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Capital art déco: Praça Cívica

08 de Agosto de 2025 às 16:53
Capital art déco: Praça Cívica

No terceiro texto da série especial que comemora o centenário do estilo artístico parisiense, a Agência de Notícias apresenta, em detalhes, prédios históricos e monumentos da praça mais famosa da capital goiana.  

Um dos arquitetos a estudar sobre a experiência das pessoas dentro de suas cidades, o austríaco Camillo Sitte defendia que a funcionalidade dos espaços urbanos deve caminhar de mãos dadas com um respiro artístico capaz de promover o bem-estar dos cidadãos. Como uma das formas de alcançar essa qualidade espacial, ele aponta as praças. São, segundo o autor, lugares de encontro, vínculo com a cidade e de promoção do convívio social, além de representarem uma quebra visual positiva.

Em Goiânia, a Praça Dr. Pedro Ludovico Teixeira, mais conhecida como Praça Cívica pelos moradores da capital, não apenas reúne importantes prédios da administração estadual, mas também serve a esse propósito. Na terceira matéria da série sobre o centenário do art déco, o estilo arquitetônico escolhido para os primeiros prédios de Goiânia, conheça as demais construções localizadas no coração da capital goiana e que são parte do conjunto tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Relembre o primeiro e segundo textos do especial produzido pelo Portal da Alego. 

Museu Zoroastro Artiaga 

O Museu Zoroastro Artiaga é um elo entre o passado e o presente goianos para além do fato de fazer parte do grupo arquitetônico art déco. Trata-se do primeiro museu instalado na nova capital. O edifício de dois pavimentos foi construído entre 1942 e 1943 para abrigar, originalmente, o Departamento de Imprensa e Propaganda. Em 1946, uma reviravolta: foi transformado em um espaço-guardião da trajetória e cultura de Goiás.

Segundo o arquiteto e doutor em planejamento urbano Fred Le Blue Assis, a parte externa da construção é praticamente um memorial, já que reúne quase todas as principais particularidades do art déco na arquitetura. A fachada livre trabalha com a criação de volumes a partir de figuras geométricas simplificadas e em simetria. As colunas, entrada de acesso e faixas verticais que emolduram a parte superior do edifício (platibandas) são demarcadas por seus tons de bege claro, que contrastam com o azul também presente no revestimento.

Além disso, verifica-se o emprego de estruturas de ferro fundido com adornos geométricos abstratos nas janelas e na porta do museu. Há, ainda, ornamentos inspirados em temas locais e iluminação noturna, que destaca a grandiosidade do espaço. O engenheiro polonês Kazimiers Bartoszevsky assina a obra. 

Na foto, de 2018, é possível observar os detalhes que conferem o esplendor arquitetônico ao edifício (Crédito: Leandro Moura/Domínio público)

O acervo museológico é diverso e, hoje, possui mais de quatro mil peças que passam pelos povos indígenas e arte sacra e popular, por exemplo, até chegar à atualidade. Há também documentos históricos, amostras de fauna e flora do cerrado, entre outros objetos relacionados à Região Centro-Oeste, suas riquezas naturais e história. Os itens iniciais foram doados ao então Museu Estadual pelo seu primeiro diretor, o professor, historiador e pesquisador goiano Zoroastro Artiaga, que deixou um grande legado para a preservação do passado do Estado. O museu foi rebatizado em sua homenagem no ano de 1965. 

Desde novembro de 2024, está fechado para obras de restauração completa empreendidas pelo Governo Estadual com o investimento de R$ 6,6 milhões. O projeto prevê recuperar as características originais da edificação e novidades em termos de acessibilidade, segurança, iluminação e museografia.

As obras no Museu Zoroastro Artiaga buscam restaurar a beleza original do edifício e garantir que ele seja acessível à população (Crédito: Carlos Costa)

Uma curiosidade: Em 1947, durante menos de um mês, a Assembleia Legislativa do Estado de Goiás funcionou provisoriamente no prédio. A Casa de Leis passou por três outros locais até chegar ao Palácio Maguito Vilela, onde está desde 2022. Também estiveram lá a Escola Goiana de Belas Artes (1952-1957) e a Escolinha de Arte Infantil (1966-1970). Desde 1970, é ocupado apenas pelo Museu Zoroastro Artiaga.

