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Karlos Cabral presta homenagem aos anistiados

02 de Abril de 2013 às 11:19
Discurso proferido pelo deputado Karlos Cabral durante sessão especial de devolução simbólica dos mandatos dos deputados estaduais e governador cassados e homenagem aos deputados federais, senadores e prefeitos, durante a ditatura em Goiás.(01.04.2013)

Cumprimento as senhoras e senhores que se fazem presentes aqui, nossa equipe de trabalho, meus nobres pares, os funcionários desta Casa, todos que nos assistem pela TV Assembleia e, em especial, às autoridades civis, aos representantes dos que serão aqui homenageados e aos familiares dos políticos que já são falecidos. Cumprimento a todos que vieram prestigiar esta sessão solene de devolução simbólica dos mandatos dos deputados estaduais e do governador, cassados durante a ditadura militar no Estado de Goiás, bem como homenagem aos deputados federais e senadores e prefeitos cassados.

Lembro que essa sessão especial ocorre em parceria com a Associação dos Anistiados Políticos do Estado de Goiás (Anigo), a quem agradeço profundamente pela parceria firmada na realização desta solenidade.

Quis Deus que na última sexta-feira, dia 29, viesse a falecer o ex-governador Mauro Borges. Mauro foi um cidadão nascido em Rio Verde que governando Goiás, colocou o estado nos trilhos do desenvolvimento com ações planejadas, criando importantes órgãos como a Iguego, Osego, Cerne, Crisa e Metago, ampliando e reestruturando a Celg. Com um jeito democrático, simples, porém eficiente de governar, Mauro Borges deixa um legado de estruturas administrativas bem montadas.  Com o “plano MB”, fortaleceu e desenvolveu todo o estado, criando as rodovias e favorecendo a marcha para o Oeste.

Por ocasião da passagem de nosso ex-governador, li em um comentário de um amigo, um intelectual também da cidade de Rio Verde, membro da Academia Rioverdense de Letras, senhor Filadelfo Borges de Lima que diz: “Lembrei-me, no dia do seu óbito, do generaleco Meira Matos, o interventor federal em Goiás, e do marechaleco Ribas Júnior, que sucedeu ao Meira em novembro de 64. Afastaram o Mauro e nos impuseram esses nazistas. Perguntei-me: onde estão Meira e Ribas? Ninguém mais sabe sobre eles, mas o Mauro está na galeria da história.”

        Mauro partiu, mas nos deixa um exemplo daquilo que se espera de quem dirige os rumos do nosso estado. Reporto-me a uma de suas célebres frases: “quem julga que pode governar um estado alimentando ódios, ressentimentos, e toda sorte de sentimentos mesquinhos, com certeza não nasceu para ser eleito, mas para ser imposto. Não será, governante, mas um ditador.”

O golpe militar veio para calar o desejo da maioria significativa dos eleitores que em janeiro de 1963 havia demonstrado apoio a João Goulart no plebiscito que restaurava o presidencialismo como sistema de Governo no Brasil. No entanto, o ano de 1964 se iniciava com um temor crescente entre os grupos das classes médias e das elites urbanas. O caráter “revolucionário” das propostas de Jango soava àqueles uma inclinação do governante aos ideários propagados pela Russia socialista. Isso era algo temido pelos Estados Unidos da América, fato este retratado no filme “o dia que durou 21 anos”,  que mostra toda a movimentação do embaixador estadunidense no Brasil para que os militares tomassem o poder do país.

Visão dissimulada. Na realidade, as ideias progressistas de Jango em favor de uma gigantesca parcela da população historicamente condenada ao esquecimento pelo poder público refletiam medo, aos olhos das elites nacionais. Dispondo então de vastos recursos, essas mesmas elites convenceram as classes médias de que havia um risco iminente ao futuro da nação: Jango pretenderia instaurar uma república sindicalista, abolir a religião e confiscar as propriedades privadas, dentre outras falácias que mais tarde justificariam a ação inescrupulosa dos líderes do golpe militar de 1964.

Direita, volver! Ao longo das duas décadas que se seguiram, despontaram em toda a América Latina governos militares orientados pelos Estados Unidos, alimentados pela disputa polarizada da guerra fria, no duelo entre Estados Unidos e União Soviética. O capitalismo fora imposto em nosso continente na forma de fuzis, ditaduras e sangue derramado.

