Abaixo ao racismo
A assinatura da Lei Áurea, há 136 anos, em 13 de maio de 1888, marcou formalmente o fim da escravidão no Brasil, mas a história da população negra no País, desde então, é marcada por uma luta constante contra a discriminação e o racismo estrutural.
O Brasil foi o último país das Américas a abolir a escravidão. Cuba aboliu um pouco antes, em 1886. Porto Rico aboliu em 1887. Nos EUA, a Guerra Civil Americana (1861-1865) levou ao fim a escravidão formal em todo o País.
A data de 13 de maio merece ser lembrada como uma oportunidade de reflexão acerca da realidade da população de negros e pardos, que hoje representam 56% dos brasileiros. Em razão disso, o dia 13 de maio tem sido ressignificado como o Dia Nacional de Combate e Denúncia contra o Racismo.
Já é consenso que o 13 de Maio não representa a liberdade para os escravizados. Hoje, entende-se que o fim da escravidão está sendo na verdade um processo longo e complexo, com a participação de múltiplos sujeitos, negros e pessoas envolvidas na luta antirracista.
É fato que a desigualdade racial ainda é um problema central no País. Tomando-se apenas o tema da educação para ilustrar, dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que o analfabetismo atinge 8,3% dos brancos acima de 15 anos e 21% dos negros na mesma idade.
É importante ressaltar ainda que a escravidão indígena persistiu formalmente no Brasil até o início do século XX, mesmo após a Lei Áurea, e ainda há denúncias atuais de vários casos.
E, mesmo após a abolição, os ex-escravos negros foram lançados à própria sorte, sem terra, sem educação formal e sem oportunidades de trabalho, o que ajudou a perpetuar a pobreza e a exclusão, com o racismo sendo "varrido para baixo do tapete" e ficando enraizado na sociedade brasileira, segregando a população negra em bairros, escolas e empregos precários. Até hoje há no Brasil, anualmente, centenas de casos "análogos" à escravidão.
A miséria e a falta de acesso a serviços básicos ainda são uma realidade para a população negra no Brasil e em vários países. A comunidade negra se organiza e luta por seus direitos.
A urbanização mal planejada (ou projetada para isso mesmo, segundo alguns autores), associada à industrialização no século XX, impulsionou a migração da população negra para os centros urbanos, que se concentraram nas favelas, sem acesso à infraestrutura básica (como saneamento) e à cidadania plena (com saúde de qualidade e educação de alto nível).
Herança colonial
Publicado em 1933, o livro Casa-Grande & Senzala, do sociólogo brasileiro Gilberto Freyre, é considerado canônico na historiografia brasileira, com foco na herança colonial portuguesa e na presença marcante da escravidão. O autor descreve a arquitetura, o mobiliário, a rotina doméstica e os costumes da elite agrária brasileira, revelando a influência da cultura portuguesa e da escravidão na vida cotidiana e também analisa as condições de vida dos escravos, suas crenças, costumes, resistência à opressão e formas de integração à sociedade brasileira. O livro ainda explora a organização do trabalho escravo nas plantações de cana-de-açúcar, o papel da Igreja Católica e a formação da economia colonial.
Em seu livro "Pequeno Manual Antirracista", Djamila Ribeiro oferece um guia que vai até as raízes do racismo no Brasil e fala como combatê-lo em suas diversas formas. Com 11 lições, a autora convida o leitor a refletir sobre sua própria posição em relação à raça e a se comprometer com a construção de uma sociedade mais justa e igualitária.
Hoje em dia, um dos principais desafios é o combate ao racismo estrutural, que estaria presente nas instituições, nas leis e na sociedade brasileira. É necessário desconstruir estereótipos e promover a inclusão social da população negra em todos os âmbitos.
A autora desmistifica a ideia de raça como uma categoria biológica fixa, revelando-a como uma construção social utilizada para justificar a opressão e a desigualdade. Ela explora as origens do racismo no Brasil, desde o período colonial até os dias atuais, demonstrando como esse sistema se perpetua nas estruturas sociais, políticas e econômicas do país. Ela assinala que o conceito de "branquitude", definindo-o como um conjunto de privilégios e vantagens associados à raça branca, opera de forma invisível, beneficiando brancos mesmo que estes não tenham consciência disso.
A autora propõe diversas estratégias para o combate ao racismo no cotidiano, desde a educação dos filhos até a cobrança de políticas públicas mais eficazes. Ela incentiva o diálogo, a escuta ativa e a autoeducação como ferramentas para promover a mudança social.
