Na celebração do 30º aniversário da Constituição, Assembleia destaca o legado deixado pela bancada goiana

Quando o Presidente da Assembleia Nacional Constituinte, deputado Ulysses Guimarães (PMDB-SP), ergueu com ambas as mãos o pequeno livro que representava a bandeira brasileira, os 18 deputados e os três senadores por Goiás aplaudiram com entusiasmo a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil. Naquela tarde de calor, em 5 de outubro de 1988, no plenário da Câmara dos Deputados, o País virava a página da história com as promessas futuras de um Estado Democrático de Direito e estabilidade institucional.
Na celebração do 30º aniversário da promulgação da Carta da República, em 5 de outubro de 1988, a Agência Assembleia de Notícias levantou informações sobre a rotina e as contribuições dos constituintes goianos para o texto que se tornou o mais importante documento legal do Brasil. A pesada rotina de debates, reuniões e sessões teve momentos de descontração entre os constituintes, permitindo que a elaboração da Carta Magna estabelecesse o mais longo período de estabilidade democrática do País.
Entre as populares partidas de futebol no campinho do Corpo de Bombeiros de Brasília, sempre às quartas-feiras pela manhã, e os árduos debates sobre a criação de novos Estados, a bancada goiana teve ativa participação na construção do emaranhado de artigos, incisos e alíneas que compõe a Carta Magna. Durante os 20 meses que enterraram o regime militar, congressistas goianos ocuparam postos de destaque, como a relatoria de comissões e até uma secretaria da Mesa Diretora.
A bancada
Entre a instalação dos trabalhos, em 1º de fevereiro de 1987, até a promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988, foram definidos os 245 artigos que compuseram o texto constitucional. De lá para cá, a Carta Política sofreu 99 emendas e ganhou mais cinco artigos, totalizando 250 artigos – além do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que possui atualmente 114 artigos. A Assembleia Nacional Constituinte era formada por 559 congressistas, entre senadores e deputados. Desse total, 3,75% era composto de representantes eleitos por Goiás.
A bancada goiana era formada por 18 deputados e três senadores. Na Câmara dos Deputados, exerceram mandato os deputados Aldo Arantes (PMDB), Antônio de Jesus (PMDB), Délio Braz (PFL), Fernando Cunha (PMDB), Iturival Nascimento (PMDB), Jalles Fontoura (PFL), João Natal (PMDB), José Freire (PMDB), Lúcia Vânia (PMDB), Luiz Soyer (PMDB), Maguito Vilela (PMDB), Mauro Miranda (PMDB), Naphtali Alves (PMDB), Nion Albernaz (PMDB), Paulo Roberto Cunha (PDC), Pedro Canedo (PFL), Roberto Balestra (PDC) e Siqueira Campos (PDC). O Senado abrigou Mauro Borges (PDC), Irapuan Costa Jr. (PMDB) e Iram Saraiva (PMDB).
O PMDB foi o partido que mais teve constituintes por Goiás. Ao todo, foram 12 deputados federais e dois senadores. O PDC veio em seguida, com três deputados e um senador. Por fim, o PFL contou com três deputados. Entre os 21 congressistas, nove eram advogados – disparada a profissão mais comum entre os constituintes. Considerando que alguns tinham mais de uma profissão, havia ainda quatro engenheiros civis, quatro professores, quatro agropecuaristas, três empresários, um radialista, uma jornalista e um médico.
Entre os constituintes goianos, o decano era o senador Mauro Borges, que contava à época 67 anos. O caçula entre os congressistas goianos foi o deputado federal Jalles Fontoura de Siqueira, que contava 36 anos quando assumiu o mandato. A única mulher da bancada, Lúcia Vânia, fez parte da pequena – porém combativa – bancada constituinte feminina, formada por 26 deputadas e nenhuma senadora.
Dos congressistas por Goiás, mais da metade da bancada estava no exercício do primeiro mandato em Brasília. Ao todo, 12 deputados participaram pela primeira vez dos debates no Congresso Nacional. São eles: Antônio de Jesus, Délio Braz, Jalles Fontoura, João Natal, Lúcia Vânia, Luiz Soyer, Maguito Vilela, Mauro Miranda, Naphtali Alves, Nion Albernaz, Paulo Roberto Cunha e Pedro Canedo.
