Inclusão e cidadania
A Língua Brasileira de Sinais (Libras) é importante aliada para a inclusão social dos surdos. Em 24 de abril, a lei que a reconheceu como meio de comunicação e expressão legal faz aniversário e, por isso, a data foi definida como Dia Nacional da Libras.
Utilizadas principalmente pela comunidade surda, as línguas de sinais são uma forma de comunicação que emprega gestos e expressões faciais para gerar significado. As línguas de sinais são diferentes do idioma falado por cada país e existem, segundo a Federação Mundial de Surdos, mais de 300 diferentes pelo mundo. E não se trata de mímica, elas possuem gramática, fonologia, morfologia, sintaxe e semântica próprias.
Globalmente, estimativas da Organização Mundial de Saúde (OMS) apontam para a existência de 1,5 bilhão de pessoas com algum grau de déficit auditivo. Delas, calcula-se que 430 milhões têm perda moderada ou grave no ouvido com melhor audição.
No Brasil, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 5% da população têm algum tipo de deficiência auditiva. São 10 milhões de brasileiros e, destes, 2,3 milhões possuem um grau severo da condição. A falta de acessibilidade e inclusão limita o acesso dessa parcela de cidadãos a direitos e oportunidades básicos, como a educação e o ingresso no mercado de trabalho.
Conforme pesquisa feita em parceria pelo Instituto Locomotiva e a Semana da Acessibilidade Surda, 32% dos surdos não têm qualquer grau de instrução, sendo que, entre os que têm, 15% frequentaram apenas até o ensino médio. Apenas 37% do total estão inseridos no mercado de trabalho.
Inclusão
Esses dados ilustram a importância de lutar pela inclusão dos surdos. E a Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiência da Organização das Nações Unidas (ONU), da qual o Brasil é signatário, define a “facilitação do aprendizado da língua de sinais e promoção da identidade linguística da comunidade surda” como obrigação dos assinantes. Assim, aumentar a conscientização e promover a Libras são formas de atuar em prol dessa parcela de brasileiros.
A legislação define como Libras o sistema linguístico de natureza visual-motora, com estrutura gramatical própria, utilizado para se comunicar, especialmente entre a comunidade surda. Apesar de ser reconhecida legalmente como forma de comunicação, a Libras não é uma língua oficial, o título é exclusivo do português.
Em 2019, a Pesquisa Nacional de Saúde do IBGE investigou pela primeira vez o uso da língua no País. Entre as pessoas de 5 a 40 anos de idade com deficiência auditiva leve ou moderada, 22,4% sabiam usar Libras. Entre as pessoas do mesmo grupo etário e que possuem perda auditiva grave, esse porcentual foi maior: 61,3%.
A origem da Libras remonta ao século XIX, quando o imperador Dom Pedro II convidou o professor francês Eduard Huet para vir ao Brasil. Surdo e formado no Instituto Nacional de Surdos de Paris, o educador usou o conhecimento que possuía e os gestos já usados pelos locais para desenvolver a então Língua Nacional de Sinais e fundar no Rio de Janeiro, em 1856, a primeira escola para ensino de surdos no País.
O Colégio Nacional para Surdos-Mudos, hoje Instituto Nacional de Educação de Surdos (Ines), é considerado pelo Ministério da Educação como centro de referência nacional na área da surdez. A instituição subsidia a formulação de políticas públicas e apoia a respectiva implantação pelas esferas governamentais.
A luta pelo reconhecimento oficial da Libras como forma de comunicação começou no final dos anos 1980. A movimentação da comunidade surda resultou em um projeto de lei federal em 1993 e, em 2002, a chancela formal veio com a sanção da Lei n º 10.436. Três anos depois, a legislação foi regulamentada pelo Decreto nº 5.626/2005.
O texto inclui a Libras como disciplina curricular obrigatória nos cursos de formação de professores, a nível médio e superior, e nas graduações em pedagogia, educação especial e fonoaudiologia. Além disso, aborda a regulamentação do uso e difusão dessa língua em ambientes públicos e privados.
