Proteção das abelhas
Ao contrário de tantas outras datas instituídas Brasil afora, sem muita importância ou mesmo banais, a data de 3 de outubro, o Dia Nacional da Abelha, traz um alerta para a importância da preservação desses insetos para a continuidade de várias outras espécies e até mesmo da segurança alimentar no planeta. Responsáveis pela polinização de grande parte das plantas existentes na Terra, a população de abelhas vem diminuindo significativamente em todo o Planeta.
A data é nacional, mas a preocupação é mundial. Tanto que a Organização das Nações Unidas (ONU) também estabeleceu um dia de reflexão sobre os impactos da redução populacional das abelhas sobre a produção de alimentos e na extinção de algumas espécies, o que poderia levar a um desequilíbrio na cadeia alimentar, com efeitos até mesmo na sobrevivência humana.
Segundo o estudo “Polinizadores em perigo: por que nossas abelhas estão desaparecendo” apresentado por um grupo de pesquisadores no 4º Simpósio Internacional de Ciência, Saúde e Território, com o tema "Alimentos Seguros, Nutritivos e Suficientes", o mundo está experimentando um declínio de colônias de abelhas domesticadas, além do aumento do número de abelhas nativas na lista de espécies ameaçadas de extinção.
Não existem dados suficientes para estimar quantas abelhas existem no mundo nem quantas exatamente estão morrendo. Mas alguns números mostram que essa é uma realidade cada vez mais preocupante. Nos Estados Unidos, entre 2020 e 2021, 45% das abelhas foram perdidas devido a um ácaro parasita. Felizmente, nesse caso, as colmeias logo se recompuseram.
No Brasil, segundo o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), pelo menos quatro espécies de abelhas estão ameaçadas de extinção. Outro número que comprova que esses insetos estão em perigo mostra que de 2006 a 2015, 25% menos espécies de abelhas foram registradas em comparação com antes de 1990.
Essa relação entre a existência das abelhas e a produção de alimentos está na polinização, que é o mecanismo que permite a reprodução das plantas com flores. De forma muito simplificada a polinização pode ser explicada como a operação que leva a parte masculina do grão de pólen até a região onde está o gameta feminino da planta.
Quando esse processo acontece em uma mesma planta, ele é chamado de autopolinização. Já entre plantas diferentes, a polinização é cruzada e, para acontecer, é preciso da ajuda de agentes exteriores, como o vento, a água ou de animais, como insetos, aves e morcegos.
Segundo o doutor em ciências biológicas e professor do Centro Universitário de Brasília (Ceub), Fabrício Escarlate, os insetos são os animais mais eficientes nesse mecanismo. De acordo com o professor, cerca de um terço das espécies de plantas existentes no planeta dependem dos insetos para a reprodução.
Escarlate continua explicando que, entre os insetos, as abelhas fazem parte do grupo mais importante na polinização. Isso porque elas desenvolveram uma série de características que promovem, de forma muito efetiva, esse processo. “Elas são atraídas pelo néctar produzido pelas flores e, quando elas vão se alimentar, elas têm, em geral, um aparelho bucal do tipo lambedor. E elas conseguem tirar esse néctar e, quando elas estão fazendo isso, elas vão se sujando com o pólen, ou seja, com os gametas masculinos. E a medida em que elas vão visitando outras flores elas vão fazendo esse papel de polinização”.
Quando se fala em plantas usadas na alimentação, essa relação é ainda mais relevante. Segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), mais de 75% das culturas que alimentam o mundo dependem de alguma forma da polinização de animais, entre eles as abelhas.
O doutor em ciências biológicas ensina ainda que, por causa dessa interdependência entre plantas e abelhas, é que a ameaça aos insetos vai, certamente, impactar na produção de diversas espécies vegetais.
Ainda de acordo com o pesquisador, são vários os fatores que vêm provocando a queda populacional das abelhas, entre eles o processo de alteração dos ambientes, com a remoção da cobertura vegetal nativa e a substituição por outras formas de cobertura que envolvem as pastagens e áreas de plantio diversas. Segundo ele, muitas dessas espécies não são suficientes para prover alimentos para essas abelhas.
