Mara Naves destaca ações de educadoras durante homenagem
Senhoras e Senhores,
Discriminada ao longo dos tempos, a mulher soube superar as barreiras e preconceitos. Conquistou seu espaço e se impôs, por sua delicadeza, mas firme sempre que necessário, e sua sensibilidade diante dos problemas. Guerreira e presente, ela deixou de ser coadjuvante para assumir posições de comando. Já não está, como dizia o poeta, à sombra de um grande homem. Hoje ao seu lado, divide responsabilidades e contribui para a construção de um mundo melhor, mais justo e de mais oportunidades para todos. Essas mudanças ocorreram sem que ela deixasse a tripla jornada – como mãe zelosa, dona de casa exemplar e profissional competente nas mais diversas atividades.
É essa nova mulher, espelho de sua geração, que, com muita honra, a Assembléia Legislativa do Estado de Goiás homenageia nesta noite de gala. Aliás, são três mulheres, maravilhosas e marcantes em tudo que fizeram. Mineiras de nascimento, elas se mudaram para Goiás e aqui construíram toda uma vida plena de êxito e realizações, e agora se tornam goianas de direito.
Cada uma em sua área e todas com preocupação comum, o compromisso que cumpriram: contribuir para fazer da terra que adotaram um canto de mundo melhor, em agradecimento à acolhida que tiveram, e em reconhecimento ao muito que receberam.
Pioneiras, determinadas e ousadas, elas não se contentaram em ser mais uma que para aqui veio. Mostraram com garra, desde o início, que chegaram para fazer diferente: acrescentaram, somaram, abriram horizontes e contribuíram, cada uma a seu modo e sempre de maneira decisiva, para essa mudança de qualidade nas áreas em que atuaram.
São de um tempo de muita luta, de um momento que exigiu mais delas, por ser um período de mudanças, de conquistas e de transformações, em todos os sentidos. De comportamento, de atitudes, de vontade de vencer. E elas são vencedoras. Por isso, a homenagem do Parlamento goiano nesta noite especial.
Uma está presente, ativa, sendo exemplo em sua trajetória de vida pessoal e familiar e nas atividades que realizou. As outras duas, quis o destino, estão sendo homenageadas simbolicamente nesta sessão. Deus as chamou antes do tempo e nos deixou com muitas saudades, pelo que foram, pelo que fizeram e por sua ausência sentida.
Goianas por opção, Heloisa Aparecida Machado Naves e Laís Aparecida Machado são filhas de Francisco Machado Neto, paulista de Cajuru, e Oda Carvalho Machado, mineira de Frutal. Vieram para Goiás no final da década de 1960 para estudar e trabalhar. Ingressaram com entusiasmo e interesse no magistério, aqui construindo uma brilhante e exemplar carreira profissional. Quando o pai faleceu, em 1975, trouxeram de Minas Gerais a mãe e os irmãos Heli e Gláucia para morar com elas.
Heloisa Machado Naves é mineira de Ituiutaba, estudou o primário em Iturama, MG, o ginásio e o ensino médio em Bebedouro, SP, sempre se destacando, pela disciplina e inteligência. Desde que chegou a Goiânia trabalhou para se sustentar e aos estudos, dedicando-se, sempre, ao magistério. Começou a lecionar, em 1970, pelo Externato São José.
Fez o Curso de Biologia (História Natural) na Universidade Católica de Goiás, que concluiu em 1974. Na época ela se projetou, pela sua competência, conhecimento e dedicação aos estudos, o que lhe abriu muitas portas. No ano seguinte, 1975, foi aprovada na rigorosa seleção para lecionar na UCG, tornando-se uma das pioneiras na introdução das disciplinas ‘Metodologia do Trabalho Científico’ e ‘Lógica’.
Em 1978 foi aprovada em nova rigorosa seleção, agora para lecionar na Universidade Federal de Goiás, em seu Instituto de Patologia Tropical e Saúde Pública, período em que sobressaiu no ensino e na pesquisa acadêmica. Mesmo antes de concluir o Mestrado em Medicina Tropical, área de concentração em Parasitologia, pela UFG, já lecionava nos cursos de pós-graduação da área médica dessa instituição. Aluna brilhante e pesquisadora incansável, realizou uma pesquisa de grande interesse social e repercussão, e com seu trabalho conquistou a nota 10 com louvor por unanimidade dos três exigentes membros da Banca Examinadora de seu Mestrado. Sua dissertação foi considerada uma tese de doutorado, tal o nível das pesquisas, que se concentraram em grupos de insetos que necessitam ser estudados continuadamente, em função de sua importância para a sobrevivência humana e animal. Citou os ‘Culicidae’, pois nessa família acham-se os transmissores de malária humana, febre amarela e outras arboviroses.
