Uma cidade, muitas faces
Uma das mais jovens capitais do Brasil, nossa querida Goiânia, completa 89 anos no dia 24 de outubro. A data faz referência ao lançamento da pedra fundamental que deu início à construção da cidade, no ano de 1933.
A ideia de transferir a sede do Governo de Goiás, inicialmente localizada na Cidade de Goiás, remonta ao século XVIII, quando o Brasil ainda era colônia de Portugal. O então município de Vila Boa apresentava como principais inconvenientes sua localização geográfica e topografia. Cercada por montanhas, o acesso era dificultado e, a expansão, impossível. Entretanto, à época, os portugueses vetaram a ideia, alegando o alto custo do projeto como motivo.
Passados muitos anos, com as mudanças no cenário político nacional ocasionadas pela Revolução de 1930, a iniciativa finalmente ganhou fôlego para sair do papel. O interventor federal Pedro Ludovico Teixeira, interessado em combater o sistema oligárquico que dominava a política, conseguiu apoio de Getúlio Vargas, que buscava estimular a ocupação populacional da região Centro-Oeste.
Uma nova capital iria representar crescimento econômico, o progresso e o desenvolvimento nas terras goianas. Assim, em 1932, uma comissão foi formada para escolher o local em que seria construída a cidade.
Conforme conta o arquiteto e urbanista Yuri Tomazett, a decisão final estava entre as proximidades de Silvânia (antiga Bonfim) e de Campinas. A segunda opção levou a melhor. “A região do então município de Campinas foi escolhida por possuir estrutura urbana mais desenvolvida, população maior, bacia hidrográfica favorável e localização central estratégica”, explica.
O historiador Sergio Luiz conta que o nome foi escolhido em um concurso no jornal “O Social”. “Basicamente, o significado parte do sufixo -ia, que dá a ideia de posse. Goiânia é a cidade de Goiás. É o mesmo princípio de Brasília, por exemplo”, detalha.
O projeto de Goiânia foi elaborado, em um primeiro momento, por Atílio Corrêa de Lima, que trouxe conceitos do urbanismo francês para o desenho do município. Na análise do arquiteto e urbanista Luiz Fernando Teixeira, o destaque do esboço é que, já naquela época, se preocupava em proteger os recursos hídricos. “Era ecológico e possuía os princípios da sustentabilidade”, reflete.
Em 1936, a chefia da construção muda de mãos e Armando de Godoy assume a função e permanece nela até o final. O arquiteto traz mudanças, como o conceito das cidades jardim, importado da Inglaterra. “Ele fez um projeto mais orgânico, isto é, criou, por exemplo, na área que hoje é o Setor Sul, grandes parques integrados à estrutura urbana”, comenta Teixeira.
Em março de 1937 a mudança foi finalizada e Goiás ganhou oficialmente uma nova capital. Mas, hoje, em que se transformou o quase nonagenário município?
Uma cidade, muitas faces
Inicialmente pensada para receber 50 mil habitantes, a cidade conta, segundo as projeções mais recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com uma população estimada de 1,5 milhão de pessoas.
A historiadora Keith Valéria opina que, apesar de Goiânia ter sido planejada, até mesmo o próprio Pedro Ludovico Teixeira ficaria surpreso com o quanto a cidade cresceu. “Em um período de tempo relativamente curto, já nos tornamos uma importante metrópole no Centro-Oeste”, avalia.
Vale ressaltar que Goiânia é conurbada a 20 municípios vizinhos, que formam, então, a região Metropolitana, ou Grande Goiânia. Juntas, as cidades somam mais de 2,5 milhões de moradores.
Ainda de acordo com o IBGE, atualmente, a Capital do estado de Goiás tem um território de 729,296 quilômetros quadrados. Seu Produto Interno Bruto (PIB) está na casa de R$ 52,9 bilhões (0,72% do valor nacional), o 14º no ranking dos municípios e o maior de Goiás. Enquanto o rendimento médio mensal dos trabalhadores formais é de 3,2 salários mínimos, a renda per capita é de R$ 34,9 mil. 41,3% da população está ocupada.
Em 2022, a cidade recebeu o selo prata da plataforma Connected Smart Cities, desenvolvido como forma de reconhecer os avanços na busca por soluções públicas inteligentes. Foi o melhor resultado entre os municípios de Goiás e o terceiro na região Centro-Oeste, atrás de Campo Grande e Brasília.
Além disso, está em 25º no Ranking Connected Smart Cities 2022, elaborado pela Urban Systems. Goiânia ganhou 11 posições em relação ao último resultado, que avalia mais de 900 projetos em 11 eixos diferentes, desenvolvidos em 680 municípios.
Mobilidade
Outro destaque importante é que, no Brasil, Goiânia é o município mais arborizado, conforme dados do IBGE. A taxa de arborização alcança 89,3%, com 94 metros quadrados por habitante - a recomendação mínima da Organização das Nações Unidas (ONU) é de 12 metros quadrados. A Comissão Europeia e Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) reconhecem a Capital como um dos integrantes da lista de cidades mundialmente sustentáveis.
