Avanços na causa animal
Com início no domingo, 14, a Semana de Conscientização e Proteção aos Direitos dos Animais, prevista na Lei Estadual nº 21.479/22, que versa sobre maus-tratos, evoca não apenas os desafios, mas também o avanço em relação ao tema em anos recentes.
“Goiás é um estado que evoluiu muito na legislação de proteção aos animais”, pontua a advogada e presidente da Comissão Especial de Direito Animal (CEDA) da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Goiás (OAB-GO), Pauliane Rodrigues da Silva Mascarenhas. Ela menciona, entre muitas leis, o Código de Bem-Estar Animal, de autoria de oito deputados e promulgado em 2021, e a Lei no 22.031/23 do Delegado Eduardo Prado (PL), que reconhece cães e gatos “como seres sencientes, sujeitos de direito”, reconhecimento ainda incomum no País.
A legislação estadual em prol dos animais trouxe conquistas, como a proibição da eutanásia, do uso de animais em circos e de se realizar tatuagens ou implantar piercings; a garantia de se poder fornecer água e alimentos aos animais ou de transportá-los em ônibus intermunicipais, e a punição efetiva para quem comete maus-tratos.
Também as leis relacionadas à conscientização provocam mudanças palpáveis.
Além da semana agora celebrada, há o Abril Laranja, de prevenção aos maus-tratos de animais, conforme disposto pela Lei nº 20.629/19, de Karlos Cabral (PSB).
Essa lei não só gera campanhas com materiais didáticos que conscientizam sobre o assunto, mas também se desdobra em ações como as promovidas pela Assembleia Legislativa goiana ao longo de quase todo este mês de abril: vacinação antirrábica, arrecadação de ração, evento de adoção de cães, exposições e palestras.
A semana de conscientização, conforme previsto no art. 5º da mencionada Lei no 21.479/22, objetiva informar sobre os cuidados aos animais domésticos e de rua; conscientizar sobre a violência contra os animais e informar as penalidades; divulgar os canais de denúncia para registro de violência contra animais; fomentar o debate sobre o tema e a instituição de políticas públicas.
A autoria dessa lei é dos deputados Wagner Camargo Neto (Solidariedade), Antônio Gomide (PT) e Charles Bento (MDB).
Outra lei estadual com esse tipo de proposta é a de nº 21.893/23, de autoria do deputado Delegado Eduardo Prado, instituidora do Mês Estadual Dezembro Verde, dedicado à sensibilização e conscientização ao não abandono de animais.
Também do ano passado é a Lei nº 22.101/23, do presidente da Alego, Bruno Peixoto (UB), que institui a Campanha de Conscientização sobre a Castração de Cães e Gatos.
IML e outras iniciativas reforçam proteção aos animais
Nacionalmente, balizam a proteção aos animais legislações, como o Decreto no 24.645/34, ainda do Governo Vargas, não revogado e já utilizado como referência pelo STF; a Lei Federal 9.605/98, que, no art. 32, criminaliza a prática do “ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos”; e a Constituição Federal de 1988, que no art. 225, VII, veda práticas que provoquem “a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade”. As leis estaduais vêm complementando e especificando essa legislação.
A Lei nº 17.767/12, de Mauro Rubem (PT), que dispõe sobre o controle da reprodução de cães e gatos, foi um dos marcos em prol dos animais em Goiás: “É uma lei importantíssima. Antes, os centros de zoonoses poderiam capturar animais e eutanasiá-los. Hoje, não pode mais. Goiás foi um dos estados pioneiros nesse sentido. Só São Paulo previa isso”, contextualiza Pauliane, da OAB-GO.
Essa lei cria a figura do “cão comunitário”, aquele que estabelece com a comunidade na qual vive laços de dependência e de manutenção, embora não possua responsável único e definido. Uma vez reconhecido assim, esse animal deve ser “recolhido para fins de esterilização, registro e devolução à comunidade de origem”.
