Maio Amarelo, que completou 10 anos, encerra essa edição com redução no número de acidentes e mortes esse mês em Goiás

O Maio Amarelo 2023 chega ao fim com uma boa notícia: a redução no número de acidentes e mortes nesse mês em Goiás, em relação ao mesmo período do ano passado. Reflexo das iniciativas que buscam a preservação da vida, por meio de medidas que contribuam nessa diminuição, continue em todos os meses do ano. A campanha global pela redução da violência no trânsito visa justamente sensibilizar a sociedade para a importância da adoção de comportamentos mais seguros nas vias.
No Brasil, o movimento foi criado pelo Observatório Nacional de Segurança Viária e chegou à sua 10ª edição. Os números de mortos e feridos por acidentes em todo mundo justificam o esforço. Segundo a Organização Mundial de Saúde, 1,35 milhão de pessoas morrem por acidentes de trânsito no mundo a cada ano. No país, a cada 15 minutos, uma pessoa perde a vida em acidentes desse tipo. Presidente da Comissão de Saúde da Assembleia Legislativa de Goiás (Alego), Gustavo Sebba (PSDB) acredita em esforço conjunto para a redução das trágicas estatísticas.
Estatísticas
Na madrugada do último dia 20 de abril, dois jovens trafegavam de moto na Avenida T-63, em Goiânia. Um deles trabalhava como motociclista por aplicativo e o carona, voltava para casa depois de findar seu dia de trabalho como garçom.
Quando eles passavam no viaduto que fica no cruzamento com a avenida 85, a moto foi violentamente atingida por um carro que vinha em sentido contrário e avançou pela contramão. O impacto da batida foi tão grande que os dois jovens que estavam na moto foram arremessados e caíram na via lateral do elevado. Eles morreram na hora.
O carro ainda atingiu uma motoneta em que estavam duas mulheres. Uma delas sofreu uma lesão na perna, teve que passar por uma cirurgia e ficou hospitalizada por vários dias.
Os jovens trabalhadores Leandro Fernandes Pires, de 23 anos, e o garçom David Antunes Galvão, de 21 anos, fazem parte de uma triste estatística no Brasil e no mundo: a de milhares de vidas perdidas, diariamente, no trânsito. Em termos globais, o número já atingiu a casa do milhão. Além das mortes, os acidentes no trânsito ferem de 20 a 50 milhões de pessoas a cada ano, segundo a OMS.
Embora seja um problema de todo o planeta, alguns países se destacam nessa triste estatística. E, infelizmente, o Brasil está entre eles. O relatório da Organização Mundial de Saúde (OMS) “Status Report on Road Safety”, revelou que somos o terceiro país com mais mortes no trânsito em todo o mundo. Nas primeiras posições estão a Índia e a China, respectivamente. O documento aponta também que os óbitos decorrentes de acidentes de trânsito são a oitava principal causa de morte no Brasil.
Segundo a atualização do estudo “Custos dos Acidentes de Trânsito no Brasil” feito pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e publicado em 2020, a partir dos dados do Datasus, cerca de 45 mil mortes são causadas, todos os anos, por acidentes automobilísticos. Isso sem falar nas perdas econômicas.
O Ipea estima em R$ 50 bilhões, o custo econômico anual dos acidentes de trânsito no Brasil. Nessa conta se destacam as despesas relativas à perda de produção das vítimas e também os custos hospitalares.
E há dados ainda mais trágicos. De acordo com a Organização Pan-Americana de Saúde, (OPAS), o braço da OMS nas Américas, as lesões ocorridas no trânsito são a principal causa de morte entre crianças e jovens de 5 a 29 anos.
A preocupação das autoridades mundiais com a violência no trânsito já vem de algum tempo. Tanto que em 2011, a Organização das Nações Unidas (ONU) lançou a “Década de Ação pela Segurança no Trânsito 2011-2020”, na qual governos de todo o mundo se comprometeram a tomar novas medidas para prevenir acidentes desse tipo.
No mesmo dia foi lançado o “Plano de Ação Global para a Década”, que definia as etapas para as melhorias na segurança rodoviária, pedia mais rigor na legislação e sugeria medidas que pudessem dar mais proteção aos grupos mais vulneráveis, como ciclistas e pedestres.
