Capital art déco: Praça Cívica

No terceiro texto da série especial que comemora o centenário do estilo artístico parisiense, a Agência de Notícias apresenta, em detalhes, prédios históricos e monumentos da praça mais famosa da capital goiana.
Um dos arquitetos a estudar sobre a experiência das pessoas dentro de suas cidades, o austríaco Camillo Sitte defendia que a funcionalidade dos espaços urbanos deve caminhar de mãos dadas com um respiro artístico capaz de promover o bem-estar dos cidadãos. Como uma das formas de alcançar essa qualidade espacial, ele aponta as praças. São, segundo o autor, lugares de encontro, vínculo com a cidade e de promoção do convívio social, além de representarem uma quebra visual positiva.
Em Goiânia, a Praça Dr. Pedro Ludovico Teixeira, mais conhecida como Praça Cívica pelos moradores da capital, não apenas reúne importantes prédios da administração estadual, mas também serve a esse propósito. Na terceira matéria da série sobre o centenário do art déco, o estilo arquitetônico escolhido para os primeiros prédios de Goiânia, conheça as demais construções localizadas no coração da capital goiana e que são parte do conjunto tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Relembre o primeiro e segundo textos do especial produzido pelo Portal da Alego.
Museu Zoroastro Artiaga
O Museu Zoroastro Artiaga é um elo entre o passado e o presente goianos para além do fato de fazer parte do grupo arquitetônico art déco. Trata-se do primeiro museu instalado na nova capital. O edifício de dois pavimentos foi construído entre 1942 e 1943 para abrigar, originalmente, o Departamento de Imprensa e Propaganda. Em 1946, uma reviravolta: foi transformado em um espaço-guardião da trajetória e cultura de Goiás.
Segundo o arquiteto e doutor em planejamento urbano Fred Le Blue Assis, a parte externa da construção é praticamente um memorial, já que reúne quase todas as principais particularidades do art déco na arquitetura. A fachada livre trabalha com a criação de volumes a partir de figuras geométricas simplificadas e em simetria. As colunas, entrada de acesso e faixas verticais que emolduram a parte superior do edifício (platibandas) são demarcadas por seus tons de bege claro, que contrastam com o azul também presente no revestimento.
Além disso, verifica-se o emprego de estruturas de ferro fundido com adornos geométricos abstratos nas janelas e na porta do museu. Há, ainda, ornamentos inspirados em temas locais e iluminação noturna, que destaca a grandiosidade do espaço. O engenheiro polonês Kazimiers Bartoszevsky assina a obra.
O acervo museológico é diverso e, hoje, possui mais de quatro mil peças que passam pelos povos indígenas e arte sacra e popular, por exemplo, até chegar à atualidade. Há também documentos históricos, amostras de fauna e flora do cerrado, entre outros objetos relacionados à Região Centro-Oeste, suas riquezas naturais e história. Os itens iniciais foram doados ao então Museu Estadual pelo seu primeiro diretor, o professor, historiador e pesquisador goiano Zoroastro Artiaga, que deixou um grande legado para a preservação do passado do Estado. O museu foi rebatizado em sua homenagem no ano de 1965.
Desde novembro de 2024, está fechado para obras de restauração completa empreendidas pelo Governo Estadual com o investimento de R$ 6,6 milhões. O projeto prevê recuperar as características originais da edificação e novidades em termos de acessibilidade, segurança, iluminação e museografia.
Uma curiosidade: Em 1947, durante menos de um mês, a Assembleia Legislativa do Estado de Goiás funcionou provisoriamente no prédio. A Casa de Leis passou por três outros locais até chegar ao Palácio Maguito Vilela, onde está desde 2022. Também estiveram lá a Escola Goiana de Belas Artes (1952-1957) e a Escolinha de Arte Infantil (1966-1970). Desde 1970, é ocupado apenas pelo Museu Zoroastro Artiaga.
Coreto da Praça Cívica
Por muito tempo, as praças brasileiras foram o coração dos eventos da sociedade. Quando esses locais começaram a receber elementos de paisagismo, os coretos surgiram como edificações para embelezar o espaço e fornecer um ponto ao ar livre para apresentações artísticas e discursos políticos. Você já ouviu a expressão “bagunçar o coreto”? A inspiração para ela vem justamente da ideia de que algo ou alguém atrapalhou algum evento importante.
O Coreto da Praça Cívica é um dos exemplares mais rebuscados do conjunto arquitetônico art déco de Goiânia. Projetada por Jorge Félix de Souza, a construção faz parte da proposta original da praça e foi inaugurada em julho de 1942 na ocasião do Batismo Cultural da nova capital goiana. Ela se destaca pelo uso de formas arredondadas e curvas, conforme a tendência do art déco chamada de streamline, a qual busca inspiração em navios, locomotivas e automóveis modernos e aerodinâmicos.
