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Mulheres no Legislativo

10 de Julho de 2020 às 10:35
Crédito: Agência de Notícias
Mulheres no Legislativo
Entrevista com deputada Lêda Borges
A deputada Lêda Borges é a entrevistada da 15ª edição do projeto Mulheres no Legislativo, executado pela Agência de Notícias. Aqui, ela nos apresenta um pouco da trajetória de vida, dos desafios e de sua atuação em diversas esferas da política.

Precocidade e pioneirismo são algumas das palavras que melhor parecem definir esta mulher. Ela, que aos 20 anos, já era mãe e graduada como professora, hoje cumpre seu segundo mandato consecutivo como deputada estadual na Alego (18ª e 19ª Legislaturas). Demonstrando uma nítida predileção por desafios, coleciona, igualmente, em sua trajetória pública, experiências nas quais o adjetivo “primeira” pode ser constantemente encontrado. Primeira secretária de Educação de Valparaíso de Goiás, e também primeira mulher eleita para o cargo de prefeita da cidade, primeira secretária de Obras do município, primeira presidenta da Agência Goiana de Desenvolvimento Regional (AGDR) e primeira secretária Cidadã do Estado de Goiás. Eis alguns dos mais notórios cargos exercidos por Lêda Borges, a 15ª parlamentar entrevistada do projeto Mulheres no Legislativo. 

Lêda, que só entrou para a vida pública aos 36 anos, diz estar realizando por meio dessa atuação o seu grande dever enquanto cidadã. “Eu poderia viver minha vida em paz, com minha família, sem sofrer ataques, sem pressões, com a estabilidade que conquistei através de muito estudo e trabalho, mas encaro a Política como uma missão. As mulheres já têm tantas atribuições na sociedade, que poucas se predispõem a enfrentar mais essa luta que é a Política. Mas temos que vencer essa barreira e nos colocar à disposição, pois a Política precisa das mulheres”.

Nascida em Conquista, cidade mineira que atualmente possui cerca de sete mil habitantes, Lêda Borges de Moura é a mais velha de cinco filhos e traz da infância memórias de uma vida leve, pacata, mas já com muitas responsabilidades. “Entrei na escola aos quatro anos, fui alfabetizada aos seis e sempre gostei muito de estudar e de aprender. Estudei em colégio de freiras. Aquela disciplina, somada à educação que tive em casa, fez com que eu sempre me preocupasse em aprender, em ter bons resultados e fazer meus pais felizes com isso”, relembra.

Com a liberdade e o incentivo dados, desde cedo, pela família, ficaria fácil imaginar as muitas realizações que aquela criança ávida por conhecimento viria a obter. “Meu pai, que era auditor da Fazenda estadual em Minas Gerais, era um homem à frente do seu tempo. Ele nunca impediu que as filhas estudassem ou trabalhassem. Minha mãe já tinha uma profissão quando se casou, e isso nunca foi um problema. Cresci vendo minha mãe, que era professora, trabalhar, tomar decisões com naturalidade e receber todo apoio do marido. A parceria dos dois, com certeza, inspirou a mim e às minhas irmãs a sermos mulheres independentes e fortes”, reflete Lêda sobre a origem de sua personalidade.

Mudanças e conquistas

Aos 16 anos ela ingressara na faculdade de Letras e aos 17 já estava se casando. “Meu pai teve que ir ao cartório autorizar o casamento, por eu ser menor de idade”, relembra, rindo. Lêda teve três filhos e sempre conciliou sua vida privada com uma intensa dinâmica profissional. Ela se formou como professora de português e inglês, fez especialização em Linguística Aplicada e atuou em escolas de educação básica, tanto em sala de aula, quanto em cargos de coordenação. Em 1993, foi aprovada, como professora, no concurso público do Governo do Distrito Federal (GDF) e mudou-se para lá com o marido e os filhos. “A região do Entorno me recebeu muito bem. Sempre foi gratificante o carinho que recebi da comunidade”, comentou, agradecida.

Na vida de Lêda as mudanças sempre se fizeram presentes. Em 1994, ingressou, como servidora administrativa concursada, no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT). A experiência no órgão lhe serviu de inspiração para almejar uma nova carreira. Aos 34 anos, Lêda fez vestibular novamente e se tornou estudante de Direito. “Me encantei com aquele universo e com a possibilidade de mudança que havia na caneta de cada juiz e desembargador. O conhecimento e a interpretação da lei definem vidas. Por isso, eu, por algum tempo, quis ser magistrada”, observou.

A despeito dessa vontade e de ter concluído o bacharelado em Direito, a vida a conduziria por outros caminhos que nem ela mesma, àquela altura, poderia prever. Um convite, em 1997, para ser a primeira mulher à frente da Secretaria de Educação de Valparaíso foi a sua porta de entrada para a política, da qual ela nunca mais se afastou. Lêda Borges afirma que a vida pública nunca foi um plano, nem um sonho, mas uma sucessão de missões aceitas em nome de um bem maior.

 Poder para realizar

Lêda parece ter encontrado na política o potencial realizador que um dia almejou vivenciar no Direito. Ela, que já assumiu diversos cargos técnicos no Poder Executivo e conquistou mandatos como vereadora, prefeita e deputada estadual, chegou a se emocionar, durante a entrevista para o projeto Mulheres no Legislativo, quando respondia sobre sua motivação para continuar na vida pública. As lágrimas, que rolaram de seu rosto, demonstraram o envolvimento emocional com o qual a parlamentar conduz a responsabilidade de um cargo público.

A deputada, de 59 anos, que é mãe, avó, esposa e servidora pública aposentada, confessa que muitas vezes o desejo de ter paz na vida chega a gerar o ímpeto de desistir da política. Ela completa, porém, que “saber que seu trabalho ajuda, decisivamente, em questões de vida e morte, faz tudo valer a pena”.

Nessa entrevista, Lêda não esconde sua sensibilidade para com as lutas sociais que defende nem oculta como às vezes se sente vulnerável e fragilizada pelos ataques que recebe. “Há muitos políticos que passam ilesos pela vida pública. Só quem trabalha de verdade sofre certos ataques, que são tentativas de nos intimidar e fazer esmorecer esse desejo profundo de ajudar as pessoas, de melhorar vidas. Isso é cansativo e desgastante, mas não fujo da minha missão”. A parlamentar, que coleciona episódios de duros embates na tribuna e nos bastidores, demonstra que a dualidade cartesiana não é capaz de abarcar sua personalidade e atuação política.

