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14ª Mulheres no Legislativo

26 de Junho de 2020 às 11:15
Crédito: Agência de Notícias
14ª Mulheres no Legislativo
Ex-Deputada Eliane Pinheiro
A ex-deputada Eliane Pinheiro é a entrevistada da 14ª edição do projeto Mulheres no Legislativo, executado pela Agência de Notícias, em parceria com a TV Alego. Nessa entrevista, ela fala sobre a luta da mulher para conquistar um espaço na política.

Avó de sete. Mãe de três. Filha dedicada e presente na vida dos pais idosos. O forte vínculo familiar, evidência marcante no perfil da ex-deputada Eliane Pinheiro, é um assunto que se destaca na 14ª edição do projeto Mulheres no Legislativo. Em entrevista concedida à equipe de reportagem da Agência Assembleia de Notícias, em 20 de novembro passado, ela afirmou que o seu maior legado seria justamente este: o amor pela família.

Essa característica seria, inclusive, segundo ela, o seu ponto de maior fragilidade durante as campanhas políticas. “A gente sente falta [da família]. Nas estradas da vida, eu já cheguei até a chorar de saudade dos meus filhos e netos, do meu pai e da minha mãe. Às vezes, um deles ficava doente e eu tinha que mandar alguém ir lá cuidar, quando, na verdade, a vontade era de estar lá presente”. Conhecida pela sua personalidade forte e objetiva, Eliane foi deputada, pelo PSDB, na Alego, de 2015 a 2018, durante a última Legislatura (18ª).

Para a ex-deputada tucana, ter a família, ou as responsabilidades da vida privada, como prioridade não é algo que diz respeito apenas à sua trajetória pessoal, mas à das mulheres, em geral. Segundo ela, esse seria, inclusive, o principal entrave a uma participação feminina mais ampla no meio político, o que contribui para que a representatividade delas seja ainda tão baixa, principalmente quando comparada à representatividade masculina bastante expressiva. 

“A mulher tem que se impor mais, porque realmente é mais difícil para ela. E, quando eu falo isso, eu me refiro ao fato de a mulher assumir outras atribuições, que o homem normalmente nega. Eu, por exemplo, tenho três filhos e sete netos, aos quais devo e assumo responsabilidades. O homem, não. Ele deixa por conta da esposa a responsabilidade de cuidar da casa, dos filhos, dos netos, e vai para a rua fazer política. Já a mulher, para fazer política, ela tem que se desdobrar”, analisou. 

Dos bastidores à candidatura

Até 2014, então com 49 anos, Eliane nunca havia cogitado se candidatar a um cargo eletivo, embora uma sucessão de acasos a tivessem levado para o meio político há 27 anos. Ela, que veio de família de baixa renda e começou a trabalhar aos 16 anos, era secretária da Diretoria da Onogás, quando a então vice-presidente da instituição, Lydia Quinan, decidiu entrar na vida pública [a empresa, responsável pelo engarrafamento e pela distribuição de gás de cozinha em Goiás, fora criada em 1956, pelo então esposo de Lydia, Onofre Quinan, que viria a se tornar governador de Goiás e senador da República, respectivamente, de 1986 a 1987 e de 1991 a 1998, quando faleceu]. Concorrendo como deputada federal em 1993, Lydia venceu as eleições pelo PMDB e, ao assumir o mandato no ano seguinte, conduziu Eliane ao cargo de chefe de gabinete por dois mandatos (1995 a 2003). 

No mesmo ano, ela começou a trabalhar como gerente geral da Secretaria de Governo, junto ao secretário Fernando Cunha, que coordenou as campanhas eleitorais bem sucedidas de Marconi Perillo (1998 e 2002) e Alcides Rodrigues (2006). Em 2007, já formada em Gestão Pública e bem relacionada no PSDB, Eliane tornou-se chefe de gabinete da Secretaria de Governo e Assuntos Institucionais, quando Fernando Cunha secretariou a referida pasta no Governo Alcides.

Após o falecimento de Fernando, em 2011, Eliane assumiu a chefia do gabinete do então governador Marconi Perillo. Ela avalia que essa trajetória nos bastidores lhe conferiu habilidades essenciais àqueles que se dedicam à política. “Com a Lydia Quinan, eu aprendi a parte social, a parte de ajudar as pessoas. Com o Fernando Cunha, eu aprendi a parte da articulação política, essa parte de gestão dos prefeitos”, se orgulha Eliane, referindo-se ao diálogo que travou com diversas prefeituras na construção de consensos políticos. 

Ela atribui a Deus essa sequência de fatos que a prepararam para o mandato que viria em 2015. Foi trabalhando com Marconi Perillo, na articulação junto às prefeituras da região Norte do estado, que o então governador enxergou nela um potencial eleitoral e lançou a ideia de sua candidatura ao Parlamento goiano. O convite que, no primeiro momento, pareceu-lhe absurdo, foi ganhando, pouco a pouco, espaço nos seus planos de contribuir mais com os municípios goianos. “Foram muitos os argumentos que me fizeram aceitar esse convite. Um deles foi: você já ajuda tanta gente, você já ajuda tantos prefeitos. Com um mandato na mão, você vai poder ajudar muito mais. E foi verdade, eu ajudei muito mais”, considerou. 

Pouca fala, muita ação

Eleita pelo Partido da Mobilização Nacional (PMN) com 19.778 votos, Eliane demonstrou ser uma deputada de poucas palavras. Ela, que quase não ocupava a tribuna, decidiu manter, enquanto parlamentar, a mesma postura resolutiva que lhe conferiu destaque nos cargos administrativos que ocupara. “Eu nunca fui deputada de Plenário. Eu gostava muito de ser deputada, porque, por meio do meu mandato, sentia que podia ajudar os municípios e buscar soluções para os problemas da população. Por isso, eu costumava ir muito ao Palácio [das Esmeraldas, sede do Governo Estadual], negociar, diretamente com o governador, qualquer benefício, porque, como disse o próprio Marconi a mim certa vez, o papel não tem perna”, relembrou a ex-deputada, que chama a atenção para o fato de que, na política, discurso e ação nem sempre caminham juntos. “O povo tem que começar a discernir quem está ali fazendo firula, de quem está ali falando algo sério”, alertou. 

Conhecida como uma mulher brava, pela postura assertiva que sempre adotou, Eliane demonstra não se incomodar com esse rótulo e parece até se orgulhar do temperamento forte, um aliado nos momentos de crise, bem como nas disputas travadas durante o mandato. Às repórteres da Agência Assembleia de Notícias, ela contou sobre seus projetos voltados à saúde, educação e valorização feminina. A ex-parlamentar também expôs as dificuldades que enfrentou durante a Monte Carlo, operação deflagrada pela Polícia Federal em 2011 para desarticular um esquema de exploração de jogos de azar e máquinas caça-níqueis em Goiás. 

Nessa entrevista, Eliane fala sobre as dificuldades que as mulheres ainda hoje encontram para o financiamento de suas candidaturas eleitorais, tece críticas sobre os rumos da política nacional e confirma seus planos como candidata em busca do segundo mandato na Assembleia Legislativa de Goiás (Alego). A ex-parlamentar também abre um baú de lembranças, expondo memórias de infância, seu trajeto como mulher divorciada e suas principais conquistas e decepções na atuação política, em uma conversa franca e, como é marcante em seu estilo, sem nenhuma firula.

* Seguindo estratégia de formatação adotada em edição anterior, também nessa, leitoras e leitores encontrarão links explicativos e, intercalados às respostas da entrevistada, comentários da reportagem, todos devidamente assinalados com asterisco(s). Mediante essas intervenções, que operam como notas de edição/rodapé, repórteres e editoras do projeto oferecem informações adicionais à matéria, cujo objetivo é ampliar, portanto, a compreensão acerca de vários dos assuntos abordados ao longo da entrevista. 

Você nasceu aqui em Goiânia, onde reside atualmente. Como foi sua infância? Como era sua família?

Nós éramos seis irmãos. Nasci em Goiânia, mas, como meu pai era caminhoneiro, eu vivi em várias cidades de Goiás, porque ele acabava levando a família toda para onde ficasse mais perto do trabalho dele. Já morei em Silvânia, Aurilândia, Adelândia, Morrinhos... Minha mãe sempre foi dona de casa. Assim, crescemos com os meus pais enfrentando dificuldades para criar seus seis filhos. Mas, apesar disso, sempre fomos muito unidos e criados com muito amor, algo que eu trago comigo até hoje. Meu maior legado é justamente o amor que eu trago pela minha família. 

Dos seis filhos, além de você, há outras mulheres? 

Sim. A princípio, éramos seis, dois homens e quatro mulheres. Hoje, somos só três, porque, infelizmente, perdi três dos meus irmãos.

Como você disse, havia um bom relacionamento entre os membros da sua família, apesar das dificuldades econômicas enfrentadas. Ter nascido e crescido aqui e depois vivido por algum tempo em vários municípios goianos te ajudou, de alguma forma, a abrir espaço na atividade política que viria a exercer anos mais tarde? 

Não. Até porque isso tudo aconteceu durante a minha infância. Eu era muito pequena, nessa época. 

Não foi isso que te ajudou a construir uma rede de relacionamentos e apoiadores políticos? 

Não. O que me ajudou a construir meus relacionamentos com as lideranças no interior foi exatamente, em primeiro lugar, o trabalho que eu fiz com a ex-deputada Lydia Quinan, depois o que desenvolvi com o Fernando Cunha, que era secretário de Governo, e, por fim, o feito com o próprio Marconi. Eu comecei a minha vida pública com a ex-deputada Lydia Quinan. Eu era funcionária do Grupo Onogás [pertencente à família Quinan] e, quando ela resolveu ingressar na política, se candidatando a deputada federal, eu a acompanhei em seus dois mandatos [o primeiro foi de 1995-1999 e o segundo, de 1999-2003]. Foi uma experiência muito importante, que marcou a minha vida, pois Lydia Quinan é, até hoje, um ícone feminino na política brasileira, uma pessoa honrada, séria, humilde, e que ajudou muito, principalmente, o nosso Hospital Araújo Jorge, o Hospital do Câncer. Então, eu tenho um orgulho muito grande em tê-la como madrinha, na política. Eu chamo ela de mãe, ela me chama de filha. Eu aprendi muito com ela. 

E sua educação escolar, como foi? Você se lembra em quais escolas estudou? 

Sim, me lembro bem. Olha, em Goiânia, eu estudei no Colégio [Estadual] Pedro Xavier Teixeira, aquele lá da T-63, e no Colégio Santa Paula [localizado no centro de Goiânia, foi extinto da rede pública*]. Depois fui para a faculdade. Primeiro, eu cursei Gestão Pública, na UEG [Universidade Estadual de Goiás]. Depois, comecei Direito, na Universo [Universidade Salgado de Oliveira], mas não conclui por conta das campanhas políticas. 

* Para mais informações, clique aqui

O curso está trancado? 

Sim. Pretendo retornar ano que vem. 

Você chegou a trabalhar nesse ramo da Gestão Pública? 

Não especificamente nesse cargo. Mas, como chefe de gabinete do Marconi e do Fernando Cunha, acabei podendo colocar em prática um pouquinho das competências aprendidas na minha formação. Até mesmo para o meu trabalho junto aos prefeitos, esse conhecimento foi importante.

A gente nota, em você, um perfil de liderança bem acentuado. Para você, essa característica é parte intrínseca de sua personalidade ou foi algo adquirido com o trabalho político, propriamente?  

Eu acho que é algo próprio da minha personalidade mesmo, por eu valorizar tanto, como já disse, a minha família e meus amigos. As minhas lideranças também foram se tornando meus amigos. Hoje, inclusive, eu mantenho um laço de amizade forte com todos os 20 prefeitos que eu representava enquanto deputada. Eu frequento a casa deles e eles frequentam a minha casa. Eu conheço a família e a história de cada um deles, assim como eles conhecem a minha. Esse respeito, reconhecimento e proximidade é o que faz com que, em troca, eu acabe me tornando uma liderança para todos.

Na sua opinião, ter essa postura forte de liderança é algo necessário para sobreviver, como mulher, dentro da política? 