Com o golpe, os militares assumiram o controle do Brasil após o 1º de abril. A fim de manterem a oposição sob controle, empregaram de um instrumento jurídico autoritário que estava à margem da constituição: os atos institucionais. Por meio desses, cassações aos mandatos políticos, suspenções de direitos políticos, dentre os mais variados crimes contra os princípios democráticos de governo foram promovidos.  Homens e mulheres representantes da vontade popular foram duramente torturados, mortos e alguns desaparecidos.

         Torturada, perseguida e marginalizada, a oposição teve sua voz abafada. Tão embora houvesse uma insatisfação generalizada da população frente às incoerências das administrações militares. A opressão e a violência continuavam combatendo os protestos e cercando aqueles que questionavam o golpe.

          De 1964 a 1985. Vivenciamos vinte e um anos que tiveram como saldo centenas de mortos, torturados, desaparecidos e exilados.  Porém, somente em 1989 a democracia foi de fato reestabelecida no país com o povo escolhendo seu presidente. Quero nesse momento ressaltar que a não adesão do Partido dos Trabalhadores na eleição de Tancredo Neves pelo colégio eleitoral, ocorreu naquele momento, porque nosso partido defendia o voto direto da população para eleger o seu representante.

         Hoje, passados 49 anos do fatídico episódio, um direito e uma necessidade se fazem presentes. O direito à memória e à verdade, e a necessidade de se reconhecer e se reparar um erro na história deste país.

         Em consideração ao direito e a necessidade de se revelar um passado sombrio da nossa história, o governo federal instituiu no ano passado a Comissão Nacional da Verdade, proposta sancionada pela presidenta Dilma Rousseff – também sobrevivente da ditadura militar- que visa investigar os crimes de violação dos direitos humanos praticados por agentes de estado entre 1946 e 1988. Aliás, nossa presidenta foi uma jovem militante corajosa, enfrentando torturas e violentada por não abrir mão da luta pela democracia e que hoje governa sem rancor e de forma republicana para todos estados independente da sigla partidária. Isso é comprovado pelos 79% de aprovação popular do modo da petista governar o Brasil.

         Tal como a comissão nacional da verdade instalada no Brasil, outras nações latino-americanas como a Argentina, Peru, Uruguai, El Salvador e Paraguai também possuem comissões com objetivos semelhantes. Na Argentina, no entanto, a comissão criada em 1984 possui ainda valor condenatório, onde aos julgados são estabelecidas ações punitivas.

         Como representante da democracia e deputado estadual de Goiás escolhido por um processo democrático, me sinto no dever civil de homenagear os deputados estaduais de Goiás e o governador cassados durante a ditadura militar, e fazer parte da reparação de uma falha, de um erro.

Porém, esta sessão é só uma parte das muitas reparações que a sociedade ainda deve fazer por ocasião da ditadura.

Sinto-me honrado e profundamente emocionado, pois em nome do povo goiano tenho a oportunidade e a responsabilidade de restituir simbolicamente os mandatos de deputados estaduais e governador, conquistados em eleições livres e democráticas e que foram cassados pelo regime ditatorial de 1964. Com essa iniciativa, a Assembleia Legislativa do estado de Goiás, restabelece simbolicamente a soberania do voto popular e o estado democrático de direito.

Hoje isto faremos, devolvendo simbolicamente os mandatos dos deputados:

- Bianor Ferreira de Lima/MDB (in memória);

 - Cristóvão do Espírito Santo/PTB;

 - Eurico Barbosa/MDB;

 - Francisco Maranhão Japiassu/MDB (in memória);

 - Heli Mesquita/Arena (in memória);

 - Joaquim Olinto de Jesus Meireles/PSP;

  - Manoel Luiz da Silva Brandão/MDB (in memória);

 - Olímpio Jayme/MDB;

 - Sebastião Arantes/PSD (in memória);

 - Valteno Cunha Barbosa/PSD (in memória) e

- José Porfírio de Sousa/PSB. Este homem que foi líder camponês na luta por terra em Trombas e Formoso, foi o primeiro deputado eleito do Brasil que saiu do cabo de uma enxada, sendo votado em todas as cidades goianas. E que até hoje está desaparecido juntamente com seu filho Durvalino, após serem torturados pelo regime ditatorial.

São esses os homens que foram impossibilitados de participarem das decisões que refletiriam no nosso estado através da força e violência, contrariando o desejo popular manifesto nas urnas.

Devolveremos o mandato in memoria ao ex-governador Mauro Borges Texeira, falecido na última sexta, 29/03, afastado no governo após intervenção federal. Mauro Borges, como citei no inicio, deixou importantíssimas contribuições para o nosso estado. 