Entretanto, também há desafios no universo goianiense. O Coeficiente de Gini, que mede a distribuição de renda de uma população, da região Metropolitana de Goiânia cresceu de 0,467 para 0,500 entre 2014 e 2021. O indicador varia de zero a um, sendo que zero representa a situação de igualdade e quanto mais próximo de um, mais desigual é o grupo analisado.
Além disso, o índice de pobreza aumentou de 10,2% da população, em 2014, para 20,1% em 2021. São dados do Boletim de Desigualdade nas Metrópoles, embasado na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD), do IBGE, que indicam a desigualdade econômica.
A mobilidade urbana se destaca como mais um ponto a ser melhorado. Segundo o Estudo Mobilize 2022, o principal meio utilizado pelos goianienses para atravessar os 421,5 quilômetros quadrados da área urbanizada é o transporte público, no caso, unicamente composto por ônibus. A maioria das pessoas (64%) utiliza ônibus, bicicletas ou se deslocam a pé.
Por outro lado, ocupando a maior porção nas vias, estão os carros. Goiânia tem cerca de 1,12 milhão de veículos destinados ao transporte individual motorizado, apontam dados de 2022 da Secretaria Nacional de Trânsito.
Ainda segundo o relatório Mobilize 2022, 26% da população se locomove caminhando pela cidade, mas há apenas 0,7 faixa de pedestres a cada quilômetro de ruas e, ainda, somente 0,06% das calçadas são consideradas ideais. Assim, o levantamento aponta para uma infraestrutura que prioriza a locomoção por veículos motorizados individuais.
Maior colégio eleitoral do estado, Goiânia possui vários representantes na Assembleia Legislativa de Goiás (Alego). Os parlamentares, assim como os demais habitantes da Capital, reconhecem problemas que precisam ser enfrentados, mas também ressaltam as vantagens da cidade.
A alma goianiense
A memória costuma estar ligada ao espaço e traz senso de pertencimento à cidade, afirma o historiador Luiz Sérgio Silva. E Goiânia guarda em si cada traço, mudança e recorte que foram feitos nos seus anos de existência.
Já dizia o cronista João do Rio: “A rua é um fator da vida das cidades, a rua tem alma!”. Se as de Goiânia pudessem falar, por exemplo, teriam muito a dizer. O ritmo do cotidiano pode fazer passar despercebido, mas a Capital possui, em seu conjunto arquitetônico no Centro, um dos principais acervos do movimento art déco em todo o mundo.
Conforme conta a arquiteta Márcia de Mello, o estilo foi importado da Europa na época da construção da cidade e era um sucesso global nos anos de 1930. “A art déco surgiu em contraposição à art noveau, que é rica em detalhes. Ou seja, o estilo pressupunha uma certa “limpeza” e uma certa “modernidade”. Mas ele ainda é bastante decorativo, usa de formas geométricas, ornamentos e design abstrato”, explica. O objetivo de incorporar o movimento à nova cidade era trazer a ideia de modernidade e sofisticação.
Goiânia tem 22 edificações em art déco tombadas pelo Instituto Nacional do Patrimônio Artístico Nacional (Iphan). Entre elas, estão: Palácio das Esmeraldas; Museu Zoroastro Artiaga; Procuradoria-Geral do Estado; antiga Estação Ferroviária; Teatro Goiânia; coreto da Praça Cívica; Grande Hotel e mureta e trampolim do Parque Lago das Rosas.
Será que os goianienses estão sabendo valorizar este pedaço que faz parte da essência de sua cidade? É preciso redescobrir o espaço e a maneira com que nos relacionamos com ele, e foi isso que inspirou a professora e arquiteta Isabel Rodrigues a escrever o livro “Goiânia e o art déco”.
Na obra, voltada para o público infantil, a personagem Carmen, uma capivara, descobre o estilo artístico em sua cidade ao caminhar pela Praça Cívica. Com isso, ela fica curiosa sobre a história de Goiânia e convida o leitor a passear pela cidade e conhecer seus principais monumentos.
Outra iniciativa de ressignificação do espaço público é o projeto “Deriva do Bem”. Coordenado por professores da Universidade Federal de Goiás (UFG), a Deriva completou 10 anos em 2022 e “tem por objetivo realizar o encontro do derivante com a cidade e com o homem que a habita. É um estímulo à reflexão, à experiência e à memória”.
Para isso, a proposta é simples: convidar as pessoas a caminhar pela cidade, muitas vezes sem um roteiro preestabelecido, para vê-la com mais atenção e cuidado. O evento é gratuito e os participantes caminham juntos, fotografando, em uma data pré-estabelecida pela organização.
A Deriva do Bem tem, em seu perfil do Instagram, uma retrospectiva das 13 edições já realizadas (nem todas em Goiânia). Segundo os organizadores, o professor Bráulio Vinícius Ferreira e o arquiteto e urbanista Altillierme Carlo Pereira dos Santos, “são verdadeiras declarações de amor à cidade”.