Também pioneira foi a inauguração do Instituto Médico-Veterinário Legal (IML-VET), em dezembro de 2023. Trata-se de algo único no País, sublinha Pauliane.
“O instituto desempenha um papel crucial na proteção dos direitos dos animais”, explica o Delegado Eduardo Prado, que, na Alego, coordena a Frente Parlamentar em Defesa dos Animais e pressionou pela criação do IML-VET. “Sua principal função é auxiliar as autoridades por meio de exames especializados, tanto em animais vivos quanto em casos de óbito, contribuindo para a elucidação de crimes como maus-tratos, envenenamento e asfixia”.
Pauliane reforça a importância do instituto: “Hoje temos um ou dois peritos da polícia atendendo Goiás inteiro. Com a criação desse IML, com certeza vai abrir concurso, vai ter mais pessoal, vai ser possível atender uma demanda maior”.
Levando adiante as formas de proteção, no último dia 19 de março, o deputado Wagner Camargo Neto (SD) apresentou requerimento solicitando a criação de uma delegacia especializada em investigação de crimes contra animais. Uma palestra no dia 29 de abril, na Assembleia Legislativa, intitulada “Polícia Civil de Goiás e sua atuação no combate ao crime de maus-tratos aos animais” terá, justamente, esse tema.
Cães e gatos se tornam “entes jurídicos despersonalizados”
O reconhecimento de cães e gatos como seres sencientes – ou seja, que possuem sentimentos –, conforme a mencionada Lei no 22.031/23, os torna sujeitos de direito. Mais especificamente, faz deles entes jurídicos despersonalizados, que “têm direitos, mas que não tem obrigações”, especifica Pauliane.
Antes dessa mudança, esses animais não poderiam constar como sujeitos em uma ação, explica a advogada. Agora podem figurar, por exemplo, até mesmo no polo ativo de uma ação de maus-tratos contra o próprio tutor ou outras pessoas que os maltratarem, gerando indenizações a serem usadas em benefício do cão ou gato maltratado.
Projeto de lei em trâmite na Câmara dos Deputados trata justamente do tema, propondo estabelecer, com alteração no Código Civil, essa natureza jurídica especial de todos os animais domésticos e silvestres, “sendo vedado o seu tratamento como coisa”.
A proibição de tatuagens e da implantação de piercings em animais, por sua vez, se deu com a Lei Estadual nº 21.778/23, de Cairo Salim (PSD). Ainda não veio a público um caso do tipo em Goiás, mas já houve um, por exemplo, em Minas Gerais.
A proibição de utilização de animais de qualquer espécie nos circos dentro de todo o território goiano surgiu com a Lei Estadual nº 18.793/15.
Aprovado no Parlamento goiano, no último dia 14 de março, o projeto de lei no 158/23, do Delegado Eduardo Prado, é o que garante o direito de fornecer alimento e água aos animais que estão em situação de rua em espaços públicos.
Trata-se de algo crucial, afirma Pauliane. As pessoas que alimentam animais são, muitas vezes, agredidas, porque se pensa que alimentar o animal o atrai a determinado lugar. Os bichos, porém, explica a presidente da CEDA, frequentam determinados lugares mesmo sem serem alimentados. O correto, diz, é o controle populacional dos animais, com sua captura, esterilização e devolução. Feito isso, dar a eles alimentação regular não traz qualquer problema e ainda evita que rasguem sacos de lixo.
A Lei Estadual no 20.696/20, de Gustavo Sebba (PSDB), representou outro avanço prático ao dispor sobre a autorização para o transporte de animais domésticos em meios de transporte coletivo intermunicipal em Goiás. Era comum a não autorização do embarque dos animais junto ao tutor, fazendo com que viajassem nos bagageiros, o que caracterizava maus-tratos.
Em termos de transporte aéreo, a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) deixou que as empresas aéreas regulamentassem o transporte dos bichos, que, muitas vezes, ainda ocorrem no bagageiro dos aviões. Trata-se do tipo de legislação – nesse caso, nacional – que ainda pode evoluir em prol da defesa dos animais.