O presidente da Associação dos Surdos de Goiânia (ASG), Leonardo Rasmussen, defende que o Dia Nacional da Libras é importante tanto para os usuários da língua quanto para a comunidade em geral. “Nós, surdos, temos a oportunidade de celebrar a nossa principal forma de expressão e, em contrapartida, é uma ocasião para impulsionar a difusão do aprendizado”, opina.
Rasmussen nasceu ouvinte, mas perdeu totalmente a audição após contrair catapora aos 7 meses de idade. Ele conta que o diagnóstico foi desafiador para seus pais, que acabaram se separando, mas que encontrou na mãe e no avô todo o apoio que precisou.
O presidente da ASG aprendeu Libras ao frequentar a primeira unidade escolar especial de surdos em Goiás, a extinta Escola Estadual Especial Maria Lusia de Oliveira, em Goiânia. Após o fechamento da escola, contou com o apoio da ASG para concluir o ensino médio em outro local. Hoje, com 38 anos, Rasmussen é formado em licenciatura em letras/Libras pela Universidade Federal de Goiás (UFG) e em pedagogia pelo Instituto Federal de Goiás.
“Foi um processo de aprendizado muito natural, mas, antes da lei que reconheceu a Libras, em 2002, ela não era aceita tão facilmente pela sociedade”, relembra. Em sua visão, trata-se de mais que uma língua, um meio de socialização, expressão e cultura de toda uma comunidade.
No Parlamento goiano
A Assembleia Legislativa do Estado de Goiás (Alego) conta com dois intérpretes/tradutores de Libras em seu quadro de servidores efetivos. Lotados na TV Assembleia Legislativa, Gabriel dos Santos e Mauro de Oliveira fazem a interpretação em tempo real das atividades parlamentares realizadas nas tardes de terça, quarta e quinta-feira. Além disso, traduzem alguns programas da emissora e cursos da Escola do Legislativo.
Outra iniciativa de destaque na Casa de Leis é da Escola do Legislativo, que oferece periodicamente cursos de introdução à Libras para os servidores. Tornar-se fluente ou não, explicam Santos e Oliveira, depende de quanto tempo a pessoa está disposta a se dedicar ao aprendizado. Entretanto, destacam, promover aulas introdutórias é de extrema importância.
“São oportunidades para que as pessoas aprendam pelo menos o mínimo necessário para atender adequadamente o usuário da Libras, por exemplo. É um primeiro esforço para a quebra da barreira comunicacional, que também reflete na superação atitudinal, na quebra de preconceitos”, defendem os servidores. E completam: “Saber como abordar e tratar esse público é tão importante quanto conhecer a própria língua”.
Atentos à importância da promoção da Libras na sociedade, sugestões dos deputados da 20ª Legislatura relativas ao tema tramitam na Casa. O projeto nº 8347/23, assinado por Lineu Olimpio (MDB), propõe obrigar repartições públicas, empresas concessionárias de serviços públicos e instituições financeiras de Goiás a oferecerem atendimento em Libras.
Prevê-se que os órgãos que compõem a administração pública direta e indireta do Estado terão o prazo de 180 dias para se adequar. No momento, a matéria aguarda relatório de Lucas do Vale (MDB) na Comissão de Constituição, Justiça e Redação (CCJ).
Enquanto isso, a obrigatoriedade de acompanhamento por intérprete em consultas de saúde depende de apenas mais um aval do Plenário para seguir à possível sanção. A ideia nº 10887/22 é de Talles Barreto (UB).
Dois parlamentares apostam na criação de datas especiais para aumentar a conscientização. O Dia Estadual do Tradutor e Intérprete da Libras, a ser celebrado anualmente em 26 de julho, é iniciativa do Delegado Eduardo Prado (PL). Enquanto isso, Mauro Rubem (PT) pleiteia instituir, em setembro, o Mês de Conscientização Sobre a importância de Libras nas escolas de Goiás.
“Muitas pessoas acreditam que apenas quem têm surdos na família ou que trabalham com pessoas com deficiência auditiva precisam aprender Libras. Contudo, aprender a comunicação dos surdos é essencial para a inclusão de todos na sociedade”, defende Rubem.