Dizem que é. Mas, como eu acredito já ter nascido com esse perfil, eu não sei bem dizer. O que sei é que, de fato, as mulheres têm que se impor um pouco mais que os homens, sempre, porque, realmente, para elas é mais difícil entrar e conseguir se manter na política. E, quando eu falo isso, eu me refiro ao fato de a mulher assumir outras atribuições, que o homem normalmente nega. Eu, por exemplo, tenho três filhos e sete netos, aos quais devo e assumo responsabilidades. O homem, não. Ele deixa por conta da esposa a responsabilidade de cuidar da casa, dos filhos, dos netos, e vai para a rua fazer política. Já a mulher, para fazer política, ela tem que se desdobrar. Então, essa é a dificuldade que eu percebo, mas que consigo contornar. Até por ser muito brava, como todos falam. Por ter um temperamento forte, eu me imponho no meio. 

Como foi conciliar as atividades de Parlamento com essas questões familiares? 

Foi muito difícil, porque, além dos filhos e netos, eu ainda tenho pai e mãe para cuidar. Todos os almoços de domingo, eu passo com meu pai e com a minha mãe. Normalmente, eu reservo sempre os domingos para minha família. Em época de campanha, no entanto, fica difícil manter essa rotina. Mas a gente vai conciliando, na medida do possível. E, depois, quando passa, eles entendem. Às vezes, quando eu não consigo ficar com eles no domingo, eu tento compensar durante a semana, porque a gente sente falta. Nas estradas da vida, eu já cheguei até a chorar de saudade dos meus filhos e netos, do meu pai e da minha mãe. Às vezes, um deles ficava doente e eu tinha que mandar alguém ir lá cuidar, quando, na verdade, a vontade era de estar lá presente.

Eles se queixavam dessas suas ausências, na época?

Demais. Meu pai principalmente, porque ele já tem 80 e poucos anos. Às vezes, eu deixo de ir lá num domingo e ele reclama. "Eu tô sentindo falta da Eliane", ele fala. Minha mãe também reclama. Os filhos entendem mais...

Qual é a idade dos seus filhos hoje? 

O meu filho mais velho tem hoje 33 anos, o do meio 29 e a caçula tem 21. Fui mãe com 20 anos e meus filhos tiveram filhos com 20 anos também, ou seja, com 40 anos já fui avó. Minha filha foi mãe com 18.  

E algum deles já manifestou interesse pela vida política? 

Não, nenhum. Um deles, inclusive, mora em San Francisco, na Califórnia, e tem três filhos. É por ele que eu mais choro de saudade, porque ele mora muito longe e não pretende voltar mais para o Brasil. 

E os outros dois? 

Um trabalha aqui, na Alego. A minha filha tem três bebês: um de 3 anos, outro de 1 e outro de apenas 2 meses. Ela fica em casa cuidando deles, porque dá muito trabalho. Mas são a minha vida. 

Você é uma mulher divorciada...

Sim. Sou uma divorciada meio que viúva, porque meu ex já é falecido. 

Esse processo de divórcio exerceu algum peso na sua vida política? Você sofreu algum preconceito por ser uma mulher divorciada? 

Na vida política, exatamente, não. Porque, nessa época, eu era assessora da Lydia Quinan. Mas no meio pessoal, até de amizade, de amigos bem próximos, você sofre preconceitos, sobretudo daquelas que integravam o círculo de casais. "Eliane agora tá solteira, ela tem que andar com outra turma", eu ouvia deles, naquela época. Há 20 anos, quando eu me divorciei, esse era um pensamento comum. Mas hoje acho que já mudou bastante. 

Avançamos então, nesse sentido?

Avançamos e estamos avançando...

Quando surgiu o convite para você trabalhar com a deputada Lydia Quinan?  

Para chegar a essa história, eu preciso contar, antes, alguns detalhes sobre o início de minha vida profissional. Eu comecei a trabalhar aos 16 anos. Eu tinha uma tia que passava roupas na casa de um diretor da CDL, a Câmara dos Diretores Lojistas. Ele era responsável pelo SPC [Serviço de Proteção ao Crédito]. E ela me arrumou uma vaga para trabalhar junto a ele, no SPC. Naquela idade, trabalhar no SPC com carteira assinada era uma grande conquista. E acho que até mesmo hoje também seria, sobretudo quando você pensa na quantidade de jovens que ainda há perdidos por aí. Eu trabalhei no SPC por cinco anos. Durante esse tempo, eu passei de atendente do SPC a secretária da Diretoria da CDL. Eu trabalhava muito, porque queria crescer na vida. Um dia, vi, anunciada no jornal, a seleção para a vaga de secretária da Diretoria de Controladoria Financeira da Onogás. Eu me inscrevi e fui selecionada. Em pouco tempo, eu passei a trabalhar diretamente com a Lydia Quinan, que era a vice-presidente da empresa, e com o Olavo Quinan, que era o presidente. Naquela época, a Lydia Quinan já desenvolvia um trabalho social grande, em nome da própria Onogás, mas que era, na verdade, todo custeado com o dinheiro do bolso dela. Ela resolveu ser candidata a deputada federal de uma hora para outra, após um questionamento que lhe fizeram. "Por que a senhora não se candidata? Assim vai poder ajudar muito mais as pessoas necessitadas", disseram a ela, em certo momento.  Foi assim que ela saiu candidata e foi eleita deputada. Após isso, ela me convidou para ir trabalhar como assessora dela, porque disse ver em mim a pessoa de confiança de que ela precisava, o que envolvia também o fato de eu ser mulher. E eu fui. Ela foi a deputada mais bem votada, em Goiás, tanto no primeiro quanto no segundo mandato dela*. Já na terceira candidatura, ela teve vários problemas de saúde, fez uma cirurgia muito grande no coração, bem na época da campanha, e acabou sem ganhar a eleição. Era para ela ter desistido, até porque sabíamos que ela não tinha condições de ganhar a eleição. Mas ela resolveu manter até o fim a candidatura para poder ajudar a fortalecer a chapa do PSDB, a pedido de Marconi. Assim se deu a minha entrada na vida política. Eu aprendi muito com a Lydia Quinan, sobretudo sobre essa parte do social, de ajudar as pessoas.

* Em material bibliográfico, o Centro de Pesquisa e Documentação da Fundação Getúlio Vargas (CPDOC-FGV) aponta que Lydia Quinan obteve a maior votação do estado nas duas candidaturas. Foram “pouco mais de cem mil votos” no primeiro mandato e “120.705 votos” na reeleição.

Depois de assessorar a ex-deputada Lydia, você foi trabalhar com o Fernando Cunha, antes de ser deputada, é isso? 

Isso. E, com ele, eu aprendi mais sobre a parte da articulação política, do relacionamento junto aos prefeitos. Deus me preparou para o meu mandato de todas as formas, percebe? Com o Fernando, aprendi como ajudar as Prefeituras.  Com a Lydia, como ajudar a fortalecer as ações e políticas sociais do Estado.

O trabalho dela foi muito voltado para a questão da saúde, não? 

Sim. A Lydia Quinan conseguiu, junto ao governo de Fernando Henrique Cardoso, que era  presidente, na época, um aparelho para o nosso Hospital Araújo Jorge, que jamais conseguiríamos de outra forma, dado a seu elevadíssimo valor. Até então, só tinha cinco aparelhos desses no mundo e ela trouxe um para Goiás. Era um desses aparelhos que faz cirurgia cerebral sem precisar abrir a cabeça. Esse aparelho demorou muito tempo para chegar aqui, por causa do transporte, que veio de fora. Hoje isso seria algo banal, mas na época, lá em 1995, não era. Era algo inimaginável de ser alcançado, na cabeça da gente daqui. Esse empenho dela ajudou demais o Araújo Jorge. 

Ter trabalhado com ela teve reflexos no seu trabalho como deputada?

Teve, com certeza. Ela contribuiu muito para a Associação de Deficientes Físicos, que  sempre a apoiou. Mas não a mim. Durante o meu mandato, eles apoiaram o Francisco de Oliveira*, muito embora eu sempre tivesse trabalhado com essa questão dos deficientes físicos. Foi pensando justamente neles que eu tanto lutei para que a inauguração do Hospital de Urgências de Uruaçu fosse realizada antes do fim do mandato do Zé Eliton, o que infelizmente acabamos não conseguindo**. Houve alguns entraves que as pessoas nunca entenderam. O jornal Opção postou uma matéria em que eu cobrava que a oposição de Uruaçu se mobilizasse pela abertura do Hemu***. As pessoas não entendem alguns entraves. Por exemplo, com o Hugol [Hospital Estadual de Urgências da Região Noroeste de Goiânia Governador Otávio Lage de Siqueira],  aqui de Goiânia, nós tivemos um problema grande, porque o ex-governador licitou a OS [Organização Social que, em sistema de Parceria Público-Privada (PPP), é contratada para gerir determinados serviços públicos, como saúde e educação], antes de inaugurar o hospital. Isso foi feito dessa forma para que, quando ocorresse a inauguração, o hospital já pudesse entrar imediatamente em funcionamento, visto que a OS já estaria licitada. Mas, nós acabamos tendo problema na Justiça, por causa disso. Segundo o entendimento legal, a licitação só poderia ter sido feita, depois que o hospital tivesse sido inaugurado. Em razão disso,  lá em Uruaçu, nós fizemos a inauguração da 1ª etapa [antes da conclusão da obra], exatamente para poder licitar a OS. E foi justamente isso que as pessoas não entenderam. Eu falei sobre isso no jornal Opção e muitas pessoas vieram me questionar no Facebook. "Ah! Por que só agora que está sendo explicado isso?", foi um dos principais questionamentos.  A razão dessas questões terem vindo à tona, dessa forma, só depois, tem muito a ver com o próprio processo judicial, visto que a Justiça acabou barrando a gente em muita coisa. Eu defendo muito a região norte, porque tenho, inclusive, uma casa em Uruaçu. Trabalhei muito por isso em meu mandato. Uruaçu mudou muito com o novo prefeito e eu sinto que contribuí demais para esse crescimento. O hospital não é só para Uruaçu, é para toda a  região norte. Para quem não conhece o projeto, ele é quase do tamanho do Hugol que temos aqui. Agora, você imagine um hospital desse porte lá na região norte. Eu mantive, inclusive, aqui, a parceria com uma casa de apoio, exatamente para poder ajudar aqueles que vêm do interior e encontram dificuldades para se instalar em Goiânia, porque não têm, muitas vezes, nem dinheiro para pagar um lanchinho para comer, quanto mais uma pensão para ficar. Então, durante o meu mandato, eu ajudava essa casa de apoio justamente para eu poder trazer as pessoas do interior que me procuravam. Ainda hoje eu ajudo muito a casa de apoio da mãe do cantor Leonardo, que faz um trabalho lindo, belíssimo mesmo****. Uma vez por ano a gente faz, juntos, um leilão para arrecadar fundos, porque lá não tem ajuda do governo, nem federal nem estadual. Aí a gente vai atrás dos amigos empresários. 

* Francisco Oliveira foi eleito para a 18ª Legislatura pelo Partido Humanista da Solidariedade (PHS), mas em 2016 voltou a filiar-se ao PSDB. 

**O Hospital Geral e Maternidade de Uruaçu (Hemu) teve uma primeira etapa inaugurada pelo então governador José Eliton em julho de 2018, mas as obras foram interrompidas e retomadas apenas em fevereiro de 2020, pelo atual governador Ronaldo Caiado.

*** Na matéria citada, publicada em 19 de novembro de 2019, Eliane expôs: “O hospital está pronto, com excelente estrutura e equipamentos. Só falta mesmo abri-lo. O governo do PSDB só não o inaugurou porque não deu tempo para licitar a organização social para geri-lo e houve problemas com a Enel.”

**** Eliane refere-se à Casa de Apoio São Luiz, fundada e administrada por Carmem Divina da Silva. Situada em Aparecida de Goiânia, a instituição oferece estadia, alimentação e transporte gratuitos para pessoas com câncer que realizam tratamento na Região Metropolitana de Goiânia.

Voltando um pouquinho na questão de Uruaçu, apesar de ter nascido em Goiânia, me parece que você considera o Norte como sua base eleitoral. Você chegou a ser conhecida como a Rainha do Norte, inclusive. De onde surgiu essa aproximação, como você criou esse vínculo tão forte com a região? 