Projetos
Na Alego, o assunto racismo é sempre debatido e objeto de propostas por parte dos deputados. O projeto de lei 9845/24, de autoria do deputado Gustavo Sebba (PSDB), quer proibir que indivíduos condenados por crime de racismo assumam cargos públicos em Goiás. Na proposta do tucano, "fica entendido como condenado aquela pessoa em que todos os recursos foram esgotados e o processo transitado em julgado, tendo sido assegurada a ampla defesa e o contraditório em todas as fases", e "entende-se como crime de racismo a conduta prevista no artigo 20 da Lei Federal nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor".
O deputado Mauro Rubem (PT) protocolou na Assembleia Legislativa, no início de março, o projeto de lei nº 6785/24, que busca instituir a Política Estadual de Prevenção e Combate ao Racismo Institucional. A medida descreve que se compreende como racismo institucional toda ação ou omissão, pautada no pertencimento étnico-racial da vítima, adotada por agentes públicos no exercício de suas atribuições a qualquer pessoa da sociedade civil.
Prescreve ainda que será caracterizado como racismo institucional toda ação ou omissão que se manifeste de forma explícita e subjetiva e que diga respeito à aparência ou gestos da vítima. O projeto prevê ainda que serão consideradas como racismo institucional as condutas praticadas no local de trabalho ou em qualquer lugar que sejam exercidas, durante os horários de exercício do trabalho, compreendendo as dependências dos órgãos públicos, os locais externos em que os agentes públicos devam permanecer em razão do trabalho, o percurso entre a residência e o trabalho, bem como em qualquer outro espaço que tenha conexão com o exercício da atividade funcional ou por meios eletrônicos, independentemente do local de envio e recebimento da mensagem.
Virmondes Cruvinel (UB) apresentou uma matéria que estabelece diretrizes e mecanismos para o combate ao racismo nas relações de consumo no Estado de Goiás, visando promover a igualdade racial e proteger os direitos dos consumidores. Trata-se do projeto de lei nº 7936/24, que estabelece diretrizes e mecanismos para o combate ao racismo nas relações de consumo no Estado de Goiás, visando promover a igualdade racial e proteger os direitos dos consumidores.
O texto prevê que o Estado promoverá medidas para prevenir e combater práticas de racismo nas relações de consumo e será criado o selo de "Empresa Comprometida com a Igualdade Racial", concedido às empresas que demonstrarem boas práticas de promoção da igualdade racial, conforme critérios estabelecidos em regulamento.
O pedetista Dr. George Morais apresentou o projeto de lei nº 992/23, que institui a Política Estadual de Combate ao Racismo no Esporte. O objetivo da matéria é estabelecer que os promotores de eventos esportivos veiculem, durante sua realização, mensagens informativas da tipificação penal do racismo e de sua qualificadora, se a conduta for praticada no contexto das atividades esportivas.
De acordo com o deputado, “as mensagens educativas serão veiculadas ao público por meio de material impresso ou de recurso audiovisual, devendo constar em ingressos, flyers, outdoors ou quaisquer outros meios de publicidade, bem como no local dos eventos, em lugar de fácil visualização". Caso vire lei, o descumprimento das prescrições do artigo 4° implicará multa de até 500 reais, duplicando-se o valor em caso de reincidência.
De autoria do deputado Clécio Alves (Republicanos), foi aprovado em dois turnos um projeto de lei que institui a Política Estadual Vini Júnior de combate ao racismo nos estádios e nas arenas esportivas goianas, buscando transformá-los em ambientes acolhedores para toda a comunidade esportiva. Protocolada com o nº 925/23, a matéria acabou vetada pela Governadoria, mas ressalta o caso recente do jogador brasileiro de futebol Vinícius Júnior, do Real Madrid (Espanha), que sofreu atos racistas durante uma partida do campeonato espanhol por torcedores rivais, fato reincidente que ganhou repercussão mundial, incluindo declarações de solidariedade de diversos líderes.
A propositura de nº 925/22, que visa instituir diretrizes para campanha permanente de combate ao racismo nas escolas e eventos esportivos e/ou culturais, é de autoria do deputado Karlos Cabral (PSB). A campanha permanente tem os seguintes objetivos: a proposição de atividades aos alunos, visando o combate ao racismo, por meio da informação e devido respeito às raças, etnias, religiões e povos tradicionais, além da conscientização sobre a importância da igualdade para que haja o enfrentamento do racismo nas escolas públicas e privadas, bem como nos eventos esportivos e culturais.
