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Alego adere a pesquisa acadêmica e propõe projeto para combater discriminação ao cabelo natural de pessoas negras

15 de Julho de 2020 às 10:29
Crédito: Denise Xavier
Alego adere a pesquisa acadêmica e propõe projeto para combater discriminação ao cabelo natural de pessoas negras
Deputada Delegada Adriana Accorsi

O Poder Legislativo goiano, conhecido também como a Casa do Povo, tem por função, além de fiscalizar os demais poderes estaduais, a elaboração e discussão das leis que regem o estado. É o meio do cidadão, a partir de seus representantes eleitos pelo voto direto, participar e intervir nos assuntos públicos. Um exemplo dessa proximidade com o povo é o que ocorre com a elaboração do projeto nº 1345/20, atualmente em tramitação na Casa de Leis.

A propositura trata sobre a punição administrativa a qualquer instituição, pública ou privada, integrante do sistema de ensino ou do mercado de trabalho,  que impeça um servidor público ou agente privado, do gozo de um direito por motivo de discriminação quanto ao cabelo natural de pessoas negras, independente do estilo do corte.

Essa matéria foi proposta pelo presidente da Casa de Leis goiana, Lissauer Vieira (PSB), e pela deputada estadual Delegada Adriana Accorsi (PT), por meio de sugestão oriunda de uma pesquisa acadêmica desenvolvida por Sara França Eugênia, junto ao Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos da Universidade Federal de Goiás (UFG).

Sara França teve como objeto de pesquisa o cabelo crespo, a transição capilar, o racismo e identidade negra e, a partir de discussões junto ao Coletivo Rosa Parks – grupo de extensão em Estudos e Pesquisas sobre Raça, Etnia, Gênero, Sexualidade e Interseccionalidades ligado à UFG – foi possível, segundo ela, “perceber a necessidade de uma legislação eficiente com relação à proteção da população negra e de sua liberdade de expressão estética e identitária”.

Ela explica que levou sua pesquisa até a Assembleia Legislativa, e os parlamentares citados aceitaram ser os proponentes do projeto dentro da Casa. “É imprescindível o papel da Alego para dar voz ao cidadão. A pesquisa começou dentro da UFG e hoje tem o apoio da população porque faço parte de um coletivo de mulheres negras que estuda isso. Nós precisávamos transformar esse estudo em algo tangível. Às vezes, as pesquisas ficam distantes do povo que não está na universidade. Então nos pesquisamos e discutimos e, é muito importante que no Brasil exista a oportunidade de fazermos isso, mas, infelizmente, pode ser que essa informação não chegue à população”, disse Sara.

A pesquisadora afirmou, ainda, que a aproximação da universidade com a população pode ser feita de várias formas e o Poder Legislativo é uma delas. “Para mim, a Assembleia, por meio dos parlamentares Adriana Accorsi e Lissauer Vieira, foi essencial. Ajudaram a pegar tudo que está no meu projeto de mestrado e transformar em algo que vai, efetivamente, mudar a vida das pessoas negras de Goiás. Vamos mudar a realidade de fato, vai sair do papel, vamos fazer alguma diferença. Só pelo fato de estar sendo discutido com a população fora da universidade, já é muito bom. Esse apoio da Alego vai, efetivamente, dar à pesquisa um alcance prático. Foi muito importante”, ressaltou.

Proposta

Segundo o texto da proposta, são atos discriminatórios ao direito ao cabelo natural da pessoa negra: praticar qualquer tipo de ação violenta, constrangedora, intimidatória ou vexatória; proibir ou impor constrangimento ao ingresso ou permanência em ambiente ou estabelecimento aberto ao público; recusar, retardar, impedir ou onerar a utilização de serviços, meios de transporte ou de comunicação; negar emprego, demitir, impedir ou dificultar a ascensão em empresa pública ou privada, assim como impedir ou obstar o acesso a cargo ou função pública ou certame licitatório; dentre outros.

Os avisos de que trata esse artigo devem ser exibidos na forma de cartaz, placa ou plaqueta com os seguintes dizeres: “Será punido administrativamente todo ato de discriminação ao cabelo natural da pessoa negra no estado de Goiás. DENUNCIE”. O descumprimento acarretará, ao proprietário ou responsável pelo estabelecimento ou meio de transporte coletivo, multa de 100 Unidades Fiscais de Referência.

As sanções aplicáveis aos que praticarem atos de discriminação serão as seguintes: advertência; multa de até 1.000 Unidades Fiscais de Referência; multa de até 3.000 Unidades Fiscais de Referência, em caso de reincidência; suspensão da licença estadual para funcionamento por 30 dias e cassação da licença estadual para funcionamento.

Já se a infração for cometida por agente público, servidor público ou militar, no exercício de suas funções, serão aplicadas as penalidades disciplinares cominadas na legislação pertinente. “O valor da multa será fixado tendo-se em conta as condições pessoais e econômicas do infrator e não poderá ser inferior a 500 Unidades Fiscais de Referência”, explica o texto da matéria.

Sara França explica que a proposta é inspirada em um projeto norte-americano que prevê a aprovação de uma legislação contra a discriminação de cabelos naturais de pessoas negras em todos os estados do País. “Atualmente, se não me engano, esse projeto já foi aprovado em 17 estados norte-americanos e estão trabalhando para que seja aprovado em todos os estados”, contou.

