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Mulheres no Legislativo

12 de Julho de 2019 às 12:30
Crédito: Y. Maeda
Mulheres no Legislativo
Ex-deputada Vanda Melo
A ex-deputada Vanda Melo é a entrevistada da 7ª edição do projeto "Mulheres no Legislativo". Deputada durante a 12ª e 13ª Legislaturas, Vanda fala sobre principais projetos defendidos para o Vale do São Patrício, atuação social e família.

“Por que a mulher tem que ganhar menos? Isso não se justifica. Até porque a mulher, normalmente, trabalha mais que o homem (...) Eu acho feminicídio um absurdo. Porque esse tipo de homem, que faz esse tipo de coisa, têm que ser civilizado, não é mesmo?”. Esses trechos foram extraídos de conversa realizada com ex-deputada Vanda Melo - sétima entrevistada do projeto Mulheres no Legislativo. A entrevista foi concedida à Agência Assembleia de Notícias e à TV Alego, no dia 16 de maio.

Primeira mulher a representar, no Parlamento estadual, a região do Vale do São Patrício, que integra 23 municípios do Centro goiano, Vanda ganhou visibilidade no campo político devido à dedicação devotada, principalmente, à cidade que adotou como lar: Ceres. Paulista de Taubaté e radicada em Goiás há quase cinco décadas, ela cumpriu seus mandatos na Assembleia Legislativa durante a 12ª (1991 a 1995) e a 13ª Legislaturas (1995 a 1999), sendo o primeiro pelo PRN e o segundo pelo PPB (neste último, começou como suplente, passando a titular apenas em 1997). 

Tendo sido, outrora, primeira-dama de Ceres, posição que assumiu por quatro vezes, Vanda não se limitou, no entanto, a esse coadjuvante papel. Isto porque, antes de entrar para o Parlamento estadual, ela chegou a exercer ainda, durante o segundo mandato de prefeito do seu marido (1989-1992), Valter Pereira Melo (que também foi deputado na Alego), o cargo de secretária municipal de Assistência Social. Ali desenvolveu projetos, dos quais se orgulha profundamente, para mães, idosos e crianças.

O município que a acolheu ganha aqui, nesta matéria, uma atenção mais do que especial. Isto porque sua identificação e devoção a Ceres, bem como a toda a região do Vale do São Patrício, é tão forte, que o leitor, por vezes, poderá encontrar dificuldades em distinguir se seria Vanda uma personagem da história de Ceres ou o contrário: Ceres um personagem da história de Vanda. 

Outro grande orgulho de Vanda se refere ao legado deixado pela tradição da família Melo na vida política local, o que, segundo ela, teria resultado na aceitação que ela dispõe junto aos cidadãos ceresinos. Prova disso pode ser observada no fato, inclusive, de ser hoje, Rafael Melo, seu filho mais velho, prefeito do lugar, perpetuando um legado que já se estende, portanto, por mais de quatro décadas e alcança agora a terceira geração do referido núcleo familiar. 

A narrativa de Vanda, por diversas vezes, nos faz pensar que talvez a própria história de Ceres se confunda mesmo com a história da família Melo. O pioneirismo dessa longa e duradoura jornada é creditado a seu sogro, Geraldo Pereira de Melo, que esteve ao lado de Bernardo Sayão, durante a fundação da Colônia Agrícola que daria origem ao município em 1953. Anos mais tarde, ele viria a ser eleito, então, prefeito, comandando a quinta gestão do Executivo local, entre os anos de 1970-1972.

Antes de seu primogênito assumir a gestão do município, Vanda, que sempre esteve envolvida em projetos de cunho social e educacional (ela é também professora), chegou igualmente a disputar, em nome destas bandeiras, a prefeitura de Ceres. Porém, a vitória ficou com outra mulher, Maria Inês, do PT, que foi eleita com 6.233 votos, enquanto Vanda obteve 5.580. Isso se deu no ano de 2012, numa candidatura encarada, segundo ela, “na última hora” e “por clamor popular”. De modo que a derrota nas urnas, se deu por uma diferença de “pouquíssimos votos”, como faz questão de lembrar a entrevistada. 