Eu conheço o prefeito de Uruaçu, Valmir Pedro [PSDB], há muitos anos e sei que ele sempre trabalhou muito em prol do desenvolvimento do município. Inclusive, antes mesmo de ganhar a sua primeira eleição, ele, que tinha tido até então alguns cargos no governo, uma vez, mandou uma carta com várias reclamações para o Marconi, cobrando obras e serviços prometidos e já autorizados pelo chefe do Executivo, mas que não estavam sendo executados pelo governo, como escolas em tempo integral e outras reivindicações. Durante reunião realizada em seu gabinete, o Marconi pegou essa carta e a leu diante de todos os então secretários responsáveis pelas áreas envolvidas na queixa (Agetop, Saúde, Educação, dentre outras). Na época, o Valmir era candidato a prefeito pelo PSDB. Depois desse episódio, o Marconi começou a ajudar o Norte e eu me apaixonei pela garra do Valmir Pedro, que não era vereador, não era deputado, nem mesmo prefeito ele era ainda, mas já brigava pela sua cidade. Foi, nessa época, que eu me aproximei dele e pedi para que me apresentasse Uruaçu, que até ali não conhecia. E fui lá eu então pela primeira vez. A primeira impressão não foi lá muito boa, digamos. Uruaçu era uma cidade feia, cheia de buraco. E eu comecei a ajudar ele desde aquela época. A minha ligação com Uruaçu, portanto, vem de antes, quando eu ainda não tinha qualquer intenção ser deputada. E depois, quando eu resolvi sair candidata, o Valmir acabou não me apoiando, porque já tinha um candidato. Ele apoiou Leréia, perdeu a eleição na qual eu fui eleita. Depois da vitória nas urnas, eu falei para o Valmir: "tô pronta para te ajudar". E, por conta dessas questões, meu laço com a região foi crescendo. Hoje, eu tenho um círculo muito grande de amizades por lá. Tenho, inclusive, uma casa, onde recebo meus amigos, que, por sua vez, também me recebem na casa deles. Eu costumo ir para lá com uma frequência quase semanal, para prestigiar, sobretudo, o trabalho do Valmir, que está sempre inaugurando uma obra ou entregando um bem para a população local. Recentemente, para você ter uma ideia, estive lá prestigiando a entrega de dois ônibus. Mas, voltando ao meu mandado, especificamente, uma das conquistas desse período, foi conseguir levar para lá, após uma enorme briga com o governo, um Colégio Militar. A Raquel Teixeira, que era secretária de Educação, na época, e o próprio comandante da Polícia, na ocasião, foram contra, porque não tinha dinheiro. E eu, com esse meu jeito brava de ser mesmo, insisti até conseguir. Por fim, inauguramos o tal Colégio Militar, que já está em funcionamento há dois anos, no município. 

E o reconhecimento da população local, como é o retorno que você recebe quando vai lá? 

O retorno é muito grande e está presente em qualquer lugar que eu vá. Por exemplo: quando vou à feira de Uruçu, todo mundo me reconhece e me agradece. E não só pelo Colégio Militar, mas também pelo curso de Direito na UEG, que consegui levar para lá, atendendo, assim, a um anseio muito grande do povo do norte. E, da mesma forma, eu também consegui isso após muita briga com o professor Haroldo Reimer [reitor da UEG, na época]. Então, hoje, essa conquista também é um orgulho muito grande para mim. Há várias outras, obviamente, mas eu estou citando essas, porque são as que vão ficar efetivamente marcadas, acredito. Essas são conquistas, portanto, que ninguém vai conseguir tirar da Eliane Pinheiro, digamos. 

Fora Uruaçu, que outros municípios fazem parte da sua base? 

Ah, eu ajudei muitos municípios: Piracanjuba, Cromínia, Goianira, Brazabrantes, Campestre, Orizona, Chapadão do Céu, Santa Rita do Araguaia, Jataí, São Miguel do Passa Quatro, Cristianópolis, Goiânia, dentre outros. 

Existe um perfil municipalista muito forte aí. E como você está vendo a PEC* da extinção dos municípios, que o governo federal está articulando? 

Eu acho um absurdo, e que, por isso mesmo, não vai passar. Pelo menos, é isso que eu espero. Mas não dá para afirmar ao certo, porque hoje, no país, o nosso achômetro anda errando demais... [Uma certa tensão se faz notar no semblante da entrevistada].  Mas, se uma coisa dessa passa, a história da cidade morre. E toda cidade tem uma história, que precisa ser respeitada. É um absurdo, propor uma PEC como essa! [Mostra indignação] Não é assim que se soluciona o déficit fiscal do Estado. Eu vi, recentemente, uma entrevista do prefeito de Campestre, que é uma cidadezinha desse tamanho [faz gesto com as mãos, indicando o tamanho reduzido da cidade. Campestre de Goiás é um município com menos de 4 mil habitantes, situado na região sul do estado], mas que tem a sua própria história. Imagine uma pessoa que nasceu e cresceu em Campestre. Aí vem uma lei e define: “não, não. Sua cidade agora é Trindade.” Não faz sentido. Não concordo que o município tenha que ser extinto por causa do tamanho de sua população. Aliás, eu acho que há muitos projetos absurdos passando no Congresso Nacional, muito embora eu acredite que, quanto a essa proposta que estamos discutindo, especificamente, os deputados [e senadores] vão ter discernimento na hora de votar, até porque os prefeitos vão cobrar muito isso deles também. 

* A pergunta trata da PEC 188/19, Proposta de Emenda à Constituição referente ao Pacto Federativo. A ideia da extinção de municípios com menos de 5 mil habitantes integra o Plano Mais Brasil, enviado ao Senado em novembro de 2019, pelo presidente Jair Bolsonaro e seu ministro da Economia, Paulo Guedes. A íntegra do texto, bem como sua tramitação, podem ser conferidas aqui.

Ademais, com essa e tantas outras ações polêmicas e inesperadas, como a senhora enxerga o atual quadro político? 

Muito confuso. Eu acho que o eleitor também está confuso. E as redes sociais, que vieram para fazer uma revolução no mundo, estão sendo um pouco a causa desse grande tumulto que estamos vendo acontecer aqui no nosso país. Isso porque elas têm uma eficácia contraditória, digamos, pois são, a um só tempo, benéficas e também maléficas. E seus aspectos negativos podem ser percebidos, sobretudo, na explosão das chamadas fake news, que qualquer pessoa  pode ir lá, na rede social, e postar uma mentira. Isso afeta muito a Política. E, com isso, aparecem aqueles políticos que gostam de fazer alvoroço nas redes sociais, dizendo que vão fazer “isso e aquilo outro”, mas que, no final, não vão, porque tudo o que prometem e ameaçam é matéria inconstitucional. Acredito que parte deles tenham, inclusive, consciência disso. Acho que alguns outros, no entanto, agem assim por ignorância mesmo. E o que eles querem, via de regra, com esse alvoroço todo? Só ganhar voto. Porque há muita gente que, infelizmente, assiste essas atuações e pensa: "nossa! Esse cara é bom. Vou votar nele". Então, a rede social veio para melhorar muita coisa no país, sobretudo a nossa comunicação. Mas ela também traz, com isso, muita coisa ruim. E as pessoas precisam aprender a discernir isso. Eu nunca gostei muito aqui da tribuna, justamente porque acho que ela, assim como esse problema que apontei sobre as redes sociais, só serve, em grande parte, para político se promover e fazer propaganda para o seu eleitor. É isso que a gente vê acontecer, por exemplo, quando um deputado sobe ali e fala e xinga coisas que não têm nada a ver com a pauta que está em votação. Isso aconteceu, inclusive, quando nós estávamos votando o projeto para criar o primeiro Colégio Militar lá de Uruaçu. No meio da votação, um colega foi à tribuna para falar mal do governador eleito, ou do governo passado, resumindo: nada sobre a pauta. O Zé Nelto era mestre em fazer isso [ele é atualmente deputado federal por Goiás, pelo Podemos]… Ele estava ali para falar para o eleitorado dele, que o estava vendo, mas não estava enxergando nada do trabalho que nós estávamos tentando fazer, na ocasião, e no qual ele também devia estar se empenhando, ao invés de ficar fazendo firula. Então, é por essas e outras, que eu nunca gostei do plenário, embora eu gostasse muito de ser deputada, porque, com o meu mandato, sentia que podia ajudar os municípios e buscar soluções para os problemas da população. Por isso, eu costumava ir muito ao Palácio [das Esmeraldas, sede do Governo Estadual], negociar, diretamente com o governador, qualquer benefício, porque, como disse o próprio Marconi a mim certa vez, o papel não tem perna. E ele sempre ouvia as minhas reivindicações. Mas, para isso, para conseguir qualquer benefício, eu tinha que ir diretamente atrás. E para a política pública funcionar, em qualquer área que seja, você tem justamente que ir lá e brigar diretamente com a fonte, que envolve, inclusive, o próprio secretário da Pasta, na maioria das vezes. O Leonardo Vilela, por exemplo, é meu amigo pessoal, mas eu já briguei inúmeras vezes com ele por conta do Hospital de Uruaçu [ele foi secretário de Infraestrutura e de Meio Ambiente e Recursos Hídricos, durante os governos de Marconi Perillo]. Isso tudo porque, como bem lembrou Marconi, o papel não anda sozinho. É preciso que a gente o leve até o seu destino final e corra atrás para que o que está ali escrito, e até mesmo autorizado, possa ser, efetivamente, implantado. Então eu acho que, tanto na rede social como na política, o povo, o usuário, o eleitor, tem que começar a discernir quem está ali fazendo firula, de quem está ali falando algo sério.

O grande público entende, em geral, que o deputado está, via de regra, na Assembleia só para legislar. Mas o papel de um deputado não se resume só a isso. Até porque há também o poder fiscalizador do Parlamento. Você, por exemplo, parece que ter um perfil mais executivo mesmo, de quem vai atrás, provoca e procura resolver diretamente as situações. Você acha que falta ao Legislativo goiano uma mediação mais direta com o Executivo estadual? Quais seriam, na sua perspectiva, os benefícios reais dessa potencial aproximação? 

