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Don Washington fala sobre Campanha da Fraternidade

02 de Março de 2010 às 18:28
Discurso do arcebispo de Goiânia, Dom Washington Cruz, durante sessão especial que discutiu o tema da Campanha da Fraternidade de 2010. (01.03.2010).

Senhores e Senhoras aqui presentes.

 

Em 1961, três padres tomaram a iniciativa de realizar um esforço conjunto de angariar ajuda aos pobres.  Eles eram responsáveis pela Caritas Brasileira, este organismo internacional que presta imensa ajuda humanitária a diversos lugares no mundo. Aos poucos, várias dioceses foram também aderindo a este mutirão de solidariedade.  No ano seguinte, em 1962, as Dioceses do Grande do Norte entraram neste trabalho. Dois anos mais tarde, em 1963, já eram 16 dioceses que realizavam a Campanha da Fraternidade. Em 1964 a CNBB estendeu oficialmente para todo o Brasil a Campanha da Fraternidade. Estamos próximos a completar o jubileu de ouro. As Campanhas da Fraternidade foram criadas com a finalidade maior de convocar toda a Igreja para uma atitude cristã eficaz no meio social, cada ano, embalada por um motivo, por uma temática, por uma problemática específica. Diversos temas já foram por elas trabalhados, à luz das exigências evangélicas, respaldados pelo amplo magistério social da Igreja. E, em tempo quaresmal, a Campanha da Fraternidade deseja possibilitar uma ampla e profunda revisão de vida, de pessoas e da sociedade inteira, à luz do sacrifício de Cristo, que deu sua vida em resgate de muitos (cf Mc 10,45).

E neste ano as cinco Igrejas-membro do CONIC, pela terceira vez fazem a Campanha em conjunto, convidando a todos para uma atitude de revisão penitencial de vida, a partir da urgente necessidade de uma nova ordem econômica. A Igreja Católica, A Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil, a Igreja Episcopal Anglicana do Brasil, a Igreja Presbiteriana Unida do Brasil e a Igreja Sírian Ortodoxa de Antioquia se unem, como já aconteceu em 2000 e em 2005, para mais uma Campanha da Fraternidade. Como a mensagem da fé cristã pode inspirar uma economia baseada nos valores cristãos? Como a economia atinge a vida das pessoas? Como a conversão pessoal e a mudança estrutural podem colaborar para uma economia a serviço da vida? Como fazer com que todas as discussões provocadas pela Campanha da Fraternidade desse ano tornem-se balizas morais de modo mais permanente, para além do tempo de realização da Campanha da Fraternidade? Estas questões foram colocadas para inspirar as análises e as leituras teológicas e de fé que a Igreja realiza em vista da realização desta Campanha?

Diversos temas estão colocados no texto-base, um livro organizado a cada ano no qual são tecidas as análises e a leitura de fé que a Igreja faz. Afinal, diz o texto-base, “a fraternidade e a solidariedade suscitam uma sociedade em que todos se sintam como família, em paz, harmonia e segurança”. E a fraternidade é uma expressão do Evangelho, sendo um concreto testemunho da nossa condição de filhos e filhas de Deus.

O objetivo geral da Campanha da Fraternidade de 2010 é: “Colaborar na promoção de uma economia a serviço da vida, fundamentada no ideal da cultura da paz, a partir do esforço conjunto das Igrejas Cristãs e de pessoas de boa vontade, para que todos contribuam na construção do bem comum em vista de uma sociedade sem exclusão”. Assim, iluminados pela experiência cristã deste tempo forte de conversão, a Igreja convida toda a sociedade a repensar o modo como lida com a vida, com a natureza, com os bens dispostos por Deus para o bem de todos.  Sobremodo no modo de uso da água e sua mercantilização.

A Campanha chama a atenção para a superação de uma economia alicerçada sobre os pilares do interesse individual e de uma falsa ética utilitarista, que coloca, de um lado, os consumidores ávidos por satisfazerem seus desejos e, de outro lado, os empreendedores e agentes financeiros, que buscam a maximização do lucro. Procura desmistificar a pobreza como uma fatalidade, como habitualmente se depreende. Estimula a cooperação solidária como forma de os seres humanos enfrentarem as necessidades e cooperarem solidariamente. Somente assim se aumenta as possibilidades do desenvolvimento da personalidade e das potencialidades de cada um não apenas no campo material.