Outro ponto marcante em sua trajetória foi a vitória, após uma longa batalha, contra um câncer sublingual, que custou o maxilar e parte anterior da língua da ex-deputada. Os membros seriam, no entanto, posteriormente reconstituídos por uma série de cirurgias plásticas. Sobrevivente deste doloroso tratamento, Vanda se vê, hoje, totalmente livre da doença. 

Este e muitos outros assuntos foram pauta da entrevista que a partir de então se segue. Confira o nosso bate papo, com esta que foi a sétima entrevistada do programa "Mulheres no Legislativo", série que revela o potente legado feminino na história do Parlamento goiano.

Como foi essa vinda e a chegada a Goiás? Quais foram as primeiras impressões que a senhora teve do Estado?

Eu já conhecia Goiás. Desde criança, eu passava férias na casa dos meus avós e tias - todos parentes por parte do meu pai. Assim eu conheci Goiânia e Ceres, e também o Valter. A gente ficou um tempo namorando à distância, porque ele era de lá [de Ceres]. Depois, quando nos casamos, foi que eu vim embora de vez para Goiás.

A família dele também era toda de lá?

Sim, a família dele chegou junto com Bernardo Sayão [engenheiro agrônomo ligado ao Ministério da Agricultura do Governo de Getúlio Vargas; ajudou a fundar a Cang - Colônia Agrícola Nacional de Goiás, durante a Marcha para o Oeste], que veio para Goiás montar a colônia agrícola que deu origem à cidade de Ceres. A Cang, como era chamada, foi a primeira reforma agrária do país, feita por Getúlio Vargas.

Então a história social e política de Ceres nasceu, praticamente, junto à vida política da sua família, podemos assim dizer?

Sim, da família Melo [do marido]. 

A seu ver, a tradição política da família Melo deixou algum legado em Ceres? Qual seria, na opinião da senhora, a grande marca que a sustenta no poder por tanto tempo? 

Tem muita coisa. A família do Valter promoveu um desenvolvimento muito grande em Ceres. O pai dele foi um pioneiro na região, junto com os outros pioneiros do estado. Também foi um prefeito muito bom, no início da organização administrativa da cidade. O próprio Valter sempre teve um olhar administrativo forte. Sempre foi muito perspicaz. Por isso eu digo que ele contribuiu muito para o desenvolvimento de Ceres. O marco dele foi justamente esse: o desenvolvimento, posto que levou muita coisa pra Ceres. Ele asfaltou a cidade praticamente inteira e construiu casas populares para muita gente. A gente sente que realmente o povo de lá sempre confiou na família Melo. De maneira que o Valter foi prefeito por quatro mandatos e hoje o nosso filho Rafael é o atual prefeito. Foram bem poucos os episódios em que a família Melo esteve afastada da política. Desde que o município se estabeleceu como tal, sempre houve um Melo presente. 

Então, parte considerável da infraestrutura hoje existente na cidade é um legado político da sua família? 

Exatamente. Por exemplo: o sistema de tratamento de água e esgoto foi resultado de meu mandato como deputada. Às vezes, você não vê a obra em si, porque ela fica embaixo da terra, mas seus impactos provocam uma melhoria muito grande na qualidade de vida da cidade. Mas muitos prefeitos não gostam de mexer com isso, justamente por considerarem que a obra não dá visibilidade. Porém, o acesso à água tratada é algo que, quando acontece, faz uma diferença enorme da vida das pessoas. Antes dele, todo mundo tinha cisterna. Agora não, todo mundo tem água tratada. Há ainda muitas outras questões envolvidas. O Centro Cultural, por exemplo, é uma dessas questões. Inclusive, sobre o Centro Cultural,  desde o primeiro mandato do Valter (1977 a 1982), eu vinha manifestando meu desejo de construí-lo, mas, no início, havia uma série de outras necessidades mais urgentes. Não que a cultura não deva ser vista como uma prioridade, mas algumas coisas não podiam ser adiadas. Saneamento e asfalto eram, naquela época, as principais e mais urgentes demandas, visto que nada disso existia ali até então. Por tudo isso, eu reitero a importância da gestão liderada por Valter para o desenvolvimento da cidade. 

