Polarização não deve diminuir por enquanto, diz cientista político Felipe Nunes em evento do TCE-GO sobre comunicação pública

“A polarização está na nossa cabeça”, explica o professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) de São Paulo, Felipe Nunes, à plateia do 1º Encontro Goiano de Comunicação no Setor Público, realizado pelo Tribunal de Contas do Estado de Goiás (TCE-GO) na sua sede, em Goiânia, nesta quinta-feira, 25.
Sócio-fundador da empresa de inteligência de dados Quaest, Ph.D. em ciência política e mestre em estatística pela Universidade da Califórnia, Nunes ministrou sua palestra com o tema “Os desafios enfrentados pelas instituições para se comunicar com efetividade em tempos de polarização e desinformação”.
A polarização está na cabeça do brasileiro, especifica, porque imaginamos que os polos são maiores do que de fato são. Em pesquisa com 10 mil entrevistados, base de “Brasil no espelho – um guia para entender os brasileiros”, livro que lançará em outubro, o cientista político verificou que o país segue dividido em fatias ideológicas de tamanho parecido.
Sua pesquisa evidencia que, nos últimos anos, o eleitorado pendeu para a direita, mas a soma dos que se dizem de direita (25%) ou bolsonaristas (13%), 38%, ainda não é muito distante daquela dos que se consideram independentes, 31%, ou que se dizem petistas (16%) ou de esquerda (15%), também 31%.
Depois de questionar onde cada pessoa se classifica politicamente, porém, Nunes perguntou “como o Brasil se comporta hoje”, para saber como imaginamos a ideologia dos outros. Nesse caso, a soma de direita mais bolsonaristas subiu para 44%, e de petistas mais esquerda, 41%. Os independentes foram imaginados como um grupo muito menor do que de fato são, 15%.
Daí a ideia de a polarização estar sobretudo na cabeça de cada um. Mas isso não significa, é claro, que essa polarização não tenha consequências. “A gente também se comporta olhando para o outro”, afirma Nunes, exemplificando: “As pessoas se antecipam [ao cenário que julgam polarizado] e partem para o voto estratégico”.
Ele contextualiza que “a polarização começou sendo eleitoral, depois virou política, com as regiões brasileiras votando diferente, depois os extratos sociais”. Em 2018, “começou a ficar afetiva”, e em 2022 teve um pico ao “transbordar para a sociedade”.
Polarização não deve diminuir por enquanto, afirma Felipe Nunes
Mesmo quase três anos depois das eleições presidenciais, não se visualiza um cenário conciliador. A cada dezembro, desde 2021, o professor repete questões cotidianas ligadas à polarização, e elas revelam um comportamento cindido que tende a se “calcificar”.
Os resultados de seis das oito questões que Nunes detalhou à plateia no TCE-GO indicam aumento ou permanência da polarização.
Em 2024, bateram recorde de respostas afirmativas às perguntas: “mudaria o filho de escola cuja maioria dos pais apoiou adversário?” (34%); “mudaria de país se pudesse?” (43%); “vai deixar de comprar produto de marca que apoiou o adversário?” (25%); “reprovaria casamento do filho com alguém que votou diferente?” (32%); “vai deixar de ouvir música do artista que apoiou adversário?” (38%); e “prefere assistir a um canal com o qual concorda?” (45%).
Houve queda no percentual apenas dos que disseram ter rompido relações familiares por causa de política (30% em 2024 ante 36% em 2023) e dos que mudariam de Igreja no caso de padre ou pastor terem apoiado adversário (6% em 2024 em contraste com 10% em 2023).
O que tudo isso indica, para o sócio-fundador da Quaest, é que “vivemos a era do viés de confirmação”, um efeito psicológico ligado ao fato de “precisarmos de aceitação” e que “tem um tanto de narcisismo também”.
As mídias sociais agravam esse cenário, porque nos oferecem “a informação que quisermos”, então a buscamos. É criado, assim, “o ambiente perfeito para se estar sempre certo”.
Como é de se imaginar, contudo, estamos longe de estarmos sempre certos. Perguntas com respostas de múltipla escolha sobre homicídios, desemprego, economia e total de mortos por covid-19 no Brasil, feitas na pesquisa de Felipe Nunes, tiveram uma média de 0,82 acerto. Menos de 1% dos entrevistados sabia as quatro respostas.
A resposta da pergunta “quantas questões você acha que acertou?”, no entanto, teve como resultado um média de 2,26 supostos acertos.
Comunicação de nicho piora ilusão do conhecimento
“Como se comunicar com esse público? Como se lida com a ilusão do conhecimento?”, pondera Nunes para a plateia, ressalvando se tratar de um problema não apenas brasileiro, mas mundial.
A comunicação de nicho aumenta o desafio. Ela “muda radicalmente a maneira como as pessoas lidam com o contraditório”, diz Nunes. Quando só consumimos um canal específico de informação, “nem há mais contraditório”, complementa.
Sua pesquisa evidencia essa tendência da comunicação de nicho. Globo e GloboNews, por exemplo, são vistas por 61% de votantes do Lula e 19% do Bolsonaro (conforme voto no segundo turno de 2022); a Jovem Pan, por 0% de votantes do Lula e 16% do Bolsonaro.
Também foi verificado que votantes de Lula consomem duas vezes mais TV que mídias sociais, e votantes do Bolsonaro, mais mídias sociais que TV.
Desse modo, afirma Felipe Nunes, “estamos construindo um país de gente desconfiada”, sendo os percentuais de brasileiros que dizem poder confiar em outras pessoas muito inferior ao da maioria dos outros países. O problema disso, especifica, é que “países com alto nível de desconfiança não conseguem desenvolver instituições democráticas confiáveis e ,pior, não conseguem se desenvolver economicamente”.
A família próxima é uma fonte maior de confiança entre os brasileiros, diz, podendo o combate à desinformação nesse âmbito ser uma estratégia para uma comunicação efetiva.
“Para sair dessa armadilha, a gente vai precisar de uma consciência pública muito forte, de muita institucionalização”, recomenda também.
No geral, finaliza, independentemente da estratégia, “a comunicação pública precisa ser capaz de atingir todos os segmentos sociais, e isso só é possível quando respeitamos todos eles, sem estigma ou preconceito”.
Felipe Nunes é coautor, com o jornalista e pesquisador Thomas Traumann, de “Biografia do abismo – como a polarização divide famílias, desafia empresas e compromete o desafio do Brasil”, best-seller com mais de 100 mil cópias vendidas e semifinalista do prêmio Jabuti.
O 1º Encontro de Comunicação teve, além de três palestras pela manhã, três painéis na parte da tarde. Todo o conteúdo está disponível neste link do YouTube, no canal do TCE-GO.