Transtorno Bipolar
O Dia Mundial do Transtorno Bipolar vem sendo celebrado anualmente, no dia 30 de março, através de uma iniciativa criada pela Sociedade International de Transtornos Bipolares (ISBD) em parceria com a Rede Asiática de Transtorno Bipolar (ANBD) e a Fundação Bipolar International (IBPF). O objetivo da celebração é chamar a atenção para esse transtorno de humor, eliminar o estigma social e levar informação à população, educando e sensibilizando para a doença, que representa um desafio significativo para pacientes, profissionais de saúde, familiares e comunidade.
A data é celebrada no dia do aniversário do pintor holandês Vincent Van Gogh, um dos maiores pintores de todos os tempos, que foi diagnosticado, postumamente, com esse tipo de transtorno. Sua história demonstra que, apesar da sua instabilidade psicológica, Van Gogh encontrou na pintura uma maneira de ser produtivo e de se expressar. Ele pintou cerca de 400 telas, mas durante sua vida vendeu apenas ‘O Vinhedo Vermelho’ por cerca de 400 francos. Sua genialidade só foi reconhecida mais tarde, quando em 1990, 100 anos após a sua morte, sua tela ‘Retrato do Dr. Gachet’ foi arrematada por U$ 82,3 milhões.
O pintor impressionista, que viveu entre 1853 e 1890, ficou mundialmente conhecido pelas suas pinceladas marcantes e seu humor instável. Durante sua vida conturbada, um provável surto psicótico fez com que ele cortasse uma de suas orelhas e, anos mais tarde, cometesse suicídio. Sua bibliografia demonstra que o consumo excessivo de álcool, maus hábitos alimentares e seu desentendimento com o pintor Paul Gauguin, que Van Gogh estimava muito, podem ter contribuído para esse desfecho trágico.
Entretanto, trágico mesmo seria não falar da relevância dessa data, considerada primordial para ajudar o paciente na aceitação do distúrbio e mostrar que hoje em dia os recursos para tratar a doença são muitos maiores do que no passado, onde praticamente não existia medicação adequada para essa doença. Infelizmente, ainda hoje, muitos daqueles que têm acesso aos tratamentos ignoram os sintomas e não buscam ajuda, seja por ignorância, seja por preconceito. Por tal razão, divulgar conhecimento sobre o transtorno bipolar é de suma importância, pois é preciso esclarecer que é possível contornar o problema por meio de intervenções adequadas.
A doença ainda não tem cura, mas pode ser bem controlada quando diagnosticada precocemente. Atualmente, afeta aproximadamente 254 milhões de pessoas no mundo todo, segundo dados da Fundação Bipolar Inglesa. No Brasil, a Associação Brasileira de Transtorno Bipolar (ABTB) estima a existência de aproximadamente 8 milhões de pessoas com a doença no país, sendo considerada uma doença crônica que representa uma das principais causas de incapacitação quando não tratada. A causa exata do transtorno afetivo bipolar ainda é desconhecida. Entretanto, estudos sugerem que o problema pode estar associado a alterações em certas áreas do cérebro e nos níveis de vários neurotransmissores, como noradrenalina e serotonina.
Independentemente da causa, a Organização Pan Americana de Saúde (OPAS) avalia que cerca de 80% das pessoas com transtornos mentais, em países de baixa ou média renda salarial, não têm acesso ao diagnóstico precoce e, portanto, a nenhum tipo de tratamento. A OPAS prega que o maior problema da ausência de intervenção é que, com o passar do tempo, o paciente acumula significativos prejuízos e incorre no risco de evoluir para desordens emocionais e psíquicas mais graves. Além disso, a falta de suporte adequado para esses pacientes gera implicações sérias no aspecto pessoal, familiar, social e profissional.
Características da bipolaridade
De acordo com a psiquiatra Larissa Ferreira de Almeida Zeringota, o transtorno bipolar está relacionado com mudanças de humor que geralmente duram por certos períodos, semanas ou meses, sendo caracterizadas pelas fases de depressão e fases de mania ou hipomania. Ela relata que normalmente o paciente procura o médico psiquiatra pelo quadro de depressão, mas no decorrer do tratamento, ele pode evoluir para uma fase de mania, que é percebida tanto pelo paciente quanto pelas pessoas à sua volta. Já na hipomania, o paciente pode até achar que melhorou, mas “só mesmo um médico psiquiatra com olhar clínico para perceber o que de fato está ocorrendo”.
Zeringota explica que existem dois tipos prevalentes do transtorno bipolar. No tipo I são intercaladas fases de depressão e mania, enquanto no tipo II são intercaladas fases de depressão e hipomania. Entretanto, na fase de mania, o paciente pode passar por instabilidade significativa, ficando mais eufórico, agitado, agressivo, tendo o sono reduzido, ficando mais exposto a comportamentos de risco, intensificando compulsões como aquelas voltadas para alimentos, compras, jogos, hipersexualidade, além de delírios e alucinações. “Estamos falando de pacientes em crise, mas, com o tratamento, a gente consegue manter o paciente estável. O ideal é que o paciente consiga estabilizar o humor o quanto antes”, pontua.
A especialista adverte que os fatores genéticos e biológicos desempenham um papel preponderante entre as causas da doença, mas o tipo de personalidade e o stress que o paciente enfrenta também são importantes no desencadeamento das crises. Nos dias atuais, a doença pode ser controlada através de medicamentos estabilizadores do humor, cuja ação terapêutica diminui muito a probabilidade de recaídas, tanto das crises de depressão como de mania, ambas consideradas os dois extremos da doença. Naturalmente, o apoio psicológico individual e familiar é um complemento indispensável para o tratamento.