Já o presidente da Casa, deputado Bruno Peixoto (UB), propôs, por meio do projeto de lei nº 6913/21, uma campanha permanente de combate ao racismo e ao preconceito nas escolas de Goiás. Serão objetivos da campanha estimular a realização de programas culturais de valorização e da igualdade no âmbito das escolas e divulgar os telefones dos órgãos públicos de denúncia ao racismo, por meio de cartazes ou folhetos fixados de forma visível.
Análise
Para o deputado Ricardo Quirino (Republicanos), o legado da escravidão “é bem visível nos números baixos da população negra em posições de poder, nos casos, não raros, de manifestações de injúria racial e principalmente na participação desta população nos cursos de graduação em nosso país”.
Sobre ações contra o racismo, Quirino diz que é preciso “primeiro conscientizar sobre o valor do ser humano, enfrentar casos de racismo com medidas mais concretas e estimular a convivência pacífica.
Sobre as cotas, o parlamentar afirma não serem uma solução, mas uma das maneiras de avanço. "Cotas, diga-se de passagem, fazem com que se dê visibilidade ao que este público representa e não um favorecimento específico, como se diz. Desde que foram instituídas em nossa sociedade, é visível a melhoria, ainda que muito aquém do que esperamos. É uma forma de reparação”.
Quirino diz que o racismo se manifesta por meio de diversas formas preconceituosas. “No número exacerbado de pessoas de cor na massa carcerária; na pouca participação, como já disse, em espaços de poder, especialmente na seara política; e em atos, ainda que isolados, como a mídia frequentemente noticia”.
O legislador vai além ao lembrar o caso das crianças negras que esperam na fila de adoção: menos da metade dos que se interessam pela adoção admitem que a questão de cor não interfere. "Aí existem duas situações: o quantitativo de cor sem lar e a pequena expectativa de tê-lo”, completa.
Impactos
Quirino diz que o racismo impacta o acesso à educação, saúde, emprego e outros direitos da população negra. “Pelo fato desta população viver em áreas mais vulneráveis, com menos acesso a condições sanitárias e geográficas favoráveis, tudo fica mais doloroso para alcançar níveis de qualidade de vida melhor. Baixo nível de escolaridade, baixos salários, maioria do trabalho (informal) é um grupo com bem menos acesso à serviços de saúde de qualidade”, assinala.
Para promover a educação antirracista nas escolas e na sociedade em geral, Quirino sugere campanhas educativas nas unidades escolares, maior difusão da história de pessoas negras tão importantes que fizeram grandes contribuições para o avanço da nossa educação e principalmente políticas inclusivas. "Veja: temos grandes heróis negros que são destaque. Na literatura, como Machado de Assis; na engenharia, André Rebouças; também da literatura e jornalismo, Luiz Gama, e tantos outros.”
Sobre o papel dos gestores no combate ao racismo nos locais públicos, ele sugere trabalhar na conscientização com campanhas educativas e isso se faz com ousadia para que isso ocorra não apenas através do rigor da lei, que tem que ser cumprida. "Educação é o melhor remédio para evitar o enfrentamento pela força, que causa mais divisão. Não se pode traduzir a história do povo negro com questões meramente religiosas. É um equívoco.”
A deputada Bia de Lima (PT) lembra que “há muito tempo, o movimento negro evita fazer alusão ao 13 de maio, porque a data que a comunidade negra coloca como referência é o 20 de novembro, o Dia Nacional da Consciência Negra. Por quê? Porque o 13 de maio é visto como um momento que professa a cultura branca e aquilo que convém para a sociedade".
“Então nós temos o hábito de falar não do 13 de maio, mas do 20 de novembro. No entanto, independentemente se é 13 de maio, se é 20 de novembro, a verdade é que nós precisamos continuar lutando sempre. Contra qualquer tipo de exploração, de discriminação, de preconceito, seja preconceito racial, seja preconceito de classe, seja preconceito de qualquer natureza”, afirma a petista.
Bia fala também de algo que deveria envergonhar todos os brasileiros: as múltiplas denúncias de escravidão ainda nos dias de hoje. “Uma das formas mais vergonhosas que existem no cenário nacional é justamente o número de trabalhadores nas condições análogas à escravidão. Isso é péssimo. Então nós precisamos, em pleno século XXI, continuar lutando bravamente para garantir dignidade, trabalho decente para ter vida digna e com oportunidades. E aí o nosso mandato trabalha justamente buscando a superação de entraves, de bullying, de assédio moral, de retirada de direitos dos trabalhadores, utilizando todos os mecanismos necessários para que a gente possa evoluir e principalmente avançar, com proteção para negros e negras”, aponta.
