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Lei específica em Goiás alerta sobre o crime relacionado ao trabalho escravo, exploração sexual e remoção de órgãos

08 de Março de 2024 às 15:00
Lei específica em Goiás alerta sobre o crime relacionado ao trabalho escravo, exploração sexual e remoção de órgãos

Exploração sexual, trabalho forçado, práticas similares à escravatura, remoção de órgãos: o que esses graves problemas têm em comum é o fato de todos configurarem, de acordo com a legislação internacional e brasileira, tráfico de pessoas. Em Goiás, a Lei no 17.246/11 instituiu a Semana Estadual de Combate ao Tráfico de Pessoas, anualmente realizada na primeira semana de março.

O tráfico de pessoas foi definido no Protocolo de Palermo – de 2000, internalizado pela legislação brasileira em 2004 – como “o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração”. Para ficar caracterizada, essa exploração deve incluir, ao menos, uma das quatro práticas mencionadas acima.

O tema se mostra atual em diferentes indicadores. Goiás foi o Estado com mais trabalhadores em condições análogas à escravidão resgatados em 2023 (739 pessoas), à frente de Minas Gerais (651) e São Paulo (392). Nacionalmente, totalizaram 3.190 os trabalhadores resgatados. Os números, divulgados em janeiro deste ano, são do Ministério do Trabalho e Emprego.

A exploração sexual, por sua vez, é divulgada junto a outras ocorrências de violência sexual no Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde – como este, de fevereiro de 2024, reunindo notificações de violência sexual contra crianças e adolescentes no Brasil entre 2015 e 2021. Sem especificar as estatísticas por estado, o boletim aponta 2.146 casos de exploração sexual contra crianças de 0 a 9 anos registradas no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) no período em todo o País, além de 3.955 casos contra adolescentes de 10 a 19 anos. Das vítimas, 84% eram meninas.

Esses mais de 6 mil episódios de exploração sexual não incluem estupro, que somou 125 mil casos no período, nem assédio sexual, que somou 62 mil. “Todos os crimes envolvendo crianças e adolescentes têm uma subnotificação muito grande, até porque muitas vezes as pessoas responsáveis pelo cuidado das vítimas estão envolvidas. Portanto, é um desafio fazer com que essa realidade seja revelada, é algo que não depende só da autonomia das autoridades”, contextualiza a deputada federal por Goiás e ex-deputada estadual Delegada Adriana Accorsi (PT).

Mudança de mentalidade

O Código Penal tipifica as práticas similares à escravatura. Define o art. 149 que a redução a condição análoga à de escravo ocorre com a submissão de alguém a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, sujeição a condições degradantes de trabalho ou restrição, por qualquer meio, de que se locomova em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto.

Para debater o assunto, a Assembleia Legislativa goiana promoveu recentemente uma audiência pública com a presença do Ministro do Trabalho, Luiz Marinho.

O deputado Antônio Gomide (PT) é autor da Lei nº 21.573/22, que proíbe a pessoa jurídica condenada pela prática de trabalho análogo à escravidão de contratar com a administração pública estadual. Mais especificamente, a lei proíbe de contratar com a administração pública direta e indireta a pessoa jurídica que tenha condenação pela prática de reduzir alguém a condição análoga à de escravo, com decisão transitada em julgado. 

A referência para o enquadramento nessa lei é, justamente, o art. 149 do Código Penal. A proibição prevista não se aplica a contratos celebrados antes da promulgação da lei, a menos que tenham sido renovados posteriormente a ela.

A motivação de apresentar o projeto, lembra Gomide, veio da experiência como prefeito de Anápolis, ao notar que as empresas, ainda que punidas de alguma forma, seguiam contratando com a administração pública. “Uma das ferramentas importantes é dar o exemplo por dentro, o poder público mostrar que não é conivente com práticas que confrontam a lei”, diz.