Coreto da Praça Cívica

Por muito tempo, as praças brasileiras foram o coração dos eventos da sociedade. Quando esses locais começaram a receber elementos de paisagismo, os coretos surgiram como edificações para embelezar o espaço e fornecer um ponto ao ar livre para apresentações artísticas e discursos políticos. Você já ouviu a expressão “bagunçar o coreto”? A inspiração para ela vem justamente da ideia de que algo ou alguém atrapalhou algum evento importante. 

O Coreto da Praça Cívica é um dos exemplares mais rebuscados do conjunto arquitetônico art déco de Goiânia. Projetada por Jorge Félix de Souza, a construção faz parte da proposta original da praça e foi inaugurada em julho de 1942 na ocasião do Batismo Cultural da nova capital goiana. Ela se destaca pelo uso de formas arredondadas e curvas, conforme a tendência do art déco chamada de streamline, a qual busca inspiração em navios, locomotivas e automóveis modernos e aerodinâmicos. 

O Coreto da Praça Cívica tem lugar cativo entre os mais icônicos marcos da paisagem urbana goianiense (Foto: Will Rosa)

Também chama atenção a riqueza de detalhes e do acabamento, além da composição simétrica, características do estilo arquitetônico da obra. O Coreto foi construído sobre uma base de alvenaria, uma escada dá acesso ao espaço e está ladeada por dois pilares pequenos que terminam em esferas. Ao longo da extensão, há bancos feitos de granitina. A estrutura é composta por tijolos e uma laje de concreto armado, finalizada com adornos e frisos (faixas horizontais) decorativos em relevo. A cobertura é sustentada por dois pilares. Externamente, o piso é revestido com pedra portuguesa, e o entorno do edifício é adornado por duas jardineiras.

A falta de manutenção constante fez com que o Coreto da Praça Cívica passasse a sofrer, na década de 1960, com problemas estruturais e de vandalismo. Na gestão do prefeito Manoel dos Reis, entre 1973 e 1978, o espaço foi completamente descaracterizado e abrigou o Centro de Atendimento ao Turista (CAT), mas a nova estrutura não agradou. Em 1979, na administração municipal de Hélio Mauro Humbelino Lôbo, uma nova obra devolveu à edificação as suas características e função originais. 

Na década de 1970, o Coreto da Praça Cívica foi descaracterizado e transformado em um ponto de informações turísticas (Crédito: Gerência de Patrimônio Histórico da Secretaria de Cultura de Goiânia) 

A mais recente iniciativa de restauração foi realizada pelo Iphan e entregue em 2020. Segundo o Instituto, buscou-se valorizar os atributos do estilo art déco e garantir a integridade e arquitetura do edifício. Hoje, o Coreto da Praça Cívica é um elemento de destaque na paisagem urbana goianiense e é ponto de encontro de manifestações políticas, sociais, artísticas e turísticas.

Torre do Relógio na Avenida Goiás 

Erguida para ser o suporte de um marcador literal do tempo, a Torre do Relógio da Avenida Goiás acabou por se transformar ela mesma, de forma poética, em um marco do tempo. Emblema de uma era em que o ideal de modernidade se vestia de art déco, o monumento de aproximadamente 16 metros está localizado no canteiro central daquela que ainda é uma das principais avenidas de Goiânia. 

A exemplo do Coreto da Praça Cívica, que fica logo à sua frente, a edificação foi inaugurada durante o Batismo Cultural de Goiânia, em julho de 1942. O evento foi uma grande festa com vários dias de duração, pensada por Pedro Ludovico Teixeira como a apresentação oficial da jovem cidade ao Brasil. Ocorreram diversas solenidades, eventos culturais, artísticos, inaugurações de espaços públicos e atividades de lazer. 

O projeto da casa para o relógio público de quatro faces é assinado pelo arquiteto Américo Vespúcio Pontes, que incorporou padrões geométricos simétricos em traços verticais, horizontais e diagonais como formas de expressão do art déco em cada lado da torre. 

