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"Entrei de corpo e alma nessa causa", diz Cleuzita de Assis sobre defesa do meio ambiente na Assembleia Constituinte

23 de Outubro de 2019 às 17:10
Crédito: Agência de Notícias
"Entrei de corpo e alma nessa causa", diz Cleuzita de Assis sobre defesa do meio ambiente na Assembleia Constituinte
Ex-deputada constituinte Cleuzita de Assis

Criada na roça, filha de pais lavradores, Cleuzita de Assis poderia ter sido apenas o nome de mais uma típica e anônima dona de casa do interior de Goiás [Cleuzita é natural de Mineiros, município do Sudoeste goiano], mas aos 40 anos venceu sua primeira eleição para deputada estadual. Viúva e mãe de quatro filhos, esse era, em linhas gerais, o retrato inicial desta que viria a se tornar, pouco mais tarde, a primeira mulher a ocupar um cargo junto à Mesa Diretora da Alego. 

Tendo sido igualmente eleita e empossada 2ª vice-presidente da Assembleia Estadual Constituinte (AEC), a fiel companheira do também ex-deputado constituinte José de Assis [ele participou da elaboração da Constituição anterior do Estado, em 1967] se revelou, pouco a pouco, uma parlamentar exemplar. Defensora incansável do meio ambiente e de pautas municipalistas, Cleuzita deixou impresso, naquele momento histórico, marcas de um legado que extrapola, em muitos aspectos, o capital político herdado do marido.

Deputada estadual pelo PFL, Cleuzita cumpriu dois mandatos na Alego (11ª e 12ª Legislaturas). Com disposição invejável, hoje, aos 83 anos, ela conta que voltou a se dedicar apenas à vida doméstica e familiar. Em entrevista especialmente concedida à Agência Assembleia de Notícias, em razão das comemorações dos 30 anos da Constituição Estadual, ela relembra, com nítida lucidez, fragmentos de momentos vividos naquela célebre ocasião. 

Em tempo: Cleuzita esteve presente em 89 das 96 sessões plenárias da AEC, incluindo as de instalação e de promulgação. Presidiu a abertura dos trabalhos durante a 31ª sessão ordinária, realizada na manhã de 14 de setembro de 1989. Em breve, será divulgada, no âmbito da série Mulheres no Legislativo, também produzida pela Agência de Notícias da Alego, a entrevista completa com a ex-deputada, onde ela fala não apenas do seu trabalho enquanto constituinte, mas de sua vida pessoal e de sua atuação parlamentar como um todo. 

Em se tratando especificamente dos trabalhos da Assembleia Estadual Constituinte, a senhora se recorda do seu primeiro discurso, do ambiente, do clima, da participação naqueles períodos iniciais? Quais momentos fazem parte das suas lembranças mais marcantes? 

Eu parti da premissa do bom senso. Tínhamos grandes juristas na Assembleia e muitos tomaram conta da Constituinte. Quem ia para a tribuna era Solon Amaral, Carlos Rosemberg, Eurico Barbosa etc. Nós ficávamos mais na retaguarda. Eu tive a humildade de acompanhar todos, mas o que eu fiz na maior parte, foi assinar com eles. A Constituição estadual é uma adaptação da Federal. Eu sempre assinei aquilo em que estava convencida de ser o correto.

 

Como era o ambiente político do estado de Goiás na época em que exerceu o seu mandato enquanto constituinte? Quais eram os principais problemas aos quais a constituinte estadual de 1989 buscava resolver? 

Lembro que algo muito debatido foi a questão das creches em Goiás. Naquele período não havia praticamente nenhuma aqui. O lado social pesou muito na Constituinte. 

 

Quando a Constituição goiana foi promulgada, qual foi o sentimento dos parlamentares que aqui estavam e como o povo recebeu esse trabalho?

A participação social foi muito pouca, mas esteve presente. Quando se promulgou a Constituição foi, finalmente, um alívio para mim, porque infelizmente percebia que tinha muita gente que trabalhava apenas para fazer barulho, para receber os aplausos das classes que estavam representadas lá na galeria do plenário. Então, isso aconteceu demais. Falo sem medo: muitos deputados votaram algumas emendas por medo de serem vaiados pela opinião pública.

Que avanços a Constituição trouxe para o estado de Goiás?

Acho que o maior avanço foi na área jurídica, para os procuradores de estado. Isso foi tanto na Federal como na Estadual. Foi o que mais avançou.

A gente sente mesmo, ao pesquisar nos documentos da época, que deve ter havido uma ampliação muito grande da atuação do Judiciário em Goiás, sobretudo pela quantidade de propostas relacionadas à criação de comarcas. Foram muitas, não?

Sim. Essa área era deficitária. O interior do estado era prejudicado em relação a isso, então facilitou a criação de comarcas para a resolução de questões jurídicas para a população, porque antes o cidadão tinha que andar quilômetros e quilômetros para resolver alguma questão no fórum de alguma cidade vizinha, por exemplo.

Quais áreas a senhora buscou contemplar, de forma especial, durante os debates da Constituinte Estadual?

Foram as comarcas. Realmente me sinto feliz por ter trabalhado mais em cima disso, porque minha região era muito carente em relação a esse tema e depois, houve uma grande expansão desses serviços por lá. Antes tínhamos que ir para Jataí. Em Mineiros não tinha fórum, não tinha nenhuma instância para poder resolver os conflitos judiciais.

Além de participar da Mesa da Assembleia Estadual Constituinte, a senhora também foi suplente da Comissão de Organização dos Estados e dos Poderes, acumulando muitos cargos e funções. Como foi a dinâmica desses trabalhos?