Sim, acho que falta. Até porque nós já temos leis demais que não são cumpridas. No meu primeiro ano de mandato, saiu uma matéria no "O Popular" destacando o desempenho brilhante de um determinado deputado, que tinha sido então considerado campeão quanto ao número de leis por ele criadas. Mas o que isso trouxe de benefício real? Provavelmente, pouca coisa, visto que muita lei, por mais linda que seja, acaba ficando apenas no papel. E o mais importante, justamente, é ter a certeza de que as lei estão funcionando, na prática. E a maioria das leis que vão funcionar, são justamente aquelas que estejam, de alguma forma, de acordo com o programa apresentado pelo governo eleito. Por isso, eu sempre fiz questão de destacar, nas entrevistas que concedi, que eu sou, enquanto figura política, uma pessoa que gosta "de arregaçar as mangas" e ir atrás mesmo, porque é só assim que tenho conseguido ver os benefícios sendo alcançados na prática. Eu tenho um orgulho muito grande de uma lei, por exemplo, que veio para a Alego assinada pelo governador, mas que foi, inicialmente, fruto de uma provocação minha. Não foi de minha autoria propriamente, porque, constitucionalmente, eu não tinha essa competência legislativa, visto que se tratava de uma matéria que visava aumentar o número de artistas bolsistas do Basileu França, que, na época, beneficiava apenas os músicos integrantes da Orquestra Sinfônica de Goiás. Com a nova política, a bolsa foi estendida para outras categorias de artistas, passando a abranger também o pessoal da dança e do teatro, por exemplo. Foram liberadas, na ocasião, um total de 100 bolsas, no valor de R$ 800,00 mensais, cada, para que jovens carentes pudessem frequentar o instituto e se dedicar ao estudo das artes. Tudo isso só foi possível porque eu fui, antes, lá cutucar o governador Marconi e pedir que o número de bolsas fossem aumentadas. Lembro de ter chegado até ele e falado: "Governador, o projeto de bolsas do Basileu França, que o senhor fez, é lindo, mas ele só atende músicos. Nós precisamos ampliar isso, porque lá no Basileu França tem dança, circo… Enfim, lá é uma instituição maravilhosa, que emociona até as pessoas do interior. Eu cheguei, uma vez, a levar a Orquestra Sinfônica Jovem a Bela Vista de Goiás, para fazer a abertura do festival da primavera lá. Agora, em 2019, eles participaram já pela terceira vez, e eu fui de novo. O evento acontece na beira do lago. Algumas pessoas até se emocionavam, porque nunca tinha tido a oportunidade de ver uma orquestra daquela, que tocava músicas de todos os estilos, inclusive sertaneja. E as pessoas vinham me agradecer depois. É uma coisa muito linda essa nossa orquestra mesmo. Ela, inclusive, já viajou o mundo e parece até mesmo que estão em nova turnê mundial. Eu a levei também, certa vez, para uma apresentação em Iporá. Lembro de um senhor de idade que sentou ao meu lado e comentou: "deputada, eu nunca vi isso na minha vida. Eu estou chorando de emoção, eu quero ajudar. Do quê que eles vivem?" Eu respondi: "são bancados pelo Estado. Mas quando eles viajam, não têm dinheiro, têm que fazer arrecadação e tal". Ele falou assim: "eu quero ajudar financeiramente, porque isso é cultura. Manifestações desse gênero têm que ser trazidas para o interior, porque nós também temos direito de ter acesso à cultura". Foi aí que, das 100 bolsas iniciais, o Marconi passou a ofertar então 230, ou seja, mais que dobrou o quantitativo anterior*. E aí, agora eu voltei para prestigiar o evento, novamente, lá em Bela Vista [edição de 2019]. A orquestra estava lá novamente, obviamente que não foi levada por mim. Mas eu fiquei muito feliz em vê-la lá novamente e ouvir que a Gracinha [atual primeira dama de Goiás; esposa do governador Ronaldo Caiado] a continua ajudando, porque se apaixonou pelo projeto. Não fosse isso, estaria tudo parado. Mas, não, estavam todos os maestros do Basileu França lá e todos vieram me abraçar, me agradecer, me elogiar, dizendo: "deputada, se não fosse você, nós não estaríamos aqui hoje. E a Gracinha, que se apaixonou pelo projeto, é quem está agora pagando as bolsas". É algo realmente muito bonito de se ver e ouvir. Então, eu trago muitas coisas do meu mandato das quais me orgulho profundamente. E será assim sempre, porque eu vou atrás, eu cavuco, eu faço, ao invés de perder tempo vindo aqui só para ter o gostinho de subir na tribuna e falar: "vou fazer um projeto constitucional"... Houve um projeto, inclusive, não tenho bem certeza, mas acho que foi uma proposta** do Marlúcio***. Era algo sobre a OVG. Não sei bem se era para aumentar ou diminuir bolsas. Só sei que todos nós que estávamos aqui, na época, sabíamos que era algo inconstitucional e que, portanto, não ia passar. Mas ele o fez mesmo assim, só para o eleitorado dele ver. Eu não sei fazer isso. Eu não sei mentir. Eu perco o voto, mas não faço mesmo nada do gênero.

* Na página do Opine Cidadão da Alego, há referência a projeto de 2001, enviado por Marconi, sobre a Bolsa Universitária. Infelizmente, nessa época ,os arquivos não eram disponibilizados. Para saber mais, clique aqui.

** O projeto citado modificava regras internas do programa Bolsa Universitária, prerrogativa do Poder Executivo estadual. A matéria, reprovada na Comissão de Constituição, Justiça e Redação (CCJ), está disponível aqui

** Eliane se refere a Marlúcio Pereira, que foi deputado estadual na Casa por três mandatos consecutivos, aqui permanecendo da 16ª à 18ª Legislaturas (de 2007 a 2018). Assumiu sua primeira cadeira no Parlamento Goiano pelo PTB, mas depois migrou de partido por duas vezes, tendo ido, primeiro, para o PSB (2016) e, posteriormente, para o PRB (2018).   

Pode ser também que existia certo desconhecimento por parte do deputado no momento em que ele apresentou a matéria, não?

Não. Isso pode acontecer quando o deputado é novato na Casa, especialmente se ele nunca teve experiência anterior alguma como legislador. Não era o caso desse a que me refiro, que já havia sido vereador, por exemplo. Nos casos de primeiro mandato, sim, é normal ter vários projetos que não vão para frente. Quanto a mim, isso não aconteceu, porque, embora essa fosse precisamente a minha condição enquanto deputada, eu tinha conhecimento de lei por conta da minha formação em Gestão Pública. Mas essas ressalvas que fiz, não se aplicam a esses deputados mais antigos. Eles sabem exatamente o que estão fazendo e porquê. 

E existe uma equipe de assessores por trás também, não é? 

Sim. Mas, além da equipe, nós temos uma Procuradoria na Assembleia. Tudo que eu ia fazer eu passava para a Procuradoria antes, para que os procuradores pudessem analisar a constitucionalidade dos projetos. E quando eles falavam que algum deles não tinha jeito, é porque não tinha mesmo e pronto, encerrávamos ali o assunto. Os que tinham jeito, obviamente, a gente levava adiante. Raramente eu errava, porque eu já tinha, como já disse, esse conhecimento da lei. Teve um que eu insisti e não consegui emplacar durante o meu mandato. Era uma proposta que tratava da criação da Procuradoria da Mulher* aqui na Assembleia. Nós não conseguimos levá-la adiante, justamente porque o machismo aqui é muito grande e cria muitos obstáculos a projetos dessa natureza.  A negativa começou durante a gestão do Dr. Helio, que, na ocasião, se opôs ao projeto com a justificativa de que a Casa não tinha dinheiro para bancá-lo. "Dinheiro para quê, se o senhor já tem procurador trabalhando normalmente aqui?", interroguei-o, na época. O Vitti foi mais maleável, mas acabou me enrolando. Aí, quando eu saí, eu o entreguei na mão da Lêda e da Adriana Accorsi e falei: "tentem tocar para a frente". 

* A então parlamentar não chegou a apresentar formalmente a matéria, mas as deputadas Lêda Borges (PSDB) e Delegada Adriana Accorsi (PT) o fizeram conjuntamente em 26 de fevereiro de 2019. A tramitação do projeto pode ser conferida aqui.

Como você avalia a participação feminina na política nacional, estadual e sobretudo nas prefeituras hoje? 

Penso que avançou muito. Mas ainda precisa avançar mais. Eu vou te dar um exemplo da prefeitura de Uruaçu. Lá são, me parece, sete secretários, dos quais três são mulheres. Essa participação feminina começou a crescer nas prefeituras, muito por influência do Marconi, quando ele disse, num dos mandatos dele, que 50% do seu secretariado ia ser feminino. Embora ele não tenha conseguido preencher integralmente essa cota, ele chegou bem próximo de garanti-la* e alguns prefeitos acabaram copiando esse feito. Eu vi isso acontecer bem em Uruaçu, onde as mulheres também têm uma presença forte. Além disso, podemos citar, igualmente, os casos protagonizados por algumas primeiras-damas, que têm assumido um papel político importante, ajudando bastante na gestão dos seus respectivos maridos. A primeira-dama de Iporá** é um exemplo forte disso, a meu ver. 

* Algumas das participações femininas mais marcantes nas gestões de Marconi Perillo: Raquel Teixeira, que, nos governos tucanos, ocupou os cargos de secretária de Educação de Goiás (1999 a 2001), secretária de Ciência e Tecnologia (2005-2006), secretária de Estado da Educação, Cultura e Esporte (2015 a 2018); Ana Carla Abrão, que esteve à frente da Secretaria da Fazenda (2015 a 2017) e Lêda Borges, como presidente da Agência Goiana de Desenvolvimento Regional (2013 e 2014) e secretária de Estado da Mulher, Desenvolvimento Social, da Igualdade Racial, dos Direitos Humanos e do Trabalho (de fevereiro de 2015 a dezembro de 2016 e de fevereiro de 2017 a fevereiro de 2018).

** Casada com o prefeito Naçoitan Leite, a primeira-dama de Iporá, Hayzza Haytt, é graduada em Serviço Social e atua como secretária municipal de Assistência Social. 

Quais são as dificuldades para que essa equidade seja, de fato, alcançada, a seu ver?

Na minha opinião, ainda falta um quadro preparado, com capacidade para atender a todas as exigências requeridas. A maioria das mulheres hoje, em Goiás, ainda permanece como dona de casa. É óbvio que existem mulheres bastante qualificadas e aqui, na Alego, nós temos bons exemplos disso. Mas, se você for ver num todo, em Goiânia, por exemplo, você ainda encontra muita mulher vivendo apenas como dona de casa.

Pesquisas mostram, inclusive, que mulheres justamente estudam mais que os homens.* 

É, mas acabam não indo para o meio político... 

*Divulgada em 2019, a pesquisa do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud 2019) demonstrou que a média de anos de estudo das mulheres no Brasil é de 8,1 enquanto a dos homens é de 7,6. A mesma pesquisa aponta, porém, que tal escolarização não se reflete na média da renda, visto que a remuneração feminina é, em média, 41,5% inferior à dos homens. 

Em sua opinião, o que pode ser feito para melhorar essa realidade? Mais campanhas, por exemplo?

Eu acho que sim. Eu, agora, inclusive, estou trabalhando muito para que nas próximas eleições municipais* a gente consiga o maior número de candidatas mulheres possível. 

* Em razão da crise sanitária provocada pela pandemia da covid-19, senadores estudam adiar as eleições municipais de outubro para novembro. Conforme o calendário eleitoral regular, as eleições para as prefeituras e câmaras municipais deveria ocorrer em outubro de 2020. Para saber mais sobre a PEC em tramitação no Congresso Nacional, clique aqui.

Em que consiste esse trabalho, exatamente? 

Consiste, sobretudo, em incentivar a participação delas nas reuniões do partido, do PSDB, no caso, a que sou filiada. Em reuniões do PSDB, por exemplo, eu sugeri que as nossas ex-secretárias de educação, que são todas, em geral, mulheres influentes, porque tiveram ali uma gama de professores subordinados a elas, que elas sejam incentivadas a se candidatar a algum cargo eletivo. Assim, cada deputado* deve incentivar, no seu município, que elas se candidatem. Eu estou fazendo isso nos municípios que represento e em outros até, onde eu conheço a subsecretária. Já falei isso, inclusive, com a subsecretárias em Trindade, Piracanjuba e Uruaçu. Houve uma época, em Ipameri, que seis dos 11 vereadores eram mulheres. A presidente da Câmara, inclusive, era mulher**. 

* A Assembleia Legislativa de Goiás, atualmente possui cinco deputados do PSDB: Gustavo Sebba, Helio de Sousa, Lêda Borges, Talles Barreto e Tião Caroço. O deputado federal Célio Silveira é o único representante do partido na Câmara Federal. 

** Ipameri está sob gestão da prefeita Daniela Vaz Carneiro (PSDB). O site oficial da Câmara Municipal mostra que em 2001, dos 11 vereadores de Ipameri, foram eleitas como vereadoras Ediene Vasconcelos Silvério, Maria Cecília do Amaral Sodário, Gesilaine Alves de Oliveira, Ludmila de Queiroz Cozac Roos, Nilda Maria dos Santos e Patrícia Ribeiro Guimarães. Durante toda essa legislatura, a Casa foi presidida por mulheres. Maria Cecília no primeiro biênio (2001/02), seguida por Patrícia Guimarães (2003) e Ludmila Cozac (2004). Atualmente, a Câmara Municipal é composta por apenas duas mulheres (Luisa da Autoescola e Mara Ney), ambas sem cargos na Mesa Diretora. 

Houve uma redução da quantidade de mulheres nas Casas Legislativas municipais...

Sim, o número está reduzindo. Quando eu era deputada, eu fui em um encontro em Portugal, junto com o Chiquinho de Oliveira e não lembro quais deputados mais*. A Câmara e a Assembleia, na época, eram presididas por mulheres**, dentre vários outros casos. Lá, era surreal essa representatividade! Então eu perguntei para uma delas: "qual é o índice de participação feminina aqui?" Não lembro direito qual foi a resposta, mas me parece que era algo em torno dos setenta e tantos por cento. Então, eu comentei com ela: "nossa, lá no meu estado nós somos quatro*** deputadas mulheres, somente". E ela: "alguma participa da Mesa?" Eu: "nenhuma". Veja só: nem da Mesa nós participamos! Aí ela me deu uma aula boa sobre o assunto e, agora, eu estou tentando levar essa discussão para as Câmaras [de Vereadores], como forma de incentivar, com isso, as mulheres a serem candidatas****. 