Um outro motivo também tem contribuído para esse cenário de ameaça a esses pequenos animais: o recente aumento indiscriminado de aprovações de agrotóxicos diversos para uso no combate às pragas das lavouras. “O problema é que esses pesticidas não são seletivos, eles acabam eliminando também as abelhas. Junto com tudo isso, a gente tem também os processos que envolvem a pulverização por meio de aviões, aerodispersão, enfim, a gente tem esses pesticidas, amplamente jogados também na atmosfera, e isso acaba indo para lugares que estão muito além das áreas de plantio”.
Além do perigo de extinção de algumas espécies, como várias frutíferas que dependem, exclusivamente, da polinização feita pelas abelhas, e a redução da produtividade de outras, a diminuição do número de abelhas e até mesmo a extinção de algumas espécies, pode impactar a economia, especialmente de países com matriz econômica baseada na produção agrícola, como o Brasil.
“A falta de abelhas pode levar a um colapso gigantesco na produção agrícola de uma série de produtos, dos quais a nossa alimentação depende. Isso pode, em última análise, prejudicar toda a cadeia produtiva”, sintetiza o professor.
A boa notícia é que a preocupação com a ameaça às abelhinhas já provocou uma reação dos órgãos ambientais. Segundo Fabrício Escarlate, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), desenvolve o Plano de Ação Nacional de Conservação dos Insetos Polinizadores Ameaçados de Extinção (PAN Insetos Polinizadores). A política pública é voltada para a preservação de espécies ameaçadas de abelhas, borboletas e mariposas, elaborada no sentido de conservar as espécies que “promovem o serviço ecossistêmico de polinização, serviço essencial para a manutenção da biodiversidade nativa e cultivada”, esclarece o site do ICMBio.
Apesar da iniciativa governamental, o estudioso observa que o país ainda carece de esforços mais efetivos destinados à garantia de sobrevivência das abelhas, já que os interesses econômicos também atuam de forma contrária. “Por outro lado, a gente tem aí uma pressão econômica muito grande do setor produtivo, que cada vez mais, usa esses insumos que são extremamente danosos às populações abelhas”.
O pesquisador lembra ainda a importância da conservação, especialmente, das espécies nativas de abelhas, que são diferentes das europeias, muito comuns no meio doméstico, que tem o abdômen listrado de preto e amarelo e habitam nosso imaginário quando falamos desses insetos.
Segundo o doutor no assunto, o Brasil tem milhares de espécies nativas, que muitas vezes não despertam o interesse econômico de criação (que também colabora com a conservação) dos apicultores, já que produzem menos mel do que as abelhas europeias. De acordo com o professor Fabrício Escarlate as abelhas nativas são até mais importantes nesse processo de polinização do que as espécies trazidas de outros continentes, já que, como invasores, elas podem causar danos aos ambientes naturais, além de competir com as espécies nativas. “A gente precisa buscar mecanismos de proteger as nossas abelhas nativas, que têm perdido tanto espaço para a destruição de seus habitats, em virtude do desmatamento, a conversão dessas áreas para pastagens e plantações”, alerta.
Para além da questão da sustentabilidade, as abelhas são responsáveis pela produção de um dos alimentos mais completos conhecidos pela humanidade: o mel.
Segundo a nutricionista Isadora Gonçalves, o mel tem diversas propriedades nutritivas, sendo rico em açúcares naturais, especialmente a frutose e glicose, vitaminas, como B6 e riboflavina, minerais, a exemplo do cálcio, ferro e potássio, e antioxidantes, podendo variar a composição, de acordo com a fonte floral.
“O mel é considerado um alimento completo devido à sua diversidade de compostos bioativos. Além dos açúcares, contém antioxidantes que ajudam a combater o estresse oxidativo no corpo. A variedade de nutrientes presentes também o torna um alimento que pode oferecer diferentes benefícios à saúde”, ensina a profissional.
Além disso, o mel é um alimento com propriedades terapêuticas reconhecidas, sendo utilizado na medicina tradicional para o tratamento de feridas, queimaduras e infecções devido às suas características antimicrobianas.
A nutricionista ainda recomenda a substituição do açúcar pelo mel, já que o último tem um índice glicêmico geralmente mais baixo, o que significa que causa um aumento mais gradual nos níveis de açúcar no sangue.
Apesar disso, o uso do mel também deve ser comedido. “Mesmo sendo natural, o mel é calórico e deve ser consumido com moderação. Exagerar no consumo pode levar a um aumento de peso e a possíveis problemas de saúde. Além disso, o mel pode afetar os níveis de glicose no sangue, sendo importante que pessoas com diabetes consultem um profissional de saúde sobre o seu uso”.