Há comissões que são mais dinâmicas, outras não. Há muitas que não aparecem. É como no Parlamento regular, onde todo mundo só quer participar da Comissão de Constituição e Justiça. No caso da Constituinte, era a Comissão de Sistematização que todos queriam participar. Ela colhia as propostas do que era debatido nas temáticas.  

Existem diversos projetos de sua autoria que são relacionados à área ambiental. A senhora fez dessa área uma das suas principais bandeiras? Por que razão, tendo em vista o fato de representar uma região que é polo do agronegócio no Estado? E como avalia o encaminhamento dado a cada uma dessas propostas?

Isso, para o estado, foi um avanço muito grande e abriu caminhos para, inclusive, despertar a sociedade em relação a essas emendas que foram aprovadas. Foi uma sementinha que foi plantada, porque era uma área muito deficitária. E, a partir daí, abriu-se um leque de expansão nesse sentido o que acarretou num avanço muito grande do setor. Essa é a avaliação que faço agora, após 30 anos da promulgação da Constituição, embora ainda necessitamos de uma política muito forte para aumentar a proteção ambiental. Mas os governos são, em geral, a meu ver, muito tranquilos. Não existe uma campanha forte em relação a conscientização ambiental ainda.

Naquele período, então, quase ninguém falava da questão ambiental. Eram um ou dois deputados, o resto não queria nem saber, porque a conscientização era muito pouca, bem menor do que hoje. As pessoas jogavam lixo de dentro do carro, por exemplo. Então, não existia nada de conscientização. Para uma luta assim, alguém teria que levantar essa bandeira. Se eu tivesse sido eleita em 1982 (ano de sua entrada na política, onde disputa a primeira candidatura para deputada estadual), acho que meu trabalho teria sido muito maior.  E, uma das razões de eu defender a questão ambiental, foi justamente o fato de eu ser da região Sudoeste, que é rica em lavouras.

Ali víamos que estavam acabando com o Cerrado, com as matas. Por isso entrei de corpo e alma nessa causa. Tanto é que chegaram a mandar recado para mim dizendo que ‘bicho não votava’, porque eu defendia a valorização do Cerrado. A Universidade Federal de Goiás (UFG) também foi muito importante na defesa dessa bandeira. Fazíamos muitos encontros em Mineiros, até mesmo para poder amansar esses produtores. Hoje, lá melhorou muito. Apesar de continuar sendo o grande celeiro do estado de Goiás, já há uma conscientização dos produtores de se tentar produzir com menor impacto.

A proposta 59 disciplina a criação de municípios. Segundo essa, as cidades deveriam ser instaladas somente com a posse constituída dos três Poderes (prefeitura, câmara de vereadores e comarca). Já a proposta 62 cria os plantões judiciais na área criminal da Capital.  Quais foram os efeitos dessas propostas? O que motivou a defesa de cada uma delas, na época?

 

Primeiro, não pode ter uma emancipação sem ter os três poderes. O Estado precisa dar condições para poder montar uma estrutura física. Tem que repassar dinheiro para a sociedade que vai eleger seu representante legítimo lá que no caso é o prefeito. Claro que o Tribunal de Justiça cuida do Judiciário e o Executivo formaliza a criação da prefeitura e depois da câmara de vereadores. Havia sempre um plebiscito antes para observar o interesse da sociedade em se emancipar. Depois é que se formalizava o processo e apresentava para ser votado na Assembleia. Se a lei fosse sancionada o Governo tinha que ir lá para arrumar a estrutura física e a administrativa de uma prefeitura.

Enquanto deputada constituinte, outro assunto que chama atenção em seu trabalho refere-se justamente à essa questão da criação de novos municípios. Valparaíso, no Entorno de Brasília, seria um exemplo. Chapadão do Céu, no Sudoeste, outro. Tratam-se de regiões com características bastante distintas. Como surgiram cada uma dessas demandas e qual foi o ganho para cada uma das regiões citadas e para o estado de Goiás, como um todo? 

Isso é uma política para todos os políticos. Se você abraçar uma causa dessa, de emancipação de um distrito, quer dizer que a cidade já passará a ter vida própria, pois cria essa estrutura administrativa do município que passa a crescer. Nesse caso, há também uma grande visibilidade para o político representante da região que luta pela emancipação, pois se você é alguém que mora há anos no distrito e, de repente, vê sua cidade crescer e conhece quem defendeu, quem foi o deputado, por exemplo, surge um crescimento político muito grande para o representante. Por conta disso, todo mundo briga por essas causas também. Na época da Constituinte teve demais. 

Em sua opinião, a atual Constituição foi bem-sucedida em seus propósitos iniciais? Ela conseguiu atender aos anseios da sociedade?

Sim, em grande parte sim.

A Constituição já conta hoje com mais de 50 emendas a seu texto original. A senhora pensa ser possível torná-la ainda mais atual e sintonizada com as necessidades e o desejo da maioria dos cidadãos goianos?

A Constituição atual já atende, em si, as demandas da sociedade. Eu tenho medo dessas emendas porque, às vezes, elas são votadas por impulso. É uma emenda, logo vem outra, estão sempre tropeçando uma na outra. Eu acho que isso descaracteriza. Se deixar do jeito que está eu acho melhor. Pode até haver uma mudança, desde que faça uma mudança de cima para baixo. Uma mudança total. Eu acho que esses remendos que estão fazendo são perigosos. A Constituição que foi colocada há 30 anos atrás se mantém atual. 

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