Também chama atenção a riqueza de detalhes e do acabamento, além da composição simétrica, características do estilo arquitetônico da obra. O Coreto foi construído sobre uma base de alvenaria, uma escada dá acesso ao espaço e está ladeada por dois pilares pequenos que terminam em esferas. Ao longo da extensão, há bancos feitos de granitina. A estrutura é composta por tijolos e uma laje de concreto armado, finalizada com adornos e frisos (faixas horizontais) decorativos em relevo. A cobertura é sustentada por dois pilares. Externamente, o piso é revestido com pedra portuguesa, e o entorno do edifício é adornado por duas jardineiras.
A falta de manutenção constante fez com que o Coreto da Praça Cívica passasse a sofrer, na década de 1960, com problemas estruturais e de vandalismo. Na gestão do prefeito Manoel dos Reis, entre 1973 e 1978, o espaço foi completamente descaracterizado e abrigou o Centro de Atendimento ao Turista (CAT), mas a nova estrutura não agradou. Em 1979, na administração municipal de Hélio Mauro Humbelino Lôbo, uma nova obra devolveu à edificação as suas características e função originais.
A mais recente iniciativa de restauração foi realizada pelo Iphan e entregue em 2020. Segundo o Instituto, buscou-se valorizar os atributos do estilo art déco e garantir a integridade e arquitetura do edifício. Hoje, o Coreto da Praça Cívica é um elemento de destaque na paisagem urbana goianiense e é ponto de encontro de manifestações políticas, sociais, artísticas e turísticas.
Torre do Relógio na Avenida Goiás
Erguida para ser o suporte de um marcador literal do tempo, a Torre do Relógio da Avenida Goiás acabou por se transformar ela mesma, de forma poética, em um marco do tempo. Emblema de uma era em que o ideal de modernidade se vestia de art déco, o monumento de aproximadamente 16 metros está localizado no canteiro central daquela que ainda é uma das principais avenidas de Goiânia.
A exemplo do Coreto da Praça Cívica, que fica logo à sua frente, a edificação foi inaugurada durante o Batismo Cultural de Goiânia, em julho de 1942. O evento foi uma grande festa com vários dias de duração, pensada por Pedro Ludovico Teixeira como a apresentação oficial da jovem cidade ao Brasil. Ocorreram diversas solenidades, eventos culturais, artísticos, inaugurações de espaços públicos e atividades de lazer.
O projeto da casa para o relógio público de quatro faces é assinado pelo arquiteto Américo Vespúcio Pontes, que incorporou padrões geométricos simétricos em traços verticais, horizontais e diagonais como formas de expressão do art déco em cada lado da torre.
Sobre o primeiro guardião do tempo na capital, foram inseridos elementos decorativos em ferro com linhas ondulantes e abstratas vazadas. No topo, uma estrutura ornamentada com formas geométricas em diferentes volumes e frisos coroam a construção. O revestimento cinza é feito com pó de pedra, mais uma característica do estilo francês na arquitetura. Outro destaque é a iluminação interna.
A popularização dos relógios mecânicos foi um processo gradual e, em meados do século passado, eram grandes e instalados em locais públicos e igrejas. Assim, o relógio na Avenida Goiás cumpria com a necessidade de informar as horas à população no decorrer do dia. A torre surgiu como um elemento decorativo, para unir embelezamento e funcionalidade.
Em 2020, ao realizar uma obra de conservação na Torre do Relógio da Avenida Goiás, o Iphan identificou a necessidade de uma intervenção restaurativa total no bem. O total de R$ 678 mil em recursos do Governo Federal foi investido na empreitada, que durou oito meses e foi entregue em 2021. Além de reforço estrutural, recuperou-se o revestimento externo em áreas com fissuras, a pintura e o piso interno, e houve o restauro de elementos decorativos.
Na época, a Caixa de Assistência dos Advogados de Goiás (Casag) destinou R$ 9,8 mil para que o maquinário do relógio voltasse a funcionar e assumiu a responsabilidade de manter o restauro e manutenção. Em 2024, o Governo de Goiás, a Prefeitura de Goiânia e a Casag firmaram um termo de compromisso para o cuidado coletivo com a edificação. O Executivo Estadual ficou com a segurança, o Municipal com a limpeza e paisagismo, e a entidade com o restauro e manutenção.
Fontes luminosas e obelisco com luminárias
O obelisco é uma estrutura simbólica na arquitetura. Monumentos altos de base e formato quadrangulares, eles surgiram no Antigo Egito. Lá, eram edificados em pares nas entradas de templos e representavam a ligação entre o céu e a terra, a partir do deus Amon, e o poder do faraó. Com o passar do tempo, diversas culturas os adotaram como emblemas de acontecimentos e homenagens grandiosos.
À frente do Palácio das Esmeraldas, na Praça Cívica, o arquiteto Jerônimo Coimbra Bueno, que assumiu os rumos da construção de Goiânia após a saída de Atílio Corrêa Lima, havia projetado e instalado um grande obelisco em estilo art déco. A construção foi demolida e substituída pela escultura “Monumento às Três Raças” (1968), mas ainda é possível encontrar outros dois obeliscos, apesar de menores, na praça.