Em 2019, um relatório da OMS apontou que no período de 2013 a 2016, apesar da redução observada em 48 países, o número de mortes aumentou em outros 104 países. O documento mostrou também que, além das estatísticas altíssimas, as lesões no trânsito incidem de forma desproporcional sobre os usuários vulneráveis, os pedestres, ciclistas e motociclistas, e, principalmente, sobre as pessoas que vivem em países em desenvolvimento. Apesar dos esforços empreendidos, a meta estabelecida não foi alcançada para a década.
Por conta dos resultados ainda abaixo do esperado, a Assembleia Geral da ONU proclamou o intervalo de 2021 a 2030 como a Segunda Década de Ação pela Segurança no Trânsito, com a meta de reduzir, em pelo menos 50% durante esse período, as 13 milhões de mortes e 500 milhões de pessoas lesionadas previstas para esse período.
Como forma de auxiliar as nações, a ONU desenvolveu o documento “Plano Global”, que descreve as ações necessárias para atingir essa meta. Ele é destinado aos formuladores de política e deve servir como um plano para o desenvolvimento de planos e metas nacionais e locais.
Além disso, a ONU incluiu a segurança no trânsito nas metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que prevê, além da redução, pela metade, das mortes e os ferimentos globais por acidentes em estradas (ODS 3.6), também proporcionar o acesso a sistemas de transporte seguros, acessíveis, sustentáveis e a preço acessível para todos, melhorando a segurança rodoviária por meio da expansão dos transportes públicos (ODS 11.2).
Brasil
Embora figurando entre os países campeões de acidentes rodoviários, o Brasil conseguiu responder positivamente ao chamado da ONU e reduziu em 30%, o total de vítimas do trânsito, entre 2011 e 2020. Em 2010, 42.844 pessoas perderam a vida em acidentes automobilísticos, número que caiu para 30.168 vítimas, dez anos depois.
Mesmo com a queda no número de mortes, observada em uma década, as estatísticas de acidentes e mortes no trânsito ainda são muito altas e inaceitáveis. Uma análise publicada em 2021, também a partir de dados do DataSus, mostrou que em 2019, o número de mortes ocorridas em virtude de acidentes automobilísticos foi maior que as causadas por armas de fogo. Enquanto 30.825 pessoas morreram baleadas, o trânsito fez 31.945 vítimas fatais naquele ano.
O mesmo levantamento chama a atenção para uma possível subnotificação no caso dos óbitos por acidentes de trânsito, por causa das pessoas que morrem depois que são socorridas.
As mortes dos feridos que são levados às unidades hospitalares nem sempre revelam a origem da internação. Os registros saem com causas como traumatismo craniano, infecção generalizada ou parada cardiorrespiratória.
A fragilidade dos registros é reconhecida pela própria Organização Mundial de Saúde (OMS), que estima uma diferença de aproximadamente 30% nos dados oficiais.
Por todos os ângulos que se olhe, as estatísticas dos acidentes de trânsito são trágicas. E talvez o dado mais assustador é que, segundo o Observatório Nacional de Segurança Viária, 90% dos acidentes ocorrem por falhas humanas. A falta de atenção, a desobediência à sinalização e a velocidade acima do permitido são algumas das causas mais frequentes dos acidentes.
O Inspetor da Polícia Rodoviária Federal (PRF) Newton Morais, que há 29 anos atua nas rodovias que cortam o estado de Goiás, verifica, na prática, o que os números mostram. Segundo ele, que já presenciou centenas de ocorrências, a imprudência e a imperícia dos condutores motivam a grande maioria dos acidentes. “A questão do condutor exceder os limites de velocidade, das ultrapassagens proibidas, a embriaguez ao volante, a não utilização do cinto de segurança e o uso de celular, que é uma coisa hoje muito constante, são os motivos pelos quais nós temos mais acidentes. Isso se aplica a acidentes como saídas de pista, dos capotamentos, das colisões traseiras, especialmente pela falta de atenção”, confirma.
Legião de sequelados e mutilados
Por mais que o número de mortos nas ruas e estradas do país sejam dramáticos e superlativos, ele é apenas um aspecto da tragédia do trânsito nosso de cada dia. Outras milhares de pessoas, que escapam da morte, ficam com as marcas do acidentes, algumas para o resto da vida.
