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A "doce ação" da adoção

25 de Maio de 2023 às 08:30
A "doce ação" da adoção
Data alerta a população a respeito da importância da adoção, retratada nesta reportagem por histórias reais de pessoas que mudaram suas vidas em razão do amor dedicado a quem não é do mesmo sangue.

Conceituado como o processo legal que transfere os direitos de pais biológicos para uma família substituta, o ato de adoção é, sobretudo, um grande ato de amor. Trata-se da entrega de cuidado, afeto e responsabilidade a um ser nascido de outra pessoa, que se torna parte da vida de quem o acolhe. De grande importância, a ação ganhou, no Brasil, uma data de celebração, lembrada de forma anual no dia 25 de maio.

Instituída em 2002, por meio da Lei nº 10.447, a data tem o objetivo de conscientizar a população para o número de crianças e adolescentes que aguardam por um lar, visto que há, no Brasil, mais de quatro mil cadastros no Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA). Apenas em Goiás, há 720 crianças acolhidas. Destas, 88 encontram-se disponíveis para adoção, conforme dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), atualizados em tempo real. 

Em contrapartida, há 1.079 pretendentes habilitados para adoção no estado (em média 12 interessados por criança). Por trás do desejo de adotar, existe, também, uma grande burocracia que envolve os trâmites necessários para a adoção. De acordo com relatório do CNJ, foram realizadas, de 2020 a 2023, 238 adoções em Goiás, uma média de 79 adoções por ano e 6,5 por mês.

Requisitos

Para adotar uma criança de forma legal, é preciso se cadastrar no Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento, apresentar documentação à Vara da Infância e da Juventude, passar por um processo de avaliação e análise judiciária, além de participar de um programa preparatório. De acordo com a analista judiciária Maria de Lourdes Ferreira Amaral, após se tornar apto para o processo de adoção, o interessado deve aguardar a disponibilização, que dura em torno de oito a dez anos.

A profissional destaca que crianças acolhidas só ficam disponíveis para adoção após descartadas todas as possibilidades de reintegração familiar, um processo que, segundo Amaral, leva cerca de três anos. “A Justiça busca todas as possibilidades. Procura os avós, tios e outros familiares. Enquanto todos não são descartados, o menor não é disponibilizado para a adoção.”

Outro fato que chama a atenção está voltado às exigências de quem deseja adotar, visto que, ao se cadastrar no sistema, o interessado tem a opção de escolha por gênero, idade, raça, dentre outros requisitos, como aceitação de crianças com deficiência ou problemas de saúde, grupos de irmãos, dentre outras opções. A maioria das pessoas busca, de acordo com a analista judiciária, crianças com até 6 anos de idade.

Adoção de coração

A adoção torna-se mais ágil quando não existem filtros por parte dos habilitados. “A adoção é um ato de amor. A doce ação de abrir o coração para alguém que vai permanecer na sua vida. O mais importante é adotar com o coração, independentemente de raça, gênero ou idade”, destaca Maria de Lourdes, que exemplifica o caso da funcionária pública Cláudia Alves, que permaneceu quase oito anos na fila de adoção e foi agraciada, no ano passado, com uma criança.

“Eu e meu esposo queríamos muito ter filhos. Quando descobrimos que não poderíamos, logo partimos para o processo de adoção”, conta a adotante. “Entramos com o desejo de ter um filho, apenas. Não importava as características, sexo, nem idade. Queríamos apenas alguém para amar. Depois de anos em busca da maternidade, fomos agraciados. Quando ela chegou em nossa casa, foi um momento mágico. É um amor indescritível. Valeu a pena toda a espera”, relata a mãe, emocionada.

Um final feliz semelhante não pôde, entretanto, ser compartilhado pelo publicitário Kaio Costa. Embora tenha excluído todos os filtros existentes durante o cadastro de adoção, participado de todas as etapas ao lado de seu marido, médico ginecologista, o casal desistiu do processo após sete anos na fila de espera. “A gente colocou que aceitava todas as opções, participamos dos cursos, estávamos aptos e, ainda assim, permanecemos esse tempo todo esperando, sem nenhuma esperança”, conta.

