No ano de 2025, a data levanta como tema central os efeitos da sobrecarga provocada pela cobertura jornalística no mundo

O Dia Mundial da Saúde Mental é celebrado anualmente em 10 de Outubro. A data foi criada em 1992 pela Federação Mundial de Saúde Mental (WFMH) e, globalmente, busca ampliar a conscientização sobre a importância do bem-estar físico, mental e emocional, além de promover a reflexão e alertar a população sobre a necessidade de cuidar amplamente da saúde.
A celebração tem o intuito de reduzir o estigma em torno de transtornos mentais, promover a compreensão e o apoio às pessoas que enfrentam desafios dessa natureza, além de incentivar os governos a destinarem parte de seus recursos para a saúde mental - hoje representa menos de 2% do orçamento da Saúde. Em todo o mundo, essa área recebe o apoio da Organização Mundial da Saúde (OMS), das pastas da saúde e das organizações da sociedade civil que promovem programas centrados nos cuidados com a saúde mental.
Conforme dados da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), mais de um bilhão de pessoas vivem com transtornos de saúde mental, com condições como ansiedade e depressão impondo enormes custos humanos e econômicos. Embora muitos países tenham fortalecido suas políticas e programas de saúde mental, são necessários maiores investimentos e ações em escala global para ampliar os serviços de proteção e promoção da saúde mental das pessoas.
Atualmente, condições como ansiedade e depressão são altamente prevalentes em todos os países e comunidades, afetando pessoas de todas as idades e níveis de renda. Elas representam a segunda maior causa de incapacidade de longo prazo, contribuindo para a perda de anos de vida saudável e a elevação nos custos de saúde para as pessoas afetadas e suas famílias, gerando perdas econômicas substanciais em escala global.
No último dia 25 de setembro, os países signatários da Organização das Nações Unidas (ONU) realizaram, em Nova Iorque, a Reunião de Alto Nível das Nações Unidas sobre doenças crônicas não transmissíveis e promoção da saúde mental e do bem-estar, com o objetivo de atualizar os dados e repensar um modelo global de atuação a ser adotado em todos os 193 países membros.
Naquela ocasião, o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, disse que “transformar os serviços de saúde mental é um dos desafios mais urgentes da saúde pública em todo o mundo. Esse é um investimento que nenhum país pode se dar ao luxo de negligenciar. Todo governo e todo líder têm a responsabilidade de agir com urgência e garantir que a atenção à saúde mental seja tratada não como um privilégio, mas como um direito básico de todos”.
Mas afinal, o que é saúde mental?
Segundo a OMS, a saúde mental é alcançada quando um estado de bem-estar toma conta do indivíduo, de maneira a permitir que ele utilize completamente das suas habilidades para ser produtivo, desenvolvendo todo o seu potencial e contribuindo com sua comunidade de forma ativa. Além disso, o indivíduo também desenvolve uma capacidade de lidar com os problemas de forma rotineira, desenvolvendo resiliência para enfrentar os desafios que surgem diariamente.
Entendendo que o ser humano é um ser biopsicossocial e a saúde mental é construída a partir de três pilares considerados fundamentais: biológica (física e genética), psicológica (pensamentos, emoções e personalidade) e social (interação com outras pessoas e o ambiente cultural), essa compreensão delimita os cuidados oferecidos pelos serviços de saúde propondo uma abordagem holística e integrativa do ser humano.
No Brasil, a Rede de Atenção Psicossocial (Raps), do Sistema Único de Saúde (SUS), baseada em serviços comunitários e diretrizes da Reforma Psiquiátrica, criada pela Lei 10.216 (6 de abril de 2001), buscou expandir o cuidado, investindo na expansão e qualificação da rede, com a construção de Centros de Atenção Psicossocial (Caps) e o desenvolvimento de projetos de educação continuada para profissionais, redirecionando o modelo assistencial em saúde mental.
Dessa forma, todos os profissionais trabalham de forma articulada, ofertando desde a atenção primária até serviços mais complexos, buscando o cuidado integral, trazendo também a família para participar dos cuidados necessários ao ente querido. Dentro da Política Nacional de Saúde Mental, é ofertada a assistência às pessoas com necessidades específicas em saúde mental no país, contribuindo com as ações de prevenção ao suicídio, valorizando a pratica da atividade física regular, a alimentação saudável e equilibrada, o convívio familiar e social.
Essas ações são orquestradas por meio das ações da Raps, entendendo que a realidade social, econômica, política, cultural e ambiental impacta diretamente na saúde mental da população, não sendo um problema meramente individual. Dessa maneira, compreende-se que os problemas de saúde mental resultam da coletividade, demandando políticas públicas, redes de proteção, melhores condições de vida, segurança alimentar e suporte comunitário.
Papel da imprensa
Em 1994, foi incorporado um tema para a data pela primeira vez, sendo que, neste ano de 2025, o tema eleito se concentra no impacto da exposição repetida à cobertura jornalística de crises e conflitos, fazendo repercutir a “Sobrecarga: Quando eventos globais e notícias ruins constantes se tornam insuportáveis”. É a primeira vez que um assunto relacionado à imprensa é trazido para o centro das discussões numa data relacionada à saúde mental.
Diante desse cenário, a equipe da Agência de Notícias conversou com o jornalista Jordevá Rosa, um dos principais nomes do jornalismo goiano e um importante formador de opinião no Estado. Com 35 anos de experiência, ele já esteve à frente dos principais telejornais apresentados em Goiás. Atualmente, ele é âncora do Agora Goiás, jornal da TV da Assembleia Legislativa.