Para tanto é necessária outra lógica de desenvolvimento, em muito já apresentada pelo Papa na Carta-Encíclica Caritas in veritate. Um desenvolvimento que seja verdadeiramente integral e acessível a todas as pessoas, sobretudo àquelas que se encontram em situação de profunda insegurança ante as tendências econômicas. A estes o texto-base denomina de atores sociais: trabalhadores, desempregados, famílias carentes, jovens sem oportunidade de se desenvolver e tantos outros que “precisariam ser ouvidos e levados em conta na hora de decisões” (texto-base, 57).

O consumismo é um dos maiores dramas do mundo contemporâneo, ao lado das estratégias financeiras e empresariais, cuja finalidade, praticamente única, é maximizar o lucro e satisfazer uma ganância ilimitada. A pessoa humana não pode ser concebida como mão-de-obra, consumidora.

A lei da solidariedade – a mesma que impera no Reino de Deus – deve permear as relações econômicas em suas várias interfaces. A solidariedade, e somente ela, é capaz de fazer da humanidade uma verdadeira família, dentro da qual todos procuram se proteger mutuamente. O milagre da partilha, para que não haja necessitados entre nós, é algo possível. E seremos julgados, ao final, pelo quanto amamos a Deus, através dos pobres: “Estive com fome e me destes de comer; era estrangeiro, e me acolhestes; estive doente e me visitastes...” (Mt 25,31-40). Eis o critério da salvação: a medida do amor com a qual amamos.

O IETS (Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade) apontava, já em 2007, a existência de cerca de 11 milhões de indigentes. E o conceito de indigente refere-se àquelas pessoas que não conseguem romper o círculo que as prende dentro de uma vida diária de pobreza, de sub-emprego, de não acesso aos bens mais fundamentais necessários para uma vida humana digna.

O Texto-base da Campanha da Fraternidade alerta que a pobreza não é uma fatalidade, nem o resultado de fenômenos naturais, como as enchentes ou as secas. A pobreza é a resultante de um modelo de desenvolvimento tecnicista. O Papa Bento XVI destaca a existência de “interrelações a nível mundial, os efeitos deletérios sobre a economia real duma atividade financeira mal utilizada e majoritariamente especulativa” (Caritas in veritate, n. 21). Tudo isso traz impactos decisivos para o presente e para o futuro da humanidade.

O mandamento cristão do amor a Deus e ao próximo pode ser lido em vários códigos, desde o nível pessoal até a esfera das relações internacionais. O Amor tem provocado a formação de uma ampla rede de apoio e de solidariedade entre todos os que contribuem para a promoção da vida humana e sua dignidade, haja vista a imensa corrente de ajuda recentemente formada em socorro das populações da nação-irmã do Haiti.  Para realizar este caminho de solidariedade é que a Campanha da Fraternidade foi instituída com três objetivos principais: denunciar o modelo econômico que visa às custas da miséria, da fome, da desigualdade; educar para a prática de uma economia baseada na solidariedade e conclamar a todos para a realização de políticas que levem à implantação de um modelo econômico de justiça e de solidariedade para todas as pessoas. Não se pode aceitar como normal que a vida sirva ao sistema econômico.

A economia pode ajudar a organizar a casa comum. Este mundo foi dado ao homem por Deus e a ele confiado, como guardião da Criação. O primeiro passo para responder a esta confiança depositada por Deus está no cultivo de um profundo senso cristão de esperança. A fé é o fundamento da esperança (Hb 11,1). Somente experimentado a Deus como doador da Esperança (virtude teologal) é que o ser humano pode construir uma sociedade nova, onde a economia esteja a serviço da vida, e não a vida ao serviço da economia.

Há muitas experiências positivas no Brasil e no exterior de práticas comunitárias fundamentadas no princípio da economia de comunhão. Há muitas pessoas e grupos que levam a sério a experiência das primeiras comunidades cristãs, onde não havia necessitados entre eles (At 4,32-35), justamente por colocarem em prática o princípio da caridade cristã.

Deus queira que por esta e outras iniciativas das Igrejas Cristãs ligadas ao CONIC, a sociedade brasileira tenha mais condições de traduzir o amor fraterno em políticas públicas. O ser humano, obra-prima do Criador, deve estar sempre no centro de todas as nossas preocupações.  

Agradeço, Deputado Helder Valim, Deputado Humberto Aidar. Obrigado aos nobres Deputados aqui presentes. Sobre todos desejo rogar as bênçãos protetoras de Deus e o olhar maternal de Nossa Senhora Auxiliadora, padroeira de nossa Arquidiocese.

 

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