Debate expõe divergências sobre a calamidade na Saúde municipal
A Assembleia Legislativa do Estado de Goiás (Alego) realiza, na tarde desta terça-feira, 16, audiência pública promovida pela Comissão de Constituição, Justiça e Redação (CCJ) para debater o Decreto Legislativo nº 31441/25, que trata do reconhecimento da prorrogação do decreto de calamidade pública na Secretaria Municipal de Saúde de Goiânia. O encontro reúne gestores municipais, representantes dos órgãos de controle e técnicos da área, que apresentam diagnósticos, números e posições divergentes sobre a necessidade de manutenção da medida excepcional.
Ao se manifestar, o secretário da Fazenda de Goiânia, Valdivino de Oliveira, destacou que o cenário atual ainda carrega graves problemas herdados de gestões anteriores. “A Saúde ainda tem problemas que dificilmente se resolvem no curto prazo”, ressaltando a descoberta contínua de dívidas e valores que não constavam nos balanços oficiais. O gestor chamou atenção para a defasagem da tabela do Sistema Único de Saúde (SUS), afirmando que ela está “completamente defasada”, o que pressiona as contas municipais, especialmente em uma cidade polo como Goiânia, onde mais da metade dos atendimentos é destinada a pacientes do interior.
Oliveira também revelou que o município foi notificado para devolver cerca de R$ 120 milhões ao SUS, referentes a recursos utilizados de forma diversa da finalidade original, além de enfrentar aproximadamente R$ 200 milhões em dívidas com fornecedores não vinculados ao sistema único. Para ele, a prorrogação do decreto de calamidade, por pelo menos mais seis meses, é essencial para viabilizar renegociações, ajustes orçamentários e a regularização dos passivos. “Por isso, ainda persiste, na saúde, uma situação de calamidade”, afirmou.
Diálogo com fornecedores
Na sequência, o secretário municipal de Saúde, Luiz Gaspar Pellizzer, complementou os dados apresentados e dimensionou o tamanho do passivo. Ele informou que, somadas as dívidas empenhadas e não empenhadas, o montante chega a cerca de R$ 711 milhões, e explicou que parte significativa dessas obrigações sequer estava registrada formalmente, o que dificulta a gestão. Pellizzer ressaltou que a decretação da calamidade pública tem sido um instrumento de transparência e diálogo com fornecedores, permitindo renegociações e explicações sobre a real situação financeira. Segundo ele, aproximadamente R$ 240 milhões já foram pagos, mas ainda restam cerca de R$ 400 milhões a serem diluídos ao longo do tempo, sem comprometer a capacidade de funcionamento da rede de saúde no dia a dia.
Respaldo da corte
Representante do Tribunal de Contas dos Municípios de Goiás (TCM-GO), o presidente Joaquim Alves de Castro Neto adotou um tom cauteloso e técnico. Ele afirmou que a corte não dispõe, até o momento, de dados suficientes para respaldar a prorrogação do deceto. “De forma técnica, o tribunal não tem como concordar com a prorrogação do decreto de calamidade”, declarou, enfatizando que muitas das informações citadas ainda não foram formalmente encaminhadas ao órgão de controle. Joaquim também alertou que o estado de calamidade não pode ser utilizado como instrumento de negociação com fornecedores e defendeu que dívidas sem respaldo legal devem seguir os caminhos judiciais adequados. Para ele, sem documentação completa e justificativas formais, a prorrogação representa um risco institucional.
Na mesma linha, o procurador-geral de Contas do TCM-GO, Henrique Pandim Barbosa Machado, reforçou a posição contrária do Ministério Público de Contas à prorrogação da calamidade. Ele lembrou que o instituto jurídico da calamidade pública possui consequências legais relevantes e só se justifica diante de situações anormais que comprometam substancialmente os serviços públicos. “A calamidade pública é um instituto jurídico que tem consequências jurídicas sérias”, frisou. Embora tenha reconhecido que, no início do ano, o cenário da saúde justificava a medida, Pandim destacou que, com os dados atualmente disponíveis no tribunal e diante de declarações públicas da própria prefeitura indicando melhora no quadro financeiro, não estaria caracterizada a excepcionalidade necessária. Ainda assim, ponderou que os problemas na rede de saúde persistem, conforme vistorias recentes do tribunal, mas avaliou que parte dessas dificuldades decorre de questões de gestão.
Ao encerrar as manifestações, o secretário-geral de Controle Externo do TCM-GO, Rubens Custódio Pereira Neto, contextualizou o debate à luz da legislação fiscal. Ele explicou que o decreto de calamidade pública autoriza gastos mais céleres e investimentos excepcionais, o que, segundo ele, é incompatível com situações de desequilíbrio financeiro estrutural. “A declaração de calamidade financeira não seria um instrumento hábil a enfrentar uma situação de desequilíbrio financeiro”, afirmou, acrescentando que a Lei de Responsabilidade Fiscal já prevê outros mecanismos para lidar com restrições orçamentárias.
Rubens ressaltou que, até o momento, o tribunal não recebeu informações novas que alterem a análise técnica já realizada, mantendo-se as divergências quanto aos números apresentados pela gestão municipal.
A audiência segue com debates e esclarecimentos, evidenciando a complexidade do tema e a distância entre as avaliações do Poder Executivo Municipal e dos órgãos de controle, cabendo agora ao Parlamento goiano analisar os argumentos apresentados para deliberar sobre o reconhecimento ou não da prorrogação do decreto de calamidade na Secretaria da Saúde de Goiânia.