“Todos os anos eles nos ligam, perguntando se queremos manter o processo. Dessa vez, decidimos não manter. Eu tenho 33 anos e o meu esposo 58. Ele acredita ser complicado agora, nessa etapa da vida, pegar uma criança, pois pode ser que, talvez, quando ela estiver, por exemplo, se formando, ele não esteja presente”, acrescenta com a afirmativa de que a intenção era construir, ao lado da criança, uma relação mútua. “Não pensamos em barriga solidária, porque queríamos devolver o que a vida nos deu de bom, por meio de uma adoção legal”, enfatiza.

O sentimento demonstrado pelo publicitário, que abriu mão de uma grande oportunidade de trabalho em função do sonho da adoção, é de profunda tristeza. “Era muito doloroso abrir o sistema do Projudi, ver o nome como apto, o desejo enorme em ter uma criança em nosso lar e não poder, porque o sistema jurídico dificulta”, desabafa.

Predestinação 

A conexão entre pais e filhos pode, muitas vezes, ir além do vínculo sanguíneo. A prova disso está na relação familiar descrita por uma família goiana, que preferiu não ter os nomes identificados. Após dez anos de casados, sem a esperança de ter filhos, em função de problemas de saúde, o casal, que, nesta reportagem será chamado por João e Maria, foi agraciado com o melhor dos presentes que a vida poderia lhes dar.

Em razão da longa espera pela fertilidade, a esposa adquiriu problemas uterinos em razão da preocupação e do desejo em ter filhos. O projeto de adoção era algo intencional, mas até então não tinha sido levado adiante por medo do que poderiam enfrentar. Entretanto, poucos dias após Maria passar por uma cirurgia para retirada de mioma, o casal foi surpreendido com a chegada de seu filho, um bebê recém-nascido, que teria sido entregue pela mãe biológica a uma assistente social, para doação, logo após dar à luz.

“Eu estava meio 'deprê' e ele chegou como um presente para a minha vida. Não estava programado, mas foi da forma que deveria ser: um resgate de almas”, descreve Maria, que destaca, ainda, a afinidade existente entre eles. “Tanto a semelhança física, quanto de personalidade da gente, é muito grande. O que ele não tem de parecido comigo, ele tem do pai. Eu falo que é um resgate de outras vidas e a minha missão talvez era essa.”

Gratidão

O casal descrito acima afirma nunca ter escondido do filho adotivo a realidade de sua origem, o que nunca foi um problema. Pelo contrário, o sentimento exposto pelo rapaz, hoje com 29 anos de idade, sempre foi de gratidão. Exemplos disso foram citados em narrativas que, nitidamente, ficaram marcadas, como um dia em que, na primeira infância, durante a realização de atividades escolares relacionadas ao Natal, comparou a mãe com Maria, mãe de Jesus, afirmando não ser seu filho de sangue, mas do coração. 

Anos depois, a criança retratou sua história de adoção em um caderno de caligrafia, o qual permanece guardado pela família, com o mesmo carinho em que foi escrito. “Ele é tudo para mim. Eu não imagino a minha vida sem ele. Desde que ele chegou, tudo o que fizemos na vida foi em função dele”, destaca, emocionada, a mãe adotiva. “Minha mãe é minha vida. Só tenho a agradecer pela família que tenho. Todos os dias ajoelho, rezo e agradeço por ter os dois na minha vida. Eu nasci virado para a lua”, corresponde o filho, em entrevista à reportagem.

Outro exemplo de gratidão é demonstrado pelo deputado estadual José Machado (PSDB). Fruto de um amor proibido, o parlamentar foi criado, até os 6 anos de idade, pela mãe biológica e seu esposo. “Minha mãe era casada e teve um caso com o dono da fazenda em que morava, em Goianésia. Após engravidar, ela e meu padrasto se mudaram para Ceres e, em seguida, para Minas Gerais”, explica Machado, que afirma ter crescido acreditando ser filho do homem que o criou até os 6 anos de idade.

Oriundo de uma família carente, a mãe ficou viúva. Com dificuldade para cuidar de oito crianças, entregou o filho para a esposa do irmão do falecido. “Depois disso, tudo mudou na minha vida. Estudei, tive proteção e o amor dessa pessoa como mãe”, relata Machado, que hoje, além de deputado estadual, é também médico, casado e pai de três filhos. 

