Saúde da população negra

A deputada Delegada Adriana Accorsi (PT) promoveu nesta terça-feira, 26, audiência pública para discutir sobre a saúde pública da população negra de Goiás. O evento teve espaço no auditório Solon Amaral.
Ao abrir a audiência, Adriana Accorsi afirmou que o debate é de extrema importância, e ressaltou que pretende aprender bastante. ‘‘Precisamos tomar decisões concretas e decidir como vamos contribuir para a saúde pública da população negra de Goiás. Temos uma mesa com pessoas extremamente qualificadas, eu e a deputada Lêda Borges estamos aqui para ouvir vocês’’, disse.
A deputada Lêda Borges (PSDB) usou a palavra para parabenizar Accorsi e enfatizou a importância da discussão sobre a saúde da população negra.
“Quero agradecer à deputada Adriana pela atitude de colocar essa pauta em discussão. Espero que daqui saiam ideias e atitudes para que possamos levar ao Parlamento e fazer com que os projetos sejam aprovados e implantados para a melhoria do atendimento da saúde da população negra”, disse.
Dificuldades
A psicóloga Eucimar Dias Pereira fez uma exposição acerca das dificuldades sociais pelas quais passa a população negra. Segundo ela, estas dificuldades causam as doenças psicológicas e psicossomáticas dessa população, que é 56% da população geral do País.
“Não dá para pensarmos na saúde da população negra de forma segmentada. É preciso pensar na sociedade como um todo e não apenas nos aspectos fisiológicos. Somente em 2009 tivemos uma Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, que foi implementada porque existem doenças como a anemia falciforme, cuja incidência é maior entre a população negra”, afirmou.
Ela apresentou a teoria da chamada necropolítica, de Achille Mbmbe, que diz que a soberania do Estado escolhe quem deve viver e morrer. E de como isso naturaliza a violência contra negros e dificulta o atendimento, bem como o direito a essas pessoas. “Para cuidar da população negra precisamos estruturar uma sociedade anti-racista”, finalizou.
Anemia falciforme
A biomédica Taís Peres Terra Araújo explicou, durante a audiência pública, o que é a anemia falciforme. “A anemia falciforme é uma doença genética de alteração no DNA. Não tem cura, é de alta gravidade e muito frequente. Há 18 anos que a anemia falciforme foi incluída no diagnóstico do teste do pezinho, o que ajuda no controle da doença, uma vez que o diagnóstico é feito precocemente”, disse a biomédica.
Além disso, a expositora trouxe dados estatístico, como o fato de, a cada 1400 bebês testados, um é diagnosticado com anemia falciforme em Goiás. Segundo a especialista, este número significa uma frequência muito alta, se comparada a outras doenças genéticas.
A anemia falciforme é uma doença genética e hereditária, predominante em negros. Ela se caracteriza por uma alteração nos glóbulos vermelhos, que perdem a forma arredondada e elástica, adquirem o aspecto de uma foice e endurecem, o que dificulta a passagem do sangue pelos vasos de pequeno calibre e, consequentemente, a oxigenação dos tecidos.
São sintomas da doença: dor forte provocada pelo bloqueio do fluxo sanguíneo e pela falta de oxigenação nos tecidos, dores articulares, fadiga intensa, palidez e icterícia, atraso no crescimento, feridas nas pernas, tendência a infecções, problemas neurológicos, cardiovasculares, pulmonares e renais e priapismo (ereção involuntária).
A educadora da prefeitura de Goiânia, Divina Aparecida Alves Dias, afirmou que ter anemia falciforme em Goiânia é extremamente difícil. ‘‘Eu dependo do Sistema Único de Saúde (SUS). A espera por uma consulta chega a três meses. Eu infelizmente descobri que tinha a doença, porque perdi a visão. Sempre fui atendida como se eu tivesse reumatismo. Eu só queria saber quando nós vamos ter atendimento, principalmente na Santa Casa, onde sempre tive atendimento’’, indagou.
Preconceito
A assistente social, mestra em educação e doutora em Ciências de Saúde, Eulange de Souza, fez o uso da palavra no debate e constatou que em sua pesquisa de mestrado sobre a anemia falciforme, as crianças portadoras da doença são tratadas, na sociedade, de forma diferente. Segundo ele, muitas escondem que têm a doença para não sofrerem o preconceito.
‘‘Existe também o rompimento de vínculos, pois a criança fica muito tempo internada, não vai pra escola, não convive em sociedade. Muitos dentistas nem atendem crianças com a doença. Termos acesso à escola é muito importante, mas para uma pessoa com anemia falciforme, é muito mais. Porque se ela não tem estudo, que trabalho ela vai conseguir?’’, disse.
Racismo
O gerente de Assistência às Vítimas de Preconceitos da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Políticas Afirmativas, Dilmo Luis Vieira, disse que o racismo deve ser discutido, pois só assim será possível discutir o sistema de saúde para tratar a anemia falciforme.
‘‘É preciso falar dos espaços de opressão, da periferia, que é de onde eu venho. Como é que um profissional de saúde vai trabalhar e tratar a doença, se na faculdade ele não tem uma matéria que trata sobre os povos africanos, que aprofunda sobre as doenças que podem surgir nessas regiões? Eu espero que a gente possa discutir o assunto em nosso dia a dia e não só nessa audiência pública, que tem grande importância’’.
O representante do Conselho Estadual de Saúde, Fausto Jaime, expressou sua preocupação em tratar doenças, como a anemia falciforme, com detecção precoce, para que as resoluções não sejam apenas paliativas, mas sim curativas.
“Quero chamar a atenção de vocês para aspectos da anemia falciforme, que é um problema em todo o estado. Nós temos uma atenção primária pouco resolutiva. É importante que esses casos sejam diagnosticados o mais rápido possível para que não hajam complicações que não tenham mais solução. Problemas pequenos não tratados, acabam se tornando casos graves, inclusive de óbito”, disse.
O superintendente de Rede e Atenção à Saúde da Secretaria Municipal de Saúde, Sílvio Queiroz, afirmou que a atenção primária para a anemia falciforme é extremamente importante. ‘‘Eu trabalhei na Santa Casa e presenciei pacientes com leucemia falciforme. É uma situação extremamente complicada. Nós temos que unir forças e acelerar a discussão para que melhore esse acesso no atendimento primário, secundário e terciário. Os pacientes devem ser bem direcionados’’, disse.
A superintendente da Mulher e Igualdade Racial da Secretaria Estadual de Desenvolvimento Social, Rosi Guimarães, falou sobre o trabalho da superintendência no desenvolvimento de regiões quilombolas, como Cavalcante.
“A superintendência da Mulher não trabalha na articulação das políticas públicas juntos aos demais órgãos do estado. Vamos buscar a adaptação para levar a lugares remotos e quilombolas, unidades móveis de saúde para a verificação de doenças. Queremos levar dignidade e políticas públicas a todos os lugares do nosso estado e trabalhar o desenvolvimento social da população mais pobre”, disse.