O ano de 2012, quando a senhora se candidatou à prefeitura do município, foi um desses períodos de ausência da família Melo na gestão do Executivo local?

Sim, foi. Mas, mesmo tendo perdido a eleição naquele momento, fiquei muito grata ao povo de Ceres, porque nem estava nos meus planos ser candidata. Eu cheguei para registrar a candidatura no último dia, na última hora. E mesmo assim fiz uma campanha que foi linda, muito bonita, mesmo. O povo teve uma participação incrível, que foi evoluindo ao longo da campanha. As pesquisas foram só positivas. Se eu tivesse tido 300 votos a mais, teria ganhado a eleição [a diferença real computada pelo Tribunal Regional Eleitoral - TRE foi de mais de 600 votos]. 

A senhora foi secretária de Assistência Social de Ceres. Quando esteve à frente da pasta que projetos desenvolvidos julga terem sido mais importantes para lhe dar essa visibilidade, que por pouco não a elegeu prefeita?

Eu sempre tive muita facilidade em lidar com pessoas, muita mesmo. Não é convencimento, não. É porque eu costumo tratar todo mundo de forma igual. Havia projetos para idosos, onde eu participava com eles, por exemplo. Já com as crianças, eu envolvia a família. Não com intuito político, apenas, mas, sobretudo para que o projeto desse certo. Dediquei-me muito às mães e às mulheres grávidas. Nessa parte social, eu desenvolvi muita coisa. Fazia campanhas de arrecadação, por exemplo, que envolviam todo mundo da cidade. E a coisa funcionou, deu certo. O povo ajudava porque via que realmente estava se fazendo um trabalho sério, contribuindo para algo concreto. Não é só ficar dando um dinheirinho aqui, outro acolá para a população [é possível que a entrevistada estivesse se referindo a programas de transferência de renda pública, como o Bolsa Família do Governo Federal, por exemplo]. Não adianta você ficar dando as coisas para as pessoas. Você dá, logo ela se esquece da ajuda que recebeu. Agora, se você envolver a pessoa num projeto, ela vai estar sempre lembrando da gente de uma maneira positiva. Outra questão é que, quando você assume uma secretaria, você quer que dê certo, claro. Não é questão de divulgar nome, vaidade, nada disso. Tudo que eu pego para fazer, eu procuro fazer bem feito, seja o que for, e não apenas na política. Também quando professora, eu era muito rigorosa comigo mesma. Tinha que ser tudo muito bom e deu tudo muito certo. Inclusive este foi um momento igualmente importante, porque, na época em que eu lecionei na Faculdade de Ceres, tive contato com pessoas de todo o entorno do município. Isto porque, num raio, assim, de 50 km, existe um monte de cidades menores [a região é conhecida como Vale do São Patrício] e as pessoas de todos esses municípios iam para Ceres, que é uma cidade centralizadora, para estudar. E assim eu ia conhecendo muita gente, pessoas de todas as idades. Como professora universitária, tinha contato com gente adulta e jovem. Por isso, quando eu fui candidata a deputada foi fácil fazer a campanha, porque eu já tinha um certo reconhecimento em todos esses municípios, sabe?

Em que momento exatamente o município conseguiu reverter essa vocação inicialmente agrícola para se tornar um município polo nas áreas da educação, da cultura e da medicina?

O movimento cultural é muito recente, o seu surgimento se deu no último mandato do Valter (2000 a 2004), com a construção do Centro Cultural. Na época, eu tinha acabado meu mandato como deputada e estava em Ceres. O Centro Cultural é grande e expressivo; está entre os melhores de Goiás. Ele é lindo. O arquiteto era boliviano e usou referências bastante modernas.  

Para a senhora, teria sido essa obra um marco capaz de transformar o perfil da cidade de Ceres?

