo compressor das emoções.” E, parafraseando Rui Barbosa, finalizou: “Passa fora, canalha!”.

Nesse tempo, antes do fim de seu mandato no Senado, ele também ocupou a Comissão de Finanças do Senado, assumindo a função de relator do Plano Salte (Saúde, Alimentação, Transporte, Energia), e foi vice-presidente do Centro de Estudos e Defesa do Petróleo e da Economia Nacional (Cedpen), e, por último, Nasser ocupa o Conselho Nacional de Economia (CNE) indicado por Dutra. Mostrando prestígio, seu nome foi aprovado por unanimidade no Congresso.

A desilusão

Outro fato marcante na vida de Nasser, foi o infarto que sofreu por conta de uma eleição fraudada, que tirou dele uma cadeira no Senado. O ano era 1954, e Galeano Paranhos disputava o Governo. Várias denúncias foram feitas ao Tribunal Regional Eleitoral (TRE) que foram ignoradas. Naquele ano assumiram os cargos José Ludovico de Almeida (Juca), como governador, e Pedro Ludovico, como senador pelo PSD.

Nove anos depois, em 1963, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que, realmente Galeno e Nasser haviam sido, de pleno direito, os verdadeiros vencedores. De nada adiantava, já que o tempo de governo havia passado, além de o coração ter sofrido danos irreparáveis.

Maria Cabral contou que foi a maior decepção política de Nasser. “Vi muitas vezes ele chorar por conta das decepções políticas. Lembro do infarto que ele sofreu por causa da eleição fraudada. Ele nunca mais sarou”, disse.

Embora os médicos o tivessem proibido de continuar político, Nasser nunca abandonou o amor de sua vida. Ele ainda foi deputado federal por Goiás, sendo vice-presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara Federal e presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) destinada a apurar as acusações de irregularidades, extorsão e suborno, que pesavam contra o Departamento Federal de Segurança Pública. Além disso, e não podia ser diferente, Nasser foi contrário à Emenda dos Conselheiros, pleiteada por Juscelino Kubitscheck (JK), que propunha a transformação de todos os ex-presidentes da República em senadores vitalícios.

Também foi favorável à transferência da capital do país para Brasília. Com a crise aberta pela renúncia do presidente, Jânio Quadros, em agosto de 61, Nasser assinou, juntamente aos outros parlamentares, uma nota oficial na qual o grupo firmava posição de prosseguir normalmente na conduta dos trabalhos legislativos, assegurando aos deputados o exercício pleno de suas atividades parlamentares e a intenção de defender as instituições democráticas contra qualquer golpe militar.

Pena que, no fim de sua vida, Nasser teve que conviver com a derrocada dos ideais que ele tanto defendia. Alfredo foi empossado Ministro da Justiça e Negócios Interiores, em substituição a Tancredo Neves.

Alfredo Nasser opôs-se às pressões dos socialistas e trabalhistas para que o Parlamento encaminhasse as chamadas Reformas de Base, propostas pelo presidente João Goulart. Foi quando declarou que “as esquerdas não tinham ainda quadros para governar o Brasil e que um golpe encabeçado por elas resultaria numa ditadura de direita”. Não há como negar sua sabedoria.

Ele também foi contra Mauro Borges no poder após o Golpe de 64, e morreu em 65, no cargo de deputado federal, mesmo ainda querendo se candidatar ao Governo do Estado.  Por seu mérito, a Câmara Federal indicou seu nome, em outubro, para representá-la na Conferência Internacional da Organização dos Estados Americanos (OEA), realizado no Rio de Janeiro em dezembro de 1965.

Apaga-se a estrela de Nasser

“No dia 17 de novembro daquele ano, enquanto seguia sozinho de Goiânia para Brasília, ele chora pelo caminho, segundo testemunhou mais tarde. Entenderia que estava vendo Goiás pela última vez? Quatro dias depois, às 11 horas daquela manhã de domingo, no modesto apartamento funcional que ocupava na Asa Sul, uma última e fulminante crise cardíaca faz calar, definitivamente, a voz revel e inconformada de Alfredo Nasser”, escreveu Luiz Augusto Paranhos Sampaio, membro da Academia Goiana de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico de Goiás.

Ayr Nasser o descreveu como “um homem incomparável”. Para a política goiana, Nasser ascende como um farol destemido na tempestade, que iluminou com honestidade, grandeza e honra aquela que foi o amor de sua trajetória.

O documentário sobre a "Trajetória de Alfredo Nasser", em exibição na TV Assembleia, foi produzido por Cláudio Pontes, Gleice Machado e Vanuzia Oliveira, reportagem de Gabriela Gouvêia e cinegrafistas Elder Loyola, Francisco Paco e Sivaldo Ramos, auxiliar, Johnathan Moreira. O texto é de autoria da jornalista Jéssica Cardoso, da Agência de Notícias.  O documentário está sendo veiculado na TV Assembleia através do canal aberto 61.2 ou pelo canal 8 da Net, ou no Canal Youtube, pelo link: https://www.youtube.com/watch?v=TbTL9xCEhjk.  T

 

Fontes: Maria Cabral, Ayr Nasser e o artigo “Alfredo Nasser, o paladino das liberdades públicas”, de Luiz Augusto Paranhos Sampaio.

 

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