Decreto de calamidade
Secretários de Goiânia defenderam a prorrogação do decreto de calamidade na Saúde municipal em audiência pública. Órgãos de controle se manifestaram contra a medida e deputados questionaram a eficácia da prorrogração.
A Assembleia Legislativa do Estado de Goiás (Alego) promoveu, na tarde desta terça-feira, 16, uma audiência pública para discutir o Decreto Legislativo nº 31441/25, que trata do reconhecimento da prorrogação do estado de calamidade pública na Secretaria Municipal de Saúde de Goiânia. O debate, realizado na Sala das Comissões Júlio da Retífica, foi uma iniciativa da Comissão de Constituição, Justiça e Redação (CCJ) e reuniu parlamentares, representantes da Prefeitura de Goiânia, membros dos órgãos de controle e entidades ligadas à área da saúde, em um encontro marcado por posicionamentos técnicos, questionamentos políticos e divergências quanto à necessidade da medida.
A audiência teve início sob a condução do presidente da CCJ, deputado Amilton Filho (MDB), que destacou o objetivo de aprofundar a análise da matéria antes de sua apreciação pelo colegiado. Participaram dos debates o secretário da Fazenda de Goiânia, Valdivino de Oliveira; o secretário municipal de Saúde, Luiz Gaspar Pellizzer; o presidente do Tribunal de Contas dos Municípios de Goiás (TCM-GO), Joaquim Alves de Castro Neto; o procurador-geral de Contas do TCM-GO, Henrique Pandim Barbosa Machado; e o secretário-geral de Controle Externo do TCM-GO, Rubens Custódio Pereira Neto, além de parlamentares estaduais e vereadores da capital.
Secretários defendem prorrogação do decreto
Ao apresentar a posição do Executivo Municipal, o secretário da Fazenda, Valdivino de Oliveira, afirmou que, apesar de avanços, a área da saúde ainda enfrenta problemas estruturais herdados de gestões anteriores. Ele ressaltou a defasagem da tabela do Sistema Único de Saúde (SUS), a redução de repasses e a descoberta contínua de dívidas que não constavam nos balanços oficiais. Segundo o gestor, o município foi notificado a devolver cerca de R$ 120 milhões ao SUS, referentes a recursos utilizados fora da finalidade original, além de lidar com aproximadamente R$ 200 milhões em dívidas com fornecedores não vinculados ao sistema.
Para Valdivino de Oliveira a prorrogação da calamidade por pelo menos mais seis meses é necessária para viabilizar ajustes orçamentários, renegociações e a regularização desses passivos, "especialmente em uma cidade-polo como Goiânia, onde mais da metade dos atendimentos na rede pública é destinada a pacientes do interior do Estado".
O secretário municipal de Saúde, Luiz Gaspar Pellizzer, complementou as informações com dados sobre o endividamento da pasta. Ele informou que o total de dívidas empenhadas e não empenhadas chega a cerca de R$ 711 milhões, dos quais aproximadamente R$ 240 milhões já foram quitados. Pellizzer defendeu que o reconhecimento da calamidade pública tem permitido maior transparência e capacidade de negociação com fornecedores, evitando que o pagamento de passivos antigos comprometa a prestação dos serviços correntes. Segundo ele, ainda restam cerca de R$ 400 milhões a serem equacionados ao longo do tempo, sem prejuízo ao funcionamento da rede.
Órgãos de controle se manifestam
Em contraponto, representantes dos órgãos de controle manifestaram reservas quanto à prorrogação da medida. O presidente do TCM-GO, Joaquim Alves de Castro Neto, afirmou que, do ponto de vista técnico, o tribunal não dispõe, até o momento, de informações suficientes para respaldar a continuidade do estado de calamidade. Ele destacou dificuldades na obtenção de dados formais e alertou que o instituto da calamidade não pode ser utilizado como instrumento de negociação de dívidas com fornecedores.
Na mesma linha, o procurador-geral de Contas, Henrique Pandim Barbosa Machado, ressaltou que a calamidade pública é um instituto jurídico com consequências relevantes e deve decorrer de situação excepcional que comprometa substancialmente os serviços públicos. Embora tenha reconhecido a gravidade do cenário no início do ano, ele afirmou que, com os dados atualmente disponíveis, o Ministério Público de Contas se posiciona de forma contrária à prorrogação, ainda que os problemas na rede de saúde persistam.