Não. A obra pode ter sido o que fez com que se desse, digamos assim, aquele arremate que estava faltando, porque ela veio depois. Eu sempre valorizei muito esse lado da cultura. Sempre gostei muito de teatro, de cinema, desde que eu era menina e ainda morava em São Paulo. 

O processo de urbanização foi muito significativo na cidade, então. 

Exatamente. Essa urbanização levou para Ceres um grande desenvolvimento na área da saúde. Tanto que hoje, existem muitos hospitais, nos quais atuam hoje mais de trezentos médicos. 

Existe atendimento de todos os níveis na área da saúde?

Sim. Há área especializada, com laboratórios igualmente especializados e modernos. Ninguém precisa, via de regra, sair de Ceres para buscar atendimento de saúde, a não ser que seja um problema realmente muito maior e que exija uma atendimento muito sofisticado. Inclusive, a prefeitura faz o ressarcimento de muitos atendimentos e serviços prestados por laboratórios particulares, por exemplo.

E ainda há os atendimentos pelo SUS, não?

Sim. Uma parte dos atendimentos se dá pelo SUS, mas digo que há também esses outros atendimentos particulares que a prefeitura banca, sabe? Essas são políticas públicas que contribuiram para ir mudando, pouco a pouco, a feição de Ceres. E isso começou a se dar depois que a faculdade se instalou lá. Ceres não é um município muito grande. Então, a urbanização foi muito importante para a população, a princípio. Isso foi sendo complementado quando as faculdades começaram a chegar, exatamente pela posição centralizada que Ceres ocupa na região, por aglutinar, num raio muito pequeno, várias cidades na região do Vale do São Patrício. O povo ,que antes ia para Anápolis, Goiânia ou mesmo Brasília fazer faculdade, acabou tendo mais oportunidades de ficar por lá mesmo.[Ceres conta atualmente com dois campus universitários públicos, sendo um da Universidade Estadual - UEG - e outro do Instituto Federal - IFG -, além de várias outras faculdades privadas]. 

Você falou que foi a primeira deputada a representar o Vale do São Patrício, certo? Como foi essa sua experiência, enquanto mulher, na época? Como as mulheres eram recebidas na política do Estado?

Eu sempre fui muito bem recebida, muito respeitada. Eu conseguia muita coisa do Governo para os municípios. Ia lá, fazia reuniões com eles para saber o que eles precisavam. Eu dava muita assistência, me reunia frequentemente com prefeitos. Eu ficava no gabinete praticamente o tempo todo recebendo representantes com as demandas de Ceres e região. Sempre tinha gente que vinha do interior e nós recebíamos essas pessoas da melhor maneira possível.

E qual era o maior desafio para você, que veio do interior, visto que tinha que ficar o tempo inteiro fazendo essa ponte?

Eu não vi tanta dificuldade porque eu fazia as reuniões com os prefeitos também aos finais de semana. Eu já estava acostumada com eles e eles comigo, porque nas campanhas do Valter eu também ia junto. Então, de uma certa forma, o pessoal já me conhecia, pois enquanto fui primeira-dama frequentei muito eventos nos municípios. 

Percebe-se que a demanda de trabalho era muito grande. Tendo em vista essa sua rotina atarefada, como era a dinâmica na sua casa? 

Na época que o Valter era prefeito, eu tinha que ficar mais em Ceres. Meus filhos já estavam estudando em Goiânia. Aí eu vinha para a capital, passava uns três dias aqui e voltava. Sempre assim.

Foi tranquilo conciliar a vida privada com a política?

Foi. A única coisa que eu estranhei um pouco, à princípio, foi o fato de ter que levar, como deputada, uma vida mais agitada, porque durante a semana eu tinha que ficar aqui em Goiânia e aos finais de semana voltava para Ceres. E sempre fazia questão de que os meus filhos estivessem comigo. Depois, quando eu voltei para a assumir a Secretaria, os meninos já estavam maiores. Então, o que eu acabei perdendo um pouco, nessa época, foi a adolescência do Marco Aurélio [o filho caçula], pois o Rafa já era mais adulto e estava fazendo faculdade. Houve ausências, é claro que houve. 

