Leitura no cotidiano

Em pauta a importância da literatura no processo educacional e o hábito da leitura frente às distrações das redes sociais. Na Assembleia Legislativa de Goiás, projetos incentivam a leitura e a escrita entre estudantes.
No calendário da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), 23 de abril é o Dia Mundial do Livro e do Direito de Autor. A data, instituída em 1995, foi escolhida por ser o aniversário de morte de três grandes escritores. Neste dia, em 1616, faleciam o espanhol Miguel de Cervantes, o inglês William Shakespeare e o peruano Garcilaso de la Vega.
Na Europa da Idade Média, os livros eram o único meio massivo de transmissão de informações e cultura. Com o alto índice de analfabetismo, porém, as histórias eram lidas apenas pela elite. Enredos surpreendentes e grandes personagens da literatura estavam entre os principais assuntos da alta sociedade, mas se espalhavam também entre os não letrados. Essas narrativas ganhavam o imaginário popular por meio de representações sonoras e visuais promovidas por trovadores, atores e desenhistas.
De lá para cá, o livro deixou de ser raro — embora ainda seja caro para a maioria — e a humanidade inventou várias outras formas de transmitir conteúdo. Escritores e poetas agora dividem espaço com os "novos trovadores", os chamados influenciadores digitais.
Nesse cenário dominado pelas redes sociais, o presidente da União Nacional dos Escritores Seção Goiás (UBE-GO), Ademir Luiz, pondera sobre aspectos antropológicos da redução do mercado editorial. "O grande problema é que perdemos a classe média. Antes, a classe média tinha algum orgulho de consumir cultura, literatura. Hoje, isso foi substituído pela imersão no entretenimento."
O escritor, pós-doutorado em Poéticas Visuais e Processos de Criação, acrescenta que esse não é um desafio recente nem resultado exclusivo da internet. "Oscar Wilde, ainda no século XIX, deu a melhor resposta. Ele disse: 'nosso tempo lê demais para ser letrado'. Ou seja, existe tanta informação circulando, que todo mundo se sente inteligente sabendo da novidade do dia. É preciso substituir a sede de informação por desejo de formação. Leitura é formação", alerta.
Âmbito pedagógico
Presidente da Comissão de Educação da Assembleia Legislativa de Goiás (Alego), a deputada Bia de Lima (PT) demonstra essa mesma preocupação. "As redes sociais fazem a gente perder um tempo que poderia ser muito melhor utilizado com os livros. É preciso redescobrir e reconstruir o hábito da leitura. Caso contrário, vamos ficar sempre limitados às fofocas das redes sociais e às fake news. A educação tem um papel extraordinário nesse processo", ressalta a parlamentar.
Na opinião da deputada, as crianças e jovens não estão recebendo o estímulo necessário. Ela afirma, ainda, que estratégias de formação de leitores só são eficazes quando há esforços compartilhados entre a escola e a família. "Como professora e mãe, acredito que devemos sempre estimular a leitura, um instrumento que capacita, qualifica, amplia horizontes, garante mais visão para construção do conhecimento. Que nós todos, as escolas e as famílias, possamos fazer com que o livro faça parte do cotidiano das nossas crianças e jovens", almeja.
O Centro de Educação Infantil (CEI) Suely Paschoal realiza, desde 2019, a ação "Leitura em Família". Às sextas-feiras, cada estudante leva um livro para casa com a missão de ler com os familiares. Nas segundas-feiras, os pequenos leitores participam de uma roda de conversa com os colegas e as professoras. Como o projeto prevê um rodízio de títulos, os alunos recebem a oportunidade de conhecer e compartilhar diversas histórias.
A diretora da instituição, Marília Melo, conta que a iniciativa surgiu da necessidade de ampliar o acesso das crianças à literatura infantil de qualidade. Ela relata que os resultados são positivos tanto por incentivar a leitura quanto por proporcionar momentos de interação das crianças com seus cuidadores. "Elas desenvolvem prazer no ato de ler. Com isso, desenvolvem também a curiosidade, a imaginação, a linguagem, de um modo que só um bom livro consegue proporcionar", elenca a diretora.