Nas linhas que se seguem, ela detalha as diversas vivências em sua agitada vida parlamentar, que incluem conquistas e derrotas, bem como englobam experiências de atuação tanto na bancada governista, quanto na bancada de oposição. A deputada também conta sobre as dificuldades que as mulheres enfrentam quando decidem participar da política partidária, sobre seu trabalho no PSDB Mulher em prol do crescimento feminino em cargos eletivos e, ainda, dá pistas sobre seus próximos passos nessa trajetória pública, que já soma mais de duas décadas e não parece estar nem perto de acabar.

Deputada, como foi sua infância em Minas Gerais?

Foi uma infância tranquila e feliz, com meus pais* e irmãos. Éramos cinco filhos, três mulheres e dois homens. Vivi a minha infância de maneira pacata, mas já com muita responsabilidade. Entrei na escola aos quatro anos, fui alfabetizada aos seis e sempre gostei muito de estudar e de aprender. Estudei em colégio de freiras, e aquela disciplina, somada à educação que tive em casa, fez com que eu sempre me preocupasse em aprender, em ter bons resultados e, assim, fazer meus pais felizes.

* Lêda Borges é filha de Bráulio Queiroga de Moura, que faleceu aos 67 anos, em 1981, e Dalva Vieira Borges de Moura.

Que sonhos a senhora acalentava nessa fase da vida?

Minha pretensão era ser feliz, com aquela ingenuidade infantil mesmo. Eu era muito responsável, estudava bastante e era obediente, mas não fazia projeções tão maiores que isso. Pensei em ser médica. Depois, essa meta foi deixada de lado porque surgiram outras afinidades. Além disso, me casei muito cedo. Comecei a namorar meu marido e me casei aos 17 anos*. Meu pai teve que ir ao cartório autorizar o casamento, por eu ser menor de idade. Essa escolha, de formar logo uma família, não me atrapalhou em nada. Pelo contrário, me ajudou a crescer e ampliou minha consciência sobre a vida. Me formei em Letras e tive minha primeira filha aos 20 anos.

* Ela foi casada com José Barbosa Faria, que faleceu em 2011 por complicações de um quadro de diabetes. José era o pai dos 3 filhos de Lêda. Eles já eram divorciados à época. Em 2013, Lêda casou-se com o atual marido, Francisco de Carvalho Martins.

Já adulta, qual era o seu planejamento de vida e como você se preparou para realizá-lo?

Meu pai, que era auditor da Fazenda estadual em Minas Gerais, era um homem à frente do seu tempo. Ele nunca impediu que as filhas estudassem ou trabalhassem. Minha mãe já tinha uma profissão quando se casou, e isso nunca foi um problema. Cresci vendo minha mãe, que era professora, trabalhar, tomar decisões com naturalidade e receber todo apoio do marido. A parceria dos dois, com certeza, inspirou a mim e às minhas irmãs a sermos mulheres independentes e fortes. Eu não fazia grandes planos, mas acredito que me preparei dando o meu melhor em cada situação em que me encontrava, seja quando estudei Letras (Português-Inglês), quando lecionei, quando coordenei atividades escolares, quando fui estudante de pós-graduação, ou quando me tornei mãe. Eu sempre me dedicava muito, onde quer que eu estivesse. Acho que essa dedicação foi melhor que qualquer tipo de planejamento, porque foi o que me preparou para aceitar os desafios.

O que motivou sua vinda para Goiás?

Eu me mudei de Minas para Goiás em 1993. Eu havia passado no concurso do GDF*. Então tomei posse e me mudei com a família toda para lá. Nessa época, eu já tinha os meus três filhos. Eu fui muito feliz como professora de crianças e adolescentes. Gosto muito de lecionar. Estar em sala de aula, ali onde você tem em suas mãos, sob sua responsabilidade, a educação de 40 alunos. É um trabalho muito nobre e importante, que eu fazia com muito amor. Todo professor aprende, na prática, que essa profissão traz grandes oportunidades de reflexão e crescimento. A região do Entorno me recebeu muito bem. Sempre foi gratificante o carinho que recebi da comunidade. Você convive com os alunos, aprende com a realidade deles e, muitas vezes, se sensibiliza, e, disso, nasce o desejo de fazer mais, de contribuir mais com o próximo e fazer diferença.

Em 1994 fui aprovada no concurso do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) e surgiu a vontade de cursar Direito, porque me apaixonei pelo trabalho dos magistrados. Minha primeira formação foi em 1982 e, mesmo assim, 16 anos depois, já servidora efetiva, já com uma carreira profissional consolidada, mãe de três filhos e com 34 anos, eu fiz outro vestibular e encarei uma nova graduação.

Eu já amava o Tribunal, que considero como sendo minha casa. Sou aposentada lá, desde 2015. Desde que ingressei no Centro de Treinamento [do TJDFT], e mesmo depois, quando passei a trabalhar efetivamente, fazendo a revisão textual de decisões judiciais, eu me encantei com aquele universo e com a possibilidade de mudança que havia na caneta de cada juiz e desembargador. O conhecimento e a interpretação da lei definem vidas. Por isso, eu, por algum tempo, quis ser magistrada. Mas a política entrou na minha vida e eu acabei abandonando essa meta, mas ainda admiro muito esse trabalho.

*  Em 1993, Lêda foi aprovada no concurso público do Governo do Distrito Federal (GDF). Ela atuou como professora do ensino básico e em cargos administrativos na região que, em 1995, viria a ser emancipada, tornando-se o município de Valparaíso de Goiás. 

 A senhora acha que encontrou na política o que buscava na magistratura?

Acho que sim. São posições bem diferentes, mas ambas afetam a vida das pessoas e podem contribuir muito para uma sociedade mais justa, com menos desigualdades e mais garantia de direitos. Eu nunca pensava que iria para a vida pública, mas essa foi a missão que recebi e aceitei. Nela estou desde 1997, quando fui convidada a ser a primeira Secretária de Educação de Valparaíso de Goiás*. Essa primeira missão, que aceitei muito motivada em poder contribuir para a melhoria da educação pública do Entorno, foi o começo de minha trajetória política, porque essa experiência me mostrou o quanto podemos fazer em prol do povo, quando ocupamos um cargo.

