Notícias dos Gabinetes Tráfico internacional de seres humanos
23 de Junho de 2008 às 13:52
O jornal Diário da Manha publicou neste domingo dia 22, artigo do deputado Luis Cesar Bueno denominado "De volta pra casa" - "Antes de vos pertencer, pertenço ao meu país". No texto o deputado aborda os problemas vividos por milhares de familias de Goiás e do Brasil, vítimas do tráfico internacional de seres humanos. Luis Cesar Bueno pontua várias consequências e conclui o artigo fazendo uma abordagem real da situação dos emigrantes brasileiros propondo a constituição de uma comissão de trabalho na Assembléia Legislativa.De volta pra casa“Antes de vos pertencer, pertenço ao meu país.”(Pierre Corneille)No ano passado, a comissão mista do Congresso Nacional que investiga o tráfico internacional de seres humanos constatou que Goiás junto com Minas Gerais lidera a lista dos estados com emigrantes clandestinos no exterior. A comissão parlamentar comprovou a presença de goianos nas celas frias dos presídios da Europa e dos Estados Unidos, em processo de extradição. E também milhares de jovens e adultos trabalhando em condições humilhantes, submetidos a todo o tipo de preconceito, até mesmo em regime de escravidão, fatos diversas vezes notificados pela imprensa européia.Segundo a ONU, o tráfico de seres humanos é a terceira atividade ilegal mais rentável do mundo, seguida pelo tráfico de armamentos e de drogas. Anualmente quase dois mil brasileiros, sendo centenas do nosso estado entre homens, mulheres e crianças, são recrutados com promessas enganosas, que garantem emprego, bom salário e vida de primeiro mundo, mas escondem as verdadeiras finalidades: exploração sexual, venda de órgãos, escravidão ou adoções ilegais por intermédio de redes internacionais.A maioria das vítimas (92% dos casos) são mulheres solteiras com idade entre 18 e 30 anos e de baixa escolaridade, mas não são raras as meninas menores de 18 anos, que saem principalmente das cidades goianas com maiores índices de pobreza, rumo a países como Itália, Espanha, Portugal, Paraguai, Suriname, Venezuela e República Dominicana. Elas saem de Goiás, devidamente documentadas, com passagens aéreas pagas pelo “empregador”, para trabalhar como dançarinas, baby-sitters, camareiras; algumas vão mesmo com intuito de prostituição, mas na maioria das vezes, não atuaram como profissionais do sexo no Brasil e nem imaginam a escravidão sexual à que serão submetidas. Por diversas vezes fomos procurados por prefeitos, vereadores e familiares para conseguir o retorno dessas pessoas para casa. Até mesmo para realizar o traslado do cadáver vítima de assassinato ou suicídio.Dados da ONU e da CPI do Congresso documentam que as mulheres brasileiras chegam ao destino devendo ao “empregador” as passagens, a hospedagem, a alimentação e o vestuário, além de ficarem, quase sempre sem documentos pessoais, que são confiscados pelo traficante para impedir uma possível fuga. Sem falar a língua do lugar e sem dinheiro, são mantidas em um contexto hostil, semi-encarceradas. Em muitos casos, são obrigadas a usarem álcool e drogas e a fazerem inúmeros programas sexuais por noite, sob vigia, proibidas de freqüentar lugares onde existam brasileiros, sob pena de multa e expostas às diversas formas de violência e perversão, correndo risco, inclusive, de serem mortas para “queima de arquivo”. Além do drama em que vivem estas mulheres, alijadas de quaisquer direito em país desconhecido, há o drama de seus familiares. Mais de 70% deixam filhos e filhas com parentes, vizinhos, amigos ou mesmo sós. Partem para o exterior em busca de superar a exclusão social e econômica, pensando que assim, lhes garantirão a alimentação, a educação, a moradia e a saúde. O aliciamento é feito, na maior parte das vezes, por homens, mas há um expressivo número de mulheres envolvidas neste crime. Uma pesquisa realizada pela Universidade de Brasília (UnB), identificou Goiás como um dos principais locais de origem das vítimas do tráfico internacional de seres humanos para fins