Literatura e tecnologia
Por mais que as distrações dos smartphones sejam prejudiciais no contexto escolar, o ciberespaço também oferece algumas vantagens à literatura: e-books são mais baratos que livros impressos, o que potencializa o alcance a novos leitores e simplifica o processo de publicação dos autores; audiolivros e softwares leitores de tela possibilitam que pessoas cegas tenham acesso facilitado aos conteúdos escritos.
Além disso, há um acervo incontável de títulos à distância de um click, em portais como o Domínio Público, vinculado ao Governo Federal; a Biblioteca Nacional Digital do Brasil (BNDigital) e a Biblioteca Digital do Senado Federal (BGSF). "Grande parte dos maiores clássicos da história da literatura estão disponíveis gratuitamente na internet. É preciso devolver para a escola uma atmosfera na qual se valoriza a cultura de modo cotidiano e não apenas nos projetos pedagógicos de leitura", convoca o presidente da UBE Goiás.
Bibliotecas itinerantes
O tema das bibliotecas escolares é debatido em diversos projetos que encontram-se em tramitação na Casa de Leis. O deputado Dr. George Morais (PDT) é um dos que encampam essa discussão. Ele é autor do processo nº 23837/24, que visa à instalação de bibliotecas itinerantes em municípios que possuam pouco ou nenhum acesso a bibliotecas. A propositura sugere que caberá ao Poder Executivo, por meio das Secretarias de Educação e Cultura, identificar as regiões prioritárias, com base em estudos sobre a distribuição de acervos literários no estado.
“Sabemos que muitas crianças, adolescentes e até adultos vivem em regiões que ainda carecem de espaços adequados para leitura e pesquisa. As bibliotecas móveis são uma forma de levar cultura e conhecimento para perto das pessoas, especialmente nas comunidades mais afastadas. É uma forma concreta de dizer que o livro precisa estar onde o povo está”, argumenta Morais.
Tramitando na Comissão de Constituição, Justiça e Redação (CCJ), o projeto aguarda a votação do substitutivo proposto pelo relator, deputado Veter Martins (UB).
Escrevendo a história
Também por iniciativa de Morais, está em vigência o programa "Escrevendo a História dos Municípios Goianos", que deu a estudantes do Ensino Médio a oportunidade de se tornarem autores de coletâneas de livros sobre a história de suas cidades. “Nesse processo, os alunos ficaram encantados ao se verem como autores. Famílias inteiras se mobilizaram para prestigiar os lançamentos e houve um envolvimento muito forte da comunidade escolar. Além disso, percebemos um aumento no interesse dos alunos pela história local e pela produção textual”, destaca.
O primeiro volume do livro é composto por textos e ilustrações provenientes de Trindade, Abadia de Goiás, Guapó, Campestre de Goiás, Santa Bárbara de Goiás e do distrito de Posselândia. Já o Volume 2 conta, sob a perspectiva dos estudantes, a história de Iporá, Caiapônia e Palestina de Goiás. O terceiro título está sendo iniciado e deve contemplar mais 11 municípios: Inhumas, Araçu, Brazabrantes, Caturaí, Damolândia, Goianira, Itauçu, Nova Veneza, Santa Rosa de Goiás, Taquaral de Goiás e Santo Antônio de Goiás.
“Acredito que o hábito da leitura deve ser cultivado desde cedo e, principalmente, precisa ser prazeroso. Por isso, defendo iniciativas como clubes de leitura, projetos literários nas escolas e o fortalecimento de bibliotecas públicas e comunitárias. Precisamos tornar o livro acessível e atraente, inclusive diante da concorrência com o mundo digital”, conclui o parlamentar.