Diagnóstico precoce é importante para atenuar efeitos da doença; na Alego, projeto visa facilitar atendimento
Desde setembro do ano passado tramita na Assembleia Legislativa de Goiás, o projeto de lei nº 4177/20, de autoria do deputado Virmondes Cruvinel (Cidadania), que propõe a instituição da Política Estadual de Orientação, Apoio e Atendimento aos Pacientes, Familiares e Cuidadores dos Portadores da Doença de Alzheimer e Outras Doenças Neurodegenerativas.
A propositura visa assegurar uma série de garantias ao paciente e aos seus familiares, como atendimento médico e clínico, acompanhamento geriátrico, psiquiátrico e neurológico especializado e periódico junto às Unidades Básicas de Saúde e na rede hospitalar que presta atendimento aos pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS), aos doentes e aos familiares e cuidadores deles e, ainda, facilitar a obtenção de medicamentos considerados excepcionais e indispensáveis, gratuitamente, aos pacientes, através da rede pública de saúde, bem como o fornecimento de outros medicamentos receitados aos cuidadores dos mesmos; entre outros artigos.
Virmondes ressalta que a proposta fortalece e sistematiza as ações públicas destinadas ao tratamento das doenças neurodegenerativas que ocorrem com mais frequência entre os idosos. Como o envelhecimento da população já é uma realidade em nosso País, cada vez mais é preciso aumentar a rede de cuidados aos pacientes e familiares.
O parlamentar enfatiza que se trata de uma doença cujas causas ainda não foram estabelecidas, e o diagnóstico é extremamente complexo e envolve o trabalho de equipes multidisciplinares. E lembra que, quando identificada em seus estágios iniciais, maiores são as chances de se controlar os sintomas. Sendo assim, diz, a rotina dos familiares e cuidadores dos acometidos por doenças neurodegenerativas é desgastante, fazendo-se necessário o apoio para que possam desempenhar essa tarefa.
A aprovação da proposta, que já passou pelo crivo da Comissão de Constituição, Justiça e Redação e a Comisão de Saúde da Casa, será muito bem-vinda, especialmente para familiares de pacientes diagnosticados com a doença, que não tem cura, mas pode ter os efeitos retardados, com uma atenção multidisciplinar e cuidados especiais.
A gestora comercial Ana Raquel Nogueira sabe bem o quanto uma pessoa com Alzheimer necessita de cuidados e de muita dedicação da família. Por sete anos, ela acompanhou diariamente a mãe, Nilda Lopes Nogueira, diagnosticada com a doença em 2013. Ana Raquel conta que, apesar de idosa, a mãe era uma pessoa forte, ativa e lúcida, mas que, de repente, começou a ficar repetitiva, perguntava ou contava as histórias repetidamente. Além disso, começou a ter pequenos esquecimentos, percebidos por ela e pelos irmãos.
“Teve um dia que meu irmão chegou em casa, a cozinha estava toda enfumaçada porque ela esqueceu o fogão ligado com a panela no fogo. Esquecia a chave no portão do lado de fora, aconteceu algumas vezes. Eu percebi que tinha alguma coisa errada”, conta Raquel.
O diagnóstico do neurologista confirmou a suspeita: doença de Alzheimer. “Eu fiquei sem chão, porque como meu avô e minha tia já tinham falecido da doença, eu sabia o que ia acontecer com ela, já sabia o que íamos passar.”
O que é o Alzheimer
A geriatra Lívia Evangelista da Rocha Aguilar explica que o Alzheimer é uma doença degenerativa e progressiva, causada pelo acúmulo de substâncias tóxicas, como a proteína beta-amiloide, nas células nervosas, o que gera a morte de neurônios, em áreas nobres do cérebro e as consequentes perdas cognitivas. É o tipo mais prevalente entre as demências.
