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Constituição de 88

19 de Outubro de 2018 às 16:31
Crédito: Divulgação
Constituição de 88
Governador José Eliton
Em entrevista à Agência de Notícias, o Governador José Eliton diz que a Carta Magna, que completa 30 anos, é resposta da cidadania e da democracia para a sociedade que foi capaz de vencer um regime de arbítrio, de intolerância e de força.

Quando a Constituição Federal foi promulgada, em 5 de outubro de 1988, o governador José Eliton de Figuerêdo Júnior (PSDB) era um jovem de 16 anos. Com a experiência de quem construiu uma sólida carreira como advogado, ele pôde acompanhar a evolução da Carta Magna que consolidou o Estado Democrático de Direito e tornou as instituições públicas mais sólidas. Após três décadas, o País experimenta o mais duradouro período de estabilidade política e institucional de toda a República.

Em meio à atribulada rotina como Chefe do Poder Executivo, o Governador José Eliton reservou generosamente um tempo para conceder uma entrevista exclusiva para a Agência Assembleia de Notícias, na qual faz um balanço sobre o impacto da Carta Magna na vida dos brasileiros. “A nossa Constituição é primorosa na quantidade de direitos que foram tipificados, tanto no âmbito social quanto no aspecto individual”, afirma. Confira a íntegra da entrevista.

 

Como o senhor avalia o impacto da Constituição Federal sobre a sociedade brasileira 30 anos após a sua promulgação?

Quando o deputado Ulysses Guimarães (MDB) presidiu, no Congresso Nacional, dia 5 de outubro de 1988, a sessão que promulgaria a nossa Constituição Federal, as suas palavras de encerramento foram: “Declaro promulgado o documento da liberdade, da dignidade, da democracia e da justiça social do Brasil”. Ao fazer uma avaliação em retrospectiva dos impactos da nossa Carta Magna sobre a sociedade brasileira, o que nós testemunhamos foi o nascimento de três gerações que não viveram na pele a censura, o arbítrio, as perseguições políticas e o clima de desesperança advindos da falta de liberdade. As novas gerações nasceram sob o signo da liberdade de expressão que ainda deve ser aprimorada em virtude do caráter histórico das transformações. Com autonomia entre os poderes, eleições regulares, respeito aos direitos sociais e às liberdades individuais. Um novo Brasil nasceu com a constituição de 1988 sob o signo da liberdade, da pluralidade e do respeito às diferenças, que são todos elementos vitais para a manutenção da democracia.

No entanto, temos todo um cenário político-partidário que chegou ao fim, que se desintegrou. Esse modelo de representação partidária se exauriu. É preciso que tenhamos a capacidade de, com maturidade, discutir um novo modelo, um novo passo para a representação popular. Afinal de contas, o Artigo 1º da Constituição diz que todo poder emana do povo e em seu nome deve ser exercido. Nós temos que buscar o novo modelo dessa representação, uma vez que, nos tempos atuais, é impossível uma representação direta da população. Então, você exerce o poder por meio da representação popular, escolhida da manifestação do povo no sufrágio. Mas, é preciso se discutir primeiro o modelo partidário nacional ou algo que possa substituir o modelo atual.

 

Em seu artigo 2º, a Constituição diz que os Poderes da União são independentes e harmônicos entre si. Qual a opinião do senhor sobre a atual relação entre os Poderes? O sistema de pesos e contrapesos tem funcionado a contento?

 

As instituições brasileiras operam, com seriedade e respeito, segundo o que está determinado pela Constituição Federal. No entanto, o Brasil tem experimentado o peso de uma grave crise política e econômica nos últimos anos que está diretamente relacionada ao caráter endêmico e transversal da corrupção que tomou o Estado brasileiro de assalto, conforme revelaram as investigações da Lava Jato. O maior escândalo de corrupção da história do Brasil tem despertado a perplexidade, não só do povo brasileiro, mas também da comunidade internacional. Por ser um caso de investigação com amplitude sem precedentes. Lidar com esse complexo mecanismo tem sido um desafio para as instituições, sobretudo para o Judiciário brasileiro. Houve momentos em que percebemos excessos praticados por membros do Executivo, do Legislativo, do Judiciário e do Ministério Público. No entanto, o que se observou até aqui foram atitudes pontuais de excesso, praticadas por representantes dos poderes constituídos, mas que também foram devidamente arbitrados pelas regras do jogo democrático para que houvesse o prevalecimento da lei e da ordem.  

 

Considerando a atual conjuntura do país, é possível afirmar com segurança que as instituições são sólidas e a democracia está consolidada? Em quais elementos o senhor sustenta sua afirmação?