* Ela foi secretária de Educação, Cultura e Esporte no mandato do primeiro prefeito da cidade, José Valdecio Pessoa. 

Como a política partidária entrou em sua vida?

Eu não conhecia o prefeito de Valparaíso. Fui convidada por ser uma indicação técnica do vice-prefeito*. Até então, eu nunca havia me filiado e também não tinha pretensões de me filiar a partidos, muito menos de me candidatar a qualquer cargo. Minha vida profissional sempre se deu por concurso público. Eu tinha conhecimento sobre os assuntos da pasta da Educação, pela formação e pela experiência prática, mas estava fora da política partidária. Mas, aos poucos, esse meu trabalho foi gerando ciúmes, porque as pessoas da cidade gostavam de mim e valorizavam a minha atuação enquanto secretária. Por receber esse destaque por parte da população de Valparaíso, alguns políticos diziam ao prefeito que eu ia traí-lo, que estava planejando tomar a visibilidade dele. Para acabar com essas conversas, eu me filiei ao PSD, que era o partido do prefeito.

 * Juarez Sarmento, também do PSD, foi o vice-prefeito da primeira gestão de Valparaíso de Goiás, eleito em 1997. No pleito seguinte, foi eleito prefeito, já pelo PSDB, derrotando José Valdecio, que concorria à reeleição.

Você teve que ponderar sobre dúvidas e receios ao cogitar entrar para a política ou essa vocação já estava clara naquela situação?

Eu não tenho receio da vida. Só estava claro que eu queria dar minha contribuição, onde quer que eu estivesse. Eu queria usar meus conhecimentos e minha disposição para o trabalho em prol de melhorias para o povo goiano, que tanto me acolheu. Quando você entra para a política, você cria dois sentimentos: reconhecimento por parte da população e inveja por parte daqueles que não trabalham tanto e que, por isso, não alcançam o mesmo destaque. Quando o seu trabalho tem o reconhecimento do povo, é maravilhoso receber esse carinho nas comunidades, nas pracinhas e até na feira.

Ao se filiar, a senhora já sabia que haveria outros passos na política ou imaginou que ficaria apenas como secretária? Havia algum planejamento nesse sentido?

Não. Quando era secretária, eu só queria entregar o meu melhor para a área da Educação de minha cidade. O que aconteceu, a partir dali, foi consequência desse trabalho, dessa vontade de bem servir. O gestor municipal da época tinha dificuldade de reconhecer o meu trabalho, mas também não podia me exonerar, porque, no fundo, ele via como eu trabalhava bem, como a comunidade local gostava de mim e dos resultados que eu apresentava.

Eu sou uma pessoa que acredita muito em Deus. Eu coloco tudo nas mãos D’ele e as coisas acontecem. Eu nunca projetei um mandato. Ele simplesmente veio, aconteceu. Nessa luta toda, eu já ganhei e já perdi, mas a minha missão é colocar o meu nome sempre à disposição para o que for melhor para o povo que eu represento.

A que você atribui o fato de a participação feminina na política ser ainda tão baixa e, em algumas Casas, como na Alego, ser, inclusive, menor hoje do que já foi no passado, visto que nessa Legislatura temos apenas duas deputadas?

Para responder essa questão, primeiro é preciso lembrar que as nossas missões, enquanto mulheres, são muitas. Temos a casa, a família, os filhos, os netos... E, como tudo isso pesa muito em nossas vidas, acabamos deixando a política ser comandada pelos homens. Esse acúmulo de atividades é algo muito cansativo para nós, mulheres. Acrescentar ainda mais coisas a uma rotina que já é exaustiva, é um fato que pesa muito na nossa decisão. Eu poderia viver minha vida em paz, com minha família, sem sofrer ataques, sem pressões, com a estabilidade que conquistei através de muito estudo e trabalho, mas encaro a política como uma missão. As mulheres já têm tantas atribuições na sociedade, que poucas se predispõem a enfrentar mais essa luta, que é a política. Mas temos que vencer essa barreira e nos colocar à disposição, pois a política precisa das mulheres. Precisamos nos sentir mais motivadas a participar da política partidária, porque é por meio dela que podemos fazer mais, ajudando a mudar a vida de muitas pessoas.

Mas é uma questão só de falta de interesse ou há mais barreiras para as mulheres acessarem a política partidária?

Há mais barreiras sim. Tanto profissionalmente, quanto na vida privada. Sendo concursadas ou não, precisamos provar nossa competência todos os dias, nos provando como boas mães, boas esposas, boas filhas, boas irmãs, e isso é muito complicado. Somos cobradas até mesmo em ser bonitas. Para o homem, não é assim. Estamos, infelizmente, em pleno século XXI ainda passando por isso.

O ambiente mais hostil não é do povo. A população sabe admirar o bom trabalho de uma mulher na política. Eu sinto demais o respeito dos eleitores, dos cidadãos. A resistência contra as mulheres na política acontece nas instâncias de poder, não no meio do povo. Tanto que as mulheres estão mais presentes nas associações de bairros, nas organizações não governamentais e nas ações voluntárias, que são instâncias mais orgânicas, onde a vida pública também se manifesta. Elas estão em menor número é na política partidária, que muitas vezes têm estruturas e comportamentos rígidos, resistentes às mulheres.

Quando eu era prefeita*, já cheguei a ouvir que “era a cada cruzada de pernas minha que eu recebia um apoio na Câmara Municipal”. Há homens na política que estigmatizam a mulher na vida pública, que tentam nos reduzir à aparência, nos classificar como frágeis ou incapazes. Mas isso não faz o menor sentido. Basta ver que nesse período de pandemia, os países que estão obtendo os melhores resultados no combate ao novo coronavírus (covid-19) têm em comum o fato de serem governados por mulheres**.

 * Em 2008, com 63,75% dos votos, Lêda foi eleita prefeita de Valparaíso de Goiás, pelo PSDB. Ela exerceu o mandato de 2009 a 2012.