O Observatório Nacional de Segurança Viária conta 400 mil pessoas com algum tipo de sequela após sofrer um acidente viário. E cerca de 60% dos leitos hospitalares do Sistema Único de Saúde preenchidos por acidentados. Nessa verdadeira guerra, os mais fracos são as maiores vítimas. Segundo a ONU, nas Américas, usuários vulneráveis das estradas, como pedestres, motociclistas e ciclistas, representam cerca de 41% dos mortos e feridos no trânsito.
Em Goiânia, o Hospital de Dermatologia Sanitária (HDS), unidade da antiga Colônia Santa Marta, recebe pacientes de outras unidades de urgência e emergência, com dois perfis definidos: os que estão em cuidados prolongados e aqueles que estão em cuidados paliativos. Os feridos no trânsito estão entre eles.
De acordo com a diretora técnica do HDS, a médica Lívia Evangelista, atualmente, 50% dos leitos da Unidade de Cuidados Prolongados (UCP) é ocupada por pacientes com sequelas de acidentes de trânsito. São pessoas que tiveram lesões advindas, por exemplo, de traumatismos e politraumatismos, fraturas, queimaduras, ou ainda, simultâneas, que complicaram e, portanto, tiveram a internação prolongada.
Segundo ela, tanto as vítimas de acidentes de trânsito, quanto suas famílias têm a vida fortemente impactada por um longo período. “Os feridos no trânsito, especialmente, os motociclistas, estão entre os pacientes que demandam mais tempo de recuperação. São pacientes que requerem atendimento multidisciplinar, ou seja, além de médicos, também precisam ser assistidos por fisioterapeutas, fonoaudiólogos, nutricionistas, para que eles consigam se recuperar e voltarem a ter uma qualidade de vida, a ter convívio social e, se possível, a ter as atividades que desempenhavam antes do acidente”, relembra.
O presidente da Comissão de Saúde da Assembleia Legislativa de Goiás concorda. Gustavo Sebba (PSDB), que também é médico, sabe bem dos reflexos desses sinistros. “Cada vez que um acidente ocorre, as consequências podem ser devastadoras para as vítimas, suas famílias e a comunidade em geral”, avalia.
Foi o que aconteceu com a família de Juliana Siqueira há quase sete anos, quando um acidente automobilístico matou o marido, o sossego, a paz e os sonhos dela e dos filhos.
Juliana e o marido, Edmar Rodrigues de Sousa tinham uma pizzaria. Por cinco anos, o comércio funcionou numa sala alugada e havia seis meses, o casal tinha transferido a pizzaria para um espaço na própria residência. A ideia era economizar e ficar mais próximos dos filhos, então com 14 e 8 anos.
Em uma noite, o funcionário faltou ao serviço e Edmar saiu para entregar uma pizza. Foi e não voltou. No caminho, um carro que vinha na direção oposta capotou, invadiu a pista contrária, atingindo em cheio duas motos: a de Edmar e também de uma mulher que levava a filha de 7 anos na garupa. Edmar e as ocupantes da outra motocicleta morreram na hora.
Edmar não teve sequer a chance de ir para o hospital e se tratar. Mas as sequelas emocionais que ficaram na família não são menos dolorosas do que o sofrimento físico de quem vai para um leito de hospital. “Meu filho caçula era muito apegado com o pai, hoje ele faz acompanhamento psicológico, porque está na fase da adolescência, ele sente muito a falta da figura masculina. Mesmo agora que vai completar sete anos da morte, é como se fosse ontem, as memórias são muito vivas na nossa cabeça, os sonhos que a gente projetou, vem aquela tristeza, aquela angústia”, revela Juliana.
A médica Lívia Evangelista também acompanha, no dia a dia, o impacto psicológico dos acidentes nos pacientes e familiares. “São pessoas que estavam, na maioria das vezes, ativas, trabalhando e que tiveram um impacto na vida produtiva deles. Então, isso desencadeia uma série de problemas, não só físicos, com gastos para as unidades de saúde, mas um impacto na vida da pessoa e da família com um todo”, avalia.
