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Acolhimento aos que chegam

20 de Junho de 2024 às 08:30
Acolhimento aos que chegam
Atualmente, mais de 100 milhões de pessoas no mundo deixaram seus países em razão de perseguições e crises humanitárias. Em Goiás, a Alego e o Governo do Estado têm legislação e ações para ajudar refugiados.

Imagine que deixar toda a vida que você construiu até o momento para trás seja a única forma de garantir sua sobrevivência. Como seria ser forçado a morar em um país com idioma e cultura completamente diferentes dos seus? Você está sem documentação, sem garantia de acesso a direitos universais básicos, afastado violentamente de seu lar.

Essa é a realidade de 114 milhões de pessoas no mundo, segundo dados do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur). E por isso, desde 2001, 20 de junho, Dia Mundial do Refugiado, é dedicado a refletir sobre a situação daqueles obrigados a abandonar seus países de origem em razão de perseguições, conflitos armados e crises humanitárias.

Até o final do ano passado, 1,5% da população mundial estava em situação de deslocamento forçado, ainda de acordo com o Acnur. O porcentual é praticamente o dobro do registrada há uma década e quase metade (40%) é composta por crianças. Do total de deslocados à força, 43,3 milhões são refugiados,  68,3 milhões se movimentaram internamente e 6,9 milhões são solicitantes de asilo. 

Em linhas gerais, é considerado refugiado todo indivíduo que está fora de seu país de origem devido a fundados temores de perseguição relacionados a questões de raça, religião, nacionalidade, pertencimento a um grupo social específico ou opinião política e não pode contar com a proteção de sua nação de nascença. Ou, ainda, que devido à grave e generalizada violação de direitos humanos, é obrigado a deixar seu país e buscar refúgio em outro.

“O constante aumento de pessoas em situação de deslocamento forçado reflete novos e antigos conflitos, é reflexo da falha em resolver conflitos prolongados e da falta de vontade política para abordar as causas do deslocamento”, destaca o Acnur. Trata-se de uma agenda humanitária urgente e que demanda atuação transversal.

Cenário brasileiro

No Brasil, o Estatuto do Refugiado é o principal marco legal que assegura o amparo a essas pessoas. A legislação federal reforça o acesso a direitos, como educação e saúde, constitucionalmente garantidos e decorrentes de tratados internacionais, além de, por exemplo, proteger contra a penalização por entrada irregular em território brasileiro. 

Quando chega aqui, a pessoa solicita ao Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), colegiado vinculado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, o reconhecimento de sua condição. A partir da solicitação ao comitê, o indivíduo pode ter acesso a documentações, como visto temporário e carteira de trabalho. E, enquanto a deliberação não ocorre, já passa a valer o “princípio do não reenvio” e ficam vedadas quaisquer medidas que obriguem a saída do Brasil. 

A recepção brasileira, considerada inovadora e avançada internacionalmente, é responsabilidade conjunta dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário em suas instâncias federal, estaduais e municipais. Cabe à esfera federal, por exemplo, conduzir ações que regulamentem a entrada, permanência e saída do País e, às estaduais e municipais estruturarem as políticas públicas que levem em consideração as especificidades de sua população.

Apenas em 2023, aponta a edição mais recente do relatório Refúgio em Números, foram feitas 58.3628 novas solicitações da condição de refugiado. Entre 150 nacionalidades diferentes, predominam venezuelanos (50,3%), cubanos (19,6%) e angolanos (6,7%). O número representa um aumento de 117% em relação a 2022.

Entre 2011 e 2023, o Brasil recebeu por volta de 406 mil e acatou cerca de 143 mil pedidos de refúgio. O Conare reconheceu oficialmente 77.193 pessoas como refugiadas durante o ano passado, maior quantitativo verificado ao longo de toda a história do sistema nacional. Foram 51,7% de homens e 47,6% de mulheres, sendo, do conjunto, 44,3% menores de 18 anos de idade.

“A intensificação e a diversificação de origens, perfil etário, composição por sexo, assim como as diferentes aspirações das pessoas que buscam proteção no Brasil é uma realidade que se apresenta de forma mais contundente para a agenda pública brasileira há mais de uma década”, destaca o documento. 

Apesar das garantias legais abrangentes, a população de refugiados ainda encontra barreiras em seu processo de integração local. 

Em Goiás

Aprovada pela Assembleia Legislativa de Goiás (Alego) em 2023 e já sancionada como lei, a Política Estadual de Apoio à População Migrante reforça a garantia dos direitos fundamentais sociais da população migrante, como o acesso à educação, à saúde, à assistência jurídica e à moradia. 

Vale ressaltar que o conceito de migrante reúne qualquer um que tenha se deslocado para fora de seu lugar habitual de residência. Ou seja, todo refugiado é um migrante, mas nem todo migrante se encaixa na categoria de refugiado.

O presidente da Comissão de Direitos Humanos, Cidadania e Legislação Participativa da Casa, deputado Cristiano Galindo (Solidariedade), destaca que a função dos parlamentares deve ser legislar em amparo a toda sociedade, independentemente se o sujeito nasceu em Goiás ou não. “O intuito é sempre ter uma defesa à vida humana, à dignidade humana”, defende.