A Torre do Relógio da Avenida Goiás une a funcionalidade e beleza. Os detalhes do topo são um dos destaques do art déco (Crédito: Will Rosa)

Sobre o primeiro guardião do tempo na capital, foram inseridos elementos decorativos em ferro com linhas ondulantes e abstratas vazadas. No topo, uma estrutura ornamentada com formas geométricas em diferentes volumes e frisos coroam a construção. O revestimento cinza é feito com pó de pedra, mais uma característica do estilo francês na arquitetura. Outro destaque é a iluminação interna.

A estrutura tem imponentes 16 metros de altura. À sua frente, uma luminária em estilo art déco complementa a paisagem urbana (Crédito: Carlos Costa) 

A popularização dos relógios mecânicos foi um processo gradual e, em meados do século passado, eram grandes e instalados em locais públicos e igrejas. Assim, o relógio na Avenida Goiás cumpria com a necessidade de informar as horas à população no decorrer do dia. A torre surgiu como um elemento decorativo, para unir embelezamento e funcionalidade. 

Em 2020, ao realizar uma obra de conservação na Torre do Relógio da Avenida Goiás, o Iphan identificou a necessidade de uma intervenção restaurativa total no bem. O total de R$ 678 mil em recursos do Governo Federal foi investido na empreitada, que durou oito meses e foi entregue em 2021. Além de reforço estrutural, recuperou-se o revestimento externo em áreas com fissuras, a pintura e o piso interno, e houve o restauro de elementos decorativos. 

Na época, a Caixa de Assistência dos Advogados de Goiás (Casag) destinou R$ 9,8 mil para que o maquinário do relógio voltasse a funcionar e assumiu a responsabilidade de manter o restauro e manutenção. Em 2024, o Governo de Goiás, a Prefeitura de Goiânia e a Casag firmaram um termo de compromisso para o cuidado coletivo com a edificação. O Executivo Estadual ficou com a segurança, o Municipal com a limpeza e paisagismo, e a entidade com o restauro e manutenção. 

Fontes luminosas e obelisco com luminárias 

O obelisco é uma estrutura simbólica na arquitetura. Monumentos altos de base e formato quadrangulares, eles surgiram no Antigo Egito. Lá, eram edificados em pares nas entradas de templos e representavam a ligação entre o céu e a terra, a partir do deus Amon, e o poder do faraó. Com o passar do tempo, diversas culturas os adotaram como emblemas de acontecimentos e homenagens grandiosos. 

À frente do Palácio das Esmeraldas, na Praça Cívica, o arquiteto Jerônimo Coimbra Bueno, que assumiu os rumos da construção de Goiânia após a saída de Atílio Corrêa Lima, havia projetado e instalado um grande obelisco em estilo art déco. A construção foi demolida e substituída pela escultura “Monumento às Três Raças” (1968), mas ainda é possível encontrar outros dois obeliscos, apesar de menores, na praça. 

A escolha de obeliscos para embelezar o centro cívico de Goiânia é emblemática. Hoje, existem dois idênticos, localizados simetricamente às diagonais do Palácio das Esmeraldas e à frente do Centro Cultural Marieta Telles Machado e do prédio do antigo Fórum e Tribunal de Justiça do Estado de Goiás.

As construções goianienses são uma releitura moderna do formato tradicional de um obelisco (que tem a ponta afinada) e contam com luminárias. Elas têm a cor verde a partir de um revestimento com pó de pedra e são marcadas pelo estilismo geométrico simplificado, tanto em suas laterais quanto na base e no topo. Suas formas alongadas enfatizam a verticalidade, um elemento frequente no art déco que é associado ao progresso e modernidade. Outro destaque aparente é a composição com relevos.

