O exemplo de Dona Ruth
* Fábio Sousa é deputado estadual, vice-presidente da Comissão de Constituição e Justiça, vice-presidente da Comissão de Recursos Humanos da Assembléia Legislativa, primeiro secretário do PSDB goiano.
Estou em viagem para os Estados Unidos cumprindo uma extensa agenda que vai desde assuntos pessoais – o casamento do meu irmão – até compromissos políticos. Dentre estes compromissos estão audiências com os prefeitos de duas importantes cidades de Massachusetts – Summerville e Peabody. Poderei conhecer melhor o sistema de educação, tido como referência no Estado, que estas cidades oferecem aos seus munícipes.
Recebi então uma ligação de um amigo me dizendo que a ex-primeira-dama do Brasil, dona Ruth Cardoso, havia falecido. Fiquei surpreso, já que as últimas notícias sobre seu estado de saúde eram boas e ela já havia deixado o hospital.
A morte de Dona Ruth é uma grande perda para seus familiares, principalmente para seu marido e companheiro Fernando Henrique Cardoso, ex-presidente da República e líder maior do meu partido, o PSDB, com quem esteve casada durante 56 anos. Mas esta grandiosa perda se estende a toda uma nação.
Não só o PSDB, partido que Dona Ruth ajudou a fundar e nutria grande paixão, perde uma grande líder, mas a política brasileira perde uma grande mulher, que, apesar de nunca ter exercido um cargo eletivo, foi sem dúvida peça fundamental para a formação do Brasil contemporâneo.
A ex-primeira-dama Ruth Cardoso nasceu em Araraquara, no interior paulista, em 19 de setembro de 1930, e se tornou uma das principais referências sobre Antropologia no País. Doutora em Antropologia pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP), ela primeiro conquistou, em 1959, na Universidade de São Paulo, seu título de mestrado em Antropologia. Treze anos depois, obteve seu doutorado com a tese "Estrutura Familiar e Mobilidade Social: Estudo dos Japoneses no Estado de São Paulo". Anos depois, concluiu pós-doutorado na Universidade de Columbia em Nova York e também foi professora em universidades americanas e inglesas.
Transformou a ação social do País nos oito anos em que esteve no poder ao lado do marido, decretando o fim da LBA (Legião Brasileira de Assistência), entidade assistencialista, tradicionalmente presidida por primeiras-damas. Fundou e presidiu a Comunidade Solidária, criada em 2000 por Ruth para garantir a continuidade dos programas gerados pela Comunidade Solidária.
Também durante o mandato de FHC, dona Ruth foi membro fundadora da Alfabetização Solidária, organização que combate o analfabetismo no País, sendo sua principal divulgadora. O programa chegou a alfabetizar mais de 2,5 milhões de jovens nos municípios mais pobres do País. Entre os programas sociais desenvolvidos pela ex-primeira-dama na gestão FH estava o Universidade Solidária, que mobilizava estudantes e professores universitários para ações de desenvolvimento social. Foi uma das mentoras do Bolsa-Escola, mais tarde unificado com outros programas federais, dando origem ao Bolsa-Família, carro-chefe do governo Lula.
Casou-se com o então sociólogo Fernando Henrique Cardoso em 1953, com quem teve três filhos. Entre seus cargos de destaque, presidiu o conselho assessor do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) sobre Mulher e Desenvolvimento, foi membro da junta diretiva da UN Foundation e da Comissão da OIT (Organização Internacional do Trabalho) sobre as Dimensões Sociais da Globalização e da Comissão sobre a Globalização.
Tornou-se uma das principais referências sobre antropologia no País, tendo escrito diversos livros sobre temas relacionados, como juventude, violência e cidadania.
Quando o ex-presidente foi exilado devido a suas posições políticas, dona Ruth não fugiu da raia e seguiu ser marido em suas lutas. Ela acreditava no Brasil, principalmente na solidariedade do povo brasileiro