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O "imortal" goiano

20 de Agosto de 2025 às 09:30
O "imortal" goiano

A literatura goiana completa 50 anos que conquistou a 1ª cadeira na Academia Brasileira de Letras. O Ano Cultural de Bernardo Élis será celebrado com extensa programação. Na Alego, projeto institui o Dia de Bernardo Élis.

“Sr. Presidente, srs. acadêmicos! Agradeço aos componentes desta Casa a benignidade com que me acolheram. É com o maior orgulho que tomo lugar neste Cenáculo.”

“(...) Neste momento, quando o primeiro goiano chega a esta Academia (...) eu também não consigo disfarçar minha emoção. Não consigo, nem quero abafar as recordações que me vêm ao peito, especialmente as lembranças de Goiás, a Vila Boa dos Bandeirantes, onde estudei e formei meu espírito, onde fiz as grandes amizades de minha juventude.”

Com essas palavras, em 10 de dezembro de 1975, Bernardo Élis marcou sua entrada na Academia Brasileira de Letras (ABL). Ele foi eleito para a Cadeira 1 em 23 de outubro daquele ano, sucedendo o jornalista Ivan Lins, e tornou-se o primeiro — e até hoje único — goiano a integrar o seleto grupo dos imortais da instituição literária mais prestigiosa do país.

Na recepção ao novo acadêmico, Aurélio Buarque de Holanda destacou a força narrativa e o compromisso social da obra de Élis:

“E nisto sois bem povo. Porque o homem do povo, o comum das gentes, gosta mesmo é de história (...) como se elas fossem uma interpretação ou glosa de nossa própria história.”

E concluiu:

“Sr. Bernardo Élis, não sois unicamente vós que tomais assento na Cadeira 1. É também o vosso Estado, a vossa terra. É Goiás.”

Ano cultural

Em reconhecimento à sua relevância literária e simbólica, o ano de 2025 será celebrado, em Goiás, como o Ano Cultural de Bernardo Élis, marcando os 50 anos de sua imortalidade na ABL. Na Assembleia Legislativa, o deputado Antônio Gomide (PT) propôs o projeto de lei nº 11720/25, instituindo o Dia de Bernardo Élis, em 7 de agosto, no Calendário Cívico, Histórico e Cultural do Estado.

O objetivo é homenagear a vida e a obra do autor, um dos grandes nomes do regionalismo literário brasileiro, cuja escrita funde o retrato do sertão goiano com a formação política e cultural de seu povo. A proposta também prevê o incentivo ao estudo de sua obra por meio de seminários, concursos, exposições, produções audiovisuais e atividades pedagógicas voltadas à valorização da literatura regionalista. A TV Alego, inclusive, já produziu um documentário sobre sua trajetória (disponível aqui).

A obra de Élis deverá ser incluída no currículo escolar das redes de ensino, com apoio de materiais educativos e parcerias com instituições acadêmicas. “São medidas concretas para democratizar o acesso à sua produção literária e perpetuar seu legado”, afirma o deputado Gomide. “Além disso, a articulação entre o poder público, instituições culturais e sociedade civil garantirá a sustentabilidade e o alcance das ações.”

Resistência

Bernardo Élis Fleury de Campos Curado foi poeta, contista e romancista, além de advogado e professor. Nasceu em Corumbá de Goiás em 15 de novembro de 1915 e faleceu, aos 82 anos, no dia 30 de novembro de 1997 em sua cidade natal. Seu pai, o também poeta Erico José Curado – de quem viria o estímulo para as letras –, era descendente direto de Inácio Dias Paes, casado com a segunda filha de Bartolomeu Bueno da Silva.

Aos 12 anos, escreveu seu primeiro conto, inspirado em “Assombramento”, de Afonso Arinos. Estudou em Goiás e em Goiânia, onde ampliou seu repertório com autores como Machado de Assis, Eça de Queirós e os modernistas. Formou-se em Direito em 1945, como orador da turma.

Além de escritor, Bernardo Élis foi professor de literatura brasileira na Universidade Federal de Goiás (UFG) e, na então Universidade Católica de Goiás, cofundador e vice-diretor do Centro de Estudos Brasileiros da UFG, além de diretor-adjunto do Instituto Nacional do Livro (1978–1985). Atuou como assessor cultural de Goiás no Rio de Janeiro (1970–1978) e foi membro do Conselho Federal de Cultura (1986–1989).

Também exerceu cargos públicos, como secretário da Prefeitura de Goiânia e prefeito interino em duas ocasiões, e advogou em Goiânia, Anápolis e Inhumas. Também colaborou com diversos jornais e foi militante do Partido Comunista do Brasil (PCB), defendendo o materialismo histórico dialético. Mesmo após deixar o partido, assessorou o deputado camponês José Porfírio, desaparecido político durante o regime militar.

Essa trajetória o consolidou como símbolo de resistência intelectual e política.

A terra é sua matéria

Como afirma o professor e crítico Eurípedes Leôncio, em crônica recente no Jornal Opção (24/05/2025), Élis foi um verdadeiro embaixador das letras goianas, abrindo caminhos para novos autores no centro do país e fora do eixo literário tradicional.

Em suas obras, transfigurou a realidade de Goiás — social, cultural, política e até psicológica — criando uma literatura de denúncia, de sensibilidade e de memória.

Homenagear o autor de "O Tronco" é, segundo Leôncio, “uma resposta histórica contra os mandos e desmandos da familiocracia coronelesca”.

E lembrar o conto "A Enxada" é reconhecer a transformação da resistência em arte: “A enxada virando caneta, na mão corajosa de Supriano soletrando o bê-á-bá da vida com Olaia”.

Por isso que, naquele discurso de recepção, Buarque de Holanda não teve dúvida em imaginar, na escrita de Élis, uma afirmação que parodiava Drummond (“O tempo é minha matéria”): “Poderíeis dizer: A terra é minha matéria”. E concluiu: “Escreveis com sangue, nervos e coração” (...) “Prova. Olha. Toca. Cheira. Escuta”.

Bernardo Élis é merecedor, portanto, da imortalidade ritualística que lhe concedeu a ABL há 50 anos, mas foi também considerado eterno pela crítica e por seus leitores – espelho inquebrável, alma perpétua nas linhas e entrelinhas de suas obras.

Agência Assembleia de Notícias - Redação: Ranulfo Borges e Carmênio Barroso
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