Gomide ressalta ser preciso mudar a mentalidade de tolerância com esse crime, a ideia de que se trata apenas de uma forma mais dura de trabalho. “Parece que a pessoa é preguiçosa, que é normal [ter condições assim]”, analisa. “Mudar isso demanda educação, é algo lento”, prossegue. “Trabalhamos isso em redes sociais, faculdades, escolas, com os pais, sociedade e meios de comunicação. Mostrando a legislação, mostrando o quanto se avançou nas condições de trabalho e produtividade à medida que se respeite as pessoas. Valorizando o empresário que cumpre seu papel e não apela a essas práticas”.

Segundo o Observatório da Erradicação do Trabalho Escravo e do Tráfico de Pessoas, 60.251 trabalhadores foram encontrados em condições análogas à escravidão de 1995 a 2022 no país.

 Atuação em conjunto

O combate à exploração sexual de crianças e adolescentes motivou a Lei no 22.078/22, de coautoria do deputado Delegado Eduardo Prado (PL) e Delegada Adriana Accorsi, que modificou legislação de 2008 para que o Dia Estadual de Combate ao Abuso Sexual e à Exploração de Crianças e Adolescentes se tornasse o Mês Estadual Maio Laranja.

“Precisamos primeiro de políticas públicas de acesso das crianças e adolescentes e suas famílias a informações, para que elas possam denunciar qualquer situação de assédio que sofram, seja intrafamiliar ou em outros espaços”, sustenta Accorsi.

“Um outro ponto é o efetivo combate por parte das forças policiais, que precisam estar preparadas”, afirma. Isso a motivou a apresentar projetos como o que propôs instituir, em Goiás, o “Alerta Amber” (no 3358/15), um sistema de alerta de rapto de crianças e adolescentes surgido nos Estados Unidos, utilizado em 30 países e adotado no Brasil no final de 2023.

“As forças policiais precisam atuar em conjunto com outros atores, como conselhos tutelares, Ministério Público, Ministério da Justiça, escolas, igrejas”, enfatiza a deputada federal, destacando a atuação conjunta de órgãos estatais, um dos mecanismos do alerta. “Todos esses locais têm que estar capacitados para perceber indícios de que as crianças sofrem algum tipo de abuso ou de assédio, o que muitas vezes precede o tráfico delas”.

Outro aspecto crucial do enfrentamento à exploração sexual é o cuidado com a saúde mental das vítimas, ressalta Accorsi. Um avanço nesse sentido foi a criação das salas lilases, um espaço humanizado para que as vítimas mulheres, crianças inclusive, sejam atendidas para exame de corpo delito e, caso necessário, recebam tratamento psicológico.

Além do boletim do Ministério da Saúde anteriormente mencionado, o tráfico de crianças e adolescentes é analisado no Mapeamento dos Pontos Vulneráveis à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes nas Rodovias Federais (Mapear), feito pela Polícia Rodoviária Federal (PRF) com cooperação técnica da organização Childhood Brasil.

A 9ª edição do mapeamento, referente ao biênio 2021-2022, aponta 9.745 pontos vulneráveis à exploração sexual de crianças e adolescentes no país, divididos em baixo, médio e alto risco ou, ainda, críticos. Esses últimos somaram 640 pontos (6,6% do total) no País e são aqueles em que a PRF, uma vez ciente, concentra ações preventivas e repressivas.

Houve queda de pontos críticos em relação ao biênio anterior. Isso, segundo a PRF, pode se dever tanto a ações da própria corporação quanto “sugerir a migração dos pontos para fora das rodovias federais ou pode indicar uma hipótese que estamos observando nos últimos anos: a atuação das redes de exploração sexual (...) nos meios digitais”.

Cada um dos mapeamentos destaca os cinco estados com mais pontos críticos. Goiás figurou como o segundo nesse aspecto (pouco mais de 50 pontos críticos, atrás apenas da Bahia) na publicação de 2019-2020, mas não aparece na de 2021-2022 (liderada pelo Espírito Santo).

As ações da Polícia Rodoviária Federal resultaram, segundo o último mapeamento, no resgate de 76 crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade, sujeitos à exploração sexual – e, portanto, ao tráfico de pessoas.

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