** Em conformidade com a menção da deputada, foi ampla e internacionalmente divulgada pela mídia a análise de que países governados por mulheres, como Nova Zelândia (Jacinda Ardern) Alemanha (Angela Merkel), Islândia (Katrín Jalobsdóttir) e Dinamarca (Mette Frederiksen), estão entre os que obtiveram os melhores resultados no combate ao novo coronavírus. Essas lideranças femininas foram elogiadas por iniciarem cedo estratégias de enfrentamento à doença, como testagem em massa, política de isolamento social e fechamento de fronteiras. 

Na sua opinião, que ganho haveria para a própria política se houvesse mais mulheres inseridas?

As mulheres são as maiores conhecedoras das Políticas Públicas, das necessidades da família, da rua, do bairro e da cidade. São as mães quem mais acompanham os filhos na escola, nos hospitais; são as mães quem mais temem pela segurança dos filhos e as que mais visitam os filhos nos presídios. Elas vivem, muito mais de perto, a vida em sociedade, nas diferentes esferas do público e do privado. Esse conhecimento e essa preocupação são essenciais para quem ingressa na vida pública, porque política nada mais é que a organização do Estado em prol do bem maior, do bem comum. O feminino, além de não ficar devendo nada em termos de objetividade, praticidade e capacidade para gerir, ainda acrescenta a sensibilidade, uma característica indispensável à Política, e que faria muito bem a qualquer representante do povo. Nossa visão é periférica, temos essa habilidade de olhar tudo que está a nossa volta, antes de tomar decisões que afetem outras vidas.

O que precisa ser feito, na sua opinião, para mudar essa realidade e ver mais mulheres, tanto se interessando por política, quanto também alcançando vitórias eleitorais?

Acho que são dois pontos e momentos diferentes. Primeiro, as mulheres precisam despertar, romper a barreira subjetiva que as afasta da vida pública. As tarefas privadas e responsabilidades precisam ser, ao menos gradativamente, melhor divididas a fim de que o público feminino possa começar a enxergar a vida pública como uma possibilidade ajustável ao seu cotidiano, e não apenas como mais uma atribuição ou mais um fardo, dentre tantos, que as mulheres já precisam carregar.

O outro momento é mais objetivo. Depois que as mulheres se interessam pela política e se dispõem a concorrer a cargos eletivos, elas precisam ser respeitadas como candidatas, precisam ter voz entre os pares e precisam se impor perante o machismo que, infelizmente, muitas vezes persiste.

Por causa das diferenças de tratamento que infelizmente ainda existem, eu sou a favor das cotas para candidaturas femininas. Na minha opinião, as cotas deveriam resguardar não apenas candidaturas, mas também garantir 30% das cadeiras para mulheres*. Somos mais de 50% do eleitorado e precisamos ser representadas.

 * Tramita no Senado o projeto 2235/19, que altera o Código Eleitoral, para estabelecer a reserva de ao menos trinta por cento das cadeiras de deputado (federal, estadual e distrital) e vereador para cada um dos sexos. 

A senhora acredita que deve haver uma punição aos partidos que falseiam candidaturas femininas, por exemplo, no que se refere à distribuição do fundo de campanha?

Sim. Ao invés de se questionar a necessidade das cotas para mulheres, o que deveria haver, justamente, era uma melhor fiscalização e consequente punição a quem usurpa desse importante instrumento de correção e melhoria da política. Torcemos para que cheguem os dias em que haja igualdade de gênero e essas medidas de correção deixem de ser necessárias. Mas, infelizmente, neste momento, pelas barreiras que se impõem sobre as candidatas mulheres, tais medidas acabam sendo uma exigência. Nas candidaturas laranjas, mulheres são usadas para que mais fatias do fundo partidário sejam destinadas a candidatos masculinos*. Isso só reforça que o machismo existe e que ainda controla muitos grupos políticos. É necessário que isso seja melhor fiscalizado, e que as candidaturas envolvidas sejam cassadas. Acabar com as cotas nesse momento seria um retrocesso muito grande e a sociedade não pode tolerar isso.

 * A prática à qual a deputada se refere foi denunciada como forma de burlar a lei de cotas que exigia o repasse de 30% dos recursos partidários às candidaturas femininas. Segundo as investigações, nas eleições de 2018, diversos partidos instituíram candidaturas laranjas, repassando a candidatos homens recursos que, pela lei, deveriam estar disponíveis para as campanhas femininas. 

 Voltando à sua trajetória, quais foram seus sentimentos quando você alcançou seu primeiro cargo eletivo?

A notícia de minha primeira vitória eleitoral foi recebida por mim de forma muito natural, porque eu já era secretária e estava fazendo um bom trabalho, sendo, inclusive, muito reconhecida pela população. Eu era muito querida mesmo. Aceitar o desafio de me candidatar e ganhar as eleições para vereadora em Valparaíso foi algo que me deixou muito feliz. Minha equipe era muito coesa e nosso trabalho realmente deixou resultados na cidade. As pessoas sabem reconhecer isso: os políticos que realmente estão em busca de melhorias para elas.

 Não foi desgastante a corrida eleitoral para a senhora naquele momento?

Não, de jeito nenhum. Enquanto eu era secretária e nem vislumbrava nenhuma eleição, porque ainda queria ser juíza, as pessoas já começaram a me chamar de vereadora. Por isso eu digo que tudo aconteceu de forma muito natural mesmo.

E isso tudo foi consequência da minha atuação enquanto secretária, onde eu comecei a divulgar as minhas opiniões sobre o que acreditava que poderia ser feito para melhorar a educação pública, tendo por base as minhas próprias experiências na área. Quando vi essa possibilidade de ir para a Câmara Municipal, pensei: "por que não?". Então, essa primeira corrida eleitoral acabou sendo um processo tranquilo e agradável.

 Depois de exercer aquele mandato de vereadora, que fatores pesaram para que a senhora decidisse alçar voos maiores na política?

Aí já não foi uma decisão fácil. Quando os concorrentes percebem e começam a temer seu potencial eleitoral, infelizmente, muitas injustiças acontecem, tentam de tudo para prejudicar sua imagem. Ninguém quer ser chamado de ladrão, corrupto, bandido. Infelizmente, isso acaba acontecendo, por ser uma prática muito recorrente na vida política do país, e é muito difícil ter que se submeter a esse tipo de exposição, mas eu considerei isso como um incentivo. Vi que estava fazendo diferença e isso me deu ainda mais força para continuar.

Então esse processo foi mais desgastante. Que tipo de pressões a senhora sofreu até chegar à prefeitura?