* Segundo dados de diárias, encontrados no Portal da Transparência da Alego, em novembro de 2017, Eliane participou da Assembleia Geral da Conferência das Assembleias Legislativas Regionais da Europa (CALRE). O evento foi realizado na cidade de Sevilha, na Espanha. Para mais informações, clique aqui.

** Dados do monitoramento apresentado pela Inter-Parliamentary Union (IPU), organização global dos Parlamentos Nacionais, com sede na Suíça, revelavam, em maio deste ano, que Portugal ocupava a 24ª posição quanto à participação feminina nos parlamentos nacionais. Dentre os 193 países pesquisados, o Brasil aparece no 141º lugar do ranking, um dos últimos entre os países da América Latina. Ruanda, na África, se destaca, ao ocupar a primeira posição na classificação. Já entre os países da União Europeia, a Suécia é o primeiro a aparecer e figura no 7º lugar da lista, sendo seguido pela Finlândia, no 11º. Quanto à participação feminina na direção dos trabalhos da Assembleia da República Portuguesa, citada pela entrevistada, só foi encontrada, especificamente, uma ocorrência, cuja representação se deu em nome da ex-deputada Maria Assunção Esteves, que ocupou a presidência da Casa entre junho de 2011 e outubro de 2015.  

*** A entrevistada foi parlamentar na 18ª Legislatura, quando também eram deputadas Delegada Adriana Accorsi (PT), Isaura Lemos (PCdoB) e Lêda Borges (PSDB).

**** Desde 1997, foram instituídas cotas para candidaturas femininas no Brasil, mas, apenas em 2018, a legislação mudou para garantir a tais candidaturas a efetiva destinação de 30% do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha. Dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) demonstram que, nas eleições de 2018, as mulheres ocuparam 31,6%  das candidaturas, em todo o território nacional. Das 9.204 candidatas, apenas 290 foram eleitas.  

Nos municípios, onde a senhora acredita que as mulheres têm conseguido mais representação política, nos cargos do Legislativo, como vereadoras, ou nos do Executivo, como prefeitas? 

Olha, houve uma época aí que estava na moda os candidatos ao Executivo, no caso, colocarem mulheres como vice. Mas a mulher tem condição de entrar em qualquer área e em qualquer cargo que ela queira, basta apenas que tenha vontade e que saiba exatamente o que vai enfrentar, o que implica, necessariamente, estar apta a tomar várias decisões e, até mesmo, a lidar com vários preconceitos.

Existe muito preconceito dentro do partido, por exemplo? 

Sim. Existe. 

Você já sentiu isso dentro do PSDB, em algum momento? 

Eu não senti, justo pelo que eu já te falei. Porque eu tenho um gênio forte, bem difícil mesmo. Quando eu quero algo, de que estou segura da necessidade, ou quando eu sei que tenho razão, eu bato na mesa, eu brigo, eu não aceito. Ainda mais se for algo cujo o obstáculo eu vejo que está sendo criado pelo fato de eu ser mulher. Só porque eu sou mulher? [Mostra nítida indignação] Eu não aceito. Então, quem tem um temperamento propício a ficar mais na retaguarda, acaba sofrendo muito. Mas nós vamos mudar isso... 

Podemos dizer que o exemplo individual continua a ser visto como uma das principais formas de incentivo, em qualquer que seja a situação experienciada. A trajetória pessoal, as motivações e circunstâncias que levam uma pessoa à vida política e pública parecem ser determinantes nesse aspecto. Como isso se deu no seu caso? O que a levou a entrar para a política partidária e a disputar cargos eletivos, como o de deputada? 

Quando houve aquela operação Monte Carlo*, eu era chefe do gabinete do governador [Marconi Perillo]. Era, portanto, a segunda pessoa mais forte do governo. Eu tive um baque muito grande. E é justamente nessas horas que você vê quem é ou não, verdadeiramente, seu amigo. Eu tive a sorte de ter todos os meus amigos do meu lado, naquela ocasião. Passado um ano, um deles, de repente, me disse o seguinte: "você vai ser candidata a deputada". Eu respondi: "está ficando doido, eu nunca quis isso. Eu gosto de ser justamente o que tenho sido, uma âncora para os amigos políticos". De fato, tudo o que eu queria mesmo, até então, era estar sempre atrás do Marconi, fazendo o que ele pedisse, ajudando ele. Mas ele insistiu: "não, você vai ser candidata". Eu acho que essa conversa veio de outras pessoas e acabou chegando no Marconi, que me chamou para dizer essas coisas. Eu me lembro que eu chorei muito, na época, porque eu pensava assim: "eu jamais vou ganhar uma eleição pelo PSDB, não tenho estrutura para isso". Mas ele me tranquilizou, dizendo: "olha, você não precisa decidir agora. Por ora, apresenta seu nome, apenas. Se você sentir que vai ter apoio suficiente para te eleger, aí você sai candidata. Não precisa sofrer tanto com isso". 

* A Monte Carlo foi uma operação deflagrada pela Polícia Federal em 2011, para desarticular um esquema de exploração de jogos de azar e máquinas caça-níqueis, em Goiás. A operação, que prendeu o contraventor Carlinhos Cachoeira, abalou a imagem de diversos políticos que mantinham vínculos com ele. Interceptações telefônicas comprovando tais laços foram divulgadas na mídia e os envolvidos se tornaram alvo de muitas entrevistas, além de terem que testemunhar no Judiciário e na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) que investigou o caso no Congresso Nacional. 

Você já era filiada ao PSDB então, naquele momento? 

Sim. 

Mas você ganhou as eleições para deputada pelo PMN. Quando foi que você fez essa mudança partidária? 

Foi exatamente no último dia que eu tinha para mudar de partido*. Como eu já andava bastante insegura com relação às minhas chances junto ao PSDB, eu recebi o convite do PMN e falei: "vou mudar e ver como é que a coisa fica". E lembro de ter recebido, para isso, um grande incentivo por parte dos ex-prefeitos que eram meus amigos. "Vai, que nós estamos com você", diziam eles. E eu ganhei a eleição com quase 20 mil votos**, só contando com o apoio dos meus amigos. 

* Faz referência ao calendário eleitoral de 2016.

** Eliane conquistou 19.778 votos nas eleições de 2014.

Então, essa mudança para o PMN foi crucial para a sua eleição? 

Lógico. 

Tanto que, na sua segunda candidatura, em que tentou se reeleger deputada, no último pleito eleitoral, de 2018, apostando no seu potencial junto ao PSDB, você acabou não conseguindo vencer as eleições. Quer dizer então que a questão da legenda também é algo que o candidato precisa saber administrar? 

Sim. Ele precisa saber administrar isso, mas acaba não tendo tempo suficiente para tomar, com clareza, essa decisão, porque é tudo decidido no último momento. É por isso que eu comparo essa situação a jogar na roleta: ou você acerta ou você erra. Agora, o meu caso, nas últimas eleições foi muito atípico, a meu ver, porque, diferentemente da minha primeira candidatura, nessa eu estava segura de que tinha grandes chances de ganhar a eleição pelo PSDB. Eu representava 20 municípios, devido às minhas articulações com os prefeitos da época. Isso fora os ex-prefeitos, que haviam me apoiado na minha primeira eleição e que continuavam me apoiando. Eu tinha, portanto, estimado a quantidade de votos que teria. As pessoas próximas a mim, no geral, falavam: "você vai ter 60 mil votos e ser a mais bem votada da Assembleia". Mas eu tinha consciência que não chegaria a tanto, porque voto é dinheiro também. Embora eu reconhecesse as minhas capacidades e chances, eu tinha contado apenas 40 mil votos. Desses eu tinha certeza. Eu só perdi a eleição por conta daqueles escândalos que surgiram envolvendo o PSDB*. Com a onda Bolsonaro crescendo, as pessoas vieram me pedir para eu tirar o Alckmin do meu santinho**. Mas como eu poderia fazer isso, ignorar o nome do presidente nacional do PSDB, se eu estava recebendo o fundo partidário para a custear a minha campanha em nome do PSDB, justamente? Porque fundo vem do partido nacional. A minha consciência não me deixou fazer isso. Talvez, se eu tivesse colocado ali a figura do Bolsonaro, eu teria ganhado a eleição. Ah! E me pediram também para tirar o nome do Zé Eliton, que era o governador, porque a onda, na época, era o Caiado. "Tira, tira", pediam insistentemente, inclusive alguns prefeitos. Mas para ficar em paz com a minha consciência, eu preferi assumir o risco de perder as eleições, como o que aconteceu. Porque para mim, fosse para ganhar ou para perder, seria junto com eles. Perdi, mas, assim, de cabeça erguida. Perdi sabendo que eu fiz um grande mandato, sabendo que eu realmente pude contribuir muito.

*Durante a campanha eleitoral de 2018, políticos integrantes do PSDB foram investigados pela Operação Lava Jato e denunciados. A principal perda na imagem do partido resultou da exposição de conversas que envolviam Aécio Neves, presidente nacional da legenda. Aécio foi indiciado por obstrução à Justiça e corrupção passiva. Os episódios comprometeram os resultados da sigla, que perdeu representatividade em todas as regiões do país. 

** Geraldo Alckmin foi o candidato do PSDB à presidência. As pesquisas apontavam sua derrota iminente, uma vez que, em nenhum momento da corrida eleitoral, o peessedebista chegou a figurar como favorito nas intenções de voto. Ele terminou em quarto lugar, conquistando cerca de 5% dos votos válidos. 

Você pretende se candidatar novamente a deputada estadual? 

Pretendo. 

Você já está trabalhando para isso? Como superar o desgaste sofrido pelo PSDB, nas últimas eleições?

Olha, eu não estou pensando nisso ainda. Nada em termos de partido ou de candidatura própria, por enquanto. Por ora, eu continuo apenas fazendo o trabalho que eu já fazia, no sentido de continuar ajudando os municípios que eu já ajudava. Continuo estando presente nos trabalhos do PSDB, e só lá na frente nós vamos avaliar melhor essa questão de partido. Até porque eu acho que isso ainda vai mudar muito. O próprio Bolsonaro foi eleito pelo PSL, agora está criando um partido*. Então, a meu ver, essa questão de partido, hoje, é uma coisa meio que ridícula, porque não é mais como antigamente, quando os afiliados realmente cumpriam a doutrina do partido.

*Após desavenças no Partido Social Liberal (PSL), o presidente Jair Bolsonaro se desvinculou da legenda e anunciou que fundaria o partido Aliança pelo Brasil. Até o momento, entretanto, a cúpula do Aliança não cumpriu os requisitos necessários para a validação do partido junto ao TSE e Jair Bolsonaro segue sem filiação partidária. 

Se você ganhar novamente para deputada, pretende ter uma atuação diferente ou dar continuidade às bandeiras pelas quais você já lutava?  