O secretário-geral de Controle Externo do TCM-GO, Rubens Custódio Pereira Neto, reforçou que a calamidade autoriza gastos mais céleres e excepcionais, o que, segundo ele, é incompatível com situações de desequilíbrio financeiro estrutural. Para o dirigente, a legislação fiscal já prevê outros mecanismos para lidar com dificuldades orçamentárias, e o tribunal aguarda novos documentos para reavaliar o quadro apresentado pela gestão municipal.
Parlamentares questionam gestores
Durante o debate, os parlamentares também apresentaram questionamentos e posicionamentos distintos. O deputado Antônio Gomide (PT) enfatizou a importância da presença do TCM-GO para subsidiar a decisão do Parlamento e criticou o descumprimento de dispositivos previstos no decreto anteriormente aprovado, como a realização periódica de audiências públicas para acompanhamento da situação fiscal. Para ele, a calamidade deveria ter sido uma oportunidade para normalizar a Saúde ao longo de um ano, o que, em sua avaliação, não ocorreu, adiantando voto contrário à prorrogação. O deputado Mauro Rubem (PT) seguiu a mesma linha, apontando problemas persistentes nas unidades de saúde e defendendo que a questão central é de gestão, e não de calamidade.
Em defesa da prorrogação, o deputado Virmondes Cruvinel (UB) destacou o embasamento legal do decreto e afirmou que os passivos herdados de gestões anteriores, somados à grande demanda por serviços de saúde na capital, justificam a manutenção da medida. O deputado Cristóvão Tormin (PRD) adotou posição semelhante, reconhecendo os apontamentos técnicos do TCM, mas ressaltando que Goiânia já aplica percentual superior ao mínimo constitucional em saúde e que o setor exige um tratamento diferenciado diante de sua complexidade.
A vereadora de Goiânia Kátia Maria dos Santos (PT) criticou a falta de transparência na disponibilização de dados sobre restos a pagar e afirmou que a ausência de informações detalhadas impede uma deliberação segura por parte da Assembleia Legislativa. Já o líder do Governo na Alego, deputado Talles Barreto (UB), destacou a sobrecarga do sistema de saúde da capital, que atende pacientes de diversas regiões do Estado e até de outras unidades da Federação, defendendo a aprovação da prorrogação, ao mesmo tempo em que cobrou o envio dos documentos solicitados pelo TCM.
Ao responder às indagações, o secretário da Fazenda, Valdivino de Oliveira, afirmou que a gestão municipal adota rigorosas práticas de transparência, com prestação de contas disponível no portal oficial e cumprimento das exigências legais. Ele explicou o uso do termo “dívida do pendrive” como uma expressão técnica do meio acadêmico para se referir a despesas executadas sem o devido empenho e ressaltou que a situação financeira da prefeitura é hoje melhor do que há um ano, quando foi encontrado um déficit primário de aproximadamente R$ 350 milhões. Segundo ele, a expectativa é encerrar o exercício com superávit, embora ainda existam passivos relevantes, como precatórios, que demandam planejamento de médio e longo prazo.
O secretário de Saúde, Luiz Gaspar Pellizzer, reforçou que a calamidade tem sido utilizada para promover gastos mais racionais e renegociar dívidas, citando exemplos de acordos que reduziram valores devidos a fornecedores. Para ele, a medida permite assegurar que os recursos públicos sejam aplicados de forma mais eficiente, mesmo diante das dificuldades remanescentes.
Ao final da audiência, o presidente da CCJ, deputado Amilton Filho (MDB), destacou a necessidade de dados objetivos que comprovem os resultados concretos da calamidade ao longo do último ano, especialmente no que se refere à renegociação de dívidas e à melhoria das condições da saúde. Ele defendeu mecanismos mais eficazes e formais de acompanhamento, com maior participação dos órgãos de controle, para subsidiar a decisão do Parlamento.
A audiência pública foi encerrada após as manifestações. As informações e argumentos apresentados servirão de subsídio para a análise da CCJ e para a deliberação da Assembleia Legislativa sobre o reconhecimento ou não da prorrogação do estado de calamidade pública na Saúde de Goiânia.