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Nem mais uma dose!

22 de Fevereiro de 2023 às 14:55
Nem mais uma dose!
O Dia Nacional do Combate ao Alcoolismo, comemorado anualmente em 18 de fevereiro, é uma oportunidade para conscientizar a população acerca da doença e dos malefícios do consumo excessivo de bebida alcoólica.

Dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) apontam que o uso contumaz e abusivo do álcool é responsável por 2,8 milhões de mortes por ano no mundo, sendo 100 mil delas só no Brasil. O alcoolismo não escolhe classe social nem faixa etária e, mesmo quando não leva à morte, pode provocar várias doenças. A gravidade do problema levou a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) a criar, em 2021, uma profissional digital de saúde, utilizando a inteligência artificial, para questões sobre o uso do álcool. No Brasil, o 18 de fevereiro foi escolhido como forma de ressaltar a conscientização sobre a doença.

No Brasil, o uso de bebidas alcóolicas é cultural. As pessoas bebem quando estão felizes para celebrar. Bebem quando estão tristes para “afogar as mágoas”. Nas comemorações, a bebida está sempre entre os convidados: nos aniversários, casamentos, batizados e até mesmo nos chás (de fraldas, de panelas e outros), cujo nome nos faz pensar que a bebida servida seria outra. Ainda tem os churrascos de família, as reuniõezinhas de amigos, o “happy hour” e por aí vai.

Como já era de se esperar, a bebida preferida do brasileiro é a cerveja. Em 2020 foram mais de 14 bilhões de litros produzidos e a previsão, no ano passado, era fechar 2022 com mais de 15 bilhões de litros produzidos. Em segundo lugar, o vinho e em terceiro, a cachaça. Só a indústria cervejeira movimenta R$ 160 bilhões por ano, responde por 1,7% do Produto Interno Bruto (PIB) e emprega 2,7 milhões de pessoas no País.

Se a produção e o consumo de bebidas são bons para a economia do País, não podemos dizer o mesmo para a saúde humana. Segundo a OPAS, o consumo de álcool é um fator causal em mais de 200 doenças e lesões. Está associado ao risco de desenvolvimento de problemas como distúrbios mentais e comportamentais, incluindo dependência ao álcool (desde 1967, a dependência ao álcool é considerada doença pela Organização Mundial de Saúde), doenças não transmissíveis graves, como cirrose hepática, alguns tipos de câncer e doenças cardiovasculares, bem como lesões resultantes de violência e acidentes de trânsito.

Segundo a psiquiatra Elen Oliveira, o alcoolismo é classificado como um transtorno mental, caracterizado pelo uso abusivo, que provoca consequências para a vida pessoal, amorosa ou profissional/acadêmica e/ou pela dependência de álcool. Ela explica que quando se chega nesse estágio, já existe a chamada tolerância, com aumento progressivo no padrão de quantidade e frequência de consumo e abstinência, quando há tentativa de interrupção do consumo.

De acordo com a médica, as causas do alcoolismo ou do Transtorno por Uso de Álcool, são multifatoriais. “Está relacionada a fatores hereditários e familiares, como história de dependências e transtorno por uso de álcool por familiares, especialmente de primeiro grau, presença de outros transtornos mentais, como ansiedade e depressão, padrões cognitivos como menor flexibilidade, que seria a dificuldade de mudar de caminho diante de desafios. Além disso, podemos apontar também uma maior impulsividade, menor tolerância à frustração, menor percepção de autovalor ou baixa autoestima, situações de estresse, vivências de traumas, violência ou de situações de abuso na infância”, elenca.

Ela segue explicando que a dependência surge diante da soma de fatores biológicos, psíquicos e sociais, que favorecem o surgimento do uso do álcool como uma forma de aliviar tensões, ou ainda de “anestesia” temporária de sofrimento ou mesmo como fonte de prazer temporário.

O alívio ou a satisfação ativam uma região cerebral chamada sistema de recompensa, onde há liberação de grande quantidade de dopamina de uma única vez, potencializando a sensação de alívio e prazer. Ainda de acordo com a médica, a liberação de dopamina também ativa outras regiões do cérebro, como o núcleo accumbens, que, por sua vez, reforça a repetição desse comportamento para a obtenção da mesma sensação e o hipocampo, que ancora a memória de situações, ambientes, sons, cheiros relacionados ao momento da sensação de prazer.

As pessoas que possuem maior vulnerabilidade para dependência possuem um sistema de recompensa mais ávido para receber cada vez mais dopamina. “Nessas pessoas, ocorre rapidamente o que chamamos de tolerância. Os neurônios que contém os receptores de dopamina, acomodam-se e ficam saciados, como se ficassem “preguiçosos”, precisando de doses maiores de dopamina para obterem o mesmo efeito. Isso faz com que o alcoolista aumente cada vez mais o consumo de álcool, com aumento da quantidade de ingestão e da frequência, cada vez mais acomodando esse sistema”, explica.

