Pela saúde dos pulmões
“Me cansei de lero-lero, dá licença mas eu vou sair do sério. Quero mais saúde, me cansei de escutar opiniões, de como ter um mundo melhor...” Com essa canção que leva o nome de "Saúde", e outras várias composições, Rita Lee embalou gerações ao longo de 60 anos de carreira. Com letras de ironia ácida e empoderamento feminino, ela emplacou dezenas de músicas nas paradas de sucesso. A artista que reuniu multidões teve sua vida ceifada, em maio de 2023, depois de uma batalha contra um câncer de pulmão, diagnosticado em 2021.
Deixou um grande legado e um alerta para essa doença que costuma ser silenciosa. A artista se foi, mas sua história revela que é preciso precaução quando o assunto é câncer de pulmão. Por isso mesmo, é necessário aproveitar o Agosto Branco, mês no qual o dia 1º foi escolhido para ser o Dia do Combate ao Câncer de Pulmão, buscando ampliar a conscientização sobre essa enfermidade, suas causas, prevenção, diagnóstico precoce e tratamento.
A data também contribui para homenagear os pacientes e apoiar suas famílias, além de mobilizar a sociedade e os governos a adotarem políticas de controle, rastreamento e tratamento ao câncer de pulmão.
Nesse período, a Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT), o Instituto Nacional de Câncer (Inca) e outras organizações relacionadas geralmente se reúnem para realizar campanhas de conscientização por meio da promoção de congressos, palestras, seminários e webinars. Além disso, elas também incentivam a realização de exames preventivos com a divulgação de informações sobre os riscos e a prevenção do câncer de pulmão.
No mundo todo, dentre todas as neoplasias, o câncer de pulmão tem se mostrado um dos mais frequentes, alcançando 1,7 milhão de novos casos por ano, com aumento de 2%, de acordo com dados do Globocan, da Agência Internacional para Pesquisa do Câncer da Organização Mundial da Saúde (IARC/OMS). No Brasil, o câncer de pulmão é o terceiro mais frequente entre homens (18.020) e o quarto mais comum entre as mulheres (14.540), com 28.620 mortes registradas no último levantamento (2022), sendo considerado ainda o mais letal entre todos os tipos da doença, de acordo com o Atlas de Mortalidade por Câncer.
Desigualdades
Recente pesquisa divulgada pela OMS, em maio deste ano, prevê que em 2045 haverá aumento de 20 milhões de casos no mundo, de todos os tipos de câncer, e deve saltar para mais de 32 milhões de diagnósticos dessas doenças — comparando com as notificações de 2022. Os dados indicam que o câncer continuará a ser um dos principais desafios para a saúde mundial, mas que afetará países de formas distintas, uma vez que territórios com Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) mais baixo sofrerão um crescimento mais acentuado da neoplasia.
Nações de IDH médio, como o Brasil, por exemplo, devem ter aumento de cerca de 70% em comparação aos registros atuais, enquanto países com maiores índices de pobreza verão esse porcentual chegar a, aproximadamente, 107%, caso de alguns países africanos. Por outro lado, as regiões mais ricas do planeta, como a Europa, registrarão aumentos mais discretos de novos casos (22,5%) por conseguirem promover o diagnóstico precoce e acesso a tratamentos mais avançados. Já os demais continentes ficarão com números entre 59% e 64,5%, Oceania e Ásia, respectivamente.
Especialistas afirmam que essas estimativas refletem gargalos que devem ser enfrentados pelos países em desenvolvimento, inclusive o Brasil, onde se aponta a falta de equidade no acesso às políticas públicas, fazendo com que uma parcela importante da população seja diagnosticada, muitas vezes de forma tardia, impactando também os índices de letalidade da doença nessas regiões.
A OMS, inclusive por meio de suas iniciativas contra o câncer, está trabalhando intensamente com mais de 75 governos para desenvolver, financiar e implementar políticas para promover o tratamento do câncer para todos. Para expandir esse trabalho, grandes investimentos são necessários para tratar das desigualdades globais nos resultados do câncer.
Especialista
Em entrevista à equipe da Agência de Notícias, a presidente da SBPT em Goiás, a médica pneumologista Fernanda Miranda, falou dessa realidade no Estado, o qual, conforme a especialista, enfrenta desafios na preparação e capacidade de sua rede de saúde para tratar câncer de pulmão, como acontece também em outras regiões do País. A disponibilidade de tratamento de ponta, acesso a especialistas e programas de prevenção podem variar bastante, mas esforços estão sendo feitos para melhorar a infraestrutura e os serviços disponíveis, segundo Miranda.
Um dos maiores desafios é realizar o diagnóstico precoce da doença, pois o câncer de pulmão costuma ser silencioso e assintomático. Muitas vezes, o paciente não sente qualquer dor ou sequer possui algum sintoma que o faça suspeitar que esteja doente, tampouco que se trata de um grave problema. Quando surgem os sinais, a doença pode já estar muito avançada e com prognóstico muito pior. "Apenas 16% dos cânceres são diagnosticados num estágio inicial (câncer localizado), para o qual a taxa de sobrevida é de 56%", revela a especialista.