Como eu não me arrependo de nada do que tenha feito, eu pretendo, sim, continuar fazendo o que sempre fiz, de uma forma melhorada, claro. Porque a gente tem sempre que buscar melhorar. Mas as minhas maiores bandeiras continuarão sendo duas. A primeira refere-se à pauta municipalista. Vou defender sempre os municípios. A segunda, a questão da Educação e da Saúde. Porque ambas continuam muito ruins. Uma pessoa pobre lá do interior ou mesmo uma daqui de Goiânia, que mora em bairros de periferia, são as que mais sofrem com a má qualidade dos serviços prestados nessas áreas, sobretudo na da saúde. Eu vou dar um exemplo para vocês aqui, que aconteceu recentemente comigo, mas que eu acho clássico para ilustrar essa situação de precariedade na saúde em nosso estado. Na verdade, o episódio envolveu o meu neto, que tem três aninhos. Um dia desses, ele passou mal (amanheceu com febre alta) e a minha filha o levou ao pronto-socorro do Ipasgo*. Chegando lá, uma médica o atendeu e, mesmo não tendo identificado nenhuma infecção de garganta, nem de ouvido, ela receitou para ele um antibiótico. Eu tinha já alertado a minha filha para comentar com a médica que a minha mãe estava com dengue, supondo que essa pudesse ser também a causa do mal estar apresentado pelo meu neto, visto que eles frequentam bastante a casa da minha mãe. Minha filha comentou isso com a médica, mas ela descartou, de cara, a hipótese, justificando que ele não apresentava característica de quadro de dengue, mesmo com a febre alta. Ela receitou, portanto, o antibiótico, considerando que ele pudesse estar então com alguma virose forte. Aconteceu que, mesmo após tomar o remédio receitado, ele continuou com febre por mais 10 dias seguidos. Eu tinha ido então para Uruaçu, para participar da entrega de dois ônibus escolares junto à prefeitura. No dia da entrega, quando eu estava no palanque discursando, recebi as fotos dele, enviadas pela minha filha. Ele estava com o corpo todo manchado e eu falei para ela: "corre para um hospital agora, porque isso está com cara de alergia grave e pode tampar a glote dele". Feito isso, eu liguei imediatamente para um amigo meu, que é médico, e ele falou assim: "manda para o Hugol**, porque lá  eles são obrigados a receber". Ele falou isso depois que eu tinha explicado a situação toda, dizendo, inclusive, que me recusava a mandá-los voltar ao pronto-socorro do Ipasgo. Ela foi então para o Hugol e, chegando lá se deparou com uma fila enorme. Mas, como ela conseguiu provar que meu neto é especial, acabou conseguindo atendimento prioritário para ele. Não sei se vocês sabem da história, mas o meu neto sofreu um afogamento grave e quase morreu. Em razão disso ele passou a apresentar um quadro identificado como TDL***, o Transtorno de Desenvolvimento da Linguagem. Não sabemos exatamente ainda se foi em razão do afogamento, mas o fato é que ele tem esse transtorno. Quando ele foi atendido, o médico olhou e confirmou a alergia, mas advertiu: "estamos sem pediatra, no momento. Eu sou traumatologista". Minha filha, desesperada, implorou para que ele fizesse alguma coisa, porque a alergia, que tinha começado nas perninhas, já estava tomando conta do corpo dele todo. "Infelizmente, eu não posso fazer nada. Se você insistir muito, eu até posso internar, mas não vai ter médico nem para colocar soro nele. Você vai ter que esperar aparecer um pediatra amanhã", explicou o médico. E ela voltou então com o menino para casa, deu um Allegra [antialérgico], que eu recomendei, e, na manhã seguinte, eu corri e arrumei um pediatra particular. Resumindo: o meu neto estava com dengue e ao tomar o antibiótico que a médica havia receitado, inicialmente, o quadro dele acabou sendo agravado. Conto isso tudo para dizer que, se o meu neto está vivo e saudável hoje, é porque eu tenho amizades e condições financeiras, percebe? Agora, você imagina aquele coitadinho, que mora lá na Vila Mutirão, que não tem estudo, que não tem nada… O que acontece com ele, numa situação dessas?  Morre, provavelmente. As pessoas, sobretudo as pobres, morrem por falta de atendimento. E as famílias, por desconhecimento mesmo até, ficam, na maioria das vezes, completamente desamparadas. No meu caso, que conheço os meandros da justiça e das leis, vou entrar com processo contra essa médica no CRM. No mínimo, eu vou dar uma dor de cabeça para ela, que vai ter que responder ao processo judicial, porque jamais devia ter receitado um antibiótico daquele jeito. 

* Instituto de Assistência (à Saúde) dos Servidores Públicos do Estado de Goiás. Legalmente instituído em 2002 e regulamentado em 2011, os serviços ofertados pelo plano já conta com mais de 600 mil usuários, segundo informações coletadas junto ao site da entidade. 

** Hospital Estadual de Urgências da Região Noroeste de Goiânia Governador Otávio Lage de Siqueira. 

*** O Transtorno de Desenvolvimento da Linguagem (TDL) é a dificuldade persistente que uma criança apresenta para desenvolver a fala e a linguagem. O quadro não tem uma causa conhecida e não envolve lesões cerebrais, síndromes ou perdas auditivas. 

Mas a médica não pediu nem um exame de sangue? 

Não. Ainda que eu tenha pedido, antes, ela, que é do HDT, respondeu: "primeiro é preciso baixar a febre". E deu um remédio na veia dele. Tudo bem fazer isso, só não podia ter dado antibiótico. Não por causa de dengue. Mas porque, por exemplo, há várias crianças com meningite lá no HDT, que não reagem aos tratamentos, porque já criaram anticorpos contra antibióticos, pelo excesso de prescrição médica, sobretudo do SUS [que atende a maior parte da população]*. O problema da saúde é gravíssimo não só em Goiás, mas em nosso país, de forma geral.

* A meningite é uma inflamação das meninges, a camada protetiva que envolve o cérebro e a medula espinhal. Em sua forma bacteriana (meningocócica), a doença, que atinge principalmente crianças, provoca alto índice de letalidade. O uso indiscriminado de antibióticos prejudica sobremaneira o tratamento. As últimas atualizações fornecidas pelo Hospital de Doenças Tropicais Dr. Anuar Auad (HDT), entidade que integra a estrutura da Secretaria Estadual de Saúde de Goiás (SES/GO), foram encontradas em Boletim Epidemiológico divulgado em 2017. "No HDT, foram notificados 4.054 casos de meningite no período de 2010 a 2016, sendo confirmados 1.852", informa o documento, que aponta, portanto, para um média aproximada de 264 casos por ano. Em março do ano passado, a SES notificou que, somente nos três primeiros meses de 2019, 18 casos e seis óbitos já haviam sido registrados, na rede pública de saúde, e que, em 2018, havia ocorrido 213 casos e 39 mortes em razão da enfermidade. Em abril deste ano, por ocasião do Dia Mundial da Meningite (24), o Governo do Estado anunciou a distribuição de 18 mil doses da vacina meningocócica para adolescentes com idade entre 11 e 12 anos. 

Há um problema de adequação, nos atendimentos, você quer dizer? 

Exatamente. Aí é onde entra a educação, que, para mim, deve ser prioridade em nosso país. Temos que preparar o nosso povo, porque um povo bem informado, não se deixa enganar. E isso depende do estudo. Enquanto o nosso país não investir primeiro em educação, nós não conseguiremos resolver nem nossos problemas de saúde. Acho que é por isso que, na Nova Zelândia, por exemplo, a maior parcela do PIB vai para a educação. Vi isso quando estive lá, com o Marconi. 

E a senhora percebe vontade política nesse sentido, de investir em Educação, no cenário político atual? 

Não. Nenhuma. Tanto é que o atual governo está cortando*. Eu tenho ido muito a São Paulo, ultimamente. Todo táxi que eu entro, ou Uber, eu pergunto: "como está o Dória?**" Teve um cara que falou assim: "votei nesse cara e não voto nunca mais". O arrependimento dele era porque sua mulher, que é professora pública, havia perdido um certo benefício, após a eleição de Dória [ao governo paulista]. E o pior de tudo é a mulher dele era professora da Universidade Federal, segundo ele. Então, quer dizer, além do equívoco de achar que a política servia para o benefício próprio dele, o arrependimento era por causa da causa errada, visto que um governo estadual jamais poderá cortar um benefício Federal. Agora o governo Bolsonaro, esse não defende mesmo, de forma alguma, a educação. Pelo contrário. 

* Em abril de 2019, o Ministério da Educação (MEC) anunciou, como medida de ajuste fiscal, o contingenciamento de verbas destinadas a Instituições Federais de Ensino Superior (Ifes). Somando 63 universidades e 38 institutos federais de ensino, o governo bloqueou o repasse de R$ 1,7 bilhão, que correspondem a 3,43% do orçamento das federais. 

** João Dória (PSDB) é o governador de São Paulo, eleito em 2018. 

E aqui, no Estado de Goiás, que investimentos o PSDB fez nessa área? 

Marconi Perillo investiu muito nessa área, tanto que, durante a sua última gestão*, nós alcançamos o primeiro lugar do Ideb Nacional**. Ganhamos do Rio, São Paulo, Santa Catarina, do Sul e Sudeste, como um todo. Um dia, eu comentei isso com uma pessoa ligada à nova secretária de Educação***. Ela acabou me dizendo que os dados todos, que são de um instituto nacional, inclusive, foram forjados por nós, do PSDB. "Bom, se for assim, então", disse a ela, "quem me garante que a sua secretária também não tenha forjado os dados no estado dela [Rondônia]?" Vamos combinar, não existe isso de forjar. O Marconi investiu na Educação e na Cultura e isso é fato. Um exemplo foi a criação da UEG, que foi a nossa primeira faculdade estadual****. 

* Refere-se ao quarto mandato de Marconi Perillo como governador de Goiás, de 2015 a abril de 2018. Perillo se afastou do mandato em atendimento à legislação eleitoral, uma vez que viria a concorrer ao Senado. 

** O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) foi criado em 2007 e relaciona duas variáveis para aferir a qualidade da educação: fluxo escolar e médias de desempenho nas avaliações. O Ideb é calculado a partir dos dados sobre aprovação escolar, obtidos no Censo Escolar, e das médias de desempenho no Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb). A rede pública goiana apresenta resultados crescentes. Goiás é líder nacional do Ideb no Ensino Médio e no Ensino Fundamental II. No Ensino Fundamental I, ficou na 2ª colocação. 

*** Fátima Gavioli assumiu a Secretaria de Estado de Educação de Goiás em janeiro de 2018, no governo de Ronaldo Caiado (DEM). Antes, ela havia sido secretária Estadual de Educação de Rondônia (2014-2017).

**** A Universidade Estadual de Goiás foi criada durante a primeira gestão de Marconi Perillo como governador, pela Lei n. 13.456, de 16 de abril de 1999. Tal diploma legal transformou a Universidade Estadual de Anápolis (Uniana) em UEG e incorporou, à estrutura da recém-criada universidade, autarquias estaduais de ensino superior. 

Para a senhora, esse é um dos destaques do governo Marconi, no campo da Educação? 

Com certeza. Eu sei o valor de uma universidade, porque quando consegui fazer faculdade já tinha mais de 30 anos, e foi justamente depois que o Marconi criou a UEG. Eu não tinha condições de pagar uma faculdade. Nem quem ganha três salários mínimos, hoje, tem*. Daí você imagine eu, que ganhava menos do que isso, na época. Como a  UEG, a princípio, não atingia todo o estado de Goiás**, porque tinha um polo aqui e outro ali, apenas, Marconi acabou criando também a Bolsa Universitária***. Eu sempre irei defender esse programa, que hoje já contabiliza 200 mil jovens contemplados, quer dizer: que se formaram ou estão se formando [em instituições particulares] graças a essa ajuda do governo estadual. Veja bem que não estamos falando de 10 mil estudantes, mas de 200 mil. Eu mesma tenho um sobrinho que se formou com recursos da Bolsa Universitária e passou, de primeira, na prova da OAB. Antes da implantação do programa, vocês devem lembrar, nós tínhamos pouquíssimas faculdades particulares em Goiás. Praticamente a PUC e a Camburi. Não estou me lembrando de outra. Hoje, nós já temos mais de 50, se você contar. Isso quer dizer que o Bolsa Universitária acabou favorecendo a abertura de mais faculdades e ampliando, assim, as oportunidades de estudos para os jovens. O Marconi investiu bastante em Educação. E não só na universitária, mas também na básica, com inauguração dos Colégio Militares, por exemplo. 

* Conforme a Medida Provisória n. 919/2020, o valor atual do salário mínimo é de R$ 1.045,00. Portanto, a entrevistada refere-se ao valor de R$ 3.135,00. Segundo o último Mapa do Ensino Superior no Brasil, divulgado em 2019, com dados de pesquisas realizadas em 2017, a média geral do valor das mensalidades dos cursos universitários no país ficou em R$ 898. Entre os mais procurados, estava o de Pedagogia, que registrou a média mais baixa: R$ 621.  

** A Universidade Estadual de Goiás, organizada como uma universidade multicampi, em 1999, estava presente em apenas 14, dos 246 municípios goianos. Após passar por um longo processo de expansão, atualmente está em 39 cidades, com 41 câmpus e um Centro de Ensino e Aprendizagem em Rede (Cear). 