Ela explica que, quando se trata de cabelo natural, no caso das pessoas negras, envolve não apenas o cabelo crespo e cacheado, mas também o cabelo trançado, que tem muito a ver com a identidade do povo negro, o cabelo rastafari e turbantes. “Hoje somos o primeiro estado do Brasil a propor uma legislação nesse sentido. Goiás está saindo na vanguarda nessa questão de demanda popular. É o momento de se observar a estética negra como algo que precisa ser aceito e respeitado. É um projeto que tem tudo para conseguir um bom alcance de mídia, por ser o primeiro estado do País a aderir, e por ter uma referência nos EUA”, ressaltou ainda.

Fundamento da propositura

Segundo o fundamento produzido por Sara para a proposta da legislação supracitada, dados disponibilizados pelo Google BrandLab mostraram que uma em cada três mulheres foi vítima de preconceito relacionado ao cabelo e quatro em cada dez disseram já ter sentido vergonha dos cabelos cacheados. “Por isso, é importante uma ação do Poder Legislativo para ativamente combater o racismo que ainda aflige negros e negras em nossa cidade”, sustentou a pesquisadora.

Ademais, Sara França apresenta dados sobre as leis brasileiras que buscam garantir a punição de qualquer ato discriminatório. “As leis brasileiras e as normas internacionais proíbem ao empregador e a qualquer pessoa a adoção de qualquer prática que implique preconceito ou discriminação em virtude de raça. Nesse sentido, é a orientação expressa na Constituição Federal, artigo 3, inciso IV e artigo 5°. A Convenção nº 111 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), de 1958, ratificada pelo Brasil e promulgada pelo Decreto nº 62150, de 19 de janeiro de 1968, estabelece a eliminação de toda discriminação em matéria de emprego, inclusive por motivos de raça”, apresentou.

Segundo ela, é importante destacar também a Declaração da OIT sobre os Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho, na qual se reafirmou o compromisso dos Estados-membros, dentre os quais figura o Brasil, de aplicar o princípio da não-discriminação em matéria de emprego e ocupação. “Nesse aspecto,  também há a Lei nº 9.029, de 13 de abril de 1995”.

Contudo, afirma Sara, surge uma lacuna que permite demonstrações de racismo, o cabelo. “Comumente vista como uma exigência de aparência profissional, a discriminação do cabelo natural ou de penteados étnicos é racismo. Definitivamente oprime negros e negras no ambiente profissional e escolar. Por isso, a necessidade de uma legislação que coíba expressamente a discriminação estética com relação ao cabelo, por ser um mesmo um sinal diacrítico que imprime negritude nos corpos, portanto discriminá-lo é um ato de racismo”, disse.

“Dentro da minha pesquisa, eu comecei a analisar como existe a discriminação por causa do cabelo e da estética negra com o disfarce da boa aparência. Temos muitos anúncios de emprego onde se usa a expressão ‘o candidato deve ter boa aparência’. De uma forma comum, a ‘boa aparência’ é entendida como a aparência de uma pessoa branca. Não é boa aparência você ter um cabelo Black Power, não é boa aparência você usar rastafari. A boa aparência para mulheres é o cabelo liso e para homens é o cabelo raspado”, explicou Sara.

Ela destaca que essa “boa aparência” exigida socialmente é uma “aparência de pessoa branca” e que não engloba a maioria da população brasileira. “Hoje, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a maioria da população brasileira se declara como preta ou parda. Então, estamos colocando uma régua de boa aparência que não engloba a maior parte da estética das pessoas do Brasil. Isso é racismo”, afirma Sara.

Ainda, de acordo com ela, existe uma coação em relação ao fato das pessoas negras terem que aderir a uma aparência que não condiz com elas. “Elas se sentem coagidas a adotar uma aparência que não é a delas, ou seja, alisar o cabelo ou raspar. Tudo isso para conseguirem um emprego, pois sabem que se forem para uma entrevista usando tranças ou rastafari, a chance delas não serem escolhidas por causa disso é grande. Em outros casos, quando já têm emprego e recebem um convite de promoção, há a exigência de que a partir daquele momento as pessoas passem a alisar o cabelo ou cortem o cabelo muito curto”, disse.

Ademais, Sara trata sobre a violência que há por traz da exigência estética. “A estética é uma forma com a qual você se expressa diante do mundo, e você não poder se expressar como gostaria é uma forma de violência à sua identidade e à sua autoestima. Se o seu cabelo natural crespo não é bem aceito, ele te impede de conseguir um emprego ou de prosperar na carreira, é uma violência constante à sua autoestima, porque você se sente feio, você só se sente bonito e aceito se você adota uma estética que não é a sua. É violento você querer ser alguém que não é o seu tipo físico”, sustenta.

Opine Cidadão

As portas da Assembleia Legislativa de Goiás (Alego) estarão sempre abertas para receber sugestões vindas da população. O Poder Legislativo é o órgão de representação mais imediata do povo, e um meio para isso é a seção “Opine Cidadão” do portal institucional do Parlamento goiano.

Lá, é possível se posicionar em relação a qualquer projeto de lei em tramitação na Alego. Através do serviço, a Assembleia permite que as pessoas votem a favor ou contra os processos que tramitam na Casa, demonstrando assim sua vontade e permitindo que os parlamentares tomem decisões de acordo com o clamor popular.

Para utilizar o “Opine Cidadão”, basta fazer um rápido cadastro, que pede nome, e-mail, cidade e Estado, além da elaboração de uma senha. O acesso também pode ser feito por meio da conta do Facebook ou do Google.

 

Agência Assembleia de Notícias
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