Primeiros passos da nova Carta
Durante a primeira sessão ordinária da Assembleia Estadual Constituinte, em 24 de novembro de 1988, deputados constituintes destacaram sua preocupação com o rito processual de elaboração da nova Constituição. Até aquele momento não havia uma regulamentação própria que pudesse antecipar os primeiros passos de sistematização do texto constitucional. Não se poderia também aproveitar o Regimento Interno existente, dada a natureza de poder originário da nova missão. Os parlamentares tiveram que agir dentro do possível.
O deputado Milton Alves (PMDB), que viria a ser presidente da Assembleia Legislativa no final de 1989, entregou três projetos de resolução na tarde daquele dia 24. As matérias estabeleciam o horário de funcionamento das sessões, a possibilidade de aproveitamento das regras existentes até a aprovação do Regimento Interno da Constituinte e a manutenção dos cargos e funções já existentes na Mesa Diretora.
Naquele momento, o PMDB tinha a maior bancada – composta por dois terços dos parlamentares – e detinha considerável força política em todo o processo de tomada de decisões. A manutenção da Mesa Diretora era vantajosa para o partido, mas a oposição considerava que essa hegemonia poderia prejudicar a minoria. O deputado constituinte Vilmar Rocha (PFL) tentou contrapor essa força do PMDB ao propor um projeto de resolução que permitia a eleição de uma Mesa Diretora com o específico fim de conduzir os trabalhos.
Boa parte daquela primeira sessão seria utilizada para discutir o funcionamento da Assembleia Estadual Constituinte. O risco de impasse na condução dos trabalhos fez com que o presidente, Frederico Jayme, suspendesse a sessão, em comum acordo com os líderes partidários, para que uma reunião fosse realizada a fim de se chegar a um consenso. Os líderes das bancadas — Milton Alves, do PMDB; Conceição Gayer, do PDC; Vilmar Rocha, do PFL; Antônio Moura, do PT; e Wolney Martins, do PDS — concordaram com a proposta, também ratificada pelo líder do Governo, Brito Miranda (PMDB).
O principal acerto entre os parlamentares foi o aproveitamento das regras regimentais existentes até a aprovação do Regimento Interno da Assembleia Estadual Constituinte – o que ocorreria em 14 de dezembro de 1988, após quase três semanas de debate. O ponto mais polêmico foi a manutenção da Mesa Diretora em detrimento de uma composição específica para os próximos meses.
Mesa Diretora
Confira a composição da Mesa Diretora e das Comissões da Assembleia Constituinte:Utilize as setas nas laterais para mudar o slide.
O líder da bancada do PT, Antônio Moura, deixou clara a sua preocupação com a hegemonia peemedebista na Assembleia Estadual Constituinte. Primeiro a discursar após a reunião com as lideranças partidárias, o parlamentar disse que se preocupava com a autonomia na condução dos trabalhos e o risco de pressões externas – provável referência à influência do Poder Executivo nas prioridades das pautas apreciadas no Parlamento.
“Temos que olhar para o futuro; temos que vencer o ranço autoritário; temos que, sobretudo, entender que o pluralismo que existe de siglas partidárias deve-se traduzir também no texto da nova Constituição de Goiás, que deve ser escrito por representantes do povo, e não necessariamente representantes desta ou daquela bancada, sendo que circunstancialmente, uma delas é majoritária”, disse Antônio Moura, emendando que não se poderia permitir que a bancada circunstancialmente majoritária continuasse trabalhando rotineiramente como linha de transmissão do Poder Executivo.
O deputado Sílvio Paschoal (PFL) reforçou a preocupação da oposição com a hegemonia do PMDB no contexto da Constituinte. Para ele, os parlamentares deveriam falar pelo povo e não por partidos. O melhor modo de equilibrar essa balança seria uma condução dos trabalhos com perfil mais técnico – motivo pelo qual disse que a definição dos cargos da Mesa Diretora deveria atender à proporcionalidade mediante acordo com as bancadas. Assim, foi lançado o nome de Vilmar Rocha como relator do texto constitucional em razão de sua história como professor de Direito da Universidade Federal de Goiás.
Na ocasião, o deputado Sílvio Paschoal disse que “portanto, já quero deixar bem claro: entendo que nós devemos fazer eleição da Mesa da Constituinte para mandato de um ano, no máximo, e deixarmos para fazer as prováveis alterações dentro daquilo que a Constituição e o Regimento Interno especificarem, ou seja, que a eleição da Mesa Administrativa se faça para dois anos em fevereiro. Fica aqui a nossa colocação, pois acho que hoje nós nos igualamos, somos deputados – como muito bem disse o presidente da Casa –, somos deputados Constituintes e não deputados de bancada”, disse Sílvio Paschoal.
Casa unicameral
Líder da bancada do PMDB, o deputado Milton Alves disse que seu partido era “voltado ao entendimento, à concórdia, ao equilíbrio e à negociação”. O parlamentar argumentou que a Assembleia Legislativa, diferentemente do Congresso Nacional, era uma casa unicameral. Dada a quantidade restrita de parlamentares – menos de 10% do total de mandatários que havia na Assembleia Nacional Constituinte – não haveria motivos para que fosse constituída uma nova Mesa Diretora.
“De representatividade não se abre mão, senhor presidente; é mandato, e de mandato não se pode abrir mão, é legitimidade. Temos a representação legítima de dois terços da sociedade goiana”, afirmou Milton Alves, que destacou o posicionamento do PMDB em respeitar a oposição, embora não abrisse mão da proporcionalidade partidária.
O petista Antônio Moura aproveitou a brecha após o pronunciamento do líder do PMDB e requereu a dispensa de sua publicação, para que, desse mode, os projetos de resolução fossem apreciados o mais breve possível. Os líderes partidários concordaram com a solicitação, mas Athos Magno (PT) pediu a palavra para se contrapor ao discurso de Milton Alves sobre a proporcionalidade.
Para Athos, a fala do deputado peemedebista sugeria um posicionamento unilateral do partido majoritário, no sentido de “se fazer ouvido”. Milton Alves pediu a palavra para se defender: "Nossa legenda vai esgotar os canais de negociação, e garantimos que da nossa parte, nós pretendemos elaborar uma Constituiçã, onde todos sejam ouvidos e que possam participar, é claro”.
O debate assumiu ares cada vez mais políticos naquela sessão de 24 de novembro de 1988. Deputados como Jamil Miguel (PDC), Sílvio Paschoal, Vilmar Rocha e Athos Magno continuaram questionando o modo como o PMDB se valia da posição majoritária no tocante à eleição da Mesa Diretora. Uma nova suspensão da sessão foi proposta para se chegar a novos acordos, com a concordância dos líderes partidários.
Com a retomada, a oposição apresentou novas propostas de resolução, enquanto o líder do PMDB, Milton Alves, se dizia preocupado com a aprovação da Lei Orçamentária Anual para o exercício de 1989, cujos prazos regimentais estavam próximos do fim. Sessões ordinárias e extraordinárias foram abertas e encerradas até que se chegasse a um mínimo de consenso possível.
O resultado final dos debates sobre do modo de trabalho está expresso na Resolução nº 4, de 14 de dezembro de 1988, que dispõe sobre o Regimento Interno da Assembleia Estadual Constituinte. O documento orientou todas as atividades relacionadas à elaboração da nova carta e permitiu que isso ocorresse sem maiores conflitos com as atividades rotineiras do Parlamento. Esse foi o marco zero que permitiu o surgimento da nova Constituição Goiana, observando o devido processo legal e o alinhamento filosófico àquela que havia sido batizada Constituição Cidadã.