Combatendo a demência
No comovente filme “Para sempre Alice”, a atriz Julianne Moore vive uma professora da Universidade de Columbia em Nova York, especialista em linguística, que está no auge da sua carreira profissional, mas inesperadamente é diagnosticada com a doença de Alzheimer. A história demonstra que mesmo pessoas com bom padrão de vida e alta escolaridade, como Alice, não estão livres de terem uma das doenças mais incapacitantes e mais temidas entre as pessoas idosas: a doença de Alzheimer.
Em vários momentos, os espectadores podem perceber e refletir sobre a complexidade da doença e sobre os efeitos que se manifestam com visíveis mudanças de humor, inquietudes, angústias, superações e resiliências, diante de tantas perdas degenerativas da protagonista. A película chama a atenção para o quanto a demência é capaz de interferir na cognição em plena adultez, além de desestabilizar a família inteira, que passa a conviver com uma mente completamente ausente e adoecida, uma tarefa árdua para todos que atravessam a experiência.
Buscando conscientizar a população, foi instituído, no calendário de datas comemorativas, por meio da Lei 11.736, o Dia Mundial da Doença de Alzheimer, celebrado neste dia 21 de setembro. Procurando fazer um alerta para esse tipo de demência, a Federação Brasileira das Associações de Alzheimer (Febraz), numa iniciativa conjunta, busca realizar campanhas e discutir o assunto com todas as associações, cientistas, especialistas e a sociedade civil organizada, com o objetivo de estimular o cuidado com a saúde do cérebro ao longo da vida e possibilitar a prevenção e melhoria da qualidade de vida da população.
Em todo o mundo, estima-se que cerca de 55 milhões de pessoas sofrem com algum tipo de demência, segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), sendo a mais comum a doença de Alzheimer, que atinge sete entre dez indivíduos. Ela também é a sétima causa de morte entre todas as doenças e a maior causa de incapacidade e dependência dos idosos no mundo. Com o envelhecimento da população, a OMS alerta para a tendência de aumento preocupante desses números.
No Brasil, a Associação Brasileira de Alzheimer (Abraz) estima que existem 1,2 milhão de casos, a maior parte sem diagnóstico. A doença geralmente acomete pessoas acima de 65 anos, (principalmente mulheres) e, de acordo com a U.S.Census, mais de 21% da população brasileira será de idosos em 2050, com consequente aumento de casos de demência.
Especialista
Em entrevista à equipe de reportagem da Agência de Notícias, a médica neurologista Lorena Maciel de Miranda Bochenek explica que a doença de Alzheimer é uma doença neurodegenerativa, progressiva e ainda sem cura, que afeta, majoritariamente, pessoas acima de 65 anos de idade, impactando primeiramente a memória mais recente, o pensamento e o comportamento. Ela relata que a demência ocorre de maneira lenta, acometendo todo o cérebro em aproximadamente dez anos, sendo capaz de provocar alterações na personalidade e no humor, alterando, com isso, a percepção de mundo.
A especialista descreve que as causas exatas ainda não estão completamente esclarecidas, mas parecem envolver uma combinação de fatores genéticos, ambientais e de estilo de vida. O que já se pode afirmar, segundo ela, é que o acúmulo anormal de proteínas no cérebro, como placas de beta-amilóide e emaranhados de tau, estão associados à degeneração de neurônios, por agirem causando uma espécie de atrofia cerebral que impacta reduzindo inclusive o tamanho da massa cinzenta.
“A doença de Alzheimer evolui de forma lenta e progressiva causando o declínio das funções cognitivas, tais como memória, atenção, linguagem, sensopercepção, orientação espacial. No início, compromete funções mais simples, mas, com o tempo, o paciente pode perder a capacidade de se comunicar, se locomover e reconhecer familiares. E, posteriormente, nos estágios finais, há uma perda generalizada das funções cerebrais, levando à dependência total”, adverte a estudiosa.
Bochenek contextualiza que dentre as pessoas mais suscetíveis a desenvolver esse tipo de demência estão aquelas com idade acima de 65 anos, histórico familiar da doença, fatores de risco para obesidade, diabetes, pressão alta e hábitos de vida pouco saudáveis, tais como: dieta inadequada, sedentarismo, falta de atividade mental, estresse e hipertensão.
Ela explica que vários problemas de saúde podem colaborar para o surgimento de doenças mentais, que, quando não tratadas, podem ocasionar algum tipo de demência, dentre elas o Alzheimer. Portanto, a oferta de suporte, na construção da saúde mental, impacta diretamente na qualidade de vida. Dessa forma, faz-se necessário trabalhar com três pilares fundamentais: prevenção, percepção e tratamento.
A neurologista orienta que, após o diagnóstico, o tratamento comumente envolve medicamentos que podem ajudar a controlar os sintomas (como a memantina e a inibidores da colinesterase) associados às terapias para manutenção das funções cognitivas e físicas, além de suporte psicossocial tanto para o paciente quanto para os familiares cuidadores. O tratamento não interrompe o progresso da doença, entretanto pode retardar os sintomas e melhorar a qualidade de vida, sendo seu tempo de eficácia muito variável e seu efeito temporário.