Zerigota alerta que, após a estabilização do paciente, ele precisa estar atento ao tratamento de manutenção e fazer retorno ao psiquiatra nas datas estabelecidas, além de dar continuidade ao atendimento psicoterápico. “O grande erro do paciente é que muitas vezes, na primeira melhora, ele abandona o tratamento, mas esse é um tratamento para a vida toda, pois essa é uma doença para a qual ainda não existe cura. Entretanto, após realizado o diagnóstico, se o paciente fizer uso da medicação correta e buscar o acompanhamento constante de um psicólogo, a pessoa pode sim desenvolver suas atividades habituais tanto quanto qualquer outra, na grande maioria dos casos”, entende a psiquiatra.
Em entrevista à equipe de reportagem da Agência de Notícias da Assembleia Legislativa de Goiás (Alego), a psicóloga Adriana Froes comentou que, de acordo com os estudos, o transtorno bipolar comumente atinge mais mulheres do que homens devido às constantes oscilações hormonais às quais o sexo feminino está sujeito. Ela avalia que as próprias condições do gênero no mundo podem potencializar o transtorno devido ao stress, estilo de vida, acúmulo de funções, sobrecarga de responsabilidades e atividades.
Já quando o critério é a idade, Froes revela que o transtorno prevalece sobre as pessoas entre 20 e 40 anos, exatamente no período onde existe o pico da atividade laboral, e quando não tratado, pode trazer uma série de dificuldades no trabalho, especialmente pela dificuldade do paciente em estabelecer uma rotina. Ela destaca também que existe um estranhamento, desconforto, sofrimento, pois ora a pessoa está de um jeito, ora de outro.
Na psicologia, revela a terapeuta, “a primeira coisa que vamos trabalhar é a aceitação da doença, porque quase sempre já se carrega todo um estigma com relação à doença. Via de regra, com ou sem transtorno, a terapia auxilia o sujeito a ter uma vida melhor. No caso deste transtorno, o obrigatório mesmo é ter o acompanhamento psiquiátrico, porque o paciente tem uma mudança química e, portanto, só a terapia não resolve, o ideal é que haja os dois acompanhamentos”, entende Froes.
“A família é quem dá suporte e deve ser acompanhada, pois, dependendo da fase, a convivência com o doente não é nada fácil. Se não estiver muito bem preparada emocionalmente, a família toda pode adoecer, por isso é fundamental que a família seja orientada sobre a doença, para compreender o que é da personalidade do seu ente querido e o que é da enfermidade. E todos os transtornos mentais carregam a característica do preconceito e pode envolver muita culpa na relação parental, colaborando inclusive para criar muitos conflitos. O ideal então é a família também receber atendimento psicológico, entendendo, entretanto, que a prioridade é o paciente”, ensina Froes.
Depois de ser diagnosticado, medicado e ser considerado um paciente estabilizado, para que o paciente com transtorno bipolar possa ter o quadro estabilizado pelo maior tempo possível é indicado que ele não faça uso de álcool, drogas, fumo e nem cafeína - buscando ter uma alimentação diversificada e de qualidade. Além disso, o ideal é que o paciente escolha uma atividade física de sua preferência e adquira uma rotina de exercícios para construir uma vida cada vez mais saudável, indica a profissional da psicologia da Alego.
Conhecimento e hábitos saudáveis podem fazer a diferença
Uma das boas publicações sobre o assunto, que pode auxiliar qualquer pessoa com informações diversas e numa linguagem muito acessível é o "guia de apoio: aprender a viver com a doença bipolar’, disponibilizado na internet pela Associação de Apoio aos Doentes Depressivos e Bipolares de Portugal. Ele traz uma gama de informações sobre o assunto, tais como: diagnóstico, medicação, auto-ajuda, psicoeducação, relações interpessoais, saúde, gestão da própria vida e, ainda, como apoiar outro bipolar.
Outra cartilha, que também pode ser bem interessante, é a intitulada ‘Direto ao Ponto’ da Associação Brasileira de Familiares, Amigos e Portadores de Transtornos Afetivos por demonstrar a diferença entre os episódios da doença que podem ser entendidos pelo médico psiquiatra como sendo emergenciais, de manutenção, de profilaxia ou reavaliação, após tratamento inicial com determinado medicamento.
A referida publicação destaca também as principais comorbidades psiquiátricas e físicas do transtorno bipolar baseado numa pesquisa realizada pelo Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Ela destaca as principais comorbidades atreladas ao diagnóstico da bipolaridade, na avaliação de 288 pacientes. Dentre as comorbidades psiquiátricas destacam-se o transtorno de ansiedade e o uso excessivo de substâncias, enquanto dentre as comorbidades físicas destaca-se a hipertriglicerimedia (aumento dos triglicerídeos) e o baixo HDL.
Por último, o blog da ‘Conduta Nutricional para pacientes com transtorno bipolar’ é uma leitura que, apesar de um pouco mais longa, pode valer muito a pena. A página comenta sobre a obesidade e o sobrepeso, já que pela própria desordem emocional o paciente, durante a fase de depressão profunda fica mais acamado e sujeito ao ganho de peso. Já na fase da mania, o quadro de agressividade, irritação e euforia pode predispor o paciente ao consumo exagerado de alimentos mais calóricos e açucarados, já que a glicose ativa o sistema de recompensa no cérebro. Adotar hábitos saudáveis de vida e buscar relações mais satisfatórias também ajuda bastante, indica a publicação.