Durante essa ausência a senhora teve apoio de alguém?

Sim, eu tinha uma pessoa que morava comigo, muito boa, excelente. Meus filhos não ficavam sozinhos de jeito nenhum. 

E aqui na Assembleia, a senhora pôde contar com o apoio de alguém? Quem eram seus parceiros aqui nos seus mandatos?

Sim, eu tive uma vantagem nesse ponto porque, quando entrei, muitos dos deputados ali presentes, na época, já tinham sido colegas do Valter. Então eles me receberam como uma velha conhecida. 

E os prefeitos ao redor de Ceres também eram parceiros da senhora?

Eram. Tanto os prefeitos, quanto os vereadores. Quando a gente mudou para o PP, eu fui para o Vale do São Patrício inteirinho montar o comitê do partido. 

A senhora hoje está no PSDB. Essas mudanças de partido foram motivadas por quais razões?

Por razões políticas. No PRN, quando fui eleita, houve toda aquela coisa com o Collor [ex-presidente do Brasil que sofreu processo de Impeachment em 1992]. Eu já não estava muito alegrinha com esse PRN, não. Não estava achando muito bom. Aí aconteceu tudo aquilo, que achei uma vergonha, e decidi sair. Foi quando eu me filiei ao PP. 

Como foi o rebuliço político da época do impeachment do Collor, principalmente para senhora que era do mesmo partido?

Foi uma coisa que foi acontecendo e ruindo com o PRN, que acabou não só por conta do impeachment. O próprio Collor, enquanto principal liderança do partido, não zelou pelo PRN, foi deixando-o de lado. Ele mesmo foi dando motivos para o pessoal começar a sair. 

Quando a senhora veio para a Alego, consta que entre os seus projetos, o primeiro a ser apresentado foi o que criou a Universidade do Vale do São Patrício. Essa era a principal demanda da região, naquela época?

Sim, porque existia apenas essa faculdade em que eu lecionei, que era só de Filosofia. E aí o Valter tentou levar uma universidade mesmo, para colocar uma faculdade em cada município, com sede em Ceres. A primeira vez que o projeto foi apresentado, foi durante o [primeiro] mandato do Valter [em 1987]. Porém, ele não foi aprovado. Depois, eu entrei, em 1991, e o reapresentei. Mas o projeto não foi aprovado, mais uma vez. Aí eu o apresentei novamente, mais adiante, e, desta vez, ele foi aprovado. [Em 1993, o projeto de Vanda é sancionado, transformando-se na lei n° 11.999]. 

Aproveitando essa questão das universidades, você falou que lecionava na Faculdade de Filosofia. No contexto atual, como você enxerga todas essas questões de cortes da educação, no ensino superior, fechamento de cursos de filosofia?

Eu acredito que há a necessidade de racionalizar um pouco na Educação. Eu não sou a favor de fechar curso, de jeito nenhum. No entanto, eu acho que é necessário que haja um direcionamento, alguma coisa assim. Eu só não sei o quão necessário seria esse corte de 30%, que eles estão chamando de contingência.

Segundo depoimento dado pelo próprio reitor, há cursos na UFG [Universidade Federal de Goiás] sob ameaça de serem fechados, caso realmente sejam aplicados os cortes.

Eu estava olhando: a parte que é o gasto obrigatório de manutenção, essa parece que não vai ser cortada ou, se for, será coisa pequena. É uma questão muito complicada. Eu sou totalmente contra fechamento de faculdades ou qualquer coisa nesse sentido, mas sou a favor da racionalização de gastos.

No seu entendimento já existe investimento suficiente em educação e pesquisa que justifique esse tal contingenciamento?

Não, não. Eu só acho que é necessário valorizar as crianças também; a educação básica.

Um melhor manejo desses recursos, a senhora quer dizer... 

Sim. exatamente isso. 