A escolha de obeliscos para embelezar o centro cívico de Goiânia é emblemática. Hoje, existem dois idênticos, localizados simetricamente às diagonais do Palácio das Esmeraldas e à frente do Centro Cultural Marieta Telles Machado e do prédio do antigo Fórum e Tribunal de Justiça do Estado de Goiás.
As construções goianienses são uma releitura moderna do formato tradicional de um obelisco (que tem a ponta afinada) e contam com luminárias. Elas têm a cor verde a partir de um revestimento com pó de pedra e são marcadas pelo estilismo geométrico simplificado, tanto em suas laterais quanto na base e no topo. Suas formas alongadas enfatizam a verticalidade, um elemento frequente no art déco que é associado ao progresso e modernidade. Outro destaque aparente é a composição com relevos.
Mais um elemento do paisagismo da Praça Cívica que recebeu o reconhecimento oficial do Iphan são as suas duas fontes luminosas. Elas foram concebidas em 1936 pelo arquiteto Atílio Corrêa Lima e estão dispostas de maneira simétrica ao leste, próxima ao Museu Zoroastro Artiaga, e ao oeste, em frente à estátua de Pedro Ludovico Teixeira montado em seu cavalo.
O principal elemento que as tornam ícones do art déco é a incorporação da iluminação elétrica como recurso estético moderno. A luz não é apenas funcional, é um ornamento que realça os contornos geométricos ao redor das fontes e cria efeitos noturnos únicos em uma representação de modernidade e progresso.
As construções têm 260 metros quadrados e já passaram por três reformulações de seu espaço interno. Atualmente, cada uma possui 32 emissores de água controlados por automação. O sistema utilizado se chama “fonte seca” e não há acúmulo de água na bacia, mesmo com jatos d’água que podem chegar a mais de cinco metros de altura. Tanto as fontes quanto os obeliscos foram reformados entre 2014 e 2016 por ocasião do extinto programa federal PAC Cidades Históricas.
Antiga Delegacia Fiscal
O prédio onde um dia funcionou a antiga Delegacia Fiscal acabou por se tornar a casa do Iphan em Goiás. Localizado na parte norte do anel externo da Praça Cívica, o edifício de propriedade do Governo Federal foi inaugurado em 1937. No local, também funcionou o Ministério da Fazenda – Delegacia de Administração GO-TO.
O art déco fica aparente nos gradis de ferro fundido decorados da porta da frente, no desenho com volumes diferentes da fachada principal e em sua forma ligeiramente curva que enfatiza sua localização em uma esquina. Vale destacar também as lajes de concreto armado e o telhado de cerâmica escondido por platibandas.
Antes de ser inaugurada como sede do instituto, em fevereiro de 2020, a edificação recebeu uma obra de restauração que durou quatro anos e custou R$ 11,56 milhões. O local foi batizado de Casa do Patrimônio Belmira Finageiv, homenagem à arquiteta pioneira na preservação do patrimônio histórico e cultural da Região Centro-Oeste.
Tribunal Regional Eleitoral de Goiás
Além do Palácio das Esmeraldas, a primeira sede do Tribunal Regional Eleitoral de Goiás é um dos únicos edifícios administrativos tombados pelo Iphan que manteve o seu ocupante original. Inaugurado em 1942, o prédio inicialmente recebeu o antigo Plenário do Tribunal.
Sua fachada se destaca por volumes escalonados, platibandas coroadas por frisos horizontais e pintura em duas cores. Os degraus no acesso principal chamam atenção para o patamar de entrada do hall. Janelas amplas ganham evidência com o uso de frisos e as portas de entrada são decoradas por uma estrutura metálica com formas quadrangulares. Ao decorrer dos anos, o local passou por adaptações para promover acessibilidade e impulsionar a funcionalidade espacial para os servidores que lá trabalham.
A partir da década de 1990, a Corte eleitoral goiana ampliou a sua estrutura com a construção de novas unidades e, atualmente, conta com dois anexos, cartórios eleitorais com sede própria e central de atendimento ao eleitor.
O tratamento que a Justiça Eleitoral de Goiás confere à sua unidade-sede é um grande exemplo de valorização histórica e cuidado com a memória do povo goiano. Desde 2011, funciona no local o Centro de Memória da Justiça Eleitoral de Goiás - Desembargador Geraldo Crispim Borges. O acervo contém móveis originais usados pelo Tribunal Pleno, de 1945 até 1990, bem como documentos históricos e outros materiais que retratam o desenvolvimento da Justiça Eleitoral em Goiás. Os interessados podem fazer visitas presenciais ao prédio, mas também há uma plataforma digital que disponibiliza a coleção museológica completa e outras informações adicionais.
Na próxima sexta-feira, o penúltimo texto da série especial da Agência de Notícias Yocihar Maeda irá apresentar os demais seis bens que fazem parte do conjunto arquitetônico art déco tombado pelo Iphan.