de exploração sexual, devido o biótipo da mulher goiana ser agradável à clientela dos serviços sexuais no exterior. Prevenir, combater e punir o crime de tráfico humano deve ser prioridade de qualquer governo comprometido com os direitos da população. Acima de tudo, o ser humano é sujeito de direito, nunca um objeto, jamais pode ser considerado mercadoria de consumo. A União de Congregações Religiosas Femininas da Igreja Católica registrou o depoimento de um aliciador afirmando que "a mulher dá mais lucro que a droga ou o armamento”. Estes a gente só pode vender uma vez, enquanto que a mulher a gente revende até ela morrer de AIDS, ficar louca ou se matar...". Diante do poderio do mercado que garante a clientela consumidora da prostituição sexual, quase sempre a violação dos direitos e da sexualidade das pessoas ocorre de maneira velada. Nem as pessoas exploradas se percebam subjugadas, nem os aliciadores e clientes se reconheçam como exploradores, agressores ou dominadores. Preconceitos e valores deturpados ao longo da vida, moldam suas personalidades ao ponto deconsiderar esta situação como sendo natural. Isto também se revela na sociedade em geral, tendo a sensualidade da mulher brasileira, o motivo da prostituição e de seu consumo.O Itamaraty reconhece que só na Espanha, vivem cerca de 20 mil brasileiras, sendo 10 mil delas, na cidade de Bilbao. Apesar de o presidente Lula ter assinado o Protocolo de Palermo – Convenção das Nações Unidas Contra o Crime Organizado Transnacional, no Brasil, há grandes dificuldades para realização de flagrantes, para a coleta de provas, localização e punição dos mentores intelectuais e financeiros deste crime.Dados revelam que apenas 30% dos casos chegam ao conhecimento das autoridades devido investigação policial ou prisão em flagrante do réu. O restante dos casos se revela por denúncias anônimas ou depoimentos de parentes, amigos ou da própria vítima. Enfrentar o tráfico de seres humanos exige compreensão sobre a complexidade da causa e o comprometimento, não somente das autoridades governamentais, como também da sociedade civil. O modelo socioeconômico de desenvolvimento global prega o lucro acima de tudo, exacerbando a exploração da mão de obra da classe trabalhadora, que não possui condições de investimento, apenas pode oferecer a força de trabalho. Valores consumistas, precarização do trabalho, desemprego e falta de qualidade mínima nos serviços públicos essenciais, fragilizam as relações familiares, vulnerabilizam a identidade pessoal e somam-se ao sonho de uma vida melhor, de um futuro mais decente, estimulando a busca, no exterior, do “eldorado”, e facilitando o trabalho de aliciadores.As autoridades de Goiás não podem conviver com esta realidade de forma apática. Os governos do estado e dos municípios precisam desenvolver campanhas de educativas e de esclarecimento, programas de geração de emprego e renda, aproveitando os recursos disponibilizados pelo governo federal através do FAT e do BNDS. O governo precisa agir e a sociedade não pode ficar surda e muda como ocorre atualmente. O tráfico de pessoas é um fenômeno multifacetado, que não deve ser combatido apenas no âmbito da justiça e do combate ao crime organizado. É necessário um desenvolvimento social e econômico que traduzam o compromisso das autoridades governamentais em leis e em políticas públicas contínuas, que determinem prazos e metas principalmente para a educação, a profissionalização, o trabalho e o emprego.Como integrante do parlamento goiano, propomos a constituição de uma comissão de trabalho para desenvolver um amplo debate nos municípios. O objetivo é coibir este tipo de crime e encontrar meios de trazer nossos emigrantes de volta pra casa. “Não existe maior tristeza no mundo que a perda da terra natal” (Eurípides - 431 a.C). O Brasil desenvolve atualmente uma importante etapa de desenvolvimento econômico com inclusão social. Nossos jovens precisam acreditar no país e construir um futuro de paz, prosperidade e justiça social. Compartilhar