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"Jornalista tem que ter estilo literário"

02 de Abril de 2008 às 10:08
Durante sessão especial em homenagem ao jornal "Diário da Manhã", o editor geral, jornalista Batista Custódio utilizou a tribuna, onde discursou, agradecendo a homenagem. (31.03.2008)

“Jardel Sebba, Sérgio Cardoso, José Américo, Miguel Cançado, Roberto Balestra, Lívio Luciano, Oton Nascimento Júnior e Luiz Bittencourt.

Eu me referi a eles pessoalmente e não aos cargos, porque o poder que eles exercem pode não refletir o que são. Por isso eu prefiro acreditar nas pessoas acima do poder. Eu não creio nas pessoas em que o poder as nivela.

Há mais de mês ando escrevendo histórias que engrandecem Goiás e que deviam ser contadas.

Mas ouvindo o discurso do José Nelto, que fez uma referência ao Diário da Manhã, tive vontade de dizer algumas coisas. Uma delas é que quando Iris Rezende era presidente da Assembléia, aqui mesmo neste salão, eu recebi dele um título de Jornalista do Ano. Falando como representante dos demais homenageados, eu devolvi meu título aqui nesta tribuna, porque ele era desonrado, devido à concessão do título de Empresário do Ano a um sonegador.

Por isso eu sempre recuso títulos. Eu não gosto de homenagens porque elas só chegam tarde demais, quando mortes e dores já mataram a vontade de recebê-las, e é fácil de os senhores entenderem isso. O José Nelto falou rapidamente do DM como um foro da inteligência goiana além das nossas fronteiras.

Agora pensem o que eu passei na época: saí de Goiás sozinho, fui até ao Rio de Janeiro convencer o Washington Novais a deixar a direção-geral do Globo Repórter; convencer o Cláudio Abramo; o Pompeu de Souza a ser chefe da sucursal de Brasília; o Mino Carta, fundador da Veja, a ser exclusivo do jornal; o Aloísio Biondi, enfim, os 12 maiores jornalistas do Brasil a virem para Goiás. Agora, pensem?! Como eu me senti quando o jornal foi fechado? Como eu me senti quando eu vi saírem do Estado mais de 70 repórteres que haviam sido formados no DM, e que hoje estão espalhados nos grandes jornais brasileiros?

Então, eu devia mesmo é pegar essa condecoração e jogar lá no cemitério; jogá-la no túmulo de Consuelo Nasser, que perdeu a saúde psicológica por causa do fechamento do DM. E jogar no túmulo do meu filho Fábio Nasser, que também perdeu a saúde psicológica e a vida por causa do DM.

Como os senhores querem que eu me sinta, se ainda ontem, no aniversário do advogado Neiron Cruvinel, ele me revelou que, quando foi fechado o DM, foram combinados o meu assassinato e a minha condenação injusta? E só não aconteceram porque o Neiron Cruvinel não concordou? Senhores deputados e senhoras deputadas, como eu me sinto quando olho para os grandes jornalistas que o DM formou e os perdeu por incompreensões da aliança dos atrasos do Estado que fecharam o DM? E quando eu falo em atraso, refiro-me a essa mentalidade fazendeira que está no inconsciente dos médicos, dos governadores e dos intelectuais. Então, quando eu olho sentado aqui o Reale Palazzo, o Ulisses Aesse, companheiros leais, o Júlio Nasser, meu filho, passa dentro de mim apenas uma constatação: eu passei a minha vida enterrando esperanças.

E a maior delas foi o fechamento do DM. Eu sabia que era uma época que não voltaria, porque as épocas têm suas datas de mudanças marcadas na história.
E aquela época não volta mais para Goiás, e quem perdeu não foi eu, foi o Estado. Por isso eu nunca fiquei magoado ou sofri. Se o DM não tivesse sido fechado, Goiás não seria até hoje esse pólo receptor da opinião imposta do País. Seria um pólo emissor do pensamento para o País. Esse era o projeto do DM.
O DM foi o maior erro da minha vida, porque me manteve prisioneiro a uma história que todos elogiavam, mas, na época, a destruíram. E eu tenho que carregar isso nas costas, porque o meu maior erro foi ter desativado o Cinco de Março e aberto o DM. Aposto na Mega-Sena toda semana, e, se ganhasse o prêmio, eu doaria o DM para a Universidade Federal de Goiás.