A senhora apresentou muitos projetos apoiando entidades que mantinham trabalhos sociais, muitos dos quais já havia apoiado enquanto secretária municipal. Essa bandeira social, podemos dizer que foi a principal de toda a sua trajetória política?

Para falar a verdade, eu nunca fui de levantar bandeira. Eu sempre fui municipalista. Então, de acordo com o que eu presenciava, com o que eu via nos municípios e nas reuniões que eu visitava, eu ia trabalhando para tentar sanar as dificuldades encontradas. É preciso entender essas necessidades. Estando aqui [no Parlamento Estadual], pode se fazer muito pela população, principalmente na área social. E, essas demandas não acabarão nunca, sobretudo porque nós ainda não temos um município com arrecadação suficiente para tudo que se precisa fazer ali. 

Quanto à questão envolvendo o acidente com o Césio 137, a senhora propôs uma lei que criava o Parque Ecológico Amália Hermano Teixeira, ou Parque dos Ipês, a ser localizado exatamente onde foi encontrada a cápsula com o material radioativo, no setor Aeroporto. Esse projeto chegou a ser aprovado?

Sim, mas não foi executado. 

E o que a motivou a propor a construção desse parque? 

A motivação envolveu várias questões, na época, sobretudo porque o preconceito e o medo provocados pelo acidente do Césio 137 eram muito grande. Mas a ideia central partia da noção de que se mostrássemos que, naquele local, seria possível criar um parque, uma área de proteção ambiental, o preconceito poderia diminuir bastante. Goiás sofreu muito e as consequências para o Estado ainda existem até hoje. O Valter era deputado e fez parte da Comissão do Césio [o acidente ocorreu em setembro de 1987]. Então, imagine a construção de um parque ali, uma área verde, penso que isso melhoraria muita coisa, nesse sentido, sabe? A intenção foi essa. 

Existem temas nos quais o Legislativo não pode interferir, porque tratam-se de matérias de competência exclusiva do Executivo. Mas, por meio de projetos apresentados aqui na Casa, é possível, ao menos, provocar o Governo. Há coisas que não foram aprovadas na época em que a senhora foi deputada, mas depois entraram na pauta de discussão das políticas públicas? 

Sim. A questão do ICMS [Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços] na cesta básica, por exemplo. [Vanda propôs, através  de requerimento, ao Governo do Estado, a redução do ICMS dos produtos da cesta básica de 17% para 7%, em 1991].

Esse foi um projeto importante apresentado pela senhora... 

É, então, a princípio não foi aprovado, mas depois aconteceu. [De lá para cá, o Código Tributário Estadual (CTE) já passou por várias modificações dessa natureza. Atualmente, o imposto varia de acordo com o gênero do produto, mas, sobre os principais itens da cesta, como o arroz e o feijão, por exemplo, a alíquota incidente é de 12%]. Outra coisa foi o projeto que dispõe sobre a gratuidade de ingresso aos estádios de futebol, ginásios e outras praças esportivas a idosos maiores de 65 anos de idade. E também o que estabelecia prioridade absoluta na aquisição de moradias populares para pessoas comprovadamente pobres, principalmente para as mulheres chefes de família. Essa propositura foi particularmente importante porque na minha época, muitos companheiros vendiam as casas que eram doadas, às vezes mesmo sem a autorização das próprias mulheres. E também porque sabíamos que a realidade vigente era a de que havia muitas mulheres que sustentavam suas famílias sozinhas. [Tal prerrogativa viria a se tornar, anos mais tarde, a base para programas de habitação popular implantados, inclusive, a nível nacional, a exemplo do Minha Casa Minha Vida, executado pelo Governo Federal].

A senhora também apresentou um projeto de lei que assegurava isonomia de vencimentos para os cargos entre os Poderes. Naquela época, o que exatamente a senhora pensou? Em nivelar apenas as categorias ou haveria algum foco direcionado para mulher também, de forma especial?

Era para os servidores mesmo. Para tentar reduzir a enorme discrepância, que existia na época. 

Se a senhora fosse apresentar esse projeto hoje, a senhora tentaria também fazer esse nivelamento em termos dos salários devidos a homens e mulheres?