As eleições são complicadas, porque os candidatos começam a inventar mentiras para tentar fazer a população duvidar da capacidade e da idoneidade dos seus adversários. Na minha primeira candidatura ao cargo de prefeita, disputei com o ex-prefeito e o atual da época*. Eles eram os principais nomes, mas eu estava crescendo muito nas pesquisas, estava, como se diz, correndo por fora. Então, minha campanha preocupou os primeiros colocados e eles começaram esses ataques de difamação contra mim. Eu já havia sido secretária de Educação, secretária de Obras e vereadora. A população já me conhecia, mas nessa campanha tive oportunidade de me apresentar a mais parcelas do eleitorado. Foi desgastante, mas muito importante também. Cresci muito. Só que, faltando sete dias para a eleição, um dos outros candidatos, que havia sido o primeiro prefeito da cidade, tomou um tiro no bolso**. Aí ele ganhou e eu perdi.

 

* Nas eleições para prefeitura de Valparaíso em 2004, Lêda, então no PDT, concorreu, dentre outros candidatos, com o primeiro prefeito do município, Zé Valdecio (PTB), que venceu as eleições com 35,87% dos votos, e com o então prefeito Juarez Sarmento (PSDB), que ficou em quarto lugar, com 12,03% dos votos. Na ocasião, Lêda obteve a segunda colocação, alcançando 18,6 % dos eleitores. 

** Em setembro de 2004, na reta final da campanha eleitoral, o candidato Zé Valdecio foi vítima de um atentado no qual sofreu quatro tiros. O relato do episódio consta no Diário da Câmara dos Deputados, quando o então deputado Alberto Fraga (PDT-DF) classificou o ocorrido como atentado político. “Cinco tiros atingiram o candidato a prefeito; dois atingiram a nuca do major Bonaldo, da Polícia Militar, que acompanhava o candidato; um jovem, que estava numa lanchonete, também foi atingido. Eles estão hospitalizados, mas não correm risco de vida”, narrou Fraga em 2004. 

Mas a senhora não desistiu do cargo. Tentou novamente...

Aí eu voltei para o meu trabalho no Tribunal, onde eu era efetiva. Voltei para minhas obrigações, mas toda noite eu pensava se devia continuar ou não. Quando você se envolve de coração na política, você não consegue simplesmente se afastar, é uma questão de missão mesmo. Mesmo sem cargo público, quando você conhece e ama o povo, as demandas aparecem e você continua tentando ajudar. Então eu enfrentei novamente o desafio das eleições e cheguei à prefeitura em 2009.

Depois de tanto tempo, como foi para a senhora exercer o cargo de prefeita em Valparaíso?

Eu amei ser prefeita. O Poder Executivo é mais desgastante, é trabalho o tempo inteiro, mas, no dia a dia, você consegue desenvolver ações e fazer mais pelo povo. É difícil porque você não consegue agradar todas as pessoas, não dá para fazer tudo. Você tem que tomar decisões, estabelecer prioridades com responsabilidade ao gerir o orçamento. E aí, há pessoas e grupos que não compreendem, o que gera algumas tensões. Mas o meu sim é sim e o meu não é não. Eu soube fazer o que era possível e mais urgente, mais importante em cada momento. Prefeitos não podem fazer só o que querem, mas sim o que o povo precisa. Consegui fazer muito enquanto prefeita e por isso tenho boas lembranças e muito carinho por essa vivência.

 A senhora também tem lembranças difíceis dessa época?

Tenho sim. Foi um período de muitas realizações e isso incomoda. Quem trabalha, incomoda. Nós, mulheres, sofremos muita discriminação, mas eu não me permito me vitimizar. Do mesmo jeito que vem, volta. Aprendi a desconsiderar esses ataques infundados, a ser maior que eles, em nome dos projetos que preciso entregar para a população. Esse meu gênio não permite que eu me abale tanto.

Deputada, foi nessa época que a senhora enfrentou as denúncias do Ministério Público a respeito de improbidade administrativa e corrupção passiva. Como lidou com isso?

Isso é devastador, mexe com sua vida íntima e abala sua família. Quando eu entrei para a vida pública, minha filha mais velha não tinha nem 15 anos. Ver meus filhos tendo que ouvir que a mãe é corrupta e ladra, foi muito difícil. Tanto que até hoje minha família não entende essa minha paixão pela política. Eles sabem que é triste e decepcionante para mim ter que enfrentar esses julgamentos prévios.

Seu nome é jogado no lixo, você aparece na televisão e nos jornais recebendo título de corrupta e no final não encontram nada, decidem que não há provas, percebem que você é inocente, mas o estrago na sua imagem e na sua vida já foi feito e ninguém se responsabiliza por esses danos. O julgamento que tem como resultado a inocência, nunca recebe o mesmo destaque que a denúncia que te alardeava como suspeita, como culpada. A cada eleição, reaparecem mais calúnias e mais difamação. São coisas que chateiam, que geram muitos conflitos internos. Foi uma fase em que sofri muito, mas que decidi enfrentar e superar*.

 

* Em fevereiro de 2016, quando estava à frente da Secretaria Cidadã, Lêda foi condenada por improbidade administrativa, em processo que a acusava de usar verbas públicas para autopromoção durante seu mandato como prefeita de Valparaíso. Pela sentença condenatória, além de pagamento de multa, Lêda teria o mandato cassado e ficaria inelegível. Após recorrer da decisão de 1ª instância, a parlamentar foi inocentada, por unanimidade, na Terceira Câmara Cível do Tribunal de Justiça (TJ-GO).

A senhora acredita que isso acontece por falhas técnicas ou devido a usos eleitorais indevidos?

Quem trabalha, incomoda. Quem não está trabalhando, não responde por nada, já que não trabalhou. Mas quem trabalha gera ciúme, gera inveja e processos. Há muitos políticos que passam ilesos pela vida pública. Só quem trabalha de verdade sofre certos ataques, que são tentativas de nos intimidar e fazer esmorecer esse desejo profundo de ajudar as pessoas, de melhorar vidas. Isso é cansativo e desgastante, mas não fujo da minha missão. Isso até faz com que a gente chegue a repensar a vida pública, sabe? Eu não corro de nada que seja para mim. Enfrento processos infundados do mesmo modo que enfrento estratégias escusas de adversários: com a cara limpa e com muito trabalho.