Entre os constituintes, quatro exerceram, ou viriam a exercer, o cargo de Governador de Estado de Goiás: Mauro Borges, Irapuan Costa Jr., Maguito Vilela e Naphtali Alves. Siqueira Campos foi o primeiro Chefe do Poder Executivo do jovem Estado do Tocantins. Paulo Roberto Cunha e Nion Albernaz deixaram seus mandatos antes do final para assumirem, respectivamente, as prefeituras de Rio Verde e Goiânia.
Atuação conjunta
Consequência direta do movimento das Diretas Já, a realização de uma Assembleia Nacional Constituinte havia sido prevista pela Proposta de Emenda Constitucional nº 43, em 1985. Com a instalação da Constituinte em 1º de fevereiro de 1986, foi eleito presidente o deputado Ulysses Guimarães (PMDB-SP), que encomendou o regimento interno que conduziria os trabalhos, documento que teve como relator o futuro presidente Fernando Henrique Cardoso (PMDB-SP).
O regimento interno estabeleceu oito comissões temáticas, cada uma com três subcomissões, que abrigaram os 487 deputados e 72 senadores. Após a aprovação de propostas nestas comissões, os textos seguiriam para a Comissão de Sistematização, formada por 93 congressistas, que daria corpo e coerência à Constituição. Após a aprovação do projeto, o texto seguiria para plenário onde seria votado em dois turnos.
Embora a bancada goiana fosse ideologicamente diversificada, sua atuação conjunta era considerada bem articulada. Havia interesses comuns, como a criação do Estado do Tocantins e a defesa de direitos e garantias fundamentais, que forjaram laços duradouros entre os parlamentares por Goiás. O deputado constituinte Aldo Arantes disse que havia, apesar dos posicionamentos políticos diferentes, muito respeito entre os congressistas.
“Tinha essa bancada no mandato anterior, no PMDB. A gente desenvolvia uma relação de muito respeito. É claro que tinha uma diferenciação política. Alguns parlamentares se aproximavam mais da posição que eu defendia, claramente de esquerda, de compromisso com os movimentos sociais, da luta pela reforma agrária. Haviam outros setores que não tinham essa proximidade. De qualquer maneira, com todos eu tinha uma atitude de relacionamento e de respeito mútuos muito grande”, afirmou Aldo Arantes.
O senador constituinte Irapuan Costa Júnior reforça a ideia de que havia unidade na atuação da bancada, embora cada parlamentar tivesse sua própria perspectiva. De acordo com ele, os goianos trabalhavam muito bem. “Evidente que havia separação ideológica, mas trabalhamos bem. Todo mundo foi muito atuante”, afirmou.
Longos serões
O presidente da República, José Sarney, havia criado a Comissão Provisória de Estudos Constitucionais para a elaboração de um anteprojeto de Constituição. Presidida pelo senador Affonso Arinos (PFL-RJ), a comissão entregou o projeto, mas o presidente da Assembleia Nacional Constituinte, Ulysses Guimarães, optou por fazer uma Constituição do zero. Essa decisão tornou a elaboração da Carta Magna um tanto mais complexa.
O deputado constituinte Naphtali Alves disse que um anteprojeto com ampla participação popular teria um peso maior por causa da simbologia daquele momento, de retomada do Estado Democrático de Direito. “A Constituição não teria a repercussão que teve. Não acolheria todas as demandas que a sociedade queria. Viria imposto de cima para baixo. O doutor Ulysses estava correto. Deveria começar do zero”, disse.
A pesada rotina de trabalho demandava muito tempo dos deputados em reuniões. Como o Regimento Interno previa a possibilidade de receber emendas populares, o volume exigiu alta produtividade entre os parlamentares. Para se ter uma ideia, 122 emendas populares levadas à Constituinte tiveram aproximadamente 12 milhões de assinaturas.
Para suportar a alta carga de trabalho, havia um popular futebol entre os congressistas, nas manhãs das quartas-feiras, no campinho do Corpo de Bombeiros, em Brasília. Sendo um momento de integração e extravasamento, as partidas contaram com boa adesão entre os goianos. Eram assíduos nas disputas os deputados Jales Fontoura, Pedro Canedo e Maguito Vilela. Não que fossem os únicos: o ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva (PT-SP) e o senador Aécio Neves (PMDB-MG) chegaram, inclusive, a jogar no mesmo time.