Estima-se que somente no Brasil, cerca de 2 milhões de pessoas tenham algum tipo de demência, sendo que a doença da Alzheimer é responsável por cerca de 1,2 milhão os casos. “A estimativa é de que até 2050, esse número possa dobrar, já que a população brasileira está envelhecendo”, diz Lívia.
A médica ensina, ainda, que existem dois tipos de fatores que causam o Alzheimer: o primeiro é o não modificável, e o segundo, os modificáveis. O primeiro é o próprio envelhecimento, que não é possível alterar, já os modificáveis dizem respeito a hábitos maléficos de vida, como o tabagismo e o abuso de álcool e o descontrole de outras doenças, como a hipertensão, a obesidade e a diabetes.
Também geriatra, Isadora Crosara complementa que as deficiências auditivas e visuais também precisam estar compensadas como forma de prevenir o Alzhemeir, assim como a depressão, que também é um fator de risco para a doença.
Estilo de vida
Ambas as especialistas lembram que, além do controle das enfermidades citadas, a adoção de um estilo de vida saudável é fundamental para se prevenir ou, no mínimo, retardar tanto o Alzheimer, como as outras demências. A receita já é conhecida de todos: alimentação equilibrada e atividades físicas são dois cuidados básicos.
A atividade física, mesmo depois do diagnóstico da doença, pode fazer toda a diferença na qualidade de vida do paciente. Ana Raquel conta que, por orientação médica, a mãe fez musculação durante três anos, atividade que ela acredita que ajudou a evitar o agravamento da doença. “Ela foi para a academia fazer musculação, com personal, três vezes na semana, o que, com certeza, retardou, ao máximo, que ela fosse para cama.”
Mas no caso das demências, não somente o corpo precisa ser exercitado. “O cérebro é como um músculo, é preciso trabalhá-lo, ter uma vida intelectual ativa, quanto mais ele for estimulado, menos chance de se ter uma demência”, diz Lívia Evangelista.
Opinião compartilhada integralmente por Isadora Crosara. “Eu preciso estar sempre estimulando, tirando o cérebro do conforto, fazendo um novo curso, aprendendo novas habilidades, isso é essencial”, segundo a geriatra.
Apesar do Alzheimer estar ligado ao envelhecimento do cérebro, as médicas explicam que há uma forma da doença se apresentar que está relacionada à hereditariedade. Ao contrário da forma mais comum da enfermidade, que acontece depois dos 65 anos, existe uma manifestação da doença em pessoas mais jovens, com histórico familiar. Ela acontece pelo mesmo mecanismo do depósito de substâncias tóxicas nas células, mas o processo ocorre por uma alteração genética. É bem rara e precoce, aparecendo antes dos 60 anos.
Diagnóstico e tratamento
A identificação da enfermidade é feita, soberanamente, pela avaliação clínica. Segundo Lívia Evangelista, exames de imagem ajudam a confirmar o diagnóstico e também a descartar outras enfermidades, mas a confirmação do Alzheimer é realizada por testes de cognição e uma anamnese detalhada.
Em casos excepcionais, explica Isadora Crosara, outros exames podem ser solicitados, como o Pet Scan Cerebral e o exame de estudo de líquor, especialmente para pacientes mais jovens ou com comportamento diferente do esperado.
Isadora Crosara faz, ainda, uma outra observação: prestar atenção aos primeiros sinais da doença. Segundo ela, falhas na memória, por exemplo, precisam ser levadas a sério e não devem ser consideradas como algo normal na velhice. O processo de envelhecimento, diz a médica, não vem associado com esquecimento, nem com alteração de linguagem.
"A gente pode ficar mais lento, mas eu continuo sim, capaz de novos aprendizados, de adquirir novos conhecimentos. Então, quando eu estiver diante de alguém que está mais repetitivo ou mais esquecido, vale a pena procurar assistência de um profissional, porque a crença popular de que, ao envelhecer é normal esquecer, não procede. É preciso investigar, porque temos diversas causas de demência, algumas que podem até ter melhoras com o tratamento. E quanto mais precoce eu fizer o diagnóstico do Alzheimer, melhor tende a ser o desempenho desse paciente”, esclarece.