*** O Programa Bolsa Universitária (PBU) concede subsídios integrais e parciais para graduação em instituições particulares de ensino superior. O PBU foi criado pelo governo estadual em 1999 “com os objetivos de aumentar a mão de obra qualificada em Goiás e abrir possibilidades de ingresso no ensino superior para a população de baixa renda do estado”, conforme estudo do Instituto Mauro Borges, disponível aqui.  

O seu mandato parece estar bem ligado à figura do ex-governador Marconi Perillo…

Sim. 

O seu relacionamento com ele surgiu quando você foi trabalhar com o Fernando Cunha?

De forma mais intensa, sim. Mas o vínculo começou mesmo a ser construído desde quando eu trabalhava com a Lydia Quinan e ela se aliou ao Marconi, ao migrar do PMDB para o PSDB. Eu o conheci na casa dela, justamente. Depois, quando eu fui trabalhar com o Fernando Cunha, nossa proximidade ficou muito forte, a ponto de eu ir trabalhar diretamente com ele, logo em seguida.

E você continua apoiando a figura do ex-governador, apesar do desgaste que ele sofreu na última campanha*?

Sim, continuo o apoiando e acreditando em seu potencial para alavancar a política de nosso estado. Inclusive, aonde eu vou, hoje em dia, faço questão de lembrar o legado que ele deixou em Goiás, porque as pessoas não podem se esquecer disso jamais. 

* Em setembro de 2018, quando Marconi concorria ao Senado, a operação Cash Delivery, da Polícia Federal, realizou buscas e apreensões em endereços ligados ao ex-governador de Goiás. A investigação teve como base os relatos dos delatores Fernando Reis e Alexandre Barrados, que alegavam repasses irregulares a Perillo, no valor de R$ 10 milhões, nas eleições de 2010 e 2014. O episódio foi considerado fator relevante para a derrota eleitoral de Marconi, que obteve 416.613 votos, alcançando o quinto lugar entre os candidatos. 

Na época dos escândalos relacionados ao Carlinhos Cachoeira, em 2012, você chegou a pedir exoneração do cargo, que ocupava, na ocasião, de chefe de gabinete do então governador Marconi Perillo. Por que tomou essa decisão? 

Porque percebi que queriam atingir o Marconi através de mim, embora eu fosse ali apenas uma pobre coitada. Eu conheci o Cachoeira porque o filho do Fernando Cunha, que tem o mesmo nome do pai, é casado com a irmã do Carlinhos Cachoeira. Para ser mais precisa, eu o conheci durante uma festa de aniversário do Fernando Cunha Neto, o Fernandinho, que foi vereador*. Era essa, portanto, a minha única ligação com o Cachoeira. Nunca houve nada daquilo que foi afirmado na imprensa**. Mas eles queriam amarrar o Marconi de qualquer jeito e acabaram identificando uma forma de fazer isso através de mim. E eu não podia deixar que isso acontecesse. Além disso, para ser bem sincera, também não aguentei a pressão da mídia, que foi demais. Na época, eu era totalmente despreparada para isso. Depois do meu mandato como deputada, eu me sinto muito mais fortalecida para lidar com esses tipos de pressões. Mas, na época não. Eu me sentia uma menina nesses assuntos, justamente porque, até então, toda e experiência de trabalho que eu tinha, na política, era de bastidores. E a mídia quando ela quer te massacrar, ela massacra. Para você ter uma ideia, quando eu fui depor lá na CPI [do Congresso], eu passei mal, fui internada e não tive coragem de avisar a minha família, sobretudo para poupar o meu pai e a minha mãe, que já eram idosos. Mas, quando foi meia-noite, no Jornal da Globo, anunciaram: "chefe de gabinete do governador é internada". Quando meus pais souberam da notícia, quase infartaram. "Que notícia é essa que circula pelo Brasil? Que importância eu tinha para ser alvo de tanta acusação? Eu não era nada, não era ninguém". Foi pensando sobre isso que eu resolvi entregar o meu cargo. Se eles queriam pegar alguma coisa do Marconi, não seria através de mim, até mesmo porque eu não tinha feito nada de errado. Por isso é que hoje o meu nome não está mais metido em processo algum. 

* Fernando Cunha Neto foi vereador de Anápolis pelo PSDB, eleito em 2014. 

** À época, a relação entre Eliane Pinheiro e Carlinhos Cachoeira gerou uma série de ilações sobre o suposto envolvimento do então governador Marconi Perillo com o contraventor. 

Agora vamos falar um pouco do legado do seu mandato. No último ano (2018), você apresentou um projeto para a criação da Comenda Dandara dos Palmares, com o objetivo de homenagear pessoas e instituições que promovem a cultura afro-brasileira e lutam contra o racismo no estado*. Infelizmente, em razão da não conclusão de sua tramitação durante a Legislatura passada, a proposta acabou sendo arquivada...

Sim [interrompeu]. Eu deixei esse projeto com a Lêda, para que ela continuasse brigando, lutando por ele. Porque dizer que a Assembleia não tem dinheiro para comprar aquela medalhinha de entrega para um projeto tão grande como aquele, eu acho algo muito ridículo. 

* O projeto foi citado porque a entrevista com Eliane Pinheiro coincidiu com as comemorações do dia da Consciência Negra (em 20 de novembro passado). Na justificativa da matéria, essa era a data preferencialmente indicada para a entrega da Comenda, caso esta viesse a ser aprovada.

Como surgiu a ideia de apresentar essa proposta?

Antes de ser candidata, mas pela minha atuação junto ao PSDB, eu era muito ligada à Marta Ivone, que foi superintendente da Igualdade Racial no governo Marconi. E ela me contava muitas histórias de preconceito contra as pessoas negras, que eu, por não ser vítima dele, acabava não enxergando. É como se diz: "a gente mede as pessoas com a régua da gente". Por não conseguir enxergar, eu achava que simplesmente não existia preconceito contra o negro. E a Marta Ivone me fez justamente perceber que o racismo, de fato, existe. Para provar isso, ela, que é negra e mãe de dois filhos, um negro e outro branco do olho azul, chegou a fazer um teste com ambos. Um dia, ela os levou lá naquela feira do Cepal*, mandou os dois correrem e começou a gritar: "pega ladrão, pega ladrão". Qual dos dois você acha que foi pego e derrubado no chão? O filho negro, somente. Após relatar esse episódio, ela concluiu: "Eliane, o racismo é muito maior e mais forte do que você pensa". Isso tudo porque eu insistia em negar o preconceito, dizendo a ela: "Marta, eu não vejo. Onde vocês veem esses preconceitos?" Mas no dia em que ela me contou essa história, eu fiquei impressionada. Aquilo não podia ser verdade. Mas era. Foi a partir daí que eu passei a ver que os negros são realmente mais discriminados e perseguidos, e não só aqui no Brasil, mas em outros países também. Nos Estados Unidos e em outros lugares, onde não só pegam, como até mesmo matam**…

* Centro Popular de Abastecimento e Lazer, espaço gerido pela prefeitura de Goiânia. 

** A menção, feita em novembro de 2019, coaduna com a mobilização mundial realizada no primeiro semestre de 2020. O movimento #blacklivesmatter, ou #vidasnegrasimportam, foi deflagrado após George Floyd, homem negro dos Estados Unidos, ser assassinado por asfixia, durante abordagem de policiais brancos. Floyd avisou diversas vezes que não conseguia respirar, mas o policial manteve a posição por cerca de 8 minutos. As imagens correram o mundo e vêm, desde então, gerando intensas manifestações e debates sobre racismo em diversos países. 

Então a proposta surgiu dessa conversa?

Não, não. Essa conversa foi antiga, mas eu fiquei pensando muito nisso, depois, lendo matérias, observando e tomando nota de alguns episódios, parte dos quais eu nem lembro mais. Muitas pessoas negras inocentes são vistas como suspeitas, são assassinadas pela polícia sem terem cometido nenhum crime. Isso acontece no mundo todo. Foi observando essas questões que eu resolvi propor o projeto. Infelizmente, ele não foi criado. Isso tudo porque a Assembleia disse, na época, que não tinha dinheiro para comprar aquelas medalhinhas. 

Como a senhora avalia o fato de que projetos, muitas vezes relevantes, sejam apresentados e não aprovados?

Olha, o sentimento que bate, quando isso acontece, é o de decepção. Nesse caso mesmo, particularmente, eu fiquei extremamente decepcionada. "Gente, quanto custa uma medalha dessa?", eu perguntava. Tinha a certeza de que não era muito. Mesmo assim, eu ainda cheguei a propor que ela fosse feita de papel, se fosse o caso, porque o que interessava, de fato, para mim, era a homenagem. Ainda assim, a resposta foi: "não". Eu estava disposta a insistir nele, mas, como eu perdi as eleições, eu o entreguei na mão da Lêda e pedi para que ela, dado à importância do tema, tentasse reinseri-lo na pauta de discussão da atual Legislatura. Veja que eu também não tenho nenhuma vaidade quanto a isso, de ser ou não o meu projeto. O que eu quero é realmente que a homenagem seja feita às pessoas que merecem. 

Antes, mais no início do seu mandato, em 2016, a senhora já havia proposto uma adequação nos requisitos de entrega da Comenda Berenice Artiaga*, onde tentava limitar, em cinco e duas, respectivamente, as quantidades de medalhas anualmente concedidas às deputadas e aos deputados. Com isso, a senhora pretendia garantir que as deputadas pudessem ter mais oportunidades, do que seus colegas do sexo masculino, para prestar homenagens a pessoas que se destacaram na luta em prol da participação feminina na vida política goiana. Por que favorecer mais as mulheres, nesse caso?

No meu entender, à medida em que você vai aumentando o número de medalhas, a homenagem acaba perdendo um pouco o sentido. Mas nós, mulheres, conhecemos mais as mulheres. Eu achava injusto ver alguns deputados homens fazendo homenagens só por fazer, porque tinham medalhas sobrando, enquanto eu, por exemplo, tinha inúmeras homenagens a fazer, a mulheres que realmente eram merecedoras da Comenda Berenice e não conseguia, porque já tinha estourado a minha cota**. Tanto foi assim que um dia, Charles Bento, que é meu amigo, acabou me dando uma medalha da cota dele. 

* A Comenda de Mérito Legislativo Berenice Artiaga foi proposta em 2015 pela então deputada Isaura Lemos (PCdoB) e aprovada em 2016. A Comenda leva o nome da primeira deputada estadual de Goiás, que tomou posse em 1951, e tem como objetivos homenagear e valorizar mulheres de destaque em Goiás. A referida honraria é concedida em alusão ao Dia Internacional da Mulher, em sessão solene realizada na sede do Poder Legislativo do Estado de Goiás.

** A proposta de Eliane, de aumentar para cinco a quantidade de homenageadas pelas parlamentares mulheres, foi apensada ao processo original e rejeitada. Anualmente, cada parlamentar, independente do gênero, pode indicar no máximo duas mulheres para receber a Comenda Berenice Artiaga.

Na área da Educação, a senhora apresentou um projeto para a criação de uma unidade do Itego* no município de Senador Canedo, que foi vetado integralmente pelo então Governador José Eliton, seu correligionário. O que a senhora pensa sobre isso? Continua acreditando ser possível ampliar o alcance da educação profissional e tecnológica, levando essa instituição para outros municípios goianos?

Lógico. Para isso, basta que o Governo queira investir e que reserve dinheiro. Agora, o problema justamente é o governo não ter dinheiro. Provavelmente, foi por isso que o Zé Eliton vetou o projeto em questão. Isso deve ter ocorrido no fim do ano**, no final do nosso mandato. Por isso eu não fiquei sabendo. Se eu tivesse tido a oportunidade, eu iria explicar para ele que, na verdade, seria necessário apenas uma adequação de nomenclatura, visto que lá, em Senador Canedo, já existe, em operação, uma unidade nos moldes do Itego, que só não tem exatamente esse nome, apenas. Mas isso que você está dizendo, é uma novidade para mim. Eu não sabia que o Zé Eliton tinha vetado, infelizmente. 

* Instituto Tecnológico do Estado de Goiás, criado em 2014, pela Lei Complementar n. 109, que alterou a legislação para instituir a Rede Itego, como canal para “educação profissional, ofertada por meio de cursos e programas de formação inicial e continuada, educação profissional técnica de nível médio e educação profissional tecnológica de graduação e de pós-graduação” (art. 59). 

