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Thiago Peixoto fala da colaboração de Poteiro para a arte goiana

18 de Maio de 2009 às 17:50

Prezados senhores,
Prezadas Senhoras,

Boa noite,

O crítico de arte Olívio Tavares de Araújo escreveu que para o nosso homenageado, abre aspas, o verdadeiro desafio não é a história que eventualmente conta no quadro, mas sim a maneira de contá-la. Fecha aspas.

Nesta noite, terei que contrariá-lo, Antônio Poteiro. Pelo menos uma pequena parte da sua história precisa ser contada aqui diante de um público tão seleto. Precisamos listar publicamente, em alto e bom som, o que torna seu trabalho detentor de adjetivos tão singulares.

Não entenda este momento como um mero rito protocolar. Se a Assembléia Legislativa deve ser considerada a casa do povo e os deputados, porta-vozes de todos os goianos, quero que você o encare como um simples gesto. Que você entenda como um pequeno reconhecimento de todos nós perante a grandiosidade da sua obra.

Deixo claro que o “você” dito anteriormente ao invés de “senhor” foi proposital, mesmo com seus cabelos brancos e sua longa barba. Ingênuos aqueles que concluem que você tem 83 anos pelo fato de ter nascido em 10 de outubro de 1925 e também os que acreditam que um artista como você segue as regras do tempo cronológico.

O fotógrafo, diretor e produtor George Racz ressaltou que “é um mistério como pessoas como você conseguem continuar crianças. Afinal, conseguem segurar dentro de si as fantasias e a capacidade de criar, algo que só acontece na infância”.

Foi ele também que afirmou que Poteiro “sonha as suas telas, soluciona o espaço, as cores e as figuras, como só uma criança consegue, antes dos dez anos de idade”.

Uma criança que, não raro, é chamado de “gênio”. Há até quem o tenha classificado como “vulcão barbudo que expele inventividade e talento”. Outros disseram que você tem um ar de profeta, ainda mais acentuado pela barba. Faz sentido. Afinal, quantos aqui sabem que você chega a sonhar com as obras que irá executar nos dias seguintes?

Proféticos também foram outros artistas que o incentivaram a enveredar pelos pincéis e tintas. Que nesta noite todos nós estejamos gratos a Siron Franco e Cleber Gouveia, pois foram eles que influenciaram Antônio Poteiro a estender seus dons por outras searas.

A carreira de ceramista, de escultor, de artesão, já estava consolidada. Mas ele resolveu ir além. Talvez na época em que começou a fabricar seus potes, e que lhe rendeu o apelido adotado praticamente como um sobrenome, ele não imaginasse que um dia o conjunto de sua obra fosse citada como cheias de traços que lembram o Jardim do Edem. A folclorista Regina Lacerda conseguiu vislumbrar o sucesso. Não à toa, foi ela que em 1964 o orientou a assinar suas obras.

Talvez muita gente do povoado de Santa Cristina da Pausa, na província do Minho, em Portugal, onde Poteiro nasceu, também não pôde antever que ele se tornaria um artista autodidata e que 50 anos depois de seu nascimento daria início a uma maratona de exposições individuais e coletivas, tanto no Brasil quanto no exterior.

Aliás, quem aqui sabe das habilidades do nosso homenageado na torrefação de café, no conserto de tubulações de esgoto, nos serviços de pedreiro e na arte de lecionar? Ele também foi professor no Rio de Janeiro no final da década de 70.

Poteiro desperta polêmicas. É classificado por uns, como artista primitivista. Simplificando, ele teria a si mesmo como único padrão. Ou seja: não tem referências culturais que limitem a sua criatividade. Por outro lado, há quem diga o contrário: Poteiro não pode ser considerado primitivista porque sua arte revelaria uma grande consciência do processo de criação. Sejamos francos: definitivamente, isto não é relevante.