Criado com três irmãs, hoje também médicas, descobriu, aos 29 anos, que sua família era ainda maior do que imaginava. Foi quando contaram que aquele senhor que tinha morrido lá atrás, o qual acreditava ser seu pai biológico, não era de fato. “Fui atrás da minha origem, mas meu pai já havia falecido. Porém, encontrei seus outros filhos e hoje tenho, ao todo, 23 irmãos de sangue. Oito da minha mãe e o restante do meu pai”, revela o parlamentar, com a demonstração de gratidão por todos que fazem ou fizeram parte de sua história.

“Sou extremamente grato por quem me adotou como filho, cuidou de mim e realmente me educou, me deu uma vida ótima, com muito amor. Foram pessoas que me deram todo o suporte na educação, além de bons ensinamentos. Devo tudo a eles. Claro que devo à minha mãe a minha vida. Mas tenho gratidão eterna por quem me criou”, destaca.

A mãe adotiva, que acompanhou Machado no período universitário, no Rio de Janeiro, e na volta para Goiás, há oito anos, está ao lado do filho, inclusive nos momentos de visita à mãe biológica. “Não existe ciúme, é uma coisa bem esclarecida. Ela me ensinou muito sobre a questão da valorização e eu valorizo todos que fazem parte da minha vida”, frisa o deputado.

Retribuição

Com um destino digno de orgulho, José Machado realiza, atualmente, diversas ações sociais como forma de retribuição às bonanças recebidas. “Desde o dia em que me formei como médico, há 15 anos, eu prometi que dedicaria, pelo menos um dia da semana, para obras sociais, com atendimentos gratuitos à população carente, e hoje consigo fazer muito mais do que isso. Mas pela minha história de superação, o que passei quando criança e o que Deus me deu de abundância, acho que ainda é pouco.” 

Tais atitudes trouxeram Machado até o Parlamento goiano. “Foi algo que chegou até mim, para que eu pudesse ajudar ainda mais as pessoas e ampliar esses projetos sociais. Eu nunca gostei de política e não tinha a intenção de me tornar um político. Mas através do trabalho que realizo, foram me empurrando para esse meio e, quando vi, era candidato e já estava eleito”, relata o deputado, no exercício de seu primeiro mandato.

Questionado sobre o que o termo “adoção” significa em sua vida, o parlamentar evidencia o sentimento de admiração. “Parabenizo e valorizo demais quem pratica esse ato. Pegar alguém que não conhece e colocar dentro de casa para educar, cuidar, amar e chamar de filho, não é para qualquer pessoa. A minha maior vontade é fazer isso. Só não faço agora porque tenho três filhos biológicos e na atual correria da profissão, como médico e político, não teria o tempo suficiente para doar a um filho adotivo, como fizeram comigo, pois é algo que exige tempo e dedicação.”

Políticas públicas

Dentre as principais ponderações apontadas pelas pessoas abordadas para a realização desta reportagem, estão a reformulação da legislação que trata da adoção no Brasil, no sentido de tornar-se mais ágil e flexível, evitando, assim, a quantidade e o sofrimento de crianças abandonadas, bem como dar oportunidade para os milhares de pretendentes. Outro ponto está voltado às formas de prevenção, com relação à implantação de políticas públicas que atuem com métodos de esterilização, como a laqueadura e a vasectomia, de maneira menos burocrática.

Recentemente, durante a 19ª Legislatura, foi aprovado no Parlamento goiano o projeto de lei nº 6133/19, de autoria do ex-deputado estadual Jeferson Rodrigues (Republicanos), que recebeu como apensada a matéria de nº 1827/20, apresentada pelo deputado Gustavo Sebba (PSDB), com o objetivo de instituir, em Goiás, a Semana Estadual de Incentivo à Adoção de Crianças e Adolescentes.

A finalidade, conforme as proposituras, é viabilizar a promoção de campanhas de conscientização e esclarecimentos sobre o tema, por meio da realização de debates, palestras e seminários, além de iniciativas que visem incentivar a adoção de crianças e adolescentes no estado.

Com celebração na quarta semana do mês de maio, que marca o Dia Nacional da Adoção, serão intensificadas, de acordo com o texto, ações de conscientização às pessoas de que toda criança ou adolescente tem direito de ser criada e educada no seio da sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar saudável e afetuosa.

E ainda: de estímulo à adoção legal e humanizada de crianças e adolescentes, com o intuito de despertar em toda a população a necessidade de adoções tardias, interraciais, de grupos de irmãos e de crianças com necessidades especiais.

Mel Castro
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