Sim. Ah! Hoje, eu acho que isso seria elementar. 

A gente observa muitas mulheres ascendendo a cargos importantes, mas a questão financeira continua prejudicada. 

Sim. Só que isso daí é uma luta que não depende apenas da gente, ainda que o projeto seja apresentado. Eu sou totalmente favorável para que haja esse tipo de nivelamento. Por cima, não por baixo, claro. Por que a mulher tem que ganhar menos? Isso não se justifica. Até porque a mulher, normalmente, trabalha mais que o homem (risos). 

Com tantos projetos, a gente percebe que a senhora teve um mandato muito ativo. No que a senhora se inspirava?

A primeira coisa para mim era a questão dos municípios que eu representava. Essa parte era a fundamental. Porém, havia essas outras partes, como esses outros projetos mais gerais, que visavam beneficiar o Estado como um todo. Coisas que você primeiro observava, depois conversava com um e outro, e as pessoas te ajudavam a pensar. Nada do que eu fiz foi sozinha. Eu tinha uma equipe muito boa, no meu gabinete. Minha equipe era excelente. Então eu trocava muita ideia com eles. Na parte da manhã, normalmente, a gente sempre discutia essas questões.

Que importância a senhora atribui o fato de se ter mais mulheres representando o estado no nosso Parlamento?

Vamos falar a verdade: a mulher na política ainda é uma coisa muito nova. Começou engatinhando, mesmo. Agora que parece estar avançando um pouquinho. Mas ainda falta avançar coisa demais. Eu acho que o que atrapalha mais esse processo é o fato de que muitas mulheres ainda têm medo de se arriscar no meio político. Porque política é um risco, tem que se arriscar, botar ali o seu pensamento, ir lá e falar o que você pensa, o que você quer, o que você pretende. 

Às vezes, até se ausentar da família... 

Sim, não há como evitar essa ausência. Você pode até querer ser a mãe exemplar, mas a perfeição de ficar ali cuidando do filho até ele virar homem não dá. Até quem não é político tem que trabalhar fora, tem que se ausentar também. Só que realmente aquela que trabalha no meio político se ausenta mais, porque você tem que estar em contato com as pessoas que você representa, com os locais. 

A população acaba sendo uma família expandida, não?

Exatamente, é uma família grande que você adquire. Até hoje mantenho contato com pessoas daquela época e fico muito feliz. Foi um relacionamento de trabalho, de afinidades, de “poder resolver”. É tão bom quando você resolve o problema de alguém, vê que deu tudo certo, que o seu trabalho está fluindo, está acontecendo.

Se a senhora voltasse para Assembleia hoje, que projeto teria vontade de apresentar? 

Eu focaria minhas propostas sobretudo na área da educação. Eu acho que está faltando isso. Há tanta criança carente precisando de acesso a educação, não dá para ficar só pensando em escola particular. Na época que eu o fiz ginásio e segundo grau, isso faz um tempo (risos), eu estudei lá em São Paulo numa escola pública. Tinha que prestar exame de admissão, senão você não entrava. Quem ia para escola particular é quem não tinha nota, quem não queria estudar. A particular não tinha vez. Está faltando esse jeito de olhar e valorizar a educação, sobretudo a pública, que é a base de praticamente tudo. 

E a senhora tem intenções futuras de voltar a se candidatar como deputada?

Não tô pensando nisso, não (risos). 

E você teria alguma mensagem a deixar para essa juventude e para as mulheres, principalmente as que sonham em assumir um cargo de liderança?

Eu acho que, primeiramente, a mulher tem que se capacitar, ela tem que ter uma profissão. Pode ser a mais simples possível, mas ela tem que ter. Façam cursos profissionalizantes, procurem independência, principalmente as pessoas e famílias que têm uma carência financeira, procurem se capacitar, fazer um curso, procurar crescer. Não precisa nem fazer um curso de faculdade, porque às vezes nem conseguem mais levar isso adiante por conta dos filhos. Mas eu acho que tem que se capacitar para se tornar mais independente, sabe?