Com o diagnóstico confirmado, como a doença ainda não tem cura, o tratamento é focado nos sintomas, com o objetivo de retardar o agravamento, ou seja, deixar o paciente mais funcional e independente pelo máximo de tempo possível.
Crosara explica que o tratamento é feito com medicamentos, mas é preciso ter outras terapias associadas. O que há disponível no Brasil, segundo a médica, são medicações que aumentam os neurotransmissores cerebrais, o que atrasa o processo de perdas cognitivas.
E esse tratamento medicamentoso, afirma ela, precisa ser prescrito associado ao não medicamentoso, que contempla a atividade física moderada diária, uma atividade intelectual. "Hoje a gente faz uma reabilitação neurocognitiva, em que uma neuropsicóloga vai identificar as áreas da cognição afetadas e vai trabalhar para melhorar a reserva cerebral e, assim, otimizar o desempenho desse paciente ou atrasar os prejuízos que ele possa vir a ter.”
Família também precisa de cuidados
Para a especialista Lívia Evangelista, o Alzheimer é uma doença que atinge não só o paciente, mas sim, toda a família, sendo que a partir de certo momento da evolução da enfermidade, os familiares vão sofrer mais que o próprio paciente, que, com o tempo, vai perdendo a noção da realidade.
Segundo ela, algumas pessoas com Alzheimer vão conviver com a doença por mais de 20 anos, desde a fase mais leve, passando pela moderada, até atingir a terceira e última fase, quando provavelmente o paciente já vai estar acamado. Tudo isso gera um estresse e um desgaste físico e emocional, que normalmente, evolui com a progressão da doença.
“A família precisa ser acolhida junto com o paciente. A família precisa buscar tratamento para ela também. Lembrando que o paciente não morre de Alzheimer, ele vai morrer de complicações decorrentes da doença, como uma pneumonia, uma infecção de urina, uma escara que infecciona... situações muito difíceis. Então a família precisa buscar essa ajuda pra ela também”, diz a médica.
Com a experiência de quem, por sete anos, cuidou todos os dias da mãe, Ana Raquel Nogueira sabe que o autocuidado tem uma grande importância no processo de assistência ao doente. Ela diz que ter a certeza de que cuidou, da melhor forma, do seu ente querido também é uma boa terapia para os familiares.
Ao lembrar um ano da partida da mãe, completado no último domingo, a gestora comercial avalia como um grande conforto, a busca dela e dos irmãos, por fazer o que estava ao alcance para dar a melhor qualidade de vida possível à mãe. “Nós buscamos até encontrar um médico que fez a diferença no tratamento. Ele estabilizou e prolongou a qualidade de vida dela. A família fez, mas com a orientação dele, foi muito mais fácil. Tudo que ele orientou para melhorar a qualidade de vida, mesmo com dificuldade, nós conseguimos fazer para ela”, resume.
Ela analisa como a doença provoca um desgaste emocional devastador na família, mas que pode ser minimizado, dedicando o melhor de si ao seu ente querido. “Na verdade, no Alzheimer, a gente vive um luto diário, a gente vai perdendo a pessoa cada dia um pouquinho. É uma doença muito triste, porque quando chega a velhice, não resta muita coisa, a não ser as lembranças e, nem isso o Alzheimer deixa a pessoa ter. Ele apaga a história de vida da pessoa. (…) Agora que está fazendo um ano da partida dela, eu sinto muita saudade, muita falta, mas quando eu olho para trás, vejo que o sentimento é de gratidão, porque tudo foi no tempo certo. Deus sempre nos deu força. E a sensação é de gratidão, por ter cuidado dela, por ter feito tudo por ela, eu faria tudo de novo, sem pensar duas vezes. Isso eu vou levar pro resto da minha vida, o sentimento de dever cumprido”, finaliza.