 

A democracia não é um projeto acabado. Trata-se de um sistema político em constante transformação que vai se ajustando às transformações históricas de natureza política, econômica e social de cada País, devendo-se manter o respeito aos princípios constitucionais, às regras do jogo democrático e à dignidade humana. Ao mesmo tempo, é possível dizer que a democracia nunca está segura, em nenhum momento e em nenhum lugar do mundo. Basta observar o fato de que, a partir dos eventos que resultaram na queda do Muro de Berlim, em 1989, os governos autoritários que se formaram, como é o caso da Venezuela, da Turquia, da Ucrânia, da Polônia, e da Hungria. Se formaram a partir da subversão das instituições democráticas. Como fica evidente a partir das análises de Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, na obra “Como as Democracias Morrem”, elas podem ser corroídas lentamente e por dentro do seu próprio sistema, em virtude da atuação corrupta de líderes e grupos políticos que não respeitam as regras do jogo e a soberania popular.

 

Como o senhor vê a situação do Brasil nesse contexto?

 

No caso do Brasil, a força das nossas instituições está assentada no espírito cívico e republicano que vigora nos últimos 30 anos. As nossas eleições são regulares e os resultados das urnas estão sendo respeitados. Os poderes funcionam com autonomia, igualdade e independência, exercendo o seu devido papel fiscalizador. As liberdades sociais e individuais estão sendo garantidas e trabalhamos para aprimorar e ampliar os direitos e deveres da sociedade e de seus representantes. Vivemos em um País onde as instituições trabalham para que a lei seja cumprida e que a lei seja para todos. Democracia dá trabalho, demanda engajamento e respeito às diferenças. Somente assim nós seremos capazes de construir uma realidade social mais justa e igualitária que resulte em avanços institucionais. 

Quais os principais desafios que a Carta de 88 trouxe para o Poder Executivo? 

Dois aspectos podem ser ressaltados. A Constituição Federal é o fundamento de um estado de direito que prevê uma série de garantias inalienáveis ao bem-estar social. Isso tem um custo e se traduz na vinculação de receitas do Estado para a manutenção de áreas fundamentais como a Saúde e a Educação. No entanto, algumas dessas amarras são muito restritivas e nem sempre compreendem o contexto particular de cada Unidade da Federação que vive realidades políticas, econômicas e sociais distintas.

Qual o segundo aspecto?

 O segundo aspecto a ser ressaltado são os traços de consociativismo no Estado brasileiro. Somos um país que adotou o federalismo, o multipartidarismo e a divisão do poder legislativo em sua forma bicameral. Essa divisão é importante para que haja equilíbrio no exercício do poder, sem que a hipertrofia de um ou de outro possa resultar no atropelamento dos demais poderes e da própria sociedade. No entanto, esses mesmos traços exigem a formação de grandes “coalizões” para que os governos consigam aprovar os seus projetos. Se por um lado a necessidade da coalizão e das alianças evitam um governo de força e que mudanças na constituição sejam feitas de maneira intempestiva e arbitrária, por outro essa mesma coalizão está na base das práticas de corrupção quando se busca a maioria nas votações por meio da compra dos resultados, como foi o notório caso do Mensalão, por exemplo. O Congresso, como já é lugar comum, se torna um escandaloso balcão de negócios.

 

A Constituição Federal trouxe um amplo rol de direitos e garantias individuais (art. 5º) e sociais (art. 7º). Para o senhor, esses dispositivos estão sendo aplicados na prática? 

 

A exemplo da reforma trabalhista, o Brasil tem passado por amplas mudanças na legislação. Os efeitos dessas mudanças ainda não foram plenamente percebidos, a despeito das perspectivas de avanço e modernização nas relações de trabalho. Nós compreendemos que a qualidade de vida do ser humano, do cidadão, deve ser a prioridade e preocupação fundamental de todos os governos que se formam com o propósito de exercer a representação da vontade popular. A nossa Constituição é primorosa na quantidade de direitos que foram tipificados, tanto no âmbito social quanto no aspecto individual. Muitos desses dispositivos ainda não foram plenamente alcançados e, certamente, podemos avançar ainda muito mais como sociedade para que seja garantida a dignidade da vida humana. No entanto, no plano da representação política, é preciso que se estabeleçam mudanças.

 

Como o senhor avalia as políticas inclusivas definidas na Constituição de 1988?

O texto constitucional prevê uma série de dispositivos que resguardam a dignidade humana e a inclusão social como o resultado da plena e efetiva participação da vida em sociedade. Essa participação deve ser pautada pela igualdade de oportunidades, pela acessibilidade e pela não-discriminação. O texto estabelece a inclusão com autonomia, com independência, para que as pessoas com deficiência tenham uma vida digna, rica em oportunidades e sem discriminação. Muito se avançou em conquistas e garantias desses direitos nos últimos anos.

O senhor poderia dar alguns exemplos dessas conquistas?

O Governo de Goiás trabalha com políticas públicas que objetivam a verdadeira inclusão social da pessoa com deficiência. São programas, como o Jovem Cidadão, que conduzem a pessoa com deficiência ao âmbito da experiência profissional, que pensam a acessibilidade a partir de reformas e ajustes em moradias populares e que também promovem a conscientização da sociedade em geral. O Brasil já caminhou muito nesse sentido, mas ainda podemos avançar muito mais.