Conformismo
A deputada assinala o tanto que se mata a juventude negra. “E aí há um conformismo, há uma certa naturalização desses dados, desses números, o que nos deixa extremamente angustiados. Então, nós precisamos combater o racismo estrutural no Brasil o tempo inteiro, não apenas no dia 13, não apenas no dia 20 de novembro, mas fundamentalmente todos os dias”, propõe.
Para o deputado Virmondes Cruvinel, o legado da escravidão ainda está presente na sociedade brasileira, com desigualdades sociais, falta de acesso a direitos básicos e perpetuação de estereótipos e preconceitos.
Para Talles Barreto (UB), o contexto da escravidão continua se fazendo presente em nossa sociedade, com a desigualdade socioeconômica refletindo no acesso à saúde e educação de qualidade, oportunidades de emprego, bem como casos de racismo ainda recorrentes, e também à pouca representação política e cultural. "Podemos citar, ainda, aspectos da cultura afro-brasileira, que, ao longo do tempo, foi marginalizada.”
Para promover a igualdade racial e combater o racismo estrutural no Brasil, Virmondes diz que é necessário implementar políticas afirmativas, garantir acesso igualitário a oportunidades e, sobretudo, promover a educação antirracista, ampliando o diálogo intercultural na sociedade. Ele aponta que as cotas são uma medida importante de reparação histórica, porém outras ações complementares são necessárias, como investimentos em educação, cultura e emprego para a população negra.
Talles diz que o primeiro passo é o reconhecimento da importância que os negros possuem para nossa história e acredito que aos poucos isso vem acontecendo, ainda que tenhamos casos de racismo. “As cotas têm o intuito de promover a igualdade de oportunidades para os grupos discriminados e elas são consideradas como uma forma de reparação. Entretanto, esta questão é complexa e requer uma reflexão cuidadosa sobre sua aplicabilidade em nosso cotidiano”, analisa.
Bia de Lima avalia positivamente as cotas raciais. “As pesquisas já mostram o quanto o cenário no interior das universidades melhorou com a introdução das cotas raciais e, principalmente, a cota pela origem de quem veio da escola pública. Então, 50% é para as escolas públicas. Isso fez com que as universidades pudessem ter uma outra perspectiva de resultados, de melhoras, de valorização, da profissionalização de quem, em outra hora, sequer imaginava entrar numa universidade. Hoje nós estamos vendo filhos de trabalhadores humildes tendo a oportunidade de se tornarem médicos, engenheiros e tantas outras profissões, tidas como de ponta.”
Virmondes diz que o racismo se manifesta no cotidiano pela discriminação no mercado de trabalho, violência policial, falta de acesso a serviços públicos de qualidade e estigmatização social. Ele coloca que é no dia a dia que se percebe o quanto ainda devemos avançar nesse caminho.
Sobre políticas públicas, Virmondes afirma que são muitas ações necessárias e elas devem ter uma abordagem multifacetada, que inclua medidas legislativas, ações afirmativas e promoção da igualdade racial em todas as esferas da sociedade. "E destaco, novamente, a importância da educação e de programas de conscientização. Podemos fazer isso incluindo e valorizando conteúdos sobre história e cultura afro-brasileira, formação de professores, campanhas de conscientização e eventos culturais.”
Talles destaca que, cotidianamente, o racismo afeta a vida das pessoas de forma profunda, impondo barreiras, seja nas interações diárias, no mercado de trabalho ou nos serviços oferecidos. "Um caso que podemos citar é do jogador Vini Jr, jogador de futebol do Real Madrid, que luta contra o racismo em campo, um episódio difícil de se acreditar nos dias de hoje.”
Virmondes diz que os gestores públicos têm um papel fundamental no combate ao racismo, ao promover políticas de inclusão, combater a discriminação, garantir acesso igualitário a serviços e criar espaços seguros e acolhedores para todas as pessoas, independentemente de sua origem.
Para Talles, os gestores têm grande responsabilidade no combate ao racismo, seja implementando políticas públicas contra essa prática nefanda ou promovendo uma cultura de denúncias antirracismo, além de fomentar a educação e sensibilização e liderando pelo exemplo. "Afinal, o exemplo arrasta”, conclui.