A médica e também psicóloga e psicanalista orienta que em todos os casos da doença de Alzheimer é fundamental que também os cuidadores recebam suporte emocional, treinamento em como lidar com as necessidades diárias do paciente e orientação sobre a importância de preservar sua própria saúde física e mental, já que precisam saber lidar com situações diversas que exigem um certo preparo emocional. De acordo com ela, o grupo de apoio e aconselhamentos também são recomendados.
Legislação
Para construir um plano de ação conjunta entre poder público, prestadores de serviço, comunidade acadêmica e sociedade civil, foi sancionada no dia 4 de junho deste ano, a Lei Federal 14.878, que instituiu a Política Nacional de Cuidado Integral às Pessoas com Doença de Alzheimer e Outras Demências. A matéria, de autoria do senador Paulo Paim (PT-RS), traz princípios e diretrizes para o tratamento da doença e determina que o Ministério da Saúde desenvolva campanhas de orientação e conscientização em clínicas, hospitais públicos e privados, postos de saúde, unidades básicas de saúde e unidades de pronto atendimento.
Em Goiás também foi sancionado pelo governador Ronaldo Caiado, em 11 de setembro de 2023, a Lei Estadual 22.255, de autoria do deputado Virmondes Cruvinel (UB), que cria a Política Estadual de Orientação, Apoio e Atendimento aos Pacientes, Familiares e Cuidadores dos Portadores da Doença de Alzheimer e Outras Doenças Neurodegenerativas.
Na justificativa da matéria, Cruvinel destaca que o objetivo desse projeto é fortalecer e sistematizar as ações públicas destinadas ao tratamento das doenças neurodegenerativas, em especial a de Alzheimer, as quais ocasionam profunda deterioração das funções cerebrais do paciente, culminando em quadros de demência e do comprometimento permanente de áreas como a linguagem, memória ou da capacidade de autocuidados.
De acordo com o texto, a propositura tem como escopo permitir o diagnóstico precoce da doença e também o acesso mais ágil ao tratamento para os pacientes com Alzheimer ou com outras doenças neurodegenerativas, além de facilitar a obtenção de medicamentos considerados excepcionais e indispensáveis, gratuitamente, aos pacientes e cuidadores, através da rede pública de saúde.
Além desse projeto acima supracitado, tramita, na Assembleia Legislativa do Estado, o projeto de lei 8133/24, de autoria do deputado Cristiano Galindo (Solidariedade), que tem como objetivo instituir o exame PrecivityAD2, para detecção da doença de Alzheimer (DA) na rede pública de saúde ou por esta custeada na rede privada.
“O PrecivityAD2 é um exame para o diagnóstico precoce da doença de Alzheimer. Essa inovação traz um benefício imenso, visto que é um teste não invasivo e que não expõe o paciente à radiação. O exame é realizado com o envio de amostras de sangue do paciente aos Estados Unidos para análise por espectrometria de massa, um processo que detecta alterações cerebrais características do Alzheimer, como as proteínas beta amiloide. O resultado fica pronto em até 20 dias”, destaca o parlamentar.
Por fim, Galindo relata que o PrecivityAD2 alcançou uma precisão de 88%, quando comparado com resultados do PET amiloide cerebral.
Alzheimer acomete mais mulheres
É sabido que as mulheres têm 6 vezes mais prevalência da doença de Alzheimer do que os homens, por viverem mais, estudarem mais e terem uma série de hormônios que se alteram frequentemente. O fato de a mulher ser multitarefa e ser mais cuidadora do que cuidada também contribui para o aparecimento desse tipo de demência, além das doenças crônicas, como diabetes e, ainda, o sedentarismo, revela o estudo publicado pela revista americana Neurology, da Academia Americana de Neurologia.
A descoberta foi feita por meio de exames de imagem e, para os estudiosos, a queda do estrogênio, hormônio feminino que deixa de ser produzido na menopausa, pode ser o fator preponderante. O estudo se utilizou de ressonância magnética e pet scan, para detectar a presença de placas beta-amiloides no cérebro, um biomarcador associado ao Alzheimer, comparando o volume de massa branca, o nível de placas beta-amiloides e a taxa de metabolismo de glicose, que indica seu grau de atividade.
Nesse estudo comparativo com um grupo composto de homens e outro de mulheres, na faixa de 52 anos de idade, elas tiveram piores indicadores do que eles em todos os quesitos, alertou a diretora de pós-graduação dedicada a estudos sobre o cérebro feminino, na Universidade de Cornell EUA, Lisa Mosconi. Ela destacou que, embora o Alzheimer remeta ao envelhecimento, esta é uma doença que começa na meia-idade e sua prevenção depende muito de hábitos saudáveis ao longo da existência.
É recomendado que as mulheres procurem o médico quando há prejuízo no sono, na memória, na atenção, esquecimento de coisas do cotidiano. Quanto mais precoce é feito o diagnóstico, mais tempo de vida funcional ainda vai poder desfrutar, especialmente quando tem início o uso do anticolinesterásico. Não existe cura, mas os medicamentos e as estratégias de controle podem melhorar os sintomas temporariamente.