Morte, doenças físicas e psíquicas  

Outros dados sobre a doença impressionam. Uma pesquisa, divulgada em 2021 pelo Instituto Brasileiro do Fígado (Ibrafig), apontou que o brasileiro bebe em média três doses de álcool por ocasião, o que representa 450 ml de vinho ou três latas de cerveja. O número está acima do recomendado pela OMS, que considera o consumo não mais do que 14 gramas, o que equivale a uma quantidade de 150 ml de vinho ou uma lata de cerveja, por dia.

Segundo o Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (CISA), a cirrose hepática ultrapassou o número de mortes por embriaguez ao volante e se tornou a principal causa de mortes atribuída ao álcool no País. Enquanto o problema hepático representou 18,5% das mortes atribuíveis ao uso de álcool, os acidentes de trânsito corresponderam a 16,4% dessas mortes.

Os dados da OPAS mostraram também que, na região das Américas, a cada 10 segundos uma pessoa morre devido ao consumo de álcool.

Para Elen Oliveira, o uso abusivo do álcool pode, em muitos casos, desembocar na dependência e essa é a maior preocupação com o alto consumo da substância. “O uso abusivo pode provocar prejuízos diversos, como danos físicos e à saúde, danos psíquicos ou gatilho para doenças mentais, danos emocionais com problemas diversos nas relações pelos atos impulsivos e inconsequentes, danos materiais como gastos impulsivos ou mesmo acidentes, danos acadêmicos ou até mesmo profissionais. O uso abusivo denuncia, ainda, vulnerabilidade emocional e cognitiva para o desenvolvimento do quadro de dependência”.

Além disso, quando o cérebro se torna dependente da liberação de dopamina, provocada pelo consumo de álcool, abandona outras fontes de prazer. Isso faz com que o indivíduo deixe de praticar outras atividades que antes se interessava, vá se isolando e deixando de interagir com pessoas de quem gostava, voltando sua interação para pessoas que estão presentes apenas nos locais de consumo de álcool.

Em alguns casos, o dependente deixa de cuidar de outros aspectos da vida, como a saúde, a aparência, o trabalho e a família. “É um processo, até que o álcool passa a produzir uma série de danos físicos, como alteração da pressão, miocardiopatia, danos hepáticos. Na maioria das vezes, o alcoolista passa a ter sérios e irreversíveis problemas de saúde. Outros problemas que podem ocorrer é um crônico dano cerebral, com aceleração da morte de neurônios e um processo demencial. O consumo de álcool também pode precipitar, em pessoas vulneráveis, com história familiar de esquizofrenia ou transtorno bipolar, o surgimento de surto psicótico ou mania bipolar, pela alteração das vias neuronais envolvidas na produção de dopamina”, diz a psiquiatra.

Não há quantidade segura para consumo

Para a especialista, qualquer quantidade da substância pode provocar danos físicos e psíquicos. Segundo ela, quando há vulnerabilidade pessoal e familiar, mesmo nessas doses mínimas, o álcool apresenta altíssimo risco de dependência.  “O consumo de álcool com frequência maior do que seis dias no mês, ou seja, mais do que 3 finais de semana (se a pessoa bebe sábado e domingo), já deixa o cérebro vulnerável à tolerância”.

Um outro problema relacionado ao alcoolismo diz respeito ao reconhecimento por parte de quem está fazendo uso abusivo do álcool. Como é aceito socialmente, geralmente, as pessoas que se excedem no uso acreditam que não têm nenhuma tolerância e que podem parar de beber a qualquer momento. Aceitar que está doente é o primeiro passo para o tratamento, que é feito de forma multidisciplinar.  

A psiquiatra ensina que parte do tratamento envolve o uso de medicamentos que irão ajudar na vontade incontrolável de beber, nos sintomas de abstinência, que são emocionais, físicos e orgânicos, como a elevação da pressão, da frequência cardíaca e até crises convulsivas. “Com o tratamento medicamentoso tudo isso fica mais fácil. Mas é fundamental uma equipe multidisciplinar”, esclarece.

Segundo Elen Oliveira, é necessário, ainda, inserir hábitos saudáveis, como a prática de atividade física, a mudança de hábitos alimentares, já que o álcool promove um esvaziamento de outras fontes de prazer e é necessário reconstruir tudo isso.

“A psicoterapia irá auxiliar a desenvolver formas de lidar com a fissura, com a ansiedade, o estresse e com os conflitos emocionais de outras formas que não seja através do consumo de álcool. Outras terapias complementares podem auxiliar, como a terapia ocupacional que pode reinserir pessoas que estavam marginalizadas da sociedade, pode auxiliar na retomada de atividades de vida diária que antes estavam abandonadas e na reconstrução de novos hábitos e rotinas”, orienta.

Por fim, a médica reitera que é preciso tratar o alcoolismo como uma questão de saúde pública e, como tal, com atenção de toda a sociedade para a prevenção e para o tratamento. “O alcoolismo não é um hábito feio, nem uma escolha de vida ruim, é um problema de saúde. Quem sofre com essa doença precisa de apoio social e familiar. Precisa de orientação profissional e multidisciplinar. É um problema de saúde que precisa de tratamento”, finaliza.

Agência Assembleia de Notícias
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