Conforme dados compilados pelo Observatório das Migrações em São Paulo (OBMigra), até março de 2024 havia 25 mil migrantes internacionais com registro ativo em Goiás. Cerca de 40% estão em Goiânia, seguida por Anápolis, Aparecida de Goiânia e Valparaíso de Goiás. As principais nacionalidades são a venezuelana, haitiana e colombiana. Em destaque há, ainda, indígenas de diferentes etnias provenientes da Venezuela. 

No Censo Escolar de 2022, verificou-se que Goiás possui 3.787 estudantes refugiados, migrantes e apátridas matriculados em estabelecimentos de ensino no Estado, sendo que 70% estavam na rede pública de ensino. A quantidade quintuplicou nos últimos 15 anos.

Não há registros que mostrem quantos refugiados moram atualmente em território goiano, mas, conforme o OBMigra, em abril de 2024 havia 1.286 solicitações de reconhecimento da condição protocoladas em Goiás com status ativo. Os principais países de origem são, em ordem decrescente, Venezuela, Bangladesh, Haiti, Cuba e Síria. 

Em Goiás, a governança local de assuntos referentes aos refugiados fica por conta da Superintendência de Direitos Humanos da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (Seds). A gerente de Direitos Humanos da Seds, Biany Lourenço, afirma que a falta de dados específicos e o cruzamento dos levantamentos feitos por diferentes órgãos é uma das dificuldades para entender as estatísticas a nível goiano.  

Em 2023, o secretário da Seds, Wellington Matos, motivado pelo aumento na quantidade de estrangeiros no Estado, solicitou que começasse a ser feito um trabalho para mapear e compreender o fluxo migratório para dentro de Goiás, conta Lourenço. Assim, atualmente, a pasta está desenvolvendo uma tecnologia de análise de dados para lançar um observatório estadual. 

A partir desse esforço e de um movimento que teve início com a instauração do Comitê Estadual de Atenção ao Migrante, Refugiado e Apátrida, Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e Erradicação do Trabalho Escravo no Estado de Goiás (Comitrate-GO), verifica-se a articulação estratégica dos serviços e dos recursos à disposição da administração pública estadual com a rede parceira (demais entes do poder público, da sociedade civil e organismos internacionais) para atender as demandas dessa população. 

Tudo isso culminou no texto base do 1º Plano Estadual de Políticas Públicas para Refugiados, Migrantes e Apátridas de Goiás. Hoje, o documento está sendo revisado por especialistas do Acnur e da Organização Internacional para as Migrações (OIM), agência das Nações Unidas que trata das migrações, antes de ser lançado oficialmente e colocado em prática. Goiás é o quinto Estado a investir em um planejamento específico dessa forma. 

Além disso, a gerente da Seds ressalta que o Estado firmou parceria com as agências das Nações Unidas e com a Polícia Federal para aprofundar a atenção aos refugiados. Na visão de Lourenço, os principais obstáculos no acolhimento são conhecer melhor a população e o financiamento próprio para as ações.

“Manifestações de xenofobia e racismo, desconhecimento sobre os serviços existentes e a forma de acessá-los, falta de capacitação dos agentes públicos para lidar com suas demandas e especificidades, ou mesmo dificuldade no acesso efetivo à documentação, são alguns dos desafios”, completa a redação do plano estadual.

Além dos esforços da Seds, a Secretaria de Estado da Saúde também atua no cuidado aos refugiados. Em novembro de 2023, a Pasta lançou um Plano Estadual de Atenção à Saúde da População Migrante, Refugiada e Apátrida no Brasil. 

Inclusão social 

Um projeto para auxiliar os refugiados no Estado tramita atualmente no Parlamento goiano. Assinada por Cristiano Galindo, matéria nº 926/23 busca instituir o direito à educação de qualidade da língua portuguesa e democratização ao acesso à saúde, a partir do Sistema Único de Saúde (SUS), para crianças e adolescentes brasileiras, descendentes de refugiados, apátridas e imigrantes. 

A proposta considera crianças, conforme a legislação federal pertinente, os indivíduos até os 12 anos de idade incompletos e, adolescentes os que têm entre 12 e 18 anos. E a definição de apátridas, migrantes e refugiados segue o estabelecido pela Lei de Migração. Na falta de documento pessoal, prevê-se que seja realizado um cadastro para que o ingresso à educação e o acesso ao SUS ocorra para o referido público. 

Para garantir o direito à educação, o deputado sugere disponibilizar também aulas, mentorias, oficinas, atividades lúdicas, rodas de conversa e atendimento individualizado. Segundo Galindo, assegurar a integração do público citado, através do ensino da língua portuguesa, seria uma forma de possibilitar a inserção adequada deles na sociedade brasileira. 

A matéria já foi aprovada pela Comissão de Constituição, Justiça e Redação e aguarda votação de relatório favorável do deputado Amilton Filho (MDB) na Comissão de Educação para seguir à apreciação, em duas fases, pelo Plenário.  

Agência Assembleia de Notícias
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