“Havia até um futebol organizado pelo Maguito Vilela. Não só tínhamos parceria como também integração, pois as pessoas se mudaram para trabalhar na Constituinte, levando suas famílias, construindo uma intimidade e convivência, em que atuávamos e trabalhávamos sete dias por semana. Trabalhava-se muito e intensamente, principalmente quando havia, por exemplo, um programa rígido para alguns assuntos que possuíam data marcada de entrega. Isso se reflete ainda hoje, como por exemplo, a demora de anos na discussão sobre a reforma da Previdência, enquanto naquela época as questões todas sobre a Previdência precisavam ser definidas em meses”, afirmou Jalles Fontoura.
Legado
Embora proporcionalmente pequena, a bancada goiana deixou sua marca na Constituinte. Talvez a marca mais conhecida dos constituintes por Goiás seja o desmembramento do Estado de Goiás e a criação do Estado do Tocantins, que foi relatada pelo deputado Siqueira Campos na Comissão de Organização do Estado.
Siqueira Campos disse que recebeu muito apoio de congressistas na consolidação do novo Estado. Entre eles, o líder paulista Mário Covas (PMDB-SP), que defendeu sua indicação para a relatoria. Havia várias propostas de criação de novos Estados, como Carajás, Tocantins e Triângulo Mineiro, além de elevar territórios à condição de entes federativos.
“Eu fiz amizade com o Mário Covas. Um dia bati no peito dele, assim, e falei: ‘Me ajude. Isso é uma das melhores coisas que podemos fazer nesse momento para dar exemplo e amanhã cuidarmos melhor desse país’. Ele me disse: ‘Pode deixar que vou te ajudar’. Outros nomes, de pessoas mais influentes, foram indicados para ser o relator. No entanto, fui eu”, disse Siqueira Campos.
O deputado Luiz Soyer, por exemplo, foi secretário da Mesa Diretora da Assembleia Nacional Constituinte e teve a honra de presidir quatro sessões no plenário. “Acho que o Ulysses Guimarães era um homem muito humano e me propiciou presidir quatro sessões da Assembleia Nacional Constituinte, mais por bondade do que por capacidade minha. Foi um sujeito muito amigo e fez isso por mim. Fico muito feliz por ter tido essa oportunidade”, afirmou
A Comissão de Sistematização – a mais importante da Constituinte – teve em sua composição Siqueira Campos e José Freire, como membros titulares, e João Natal, Délio Braz, Aldo Arantes e Roberto Balestra como suplentes. Lá, as propostas discutidas nas demais comissões eram filtradas e depuradas. Não foi um trabalho fácil, já que a primeira versão do anteprojeto teve mais de 500 artigos e foi apelidada de “Frankestein”. Acabou sendo relator dessa comissão o senador Bernardo Cabral (PMDB-AM).
“Queríamos alguém que desse vida às propostas que tínhamos. Poderíamos até colocar as matérias de interesse da cúpula. Por isso que a Constituição ficou com tantos artigos. O que aconteceu nas subcomissões e prevaleceu na comissão temática, foi para a Sistematização. Foi filtrando, mas todo mundo teve oportunidade de dar opinião”, disse o deputado Roberto Balestra.
A bancada goiana teve uma divisão no debate sobre reforma agrária e direito à propriedade. Aldo Arantes era defensor da desapropriação de grandes propriedades rurais para que fossem transformadas em pequenos terrenos direcionados à agricultura familiar. “Foi quando surgiu o conceito de função da sociedade da propriedade”, disse Maguito Vilela.
Os constituintes goianos tiveram ampla atuação a favor dos direitos individuais e sociais, embora a bancada tenha se dividido quanto à forma de Governo: presidencialismo ou parlamentarismo. “A Constituição foi pensada dentro de um sistema parlamentarismo, mas houve mudança para presidencialismo, embora ainda conserve ferramentas daquele sistema, como as medidas provisórias”, disse o senador Iram Saraiva.
A história da participação dos goianos na Assembleia Nacional Constituinte ainda precisa ser devidamente contada. O legado duradouro e permanente do texto constitucional, escrito no crepúsculo dos anos de chumbo, renova o compromisso perpétuo com a democracia – aquela máxima criação humana que coube nas mãos experientes de Ulysses Guimarães sob o emocionado e vigilante olhar de milhões de brasileiros.
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