Ela asseverou que, apesar do Estado ter registrado 12.284 óbitos por câncer de pulmão em 2022, a população tem o poder de estabelecer, daqui para frente, se os números vão permanecer nesses patamares ou vão cair. Miranda diz que a sociedade pode se mobilizar, inclusive aproveitando o Agosto Branco, para buscar diminuir os índices do câncer de pulmão considerando que esta é uma doença evitável, pois 90% dos casos estão intimamente associados ao uso do tabaco, prejudicando tanto o fumante ativo quanto o passivo.
O cigarro é nocivo, porque contém centenas de substâncias químicas tóxicas, incluindo nicotina, alcatrão e monóxido de carbono, que danificam as células do nosso organismo e podem levar ao câncer, não somente do pulmão, mas também, com muita frequência, aos cânceres de boca, laringe e bexiga. Os cigarros eletrônicos também contêm nicotina e outras substâncias potencialmente prejudiciais, e os efeitos a longo prazo ainda não são totalmente conhecidos. Porém, já existem dados científicos comprobatórios de doenças causadas pelo vape - dispositivo eletrônico alimentado por pilhas que produzem um vapor a ser inalado pelo usuário.
Apesar de ser de longe o mais importante fator de risco para o desenvolvimento do câncer de pulmão, ele não é o único. Segundo a pneumologista, a neoplasia também está relacionada à exposição a agentes carcinogênicos (asbesto, arsênico, berílio, cádmio, etc) no trabalho. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) estima que 17 a 29% dos casos de câncer de pulmão estejam relacionados à exposição ocupacional, considerando o tempo de exposição e o ambiente de trabalho. Outros fatores a serem considerados são: a genética, a poluição do ar e doenças pulmonares, como enfisema e tuberculose.
"Quase na totalidade, o câncer de pulmão costuma ser diagnosticado depois dos 50 anos, especialmente na faixa dos 60 aos 70 anos. Até pouco tempo atrás, era uma doença quase exclusivamente masculina, mas nas últimas décadas ele vem aumentando progressivamente entre as mulheres, enquanto entre os homens há uma tendência de queda no número de casos. Esse aumento no número de casos entre as mulheres se deve ao consumo crescente de tabaco e a maior dificuldade que as mulheres fumantes têm de deixar de fumar. Além disso, estudos recentes sugerem que talvez as mulheres sejam mais suscetíveis aos efeitos cancerígenos dos componentes do cigarro", pontuou a médica.
Ela explica que, normalmente, essas células se dividem e se multiplicam de forma ordenada e controlada, mas quando ocorre uma disfunção celular, esse processo é alterado e as células se multiplicam de forma anormal e muito mais rapidamente, dando origem ao tumor. Dependendo do tipo e estágio do câncer, ele pode afetar os tecidos sadios à sua volta. Além disso, as células tumorais podem se espalhar por meio da corrente sanguínea ou dos vasos linfáticos para outras partes do corpo, dando origem a novos tumores (metástases).
Miranda determina que todas as pessoas devem ficar atentas e procurar o médico pneumologista caso persistam sintomas, tais como: tosse persistente ou agravada; dor no peito que piora com a respiração profunda, tosse ou risada; rouquidão; perda de peso e apetite; falta de ar; fadiga; infecções recorrentes como bronquite e pneumonia; tosse com sangue. Lembrando que muitas vezes nem todos os sintomas precisam estar presentes e, em muitos casos, a doença se apresenta de forma assintomática, com sintomas brandos e persistentes.
Assembleia
Sensível às necessidades da população goiana, a Assembleia Legislativa de Goiás, por meio de iniciativa do deputado Paulo Cezar Martins (PL), aprovou o projeto de lei 437/23. Depois de ser apreciada pelo Plenário, a matéria foi sancionada em novembro do ano passado pelo governador Ronaldo Caiado (UB), dando origem à lei 22.377 que institui o Mês Estadual "Agosto Branco", dedicado à Prevenção e ao Combate ao Câncer de Pulmão.
Por se tratar de matéria de grande interesse da população, a propositura caminhou rapidamente na Casa e foi aprovada pela maioria dos parlamentares nas duas votações. A proposta prevê como objetivo a inclusão no calendário cívico do Estado o mês "Agosto Branco" e tem como diretrizes o fomento à comunicação, publicidade e conscientização sobre a doença e formas de tratamento; garantia de acesso aos serviços de diagnóstico e tratamento; e acompanhamento psicológico ao paciente e familiares.
O legislador reiterou em seu texto que o câncer de pulmão é uma doença extremamente grave e agressiva e que, portanto, deve ser diagnosticada logo na sua fase inicial para que o paciente tenha maior possibilidade de cura. Ele pontuou em sua justificativa que a grande maioria dos casos vêm sendo identificados já na fase mais avançada da doença. Ademais, Paulo Cezar entende que a grande maioria dos casos podem ser evitados já que resta comprovado que a doença está diretamente associada ao uso do tabaco.