É muito fácil chamar de corrupto, de chefe de quadrilha... Mas quando isso sequer é provado e, ainda assim, nada acontece com quem acusou falsamente, é muito grave. Quem está errado tem mesmo que pagar pelo mal que a corrupção faz a toda a sociedade. Mas quando descobrem que você é inocente, deveria haver consequências para quem te acusou sem provas, quem alardeou seu nome por motivos eleitorais. Há certas coisas que precisamos repensar como abuso de autoridade. Existem políticos corruptos sim. No entanto, há, também, muitos honestos. Então, essa é a parte que me faz pensar em largar, abandonar e abrir mão de tudo, mas estou aí para o que der e vier.

 

E das corridas eleitorais para a Assembleia, quais são suas principais lembranças?

Primeiro é importante lembrar que eu não saí da prefeitura de Valparaíso e fui ser imediatamente deputada. Na verdade, eu havia perdido a concorrência à reeleição no pleito municipal de 2012 e então o Marconi* me convidou, em 2013, para ser a primeira mulher presidente da AGDR, o que aceitei. Eu procuro ser a melhor no que faço. Entrei no Tribunal e amei trabalhar ali. Fui vereadora e amei, apesar de não ter tido, ali, o poder de decisão que tive no Executivo. Amei estar à frente da prefeitura também. Quando chegou no final de 2013 e começaram as movimentações para as eleições estaduais do ano seguinte, me perguntaram o que eu queria ser. Eu disse: "eleita, mas eu não fui". [riso da entrevistada]. Então, o governador disse que seria muito proveitoso que eu fosse para a Assembleia representar os interesses do entorno do DF, ao que eu disse: "tudo bem, então vamos lá!"

 * Marconi Perillo era o então governador de Goiás, correligionário de Lêda no PSDB e forte aliado da parlamentar.

Sem nenhum susto, nenhum medo...

Não. Quem sabe é o povo. Eu já era muito querida na minha região, mas daí até chegar à Assembleia, há uma distância muito grande. Eu era desconhecida na Capital. Os políticos daqui não davam nada por mim, mas eu e minha equipe tivemos muito apoio da região, das prefeituras e do Governo do Estado. Cheguei à Assembleia Legislativa com 32.217 votos, o que me garantiu a 19ª cadeira.

A segunda candidatura já foi diferente, porque eu recebi o grande privilégio de participar efetivamente nas Políticas Públicas para a mulheres, para os idosos e para os jovens. Durante o mandato, me licenciei para compor o primeiro escalão do Governo, sendo a primeira mulher e a única representante do interior do estado. Essa atuação in loco me rendeu o reconhecimento de uma parcela ainda maior do eleitorado. Então, fui reeleita com 35.040 votos, dessa vez passando para 14ª com maior número de votos.

Não foi em nenhum momento difícil para a senhora se licenciar do cargo de deputada para assumir a Secretaria Cidadã*, a convite do então governador Marconi Perillo?

Não, muito pelo contrário. Minha gestão como secretária da Mulher, Desenvolvimento Social, Igualdade Racial, Direitos Humanos e Trabalho só potencializou a representação do Entorno do DF, para a qual fui eleita. Um deputado faz emendas e projetos de lei em prol daqueles que representa. Estando no Poder Executivo, levei para minha região muitos recursos, obras e serviços. Levei colégios estaduais e militares, asfalto e políticas sociais. Então, com o cargo na Pasta, eu agreguei muito ao meu mandato de deputada.

Sempre com o aval do governador, conseguimos, por exemplo, enxugar a pasta e fazer mais com menos. Houve cortes em gastos materiais e na folha de pagamento. Em 2016, sem reduzir nenhum programa social, foram economizados mais de 26 milhões de reais na Secretaria. Isso possibilitou a ampliação do programa Jovem Cidadão, que passou de 2,6 mil vagas para 3,6 mil, ou seja, mil novas oportunidades que mudaram as vidas de estudantes do Entorno do Distrito Federal.

Conheci os 246 municípios do estado levando Políticas Públicas, e pude conhecer, também, cidadãos de todas as regiões em que o auxílio do Governo e a rede cidadã chegavam. Aí eu me deleitei. Fui muito feliz como secretária da Secretaria Cidadã, por ver de perto os serviços sociais chegarem às comunidades. Por isso, eu tenho muita gratidão ao Marconi, que me proporcionou desempenhar esse papel tão nobre. Isso me ajudou muito também na função de deputada. Conheço todos os lados dessa rede, que é tão necessária para garantir a dignidade dos nossos cidadãos.

 

*  Conhecida como Super Secretaria Cidadã, a Secretaria de Estado da Mulher, do Desenvolvimento Social, da Igualdade Racial, dos Direitos Humanos e do Trabalho era responsável pela gestão dos programas sociais do Governo Marconi Perillo. Lêda Borges esteve à frente da pasta em dois momentos distintos, entre 2015 e 2017, épocas em que se licenciou do mandato como deputada estadual.

Pelo seu relato, a senhora consegue equilibrar muito bem suas vontades com as do seu partido, o PSDB, tanto que a senhora até participa da Executiva da legenda, presidindo o PSDB Mulher. Nesses 14 anos de filiação, já enfrentou algum tipo de conflito interno, na sigla?

Não, nenhum. Sou respeitada pelo meu partido. Temos uma colaboração muito boa. O PSDB respeita muito as mulheres e, por exemplo, é muito correto no incentivo à participação feminina e na divisão dos recursos eleitorais*. Desde que comecei a acompanhar o Marconi e a admirar seu trabalho, migrar para o PSDB se mostrou a coisa mais coerente a fazer. No meu partido, tenho muita liberdade e oportunidade de crescimento. O PSDB valoriza muito as lideranças locais. Por isso, aceitei esse primeiro convite do governador Marconi e nunca me arrependi dessa decisão.

* Estudo elaborado pelo Assessoramento temático da Casa, sobre sobre a evolução da participação feminina no interior dos partidos, mostra uma redução das candidaturas de mulheres no PSDB para o cargo de deputada estadual entre os pleitos de 2014 e 2018. No primeiro caso, em que foram apresentadas 31 candidaturas, a porcentagem de candidatas mulheres atendeu aos requisitos da política eleitoral vigente (referente à cota mínima de 30% de candidaturas para cada gênero no partido). Já no segundo, que contou com apenas 25 candidatas, o percentual ficou abaixo do legalmente esperado. Os dados foram divulgados em maio do ano passado.