Nessa elogiada dissertação ela já denunciava, na época, que o combate à malária, apesar de esforços de pesquisadores, contava apenas com medidas profiláticas quanto aos reservatórios, transmissores e agentes sensíveis, não recebendo ainda cobertura vacinal. Mostrou que, em vários Estados brasileiros, a doença já ocorria em zonas urbanas, inclusive de capitais. Nesses estudos científicos, na década de 1990, indicou que a febre amarela urbana, cujos transmissores são ‘Aedes (Stegomyia) albopictus’ e ‘Aedes (Stegomyia) aegypti’, estava sob cobertura vacinal. E denunciou, naquele momento, que isso não ocorria com a dengue, atualmente fugindo ao controle da autoridade sanitária, principalmente porque seu transmissor altera seu comportamento, adaptando-se aos mais diversificados ‘habitats’.
Em sua trajetória de pesquisa acadêmica, ela tem mais de 100 trabalhos publicados em revistas e em anais de congressos científicos.
Aposentada na UFG, voltou a lecionar na UCG e, mesmo não tendo titulação em ‘Lógica’, foi aprovada no concurso aberto na instituição para a disciplina. Mãe carinhosa, é extremamente dedicada à educação dos filhos e à família. Casada com o jornalista Jales Naves, tem três filhos: Rossana, Mariana e Jales Júnior.
Ausente nesta cerimônia por força do destino e que deixou uma saudade enorme em todos, Laís Aparecida Machado se destacou em sua área. Uma das principais estudiosas da história goiana, deixou uma contribuição fundamental para que nós, goianos, passássemos a conhecer a nossa história, até então pouco divulgada. Foi uma das responsáveis pela introdução da disciplina ‘História de Goiás’, da quinta à oitava séries do primeiro Grau nas escolas públicas goianas. Publicou vários livros e no mais recente, em co-autoria, “Formas e tempos da cidade”, fez uma abordagem multidisciplinar sobre a cidade de Goiânia.
Mineira de São Francisco de Sales, Laís estudou o primário e o ginasial em Campina Verde, MG, fez o curso normal em Bebedouro, e residiu em Iturama, onde lecionou em duas escolas públicas. Veio para Goiânia em 1968. Entusiasta da Matemática, optou pelo Curso de História da Universidade Federal de Goiás, para o qual passou em primeiro lugar no vestibular e que concluiu em 1971. Logo que começou o curso lecionou em escolas de nível secundário da cidade.
Em 1972 foi selecionada para o primeiro Mestrado em História da UFG, em convênio com a Universidade de São Paulo; seus estudos, que resgataram importante período de nossa história, se concentraram na análise do período regencial em Goiás. Pesquisou, para elaborar a sua elogiada dissertação, em documentos do Arquivo Nacional, no Rio de Janeiro, e na antiga Capital, Vila Boa.Trabalhou na Secretaria da Educação do Estado, em dois colégios importantes.
Passou a dar aulas na Universidade Católica de Goiás em 1975, onde dirigiu, em dois mandatos, o Departamento de História, Geografia, Ciências Sociais e Relações Internacionais, uma dos maiores e mais tradicionais unidades acadêmicas da instituição – na primeira gestão desmembrou os Cursos de História e de Geografia e criou o Centro de Pesquisa Histórica, que coordenou e onde também escreveu peças teatrais; na segunda, criou o Curso de Relações Internacionais. Sua última contribuição na UCG, instituição a que tanto se dedicou, foi como pesquisadora no Instituto Goiano de Pré-História e Antropologia, das áreas de História e de Patrimônio Cultural, e coordenando o Projeto Didático-Pedagógico “Cuidando do Patrimônio Cultural”.
Um acidente de carro em julho de 2008, próximo à cidade mineira de Araguari, no qual estava, levou primeiro sua mãe, Oda, e seu irmão, Heli. Laís sobreviveu por três meses, mas não resistiu às conseqüências do acidente, falecendo em novembro. Ficam a saudade e a admiração por essa pessoa especial que foi, que tanto amou Goiás e sua gente, e que muito fez por este Estado que, para ela, sempre foi o seu Estado.
Maria Duarte Naves, mineira de Araguari, nasceu em 1910 e viveu 85 anos de sua vida em Goiás. Inteligente e perspicaz, foi essa presença cativante que nos iluminava. Casou-se com Raul Naves e assumiu, com determinação, o papel de mãe e companheira de todos os momentos. Eram tempos inóspitos naqueles anos 20 do Século passado, na divisa de Minas Gerais com Goiás. Ali, em Corumbaíba, lidou com fazenda e peões. Mãe sofrida, perdeu as três primeiras filhas ainda crianças, em conseqüência dos tempos insalubres, mas continuou lutando.
Pioneira, chegou a Goiânia no momento em que Campinas começava a dar lugar ao canteiro de obras da nova Capital dos goianos. Com seu marido implantou o Pálace Hotel – hoje tombado pelo Patrimônio Histórico –, que abrigou os primeiros visitantes ilustres, políticos e empresários. Dentre eles, o interventor Pedro Ludovico Teixeira, em sua obstinada decisão de construir a nova Capital; a primeira dama, Gercina Borges, e o primeiro prefeito de Goiânia, Venerando de Freitas Borges. Nessa época, o casal estabeleceu forte amizade com dona ‘Santinha” e seu marido, coronel Licardino de Oliveira Ney, que fora o último Prefeito de Campinas.
Sempre muito atuante, implantou, nos anos 30 e 40, modernas – para aquela época – máquinas de processamento de leite. O marido, Raul Naves, foi um empreendedor que acreditou na nova Capital — primeiro, no comércio de gêneros alimentícios e com o hotel e, depois, na implantação de fazendas, na criação de gado e na contribuição ao desenvolvimento sócio-econômico e cultural da região em que atuou. Como exemplo, implantou, nos anos 1960, uma escola rural no município de Rialma, que leva o nome de ‘Raul Naves’, para atender aos filhos dos empregados e que serviu à comunidade da região, onde tinha a fazenda ‘Barranca’.
Ela se dedicava a modelar e confeccionar as roupas dos filhos e agregados, enquanto crianças vivendo nas fazendas, cultivando até pouco tempo este inegável talento.
Mulher elegante e com forte espírito de liderança, teve pouca oportunidade de estudar – por ter se casado muito jovem e a partir daí se dedicando a cuidar da família, da casa e a ajudar o marido em suas atividades – e fez questão que os filhos estudassem nas melhores escolas do País, numa época em que Goiás apenas começava a implantar suas primeiras faculdades: Raul Naves Filó, o primogênito, fez Arquitetura na Universidade Mackenzie, e Rubens Naves graduou-se em Direito pela Pontifícia Universidade Católica, ambas de São Paulo. A caçula, Laudelina Lane Naves, estudou no Colégio Santa Marcelina, de Belo Horizonte, MG, e graduou-se em Letras Modernas pela Universidade Federal de Goiás.
Por influência de um irmão, nos anos 50 ela conheceu o espiritismo, então uma doutrina pouco aceita na sociedade, diante da predominância da religião católica, a partir de quando aliou a prática espírita a uma sólida ação assistencial, em Goiânia e na fazenda em Rialma. Ela ficou viúva em 1985.
Maria Duarte Naves chegou aos 99 anos no dia 10 de março último, mantendo a mesma postura serena, elegante, o rosto com um sorriso permanente e acolhedor.
Ela, que partiu no último dia 30 de maio, foi uma referência, por tudo que construiu.
Por esse amor sem limites por Goiás, pela dedicação de filhas que souberam reconhecer a acolhida recebida, pela contribuição que deram, ajudando na construção do Estado e de sua história, Heloísa Aparecida Machado Naves, Laís Aparecida Machado e Maria Duarte Naves fizeram por merecer esta retribuição da sociedade, que lhes concede, com muito orgulho, o título honorífico de cidadania goiana, que a Assembléia Legislativa do Estado tem a honra de lhes entregar, neste momento.
Parabéns, novas goianas, vocês que muitos nos ensinaram nessa trajetória edificada com luta, persistência e muito amor por Goiás.