Como o senhor avalia o fato de a Constituição Federal ter sido emendada 99 vezes nos últimos 30 anos?

Avalio essa questão como o reflexo das próprias transformações sociais. A constituição brasileira possui um núcleo constitucional que é rígido, como a carta de direitos e as regras do sistema político, que não podem ser alterados com facilidade. O artigo 60 da constituição estabeleceu um conjunto de cláusulas pétreas que impedem que seja objeto de deliberação, por exemplo, a tentativa de retirar o direito ao voto, abolir o federalismo, alterar a separação dos poderes, e promover a retirada dos direitos e garantias individuais. Essas medidas conferem segurança, força e estabilidade ao texto constitucional. Em contrapartida, outros elementos são mais flexíveis e estão sendo adaptados aos desafios da contemporaneidade. Mesmo assim, uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) deve ser feita por três quintos dos parlamentares, o que representa um importante dispositivo de proteção à Constituição. Penso que as emendas, em parte, refletem os desafios da contemporaneidade que não puderam ser previstos pela Constituinte.

As emendas permitem essa adaptação às mudanças da sociedade?

A nossa Constituição é ampla, extensa e detalhista. Houve intensa participação de diferentes grupos sociais que buscaram a representação e a garantia dos seus direitos. No entanto, a realidade é muito mais complexa do que a lei é capaz de prever. Felizmente a nossa Constituição tem evidenciado uma importante capacidade de se adaptar às novas demandas da realidade sem que para isso tenha se descaracterizado em seus valores fundamentais e/ou perdido a sua essência.

Há grupos políticos que sugerem a necessidade de uma nova constituinte ou uma ampla reforma do atual texto constitucional. O que o senhor pensa a respeito?

Uma Assembleia Constituinte poderia analisar os aspectos relacionados ao processo político-eleitoral, ao modelo partidário e eleitoral que nós temos e todas as questões correlatas ao processo de representação popular. Mas, também, precisamos discutir temas muito mais sólidos que isso, que dizem respeito ao próprio estado democrático, que é a base elementar de qualquer sociedade civilizada dos tempos atuais. Nós não podemos voltar à barbárie, nos tempos em que o estado policialesco era dominante, com efeitos perversos na vida social.

O que seria fundamental nesse debate?

É preciso termos em mente que a legislação existe para proteger o cidadão. É necessário garantir o estado de liberdades individuais. Não se pode tolir direitos que são elementares para o indivíduo. Tem que se preservar o direito à intimidade das pessoas. O Estado também tem que ter limites, afinal de contas, ele é a representação de um povo, de uma sociedade, e, como tal, está a serviço dessa sociedade, a serviço das liberdades, das mais variadas naturezas.  O Estado necessita ter limites de atuação, para que faça a sua persecução, seja na esfera penal, seja na esfera civil, de modo a garantir os direitos elementares.

O que pode ser reavaliado?

Acho que nós temos que ter uma reavaliação de todo o processo penal brasileiro, de todos os arcabouços que são definidos para a persecução da verdade real, e, dentro desse contexto, é preciso que o Brasil discuta com muita maturidade conceitos e valores que são inerentes a uma sociedade moderna e que, há muito, ultrapassou o período das trevas, das ditaduras. O Brasil é um país continental e não pode ser uma "republiqueta" qualquer, movida ao sabor dos ventos e das circunstâncias. Nós temos que ter na nossa Constituição o elemento fundamental para a superação das crises.

Quais outros pontos que merecem atenção?

Precisamos ter a compreensão de que é necessária uma reforma política e eleitoral no país, para estabelecermos as novas bases para a república, e, a partir daí, definir um processo de escolha dos representantes da população, dentro de um modelo que não tenha exacerbado impacto do poder econômico. É preciso um modelo onde possamos ter uma representação ideológica consistente e uma democratização dos acessos à comunicação, para que as diversas formas de pensar sejam levadas efetivamente ao conhecimento da população. A partir desse cenário, teríamos a formação de um senso crítico da população que poderá melhor definir aquilo que ela entenda como necessário para o município, para o estado, para a nação.

 

O que representa a Constituição Federal hoje em dia?

 

A Constituição Federal Brasileira foi construída a partir da influência salutar das principais referências mundiais da época. Aproveitamos a experiência exitosa das Constituições Americana, Francesa e Alemã para construirmos um texto próprio que se tornasse a base do nosso estado democrático de direito. A nossa Carta Magna é uma resposta da cidadania e da democracia para a sociedade que foi capaz de vencer um regime de arbítrio, de intolerância e de força. A nossa Constituição é um importante marco histórico e representa uma vitória da liberdade. Neste sentido, as alterações inadiáveis, em especial aquelas que visam aperfeiçoar o sistema de representação política, devem ser feitas a partir do espírito de consenso e de união em busca do bem comum. Em cenário como o atual, de polarização e de radicalização, a Constituição Brasileira é o farol que nos aponta o caminho da serenidade, da tolerância, do republicanismo e da própria democracia.

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