Porque Goiás e o resto do País precisam de um jornal independente. E eu não dou conta de carregar esse fardo de jornal sem independência. Quem convive comigo no jornal sabe que ele vem me matando aos poucos, que é gastar meu ideal e meus sonhos para manter uma época em que as pessoas perderam o ideal. Não vivemos mais aquela época do Cinco de Março, em que as pessoas eram idealistas. Quando o Carmo Bernardes, o Bernardo Élis e a Consuelo Nasser dividiam o pouco que tinham para comprar papel para o Cinco de Março. O que alimenta minha alma é o Cinco de Março, e não o DM. E Deus não há de permitir que morra sem antes voltar ao Cinco de Março, sem antes reabrir o jornal semanário.

Jornal diário, infelizmente, depende do governo. Goiás não tem empresários; tem é empreiteiros, fornecedores, prestadores de serviços e concessionários do governo. E por isso vocês podem observar que há um mês eu parei de escrever artigos e estou escrevendo sobre episódios da história do Estado.

Sempre procurei ser aquela pessoa que tem nos dois olhos a luz do ideal. E hoje esses políticos vão à meia cegueira: com um olho vêem tudo que é bom na esquerda e o que é ruim na direita, e com o outro olho vêem tudo o que é bom na direita e o que é ruim na esquerda. Eu não sou assim. Eu sempre apanhei da esquerda e da direita.

Sou uma pessoa um pouco inconveniente para homenagens, para conviver com o poder. Eu tenho uma história pessoal com cada pessoa aqui. Vou contar a do José Américo: ele criança, o pai dele era meu amigo. Ele tinha 14 anos e o pai dele queria que eu assinasse a carteira de trabalho para ele se aposentar mais cedo. Eu sei que é errado, mas meu coração pediu, e eu assinei. Eu tenho histórias assim com muitas pessoas, e em nenhuma delas de quando bateu na minha porta ela se fechou. Ao contrário do que ocorre comigo. E eu estou cansado de encontrar portas fechadas até de parentes e amigos.

Posso falar assim com consciência social, porque eu e a Consuelo criamos 32 filhos dos outros. Porque as heranças que recebi somariam mais de 20 mil alqueires. Tudo isso eu doei, pelo fato de ser contra o direito de herança. E às vezes eu emprego no jornal menor porque eu entendo que ninguém aprende a trabalhar depois de velho. E por isso eu gostaria de doar o DM em uma universidade e voltar para o Cinco de Março, porque é isso que eu gosto; eu não nasci para ser governo, não. Isso me faz mal, me machuca.

Eu pediria aos senhores que me perdoem, mas fica aqui um pedido: por favor, não me façam mais homenagens, porque elas não são verdadeiras, até porque ninguém merece sozinho receber a homenagem de uma luta inteira; eu fui apenas o que escapou vivo. Uma vez uma pessoa me perguntou se eu tinha raiva de um determinado político, porque ele tinha me perseguido e fechado o Diário da Manhã. Eu disse que não, que sou grato a ele, porque, se ele não fechasse o DM, não teria oportunidade de fazer esse fato histórico, e eu lhe estou agradecido.

Mas ai daquele que roda uma chave e fecha um órgão de imprensa, como ai daquele que transforma em cinza uma biblioteca, porque esses serão postergados; quanto a nós, não.

Então, senhores deputados, obrigado pela homenagem, mas, por favor, não gosto de homenagens; e eu vim hoje porque poderia parecer desconsideração, e me honra a amizade dos senhores. Mas o poder, não; porque só os tolos gostam do poder; eu nunca me dei bem com ele, e, quando eu precisei dele, fui jogado no chão.

Meus amigos do DM, tenho certeza de que nós trabalhamos em um jornal a um patamar de mudanças maior do que da época de sua fundação. O DM há 10 anos abriu combate ao denuncismo, por entender que ele é filho nefasto do sentimento de delação. A denúncia, ao contrário, é instituição sagrada que os homens de bem usam para combater a impunidade dos criminosos. O DM há mais de 10 anos passou também a cobrar que todo jornalista tenha de ter seu estilo literário, por entender que toda notícia é um fato e um conto. Aquele jornalista que não tiver o dom literário será afastado, no máximo, nos próximos três anos da mídia.

E esse jornalista há de ser poeta porque na hora em que as matérias pedirem o romance, ele sabe fazer o leitor chorar; e tem que ser humorista, para saber fazer o povo rir; há de ser revolucionário e procure destruir os erros, sem destruir os errados.”

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