Com compreensão da abrangência do tema, Jordevá Rosa avaliou como as redes sociais revolucionaram a forma como nos comunicamos no mundo moderno, com plataformas digitais que desempenham um papel fundamental na maneira como interagimos, compartilhamos informações e somos afetados por elas. Esse impacto nas relações sociais e na comunicação é notável e impõe mudanças significativas para toda a sociedade.
Ele avaliou que, “apesar de serem ferramentas poderosas, essas plataformas trouxeram inúmeros desafios, como a disseminação de fake news, a polarização política e social e, ainda, questões relacionadas à privacidade. Antes, somente profissionais com formação superior em jornalismo atuavam na divulgação das notícias em redes consideradas tradicionais, mas, com o advento das redes sociais, todas as pessoas passaram a ter acesso às plataformas”.
Com diversos atores atuando nas redes sociais, é importante que não só os especialistas estejam conscientes de como usar essas ferramentas poderosas e buscar formas de minimizar os efeitos negativos, mas toda a sociedade deve ser responsável por construir um ambiente mais seguro no ambiente virtual.
O jornalista entende que ter o tema do Dia Mundial da Saúde Mental atrelado à sobrecarga das notícias demonstra a importância do trabalho do jornalismo em todo o mundo e o tamanho da responsabilidade que deve ter o profissional da área. Ele lembra que atualmente o cenário internacional enumera diversos conflitos geopolíticos com guerras declaradas, conflitos armados, polarizações políticas, questões que só pioram o ambiente e tornam muito mais propício o surgimento do estresse emocional e das doenças de toda ordem.
O apresentador do Agora Goiás lembra que “as diferenças não só deixaram de ser valorizadas, como passaram a não ser toleradas. Antes, se discutia política de forma antagônica com naturalidade e as pessoas respeitavam os pensamentos diversos. Temos que contemplar a pluralidade de pensamentos, dando espaço para que todos possam expressar aquilo que pensam, porque isso é a coisa mais bonita que temos”.
O também jornalista William Waack recentemente entrevistou o cientista político Heni Ozi Cukier a respeito da polarização política. Ele avaliou que o mundo passa por um cenário de divisão política em que “não importa o que é dito, importa quem disse” e destaca como a identidade e emoção têm dominado o ambiente da política internacional, sobrepondo-se à racionalidade e a ideologia.
Ao encontro dessa mesma linha de pensamento, o cientista político Felipe Nunes, diretor-presidente da Quaest, em recente passagem pelo 1º Encontro de Comunicação no Setor Público realizado pelo Tribunal de Contas do Estado de Goiás (TCE-GO), palestrou sobre a “Polarização, desinformação e comunicação: como sobreviver nesse contexto?”.
Baseado em dados coletados pelo instituto de pesquisa que preside, Nunes apresentou, por meio de slides, um trecho no qual explica que “vivemos na sociedade da bolha, com a consolidação de um ecossistema de comunicação totalmente enviesado que impede as pessoas de reconhecerem a realidade”.
Ele disse que a audiência da TV despencou, dividindo espaços com as redes sociais, sites e blogs como meios mais usados de informação. Nunes alerta que, apesar das pessoas estarem sendo bombardeadas por informações diariamente, a maioria delas, praticamente um terço, se informa exclusivamente pelas redes sociais, sem ter o cuidado de checar a autenticidade das informações.
Diante desse cenário, o cientista político comentou que estamos todos envoltos numa armadilha com capacidade para afetar a saúde mental, pois a emoção extrapolou e começou a dominar o campo político.
A polarização política em todo o mundo é atualmente um tema tão relevante que tem sido pautado até pela ONU. No último relatório do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) , divulgado pelo Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas (Pnud), a polarização política aparece como sendo a principal barreira para a cooperação e crescimento de IDH no mundo, segundo esse órgão da entidade. Os dados mostram que só um quinto da população na América Latina acredita nas instituições e no Governo; para o Pnud, isso influencia numa ‘crise de desenvolvimento’ na região.
O documento avalia que a polarização política no mundo todo tem prejudicado a melhora dos dados de expectativa de vida, saúde, escolaridade e renda per capita. A diretora regional da ONU para América Latina e Caribe, Michelle Muschett, afirma que o multilateralismo, ou seja, os acordos entre os países, é fundamental para a melhora na qualidade de vida da população em todo o globo.
Ela aponta que, há exatos 25 anos, 60% da população viam na democracia a forma preferida de Governo, mas agora, em 2023, isso caiu para 48%. As mulheres compõem o grupo mais insatisfeito com a democracia, assim como a população de baixa renda. “Isso tem implicações no interior do tecido social e cria um cenário para o avanço de regimes populistas, e também do crime organizado. Isso claramente é uma crise de desenvolvimento”, avalia Muschett.
De acordo com o Pnud, a América Latina é a terceira região mais democrática do planeta e talvez a única região que consiga avançar no desenvolvimento por meio da democracia. Essa preocupação se acentua quando o estudo mostra que metade das pessoas no mundo afirma não ter controle sobre a própria vida e veem uma queda constante na liberdade de expressão.
Todas essas questões só fazem engrossar o caldo das discussões acerca da temática relacionada à “Sobrecarga: Quando eventos globais e notícias ruins constantes se tornam insuportáveis”, proposta para ser o ponto central neste Dia Mundial da Saúde Mental.