Para ser justo com a história, deixada por Mauro Borges, valho-me dos escrito da jornalista Cileide Alves sobre o ex-governador. “os políticos atuais são populares e exercem o poder sobre a maioria dos partidos e lideranças que abrigam sobre o leque de suas bases aliadas, mas correm o risco de no futuro não terem obra relevante do ponto de vista do estado e de sua população para imortalizarem seus nomes na história goiana, como acaba de fazer Mauro Borges Teixeira”.

Quero me valer nesta oportunidade de um trecho do pronunciamento da deputada federal Luiza Erundina/SP, por ocasião da devolução simbólica as deputados federais cassados: “esta devolução simbólica dos mandatos aos cassados pelos atuais representantes do povo nesta Casa representa um gesto de elevado simbolismo político, com importante dimensão pedagógica e forte apelo à consciência política dos cidadãos e das cidadãs brasileiras, em especial os jovens, além de ser um ato de justiça e de reparação pública aos que pagaram um alto preço pela sua fidelidade à democracia.”

É esse igualmente o nosso sentimento nesta solenidade.

Nesta sessão homenageamos ainda os deputados federais

 - Almir Turisco de Araújo/MDB;

 - Antônio Francisco de Almeida Magalhães /MDB;

 - Celestino Filho/MDB (in memória);

 - Jaime Câmara/Arena (in memória);

 - Paulo Campos/MDB (in memória) também Rio Verdense;

E os senadores

 - João Abrão Sobrinho (in memória),

 - Pedro Ludovico Teixeira (in memória) e

 - Juscelino Kubitschek (in memória).

Quero lembrar que neste período, cinco foram os senadores cassados no Brasil, sendo que, três deles do estado de Goiás.

Na pessoa do senhor Iris Rezende Machado, importante e influente personalidade política de nosso estado, cassado pelo regime militar em 1969 e forçado a abandonar a prefeitura de Goiânia, estendo minha homenagem a todos os prefeitos e vereadores de Goiás que também tiveram seus mandatos cassados.

Como muitos Iris foi bravo ao enfrentar a dureza do regime e continuar sua luta politica por um estado melhor e mais democrático. Teve seu mandato furtado, mas não sucumbiu, vindo a ser governador, senador, ministro de estado em duas oportunidades e novamente prefeito de Goiânia.

         A todos os nomes citados, deixo a minha profunda admiração. Os admiro porque foram fieis aos seus ideais políticos. Os admiro porque não recuaram frente à tirania que oprimia e silenciava. Os admiro porque incomodaram.  E, se representavam um incômodo, representavam também a luta contra a continuidade obscura de um governo de trevas e hipocrisias à frente de nossa nação.

          Essa sessão é apenas parte de um processo que temos por reparar na história brasileira. Há também jornalistas, e neste momento venho prestar meu respeito e admiração ao senhor Jarbas Marques, primeiro jornalista cassado em nosso estado e brutalmente torturado, servindo de cobaia em aulas de tortura, faço memória ainda de centenas de mulheres e homens, cidadãos comprometidos com a liberdade e a democracia, que sofreram as atrocidades deste regime, dentro de porões, na calada da noite e aguardam o reconhecimento pelo estado para serem indenizados. Ressalto as quinze pessoas do nosso estado que até hoje estão desaparecidas.

Há pessoas que precisam ser julgadas pelas barbáries e crimes hediondos que cometeram, pois a torrtura é uma ação que fere toda uma nação e não podemos nos calar diante disto, para que não caiamos nos erros do passado.  Essa é uma questão de justiça, uma dívida do estado brasileiro e que há de ser paga.

É essa luta, senhoras e senhores, que me vejo, como parlamentar dessa casa de leis, obrigado e travar no sentido de dar continuidade à plena democracia na qual nos encontramos no Brasil hodierno. Para tanto, é nossa missão estarmos incansavelmente buscando ampliar a liberdade que dá espaços a livre divulgação e expressão de pensamentos, ideologias e, sobretudo, manifestações intelectuais.

Senhores deputados, recebam os mandatos que foram violetamente retirados por um regime de exceção. Deixando marcas que jamais serão apagadas da vida e da história do povo brasileiro. Registro nosso respeito e gratidão pela tamanha coragem com que resistiram e enfrentaram a ditadura militar. Tenham certeza que o legado de vocês marcam e marcarão as novas e futuras gerações.

Saímos desta sessão comprometidos com a defesa e o fortalecimeto de nossa jovem democracia brasileira, e assim, construímos uma sociedade justa, pautada na garantia de direitos.

Obrigado.

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