A senhora acha que o grande desafio da mulher hoje é essa questão da capacitação?

Não só esse. São tantos! Eu acho que a mulher tem os mesmos desafios que tinha antes, só que dispõe de mais oportunidades de vencer esses desafios. Então, têm que procurar sua independência, principalmente as que têm condição de estudar. Estude, forme-se, tenha sua profissão, pense depois em formar família, essas coisas. 

A gente ainda pode sonhar com uma igualdade entre homens e mulheres?

Eu acredito que sim, porque a realidade está mudando aos pouquinhos. 

Mas a violência, em contrapartida, tem crescido assustadoramente. 

Isso tem que ser tratado com muita rigidez. Acho um verdadeiro absurdo essa violência contra a mulher. 

A senhora vê alguma relação entre o crescimento dessa violência e essa maior independência da mulher?

Eu acho feminicídio um absurdo. Mas a violência está meio que generalizada em nossa sociedade. Parece que a vida humana não está valendo nem 10 centavos. Se mata para roubar um celular ou por qualquer outra pequena coisa. Não é só mulher que sofre nesse ponto, não. Só que a mulher é mais vulnerável, porque mesmo que ela tenha alguma condição social, ela ainda está sujeita a chegar dentro da sua casa e apanhar do companheiro, o que é muito triste porque nós, em geral, não temos a mesma condição ou força física do homem para poder nos defender. Então, eu acho que algo precisa ser feito, urgentemente, porque a situação está realmente vergonhosa. 

A senhora acha que esse debate com relação à mulher interessa só à mulher, sendo ela quem mais sofre com essa questão da violência, ou também deveria interessar aos homens?

Não, eu acho esse debate interessa a elas e eles. Você tem que envolver homem, mulher, governo, poderes Judiciário, Legislativo e Executivo. Eu acho que isso não é uma discussão só das mulheres, não. É uma discussão que envolve todo mundo. Se ficar concentrada só nas mulheres, não resolve. 

E essa discussão passa pela educação também, não?

Sim, principalmente. Porque esse tipo homem, que faz esse tipo de coisa, têm que ser civilizado, não é mesmo (risos)? Por isso que eu falo, essa educação atual ainda não está sendo capaz de propiciar mudanças neste sentido. Porque a sensação que eu tenho é de tudo pode. Você sai do “nada pode” para o “tudo pode”, sabe? Eu acho que não é por aí que vai resolver. Antigamente nada podia, todo mundo vivia, assim, reprimido, digamos. Agora, tudo é possível. Eu acho que está faltando o meio termo, porque devemos nos pautar sempre pelo caminho da ponderação e buscar observar quem está agindo dessa forma ao nosso redor, no caso dos homens, ou mesmo precisando de ajuda, no das mulheres. Vamos buscar essa ajuda, principalmente para as mulheres que estão sofrendo dessa forma. Eu acho que é por aí, que esse é um caminho. Tudo é caminho. E ainda temos muito a percorrer. 

Você acha que nós mulheres, de forma geral, ainda somos tidas como as principais responsáveis pela educação dos filhos, não estamos sendo bem sucedidas na educação dos filhos homens, sobretudo? Acha que a nossa educação também possa estar sendo, de alguma maneira, muito machista ainda? 

Sim, mas eu acho que essa realidade está mudando, sabe? Eu já vejo famílias em que os filhos, os homens, já dividem as tarefas. Acho que as mulheres estão finalmente percebendo que essa construção começa em casa porque, senão, eles vão casar, vão formar família e vão continuar do mesmo jeito. Tudo é um processo. Mexer com ser humano, não é algo que se resolve de hoje para amanhã. É um processo longo. Minha geração talvez nem tenha se dado conta disso. Muito embora eu tenha tentando criar meus filhos de uma forma diferente da que meu pai foi criado, por exemplo. 

E a senhora acredita, então, que os homens hoje estariam mais abertos a participar desse debate?

Eu acho. De certa forma, a mentalidade do homem tem mudado um pouco também. 

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