 

Que projetos a senhora destaca entre suas principais lutas e enfrentamentos nesta Legislatura?

O que nos sobra, a todos, são os feitos, as realizações, tanto as obras físicas quanto os avanços sociais e humanos, e as mudanças que você inspira na vida das pessoas. Nas matérias que analisam, com estatísticas, a atuação dos parlamentares, várias vezes meu nome apareceu como a que mais apresenta projetos, a que menos gasta em termos de verba indenizatória* e a que mais apresentou projetos de reconhecimento de utilidade pública para as entidades, que é necessário para conveniar com a União e com o Estado.  A minha atuação se dá muito nas áreas da Educação, da Mulher e do Desenvolvimento Social. Eu gosto de transitar muito nesse caminho, porque é o que eu domino. Como ex-gestora municipal, tenho um certo domínio também na área da Saúde, mas sempre muito focada no ser e nos pilares da sociedade, que são Educação, Saúde, Segurança Pública e Social.

 * Refere-se à quantia mensal de que cada gabinete dispõe para custeio das atividades parlamentares. Atualmente, o limite desses gastos é de R$ 26,35 mil para cada deputado(a).

 Apesar dessa perspectiva mais generalista, de olhar para o social de uma forma ampla, a senhora gostaria de destacar algum projeto que tenha apresentado, pelo qual a senhora tenha lutado e tenha obtido êxito?

Todos os projetos que apresentei, bem como os requerimentos, mereceriam esse destaque. Meu trabalho é todo voltado para minha região e para a defesa das mulheres*. Nesse sentido, meu mandato é um espaço de luta contra a misoginia e em favor da igualdade. Por exemplo, lutamos pelo fim da diferença salarial entre homens e mulheres que desempenham a mesma função**, propus a punição para publicidades que estimulem a violência contra a mulher*** e cobro do Estado o funcionamento das Delegacias Especializadas no Atendimento à Mulher.

Minhas propostas vão sempre no sentido de levar, a todos, os direitos fundamentais, pois não podemos negligenciá-los. Muitos falam em Estado Mínimo, mas a minha perspectiva é a do Estado Necessário, ou seja, o tamanho do Estado deve ser o suficiente para atender a todos os cidadãos, garantindo-lhes a dignidade.

* Em matéria publicada em novembro de 2019, a Agência de Notícias da Alego contabilizou os projetos que visam à redução da violência contra a mulher. Lêda apresentou sete proposituras sobre a temática e a delegada Adriana Accorsi (PT), quatro projetos, sendo, portanto, as parlamentares que mais iniciativas apresentaram em favor da população feminina do estado. 

** O projeto de lei 1057/19 dispõe sobre a exigência de garantia de equidade salarial entre homens e mulheres, das empresas que contratem com o Poder Público Estadual. 

*** O projeto de lei nº 3984/19 propõe aplicação de multa a empresa que contratar publicidade que “I - exponha, divulgue ou estimule a violência sexual, o estupro e a violência contra mulher; e II - fomente a misoginia e o sexismo”. 

 Nesse mandato, estando no PSDB e, portanto, sendo da oposição, a senhora sofreu derrotas, ou seja, projetos que defendeu, mas que não conseguiu apoio suficiente dos outros parlamentares?

Eu respeito muito o atual governador, Ronaldo Caiado, e estar na oposição não muda, por si só, minha conduta na Casa. Assim como quando integrava a base do Governo Marconi, sou fiel aos meus ideais e luto pelo que acho certo, para redução de injustiças e desigualdades. Tenho gênio forte, não me vitimizo nem cedo àquilo que fere minhas concepções morais e éticas. É claro que é mais difícil construir consenso e apoio quando se está na oposição, mas atuo sempre com muito respeito à Casa Legislativa e aos pares, e, também tenho consciência do importante papel que desempenho em nome das mulheres, das políticas sociais e de toda a região do Entorno. 

 Por falar em respeito, em consciência.... No ano passado, a senhora interveio em nome das servidoras da Casa quando um parlamentar questionou a honestidade das mulheres que compõem o quadro administrativo da Alego*. Por que essa decisão de integrar e tomar frente nesse embate?

Eu sempre vou me posicionar contra atitudes que tentem diminuir as mulheres, até mesmo pelo fato de me sentir também pessoalmente atingida por essas investidas. As mulheres são constantemente atacadas em sua idoneidade e capacidade. Ainda precisamos combater os preconceitos, os rótulos e exigir respeito sempre que se levantarem contra a igualdade que estamos construindo ao longo de séculos. Tratar as mulheres como seres inferiores é um retrocesso para toda a sociedade e eu sempre vou me posicionar firmemente contra isso.

* Em fevereiro de 2019, o deputado Amauri Ribeiro (PRP), em entrevista ao jornal O Popular on-line, afirmou, referindo-se à Alego: “algumas moças ali são contratadas para ficar à disposição do deputado (...) há mulheres ali que são contratadas, só top, só modelos, e que estão ali para servir aos deputados”. No dia 15 de fevereiro, durante sessão solene de abertura da 19ª Legislatura, um grupo de servidoras da Casa protestou vestindo camisetas com os dizeres: “sou servidora da Alego. Me respeite”. A deputada Lêda participou do protesto e, da tribuna, falou sobre o ocorrido durante a sessão. 

Que dificuldades, como mulher, você enfrentou e acha que os homens não enfrentam na política?

Há, no Brasil, uma tradição de que as poucas mulheres que ingressam na política são a continuidade do projeto político de seus pais ou maridos, como se a política fosse uma herança familiar. Eu fiz toda minha trajetória na política sem essa base. Tudo foi construído em torno do meu próprio trabalho, o que torna mais complexa a consolidação de grupos de apoio. Eu tive que provar muito mais vezes a minha competência.

 E como a senhora se sente no Parlamento com 41 deputados, sendo apenas duas mulheres, e tantos perfis diferentes?