Maio amarelo: Uma esperança
Em meio a tantas perdas causadas pelo trânsito, campanhas que tentam sensibilizar e discutir as consequências dessa tragédia, como o Maio Amarelo, surgem como um alento. É uma espécie de sinal de que, pelo menos parte da sociedade, está preocupada em tentar reduzir as ocorrências e, principalmente, o número de mortos e feridos.
Em Goiás, a campanha esse ano foi exitosa. Segundo dados divulgados pelo órgão, no encerramento do Maio Amarelo, no ano passado foram registrados, em Goiás, 8.760 acidentes no mês de maio, que causaram 156 mortes. Neste ano, no mesmo período, foram 7.400 acidentes e 114 óbitos.
Para o Inspetor da PRF Newton Morais, o caminho para a redução da violência no trânsito é esse: somente a educação para o trânsito, junto com a fiscalização, será capaz mudar esse cenário a médio e longo prazos. Mas ele acredita que as ações precisam ser frequentes. “Nós temos que ter campanhas mais fortes, mais constantes, mais efetivas. Aqui pela PRF nós fazemos isso diariamente. Na semana passada, por exemplo, estivemos reunidos em Trindade, para falar sobre a importância dos carreiros, que chegam na cidade agora. E a preocupação é com as travessias, que são feitas de qualquer forma, então, alertá-los sobre o perigo e como fazer da forma correta. A mesma coisa agora, a gente chama a atenção para as queimadas, que começam a acontecer, quais os prejuízos que ela pode trazer, tanto para o meio ambiente, e, principalmente, para o trânsito. Então nós temos que ser mais incisivos, temos que ser mais repetitivos”, diz ele.
Gustavo Sebba tem um pensamento parecido. Ele defende uma união de esforços para tirar o Brasil, do ranking de terceiro país com mais mortes no trânsito em todo o mundo. “É fundamental que os governos, as empresas e a sociedade trabalhem juntos para melhorar a segurança nas estradas e realizar campanhas de conscientização, por isso a importância do Maio Amarelo. Como presidente da Comissão de Saúde, estou comprometido em apoiar iniciativas que promovam a segurança no trânsito e a prevenção de acidentes. Espero que todos possamos trabalhar juntos para reduzir o número de acidentes de trânsito e tornar nossas estradas mais seguras para todos", afirma.
Juliana Siqueira também aprendeu, da pior forma possível, a importância da educação para o trânsito. E da dor pela perda do marido, fez o combustível para engrossar o coro de vozes que clamam pela redução da violência no trânsito. Depois do acidente, ela passou a dar palestras em escolas sobre os perigos da direção perigosa. E ainda tem um projeto de criação de uma Organização Não Governamental (ONG) de atuação no mesmo sentido.
"Precisamos de mais iniciativas e de mais divulgação, fazer gincanas nas escolas, algumas ações para sensibilizar mesmo as pessoas, mostrando o verdadeiro número de pessoas que morrem no trânsito. Eu acredito que precisa de mais campanhas, principalmente com a crianças, porque elas ‘pegam’ as coisas muito rápido e cobram dos pais e, com isso, essa consciência vai crescendo”, avalia.
E cada um pode fazer a sua parte. Na página da OMS/Opas na internet (https://www.paho.org/pt/topicos/seguranca-no-transito) há várias orientações que pode ajudar a reduzir os riscos e a gravidade dos acidentes. Antecipamos algumas aqui:
- O uso correto de capacetes pode reduzir em 42% o risco de mortes e em 69% o risco de lesões graves.
- Usar o cinto de segurança reduz o risco de morte entre motoristas e passageiros dos bancos dianteiros entre 45% e 50% e o risco de morte e lesões graves entre passageiros dos bancos traseiros em 25%.
- O uso de sistemas de retenção para crianças (como as cadeirinhas) pode reduzir em 60% o número de mortes.
- Os condutores que usam celulares enquanto dirigem têm cerca de 4 vezes mais chances de estarem envolvidos em um acidente. O uso de um telefone ao dirigir diminui os tempos de reação (principalmente o tempo de reação da frenagem, mas também a reação aos sinais de trânsito) e dificulta que o condutor mantenha o carro na pista correta e guarde as distâncias de segurança.
- A opção de viva-voz nos veículos não é muito mais segura do que os telefones à mão e as mensagens de texto durante a direção aumentam consideravelmente o risco de um acidente.