Os obeliscos da Praça Cívica são idênticos e posicionados simetricamente (Crédito: Carlos Costa) 

Mais um elemento do paisagismo da Praça Cívica que recebeu o reconhecimento oficial do Iphan são as suas duas fontes luminosas. Elas foram concebidas em 1936 pelo arquiteto Atílio Corrêa Lima e estão dispostas de maneira simétrica ao leste, próxima ao Museu Zoroastro Artiaga, e ao oeste, em frente à estátua de Pedro Ludovico Teixeira montado em seu cavalo. 

O principal elemento que as tornam ícones do art déco é a incorporação da iluminação elétrica como recurso estético moderno. A luz não é apenas funcional, é um ornamento que realça os contornos geométricos ao redor das fontes e cria efeitos noturnos únicos em uma representação de modernidade e progresso. 

As construções têm 260 metros quadrados e já passaram por três reformulações de seu espaço interno. Atualmente, cada uma possui 32 emissores de água controlados por automação. O sistema utilizado se chama “fonte seca” e não há acúmulo de água na bacia, mesmo com jatos d’água que podem chegar a mais de cinco metros de altura. Tanto as fontes quanto os obeliscos foram reformados entre 2014 e 2016 por ocasião do extinto programa federal PAC Cidades Históricas. 

Antiga Delegacia Fiscal

O prédio onde um dia funcionou a antiga Delegacia Fiscal acabou por se tornar a casa do Iphan em Goiás. Localizado na parte norte do anel externo da Praça Cívica, o edifício de propriedade do Governo Federal foi inaugurado em 1937. No local, também funcionou o Ministério da Fazenda – Delegacia de Administração GO-TO. 

O art déco fica aparente nos gradis de ferro fundido decorados da porta da frente, no desenho com volumes diferentes da fachada principal e em sua forma ligeiramente curva que enfatiza sua localização em uma esquina. Vale destacar também as lajes de concreto armado e o telhado de cerâmica escondido por platibandas.

Antes de ser inaugurada como sede do instituto, em fevereiro de 2020, a edificação recebeu uma obra de restauração que durou quatro anos e custou R$ 11,56 milhões. O local foi batizado de Casa do Patrimônio Belmira Finageiv, homenagem à arquiteta pioneira na preservação do patrimônio histórico e cultural da Região Centro-Oeste.

Tribunal Regional Eleitoral de Goiás

Além do Palácio das Esmeraldas, a primeira sede do Tribunal Regional Eleitoral de Goiás é um dos únicos edifícios administrativos tombados pelo Iphan que manteve o seu ocupante original. Inaugurado em 1942, o prédio inicialmente recebeu o antigo Plenário do Tribunal.

Sua fachada se destaca por volumes escalonados, platibandas coroadas por frisos horizontais e pintura em duas cores. Os degraus no acesso principal chamam atenção para o patamar de entrada do hall. Janelas amplas ganham evidência com o uso de frisos e as portas de entrada são decoradas por uma estrutura metálica com formas quadrangulares. Ao decorrer dos anos, o local passou por adaptações para promover acessibilidade e impulsionar a funcionalidade espacial para os servidores que lá trabalham.

 A partir da década de 1990, a Corte eleitoral goiana ampliou a sua estrutura com a construção de novas unidades e, atualmente, conta com dois anexos, cartórios eleitorais com sede própria e central de atendimento ao eleitor. 

O tratamento que a Justiça Eleitoral de Goiás confere à sua unidade-sede é um grande exemplo de valorização histórica e cuidado com a memória do povo goiano. Desde 2011, funciona no local o Centro de Memória da Justiça Eleitoral de Goiás - Desembargador Geraldo Crispim Borges. O acervo contém móveis originais usados pelo Tribunal Pleno, de 1945 até 1990, bem como documentos históricos e outros materiais que retratam o desenvolvimento da Justiça Eleitoral em Goiás. Os interessados podem fazer visitas presenciais ao prédio, mas também há uma plataforma digital que disponibiliza a coleção museológica completa e outras informações adicionais. 

Na próxima sexta-feira, o penúltimo texto da série especial da Agência de Notícias Yocihar Maeda irá apresentar os demais seis bens que fazem parte do conjunto arquitetônico art déco tombado pelo Iphan. 

Agência Assembleia de Notícias - Repórter: Izabella Pavetits
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