Nessa legislatura, infelizmente, temos ainda menos deputadas que na anterior. A sociedade precisa superar essas resistências que tornam as instâncias de poder ambientes majoritariamente masculinos. Apesar disso, eu sinto o respeito dos meus colegas parlamentares na Assembleia. Somos diferentes, com bandeiras e lutas diferentes e até mesmo perspectivas e prioridades diferentes na Casa, mas nos respeitamos e convivemos democraticamente. Eu sou mais do social, do popular, sou mais de fazer política com o coração, em ajudar as pessoas e, vou te confessar, tenho dificuldade de fazer a parte da articulação política, que é quando você precisa ceder muito, negociar muito. Talvez seja por isso que eu gosto tanto de estar no Poder Executivo. No Legislativo, é preciso muita articulação para aprovar as coisas e eu não sei articular desse jeito. Sou muito firme em meus princípios e nas minhas intenções. É uma dificuldade, uma falha minha, mas eu prefiro assim.

 A senhora reconhece como uma falha do seu perfil não saber fazer a articulação política, mas reafirma que prefere ser assim. Qual é o lado ruim da articulação política? A senhora concebe uma nova política pautada em menos articulação?

Para mim, uma nova política precisa ser pautada em mais emoção, em mais vontade sincera de ajudar as pessoas, de transformar vidas. A articulação é necessária, afinal há diferentes regiões e segmentos representados e todos querem ver os seus interesses atendidos e seus direitos garantidos. Só que, na minha concepção, defender o social deveria fazer parte de todas as frentes. Precisamos nos unir pela dignidade das pessoas, para que a ninguém falte o mínimo, para a garantia dos direitos fundamentais a todos.

 Quais são suas próximas metas ainda neste mandato?

Onde quer que estejamos, nossas vidas são repletas de experiências boas ou ruins. É um somatório disso. Então, a cada mandato ou falta de mandato, eu me redesenho e trago comigo a somatória de todos os outros e a experiência de vida. Nesse mandato atual, eu carrego esse somatório. Quero apenas continuar servindo minha região, como tenho feito, e lutando pelo nosso povo goiano.

E os planos para depois desta Legislatura?

Eu não faço planos, as coisas acontecem. O meu desejo é sempre de bem servir à população onde eu for mais útil em cada momento.

Concorrer no pleito eleitoral para prefeitura é uma possibilidade?

Apesar da pandemia, os prazos eleitorais não foram atingidos, ao menos por enquanto*. Então, os partidos estão se mobilizando em torno das eleições municipais, na definição de candidatos. Valparaíso é a cidade do meu coração, onde moro e pela qual nunca deixei de lutar. Eu saí da prefeitura, mas ela nunca saiu de mim. Fui muito feliz sendo prefeita da cidade e não me esquivaria de retornar à função, se essa for a vontade da população.

A minha região é a segunda maior região eleitoral do estado de Goiás**. Valparaíso de Goiás é a 10ª*** cidade do estado, e só lá eu tive 18 mil votos para deputada estadual na última eleição. Esse pensamento de projetar seu representante é natural da população. Quando essa sente orgulho de quem escolheu para representá-la, é normal que queira vê-lo onde possa lutar pela região, para levar recursos e serviços. Então, estou pronta para qualquer desafio em que o partido e a população me considerem mais útil nesse momento.

*Esta entrevista foi concedida antes da decisão do Tribunal Superior Eleitoral decidir pela alteração dos prazos relativos à eleição para prefeitos e vereadores de 2020.

**A região Metropolitana de Goiânia é considerada a primeira. 

*** Valparaíso de Goiás possui o décimo maior Produto Interno Bruto (PIB) de Goiás e é a cidade economicamente mais relevante da região do Entorno do DF. Segundo dados do Tribunal Regional Eleitoral (TRE-GO), o município, com cerca de 168.500  habitantes, possui 79.514 eleitores. 

 

A senhora mencionou que algumas coisas às vezes a fazem pensar em desistir, e até que a sua família é contrária às suas escolhas de permanecer na política. Paralelo a isso, a senhora teve muito sucesso na sua vida profissional anterior à decisão de entrar na vida pública. Em algum momento a senhora gostaria de poder voltar atrás e não ter optado pela política? 

Às vezes a gente chega a pensar isso, sabe? Porque, com certeza, teria sido uma vida com mais paz, sem alguns enfrentamentos e injustiças que sofremos na Política. Receber denúncias e passar por processos judiciais equivocados é algo que machuca muito. Mas, a cada vez que alguém te agradece e conta como seu trabalho foi importante na vida daquela pessoa e mudou a história de uma família inteira, [Lêda chora] aí então você percebe que, apesar dos muitos percalços, vale a pena enfrentar tudo. Nesses momentos eu tenho certeza de que a Política, para mim, não é apenas uma escolha profissional, mas uma missão dada por Deus.

 

A sua emoção nesse momento, deputada, mostra que essa missão te toca muito...

Demais. Porque nesses mais de 20 anos de vida pública, foram muitos desafios e muitas lutas. Me emociona muito lembrar de como meu trabalho na educação, na saúde e na moradia ajudou famílias, ajudou mulheres a se reerguerem, ajudou jovens a continuar estudando e a alcançar uma profissão que mudaria todo seu futuro. Saber que seu trabalho ajuda decisivamente em questões de vida e morte faz tudo valer a pena. Os políticos têm uma responsabilidade muito grande, porque Política não é só poder, mas é poder para realizar, para mudar vidas, para mudar o presente e o futuro da sociedade.

 

Como mensagens finais, o que a senhora gostaria de deixar como reflexão a respeito do machismo e da participação feminina na política?

Às mulheres eu quero incentivar que se interessem pela política, que ousem se filiar e exigir espaço nos partidos. Vocês já fazem muito pela família e pelos bairros, mas podem fazer muitas vezes mais quando se inserem na política partidária, com um cargo eletivo, como representantes legítimas do povo. Os homens não precisam temer perder espaço, porque isso não se trata de uma competição entre gêneros, mas estamos falando de uma correção que, ao longo dos séculos, afastou as mulheres dos espaços de decisão e poder. Isso gerou um grande desequilíbrio, porque a política precisa das características e habilidades de homens e de mulheres. A participação feminina na política tem um grande potencial para melhorar a própria política e, por consequência, toda a nossa sociedade.

 

Entrevista e texto de Fran Rodrigues. Com edições de Luciana Lima e revisão de Amanda Ristov.
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