** O projeto foi vetado em 3 de julho de 2018 e o veto integral foi mantido em sessão plenária realizada no dia 18 de dezembro do referido ano.

Em termos econômicos e sociais, a gente sempre observa muitas desigualdades entre as regiões norte e sul de Goiás. Quais são as potencialidades que você vê na região norte?

Eu acho que, hoje, a principal vocação do norte é para o turismo. E nós temos que estimular muito o segmento ali, valorizando a cultura local, inclusive. Na região da Serra da Mesa*, por exemplo, tem um memorial do cerrado que vocês têm que conhecer**. Ele fica lá em Uruaçu e, nele, há uma réplica, com detalhes em miniatura, da cidade, de quando ela começou a ser construída. A igreja, a antiga cadeia, a antiga barbearia, as antigas escolas, tudo está lá representado e aberto à visitação pública. O prefeito de lá, Valmir Pedro, conseguiu, com investimentos feitos na temporada de férias, que ocorre, normalmente, no mês de julho, fazer a região pular do quarto para o segundo lugar no ranking do turismo nacional. Infelizmente, a última edição da temporada na região da Serra da Mesa, foi proibida*** pelo Poder Público. Mas, independente disso, eu acho que o caminho é por aí mesmo, como fez o Valmir Pedro. Porque, ao se levar o turismo para lá, você começa a expandir outras áreas da economia local. De forma geral, isso resulta no fato de que empresários começam a chegar e a gerar empregos. Eu trabalharia muito isso hoje, se fosse deputada. 

* Localizado no noroeste de Goiás, o lago Serra da Mesa é o quinto maior do país e serve à usina hidrelétrica de mesmo nome. A região abarca 21 municípios, sendo alguns dos principais: Uruaçu, Niquelândia e Colinas do Sul. 

** Refere-se ao Memorial Serra da Mesa, criado em 2004, com recursos da prefeitura de Uruaçu e da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (Puc). Mais informações, aqui

*** Em julho de 2019, a prefeitura de Uruaçu foi proibida pelo Poder Judiciário de realizar a Temporada de Férias que contaria com um festival musical financiado pelos cofres do município. O impedimento foi decorrente de ação civil pública proposta pela promotora de Justiça Daniela Haun, titular da 3ª Promotoria de Justiça de Uruaçu. Na ocasião, a administração municipal acumulava dívidas junto a servidores públicos e contratantes. 

Além do turismo, dentre as demais inúmeras possíveis demandas existentes nos municípios goianos, quais você priorizaria, hoje, se fosse deputada?

Olha, na verdade, os municípios precisam ser trabalhados em sua integralidade, observando-se, portanto, todas as suas demandas. Eu já falei que as minhas duas maiores defesas são e serão sempre a Educação, em primeiro lugar, e depois a Saúde. Mas também me interessa muito lutar para que as pessoas tenham um acesso mais qualificado aos equipamentos de lazer, por exemplo. Esses dias, eu estava passeando lá em Uruaçu com meu neto e nós fomos balançar lá naquela praça linda, que tem uma área de lazer enorme para a população. Então, isso eu também valorizo: o lazer. E não só em termos de equipamentos públicos, mas também em termos de realização de eventos, como os shows, que eu também sempre defendi. Muita gente é contra, porque acha desperdício de dinheiro. O povo precisa de saúde, educação, segurança pública, sim, mas ele precisa de lazer também. E isso falta muito no interior, às vezes. Aqui em Goiânia, nem tanto. Nós temos a possibilidade de ir ao cinema, que lá eles não têm, por exemplo. Eu defenderia, por isso, a criação de cinemas no interior. E eu tentei, inclusive, fazer isso com a Caixa, porque eles financiam um projeto de cinema que funciona dentro de uma carreta*. 

*Trata-se do projeto “Cinema é pra você, sim!”, realizado por meio de parceria entre a Caixa Seguradora e o Ministério da Cultura. O projeto, que teve início em 2016, percorre diversos municípios brasileiros levando gratuitamente, em uma carreta adaptada, o cinema a populações que geralmente não conseguem acessar esse tipo de lazer. Goiás foi contemplado com o projeto em 2017, quando 11 municípios receberam o benefício (Abadiânia, Cristalina, Goianésia, Itaberaí, Mineiros, Morrinhos, Niquelândia, Quirinópolis, Santa Helena de Goiás, Senador Canedo e Uruaçu). 

Durante seu mandato na Assembleia, como foi seu relacionamento com os colegas da Casa?

Excelente. Tinha uma turma que me chamava de mãezona. Eu só nunca tive relacionamento com o Major Araújo, mas com o resto, sim, e sempre foi excelente, inclusive com os deputados da oposição. 

Houve algum momento que se recorda de ter enfrentado alguma dificuldade, por ser mulher, dentro do Parlamento?

Não. Digo, não que eu tenha notado. Algum problema que tenha eventualmente aparecido acho que foi menos por eu ser mulher, e mais pelo meu perfil mesmo. Ademais, sempre tem a turminha dos homens, que ficava falando de negócios pelos cantos e não me incluía justamente porque não era assunto do meu interesse. 

Dentro do seu partido, como era a situação das mulheres? Especialmente em relação a financiamento de campanha, o PSDB hoje, de fato, financia as campanhas femininas para aumentar o número de mulheres na Política?

Olha, toda a minha campanha foi financiada apenas com ajuda partidária. Do PSDB Nacional, acho que recebi 300 mil. Do PSD, que era da mesma coligação minha, 250 mil. Então, realmente, nesse sentido, há ajuda, sim. 

Campanhas são realmente muito caras. Esse dinheiro foi suficiente?

Não, não foi. Penso que, se houvesse mais dinheiro, na época, talvez eu tivesse conseguido superar a crise no PSDB, como muitos superaram. Mas eu não contei com essa possibilidade, porque trabalhei só com o fundo partidário e algumas doações. Campanhas políticas são muito caras, não adianta. 

A impressão que dá era que, com as redes sociais, as campanhas ficariam mais baratas. Mas parece que não, certo?

Exato, porque de nada valem as postagem nas redes sociais se você não as impulsiona. E, para isso, você também precisa de dinheiro, porque só assim suas postagem ganharão o devido alcance. 

Acredita que o machismo ainda impera nesse meio político?

Impera, com certeza. Mas se a mulher for forte e determinada, ela passa por cima. 

Uma das formas da gente medir isso é verificar o número de cadeiras ocupadas por mulheres no Parlamento. Aqui na Alego, da Legislatura passada para a atual, houve uma significativa regressão, o número de deputadas mulheres, que era de quatro, caiu pela metade e agora estamos com apenas duas, ainda que sejamos a maior parte do eleitorado. O que, na sua opinião, precisamos fazer para avançar, nesse sentido?

A verdade é que mulher não vota em mulher. Pode ser só uma percepção pessoal, mas eu acho que é um dado também, se for buscar. E isso que você aponta pode servir de exemplo, inclusive. 

Tem que ter mais política pública para mudar essa realidade?

Sim. Tem que ter política pública e um trabalho constante. E é isso que a gente sempre busca fazer, no PSDB, onde nós temos um movimento forte. Hoje, por exemplo, quem preside o PSDB Mulher de Goiás é a doutora Darlene Araújo*, que é delegada e foi diretora do Procon.

*Darlene Costa Azevedo Araújo é graduada em Direito pela Universidade Federal de Goiás (1989), possui três especializações lato sensu no campo jurídico e mestrado em Direito, Relações Internacionais e Desenvolvimento pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC/GO). Em 2000 tornou-se delegada de Polícia, cargo do qual licenciou-se em algumas oportunidades para exercer a superintendência de Proteção aos Direitos do Consumidor (Procon-Goiás). Preside o PSDB Mulher de Goiás, desde 2017, e foi reeleita no pleito de 2019. 

A política de cotas é suficiente?

Não. Não é suficiente, mas é necessária, no momento. Se continuarmos brigando pelo nosso espaço, vai chegar um momento, inclusive, em que essas cotas nem serão mais necessárias. Elas só existem, por ora, por reconhecer que ainda há muita desigualdade entre homens e mulheres na política e que essas desigualdades precisam ser corrigidas. 

Tem alguma mulher em especial ou mulheres que te influenciaram na carreira política?

A Lydia Quinan, com certeza. 

Para você, que legado as mulheres têm deixado na história do Parlamento goiano?

Um legado de força, de determinação mesmo e de muito trabalho. Todas as deputadas mulheres daqui trabalham muito. Olha aí para a Adriana Accorsi, para a Lêda, para mim...

Que conselho, que incentivo você daria para as mulheres que pretendem ingressar na vida política?

Nunca desista do seu sonho. Se você sonha em ser deputada, vereadora, lute até o fim, que, uma hora, você vai conseguir. Às vezes, você não consegue na primeira tentativa. Isso é natural até. Eu fui candidata e pensei que não ia ganhar meu primeiro mandato, e ganhei. Então, a gente nunca pode desistir dos nossos sonhos. 

E para despertar o interesse de outras mulheres, que estão hoje completamente alheias, digamos, à vida política?

Olha, eu realmente não sei te responder essa pergunta, porque, na verdade, eu acho que é muito difícil mesmo para uma mulher que está completamente fora da Política, se interessar por ela, assim, de uma hora para outra, sem mais nem menos. Até porque as próximas eleições, agora, são as de vereador, que, para mim, é a mais difícil que existe. Comigo foi outra história, porque eu já era ligada à Política. Mas, para qualquer que seja o caso, eu acho sempre válido buscar inspiração em quem trabalha na área. Isso pode ser uma fonte inicial de motivação, que pode despertar, em outras mulheres, o interesse em também deixar uma contribuição mais efetiva, digamos, em termos políticos, para a coletividade. Nós temos uma vereadora em Goiânia, a Sabrina Garcez, que é uma inspiração para muita gente, justamente porque é jovem e está sabendo enfrentar os desafios que lhe aparecem. Ela enfrenta prefeito, enfrenta todo mundo, com muita coragem. E, por isso, tem feito um excelente trabalho. E tudo, via de regra, começa, quando você consegue se identificar com alguma bandeira social específica. A da Sabrina foi a das pessoas deficientes, porque ela já ajudava a Apae*, a Pestalozzi**. E se, com isso, você vê crescer internamente, em você, a vontade de ajudar mais, qual é a melhor forma de fazer isso? É conquistando um mandato eletivo. Então, eu acho que a mulher que decide ingressar na política, sempre tem uma inspiração de fundo, entende? Seja para ajudar um filho deficiente, que ela acompanha o sofrimento todos os dias, ou por outra causa. Essa questão das pessoas deficientes é grave. Outro dia mesmo, eu estava com um problema na perna e fiquei imaginando isso. Vi o tanto que os deficientes sofrem com as calçadas, com as escadas, com tudo. Então, como é que eu vou ajudar? Com um mandato, onde eu possa criar leis que realmente tenham validade. E com a cobrança às autoridades públicas, porque, por exemplo, já existem leis que resguardam os deficientes, mas se você reparar a quantidade de lugares que não têm a passarela adaptada para eles possam subir, você fica indignada. Então, em resumo, é isso mesmo que eu já falei. Eu acho que cada mulher, para entrar na política, tem que encontrar alguma inspiração, alguma coisa que ela experiencie e que veja a necessidade de mudar, de melhorar. E que perceba, ao final, que isso só poderia ser alcançado se ela tivesse um mandato, seja de vereadora, de prefeita, de qualquer outro cargo, que pode ser, inclusive, o de presidente de associação de bairro, algo que dê, portanto, a ela algum tipo respaldo para que ela tenha condições de ir lá cobrar das autoridades, como os prefeitos, por exemplo. É isso.

* A Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) foi criada em 1954 e atualmente encontra-se em mais de 2 mil municípios brasileiros. A Organização Social cuida dos interesses das pessoas com deficiência intelectual e múltipla. 

** A Associação Pestalozzi é uma instituição civil sem fins lucrativos e de utilidade pública, que atua desde 1932, na assistência integral a adultos portadores de deficiências intelectuais e múltiplas. 

Texto de Fran Rodrigues. Com edições de Luciana Lima e revisão de Amanda Ristov. Entrevista feita por Samiha Sarhan e Ana Cristina Krebs.
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