E para provar que tal discussão pouco importa, lhes apresento alguns números. Se servem para dar credibilidade aos discursos, vamos a eles: 43 exposições coletivas nos mais diversos estados brasileiros, 28 individuais, 26 internacionais, participação em oito bienais no Brasil e em outros países e 16 prêmios e destaques. De quebra, ainda é um artista de cinema: tornou-se personagem principal de seis documentários, produzidos entre 1976 e 2000. A título de ilustração, apresentamos também o roteiro internacional do seu trabalho: Estados Unidos, Equador, Itália, México, Marrocos, Cuba, Japão, Alemanha, Portugal, Filipinas, Romênia e França.

Interessante que com tantos carimbos no passaporte, prestigiado pela crítica e com as condições favoráveis para torná-lo um freqüentador assíduo da mídia e dos holofotes, Poteiro conserve a simplicidade de sempre. Seus parentes e amigos próximos atestam o perfil simples, a voz baixa, o sorriso matreiro, o jeito despojado, a concentração quando lê as Sagradas Escrituras cujos trechos já lhe serviram de inspiração.

Aliás, vejo Poteiro sentado ali, com este paletó, e me lembro que este jeito despojado, que me referi agora há pouco, rendeu um fato inusitado na Alemanha que, me permita Poteiro, terei que relatá-lo. Nosso homenageado havia chegado à galeria para a abertura de mais uma de suas exposições internacionais. Com seu jeito simples de se vestir, sem frescuras, Poteiro não foi reconhecido pelos guardas e, acreditem, foi impedido de entrar na sua própria exposição. Calmamente, sem alterar o tom de voz, tomou um táxi e voltou para o hotel, onde, mais tarde, foi procurado pelo embaixador do Brasil na Alemanha, preocupado com a demora do artista. Poteiro contou o ocorrido e fez uma exigência: voltaria à galeria, mas teriam que garantir a ele que o guarda não sofreria nenhuma punição.

Pra quem é considerado um gênio, isto realmente chama a atenção.

Que o diga outro goiano, o saudoso Bernardo Elis. Em um depoimento publicado pelo jornal O Popular, em 1975, o romancista contou aos leitores que por volta de 1966, quando Glauce Rocha esteve em Goiânia, o levou ao Mercado Central. Por lá a atriz  encontrou peças em cerâmica de Antônio Poteiro. Comprou várias e em seguida comentou com o próprio Bernardo: “Em termos de arte popular, este homem é um gênio”. O escritor arrematou dizendo que concordava plenamente.

Antes de concluir, permitam-me um parêntese para detalhar um trâmite burocrático desta Casa. Sempre que organizamos a entrega da Medalha Pedro Ludovico Teixeira, a mais alta honraria concedida pela Assembléia a alguma personalidade, estamos cientes de que ela cabe a pessoas que prestaram serviços relevantes ao nosso Estado, que defenderam e colaboraram com o desenvolvimento de Goiás.

Acredito que os poucos minutos que estive nesta tribuna são mais do que suficientes para justificar o quanto você é merecedor desta medalha, Poteiro.

Sua responsabilidade agora aumenta porque o nosso mais sincero desejo é de que esta honraria o incentive a prosseguir com sua obra. Que o seu fôlego para o trabalho continue sendo demonstrado dia após dia no seu ateliê no Jardim América, sempre ao lado deles, seus filhos, seus companheiros, seus seguidores.

Nosso reconhecimento a outras personalidades que, cada uma ao seu modo, tem grande importância na carreira do nosso homenageado: Luiz Antônio Gravatá Galvão, Sueli Batista Custódio, Doutor Marco Aurélio Viana Franca, Américo Batista de Souza Neto, Galdina José de Souza, Valdir Batista de Souza, Bariani Ortêncio, Siron Franco e Célia Câmara (in memorian).

Ao seu Américo Batista de Souza, que também era ceramista, nosso muito obrigado por conseguir passar ao seu filho este dom. E à dona Carolina Camargo de Souza, nossos agradecimentos pela boa criação do menino Poteiro.

Muito obrigado.

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