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Humberto Aidar promove divulgação da Campanha da Fraternidade

01 de Março de 2010 às 18:12
Discurso do deputado Humberto Aidar (PT) proferido em sessão especial que promoveu o lançamento da Campanha da Fraternidade. (01.03.2010).

Senhoras e senhores.

 

Sou filho de uma família católica e, desde pequeno, acompanho este tempo da quaresma com muita atenção, e fico sempre mais convencido da sabedoria da Igreja em chamá-lo de tempo de conversão, tempo de revisão de vida, tempo de mudança de rumos. Claro que esse sentido da quaresma requer de cada um de nós um olhar firme para o grande acontecimento da Páscoa. Para alguém que ser discípulo de Cristo, não se aceita fazer revisão de vida apenas como exercício de crescimento pessoal. Isso é bom, mas não é suficiente. Um cristão chega a fazer o seguinte movimento espiritual na quaresma: ele olha para o próprio modo de viver e se confronta com o exemplo dado por Jesus em sua paixão, morte e ressurreição. Observa se sua vida tem sido conduzida em conformidade com o testemunho radical de amor que levou Jesus a suportar a incompreensão dos fariseus, o abandono dos amigos e a solidão absoluta do calvário, onde até mesmo a presença do Pai Eterno chegou ser questionada. O cristão tem, portanto, uma medida clara para se orientar neste mundo e precisa se perguntar se sua entrega tem se dirigido para a proximidade da entrega de Cristo.

A medida da Páscoa é o horizonte para conversão de todos nós. Não podemos nos conformar com a prática de um amor cômodo e alienado. Nossa medida de amor é a do amor de Cristo. Não podemos nos conformar em gostar apenas de quem gosta de nós, isso seria pouco e estaria distante do exemplo de quem morreu por nós numa cruz, para nos mostrar o caminho do seu Reino. Não podemos nos conformar com a caridade de ocasião e nem com a solidariedade da conveniência. Um texto atribuído à querida e saudosa beata Madre Teresa de Calcutá nos indica a medida do amor que nos serve de referência na reflexão do tempo quaresmal. Ela dizia num discurso feito em 1994, na presença do então presidente norte-americano Bill Clinton: “Eu devo estar disposta a dar tudo que for necessário para não prejudicar outras pessoas e, de fato, para fazer o bem a elas. Isto requer que eu esteja disposta a dar até que doa. Caso contrário, não há nenhum verdadeiro amor em mim e eu trago injustiça, não paz, para aqueles ao meu redor. Doeu a Jesus nos amar. Nós fomos criados à sua imagem para coisas maiores, para amar e ser amado. Nós temos que ´nos revestir de Cristo´, como a Escritura nos fala. E, assim, nós fomos criados para amar como ele nos ama. Jesus se faz o faminto, o desnudo, o sem casa, o não desejado, e ele diz: ´Você fez isto a mim´.
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As famílias católicas recebem da Igreja, todo ano, este tipo de advertência que lembra o compromisso concreto do amor de Cristo para ajudar cada pessoa e cada família a passar pelo tempo da quaresma, fazendo uma profunda experiência de fé e de transformação de vida. Exatamente dentro desse propósito é que a Conferência dos Bispos do Brasil criou uma campanha especial para servir como pano de fundo para a vivência da espiritualidade quaresmal. Tudo começou bem no início dos anos de 1960, lá no Rio Grande do Norte, tendo o Cardeal Dom Eugênio Sales, arcebispo emérito do Rio de Janeiro como grande incentivador. A Campanha da Fraternidade tornou-se uma experiência tão positiva que se estendeu para todo Brasil. Em 1964 e 1965, propôs temas de renovação da Igreja. Entre 1966 e 1972, os temas da campanha da Fraternidade tinham a ver com a renovação pessoal de cada cristão, e de 1973 em diante até chegar os dias atuais, a Igreja no Brasil é chamada a refletir, rezar e principalmente alimentar a conversão, tendo como propostas temas associados à vida do nosso povo sofrido.


Houve campanhas históricas que fizeram o Brasil inteiro voltar o olhar e o coração para as mulheres, as crianças, os idosos, os negros, os indígenas e as pessoas com deficiência. Já tivemos campanhas que lembraram os desafios do mundo da comunicação e do mundo do trabalho. Campanhas que denunciaram o escândalo da fome e da degradação da natureza. Há três anos, aqui mesmo, temos realizado sessões especiais para aprofundar temas de especial significado para toda a população de Goiás. Por minha iniciativa, já estivemos juntos com Dom Washington Cruz, aqui neste plenário, refletindo sobre os grandes desafios da Fraternidade na Amazônia em 2007, sobre a defesa da vida em 2008, e sobre a segurança pública no ano passado.


Agora, mais uma vez, convocados pela CNBB, estamos em plena execução da campanha da fraternidade com um tema urgente e de grande significado para o país: a fraternidade e a economia, com o duro e exigente lema: “vocês não podem servir a Deus e ao dinheiro”.


Eu pedi à Ir. Rita Petra Kallabis, religiosa e economista, que me desse a permissão de destacar alguns pontos importantes de sua exposição desse tema que tem sido aprofundado pela arquidiocese. Dela nos chegam as seguintes constatações: Criar uma economia a serviço da vida é um baita programa de conversão, individual e coletivo, local e regional, nacional e internacional, planetário. O objetivo é imenso: trata se, de nada menos do que da salvação, bem concreto. E o desafio é nada menor: impulsionar a mudança sistêmica da maneira como a humanidade organiza o suprimento de suas necessidades e sua convivência neste planeta. Assim tem a Campanha da Fraternidade seu foco direto na construção do Reino de Deus, na construção de relacionamentos baseados no reconhecimento de que somos parte da criação, que em Deus somos um e que somos iguais, irmãos e irmãs. É deste reconhecimento que nascem a solidariedade e a justiça, capazes de provocar a mudança de rumo no capitalismo desenfreado e predador, cujos efeitos mais perversos são a miséria, a desigualdade desmesurada e a degradação da natureza a ponto de ameaçar a vida do planeta.


Ir. Rita nos lembra também que estamos num ponto crítico da civilização. Pontos semelhantes já existiram em civilizações antigas, provocando o declínio e o colapso de sociedades. Mas, estes eram fenômenos restritos. Os fenômenos atuais são de alcance global, planetária, e atingem uma intensidade que ameaçam a nos levar a uma estrada sem retorno. A incapacidade de criar uma governança global para deter o avanço do efeito estufa, isto é, do aquecimento global, é o exemplo mais proeminente disso. E a crise mundial atual, tratada como crise financeira, encoberta, na verdade, três profundas crises globais: a crise de alimentos, a crise energética e a crise ambiental. Os riscos dos problemas acumulados exercem uma pressão crescente sobre os governos. Estes por sua vez são avaliados por sua capacidade de responder a estas pressões e tendem a se desestabilizar à medida que não tiverem sucesso. A questão é se seremos capazes de responder politicamente a tempo aos problemas postos. “Temos tecnologias para restaurar os sistemas naturais de suporte da Terra, para erradicar a pobreza, para estabilizar a população, para reestruturar a economia energética mundial e o clima. O desafio agora é construir vontade política para fazê-lo. Salvar a civilização não é um esporte para espectadores. Cada um de nós possui um papel de liderança a representar”.


Segundo a análise de nossa freira economista, hoje em dia vivemos em algo que pode ser chamado de mercado total. Querem nos fazer crer que a economia seja a força propulsora da sociedade. Mas, a economia, por definição, é a maneira como uma sociedade organiza a produção e a distribuição dos bens e serviços para atender às suas necessidades. Se a economia perder seu lugar dentro da sociedade e se sobrepor ao Estado e à Comunidade, ela se diviniza. O ‘mercado total’ apresenta-se a si mesmo como sem alternativa, tudo tem que passar por ele e ser intermediado por ele. O mercado torna-se uma religião, um sistema de crenças. E ele se apresenta onipotente. Todas as soluções deveriam vir da economia: elas são avaliadas em dólares ou reais, qualquer medida passa pelo crivo do custo e benefício. Esta onipotência recebeu uma expressão como nome: não há alternativa. A maneira como tratamos da economia é como se trata de uma religião e exige-se, pelo senso comum, o credo no mercado, como se a economia de mercado – entendido como modelo do capitalismo financeirizado – fosse o único modelo possível. Precisamos tirar a Tina das nossas cabeças.


Confessamos que somos criaturas de Deus. E confessamos a unicidade em Deus. Se somos todos um n’Ele, tudo o que destrói a natureza, uma dádiva gratuita  de Deus, a dignidade do nosso irmão, a capacidade da nossa irmã de se desenvolver plenamente, a nós destrói. Quem os cuida e promove, a nós cuida e promove. Fomos feitos como dependentes: dependemos da natureza para receber nosso sustento para viver. Da mesma maneira, dependemos do afeto de outras pessoas. Sem ambos não vivemos. Se cuidamos da natureza e dos nossos irmãos, damos a Deus a chance de cuidar de nós através da sua criação. Ele nos deu tudo o que precisamos para viver, e viver bem, e o deu para todos. Esta é a fé que nos motiva a lutar contra os efeitos devastadores inerentes ao sistema capitalista e a criar alternativas. Então, o que esta Campanha da Fraternidade nos deve proporcionar é aguçar nosso olhar para enxergar melhor o Reino de Deus – onde ele está ameaçado e quais as pistas para fortalecê-lo.

 

Obrigado.

 

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