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Os torturadores não serão torturados jamais

15 de Setembro de 2010 às 09:06
Artigo do deputado Mauro Rubem (PT) publicado no jornal Diário da Manhã, edição de 15.09.2010.
* Mauro Rubem é deputado estadual PT/GO, presidente da Comissão de Direitos Humanos, Cidadania e Legislação Participativa e vice-presidente da Comissão de Saúde



Estamos comemorando o 31º aniversário da anistia política no Brasil. Mas, apesar de algumas iniciativas, insignificante tem sido o debate a respeito de uma lei (6.683, de 28 de agosto de 1979) que representou a vitória de quem ousou se levantar contra o terror do regime imposto pelos militares no ano de 1964. Essa vitória tem de ser comemorada, sempre com maior entusiasmo, considerando o que ela representa para o Brasil, para toda a América Latina e, sobretudo, para a democracia.

Nunca é demais lembrar que, após 31 anos, ainda não está suficientemente explícita a transformação que o conceito de anistia adquire. Segundo o presidente Paulo Abrão e toda a direção da Comissão Nacional de Anistia, “antes, tinha-se a ideia de um ‘perdão’ que o Estado autoritário concedia aos que ele mesmo designou como criminosos políticos. Na democracia, o conceito de anistia deve ser outro: o Estado não mais perdoa, ele pede desculpas e cumpre seu dever de reparação”.

Hoje, como ontem, porém, os agentes da ditadura militar (1964-1985) tudo fazem e faziam para que a anistia representasse esquecimento. Assim, seria possível uma confortável situação para eles todos. Sendo esquecimento, a população terminaria não lembrando as atrocidades cometidas nos ignominiosos porões da ditadura militar e a violência praticada nas ruas contra as manifestações em favor de um Brasil justo e soberano.

Aliás, Carlos Drummond de Andrade, em julho de 79, já questionava: “Se a anistia é um processo de esquecimento, que será da História? E que será dos esquecidos, se eles merecem ser lembrados, vivos ou mortos que estejam, porque a injustiça os marcou? Eles merecem perdão ou reparação total?”. A propósito, o intelectual Elie Wiesel, que tem mais de 80 anos, compreendeu que sua missão é contribuir para que nunca morra a verdade sobre o holocausto dos judeus. Sobrevivente dos campos de concentração de Hitler, ele já escreveu 50 livros.

Elie Wiesel destaca “a memória” como uma eficiente forma de punição. Por isso, ele luta para que sempre sejam trazidos à tona os “milhões de pedaços de todos os lados, das vítimas, dos criminosos, das testemunhas, das crianças que escreveram poemas, das mães que fizeram cartas...” E diz mais: “Acredito profundamente que quem escuta uma testemunha do holocausto torna-se também uma testemunha”, que da mesma maneira não pode se calar.

Mas, aqui em nosso país, não se pode negar uma certa conivência com os crimes que repetiram a crueldade dos nazistas. Tanto assim que, após mais de três décadas da promulgação da Lei da Anistia, ela ainda serve de pretexto para que o Brasil, ao contrário de outros países da América do Sul , não puna os torturadores, não abra os arquivos da ditadura e não entregue os corpos das vítimas aos seus familiares, para que possam ser enterrados com o mínimo de dignidade.

Como presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Estado de Goiás, repudio a tentativa do Tribunal de Contas da União (TCU) de desmoralizar a Comissão Nacional de Anistia, querendo rever as reparações concedidas. E repudio, com a mesma veemência, a decisão do STF de procurar impedir a punição dos torturadores, como se eles não tivessem cometido crimes contra a humanidade (estranhamente, a suprema corte contribui para que o Brasil seja o país da impunidade).

Parabenizo o presidente Élio Cabral e os demais integrantes da direção da Associação dos Anistiados de Goiás (Anigo), que comemoram os 31 anos da anistia e homenageiam pessoas que lutaram por ela, buscando recuperar a memória das lutas democráticas do povo. E, parafraseando o jornalista Pinheiro Salles, refiro-me diretamente aos torturadores protegidos pela impunidade: estou certo de que a democracia vencerá, eles serão punidos e não serão torturados jamais, porque a consciência democrática do nosso povo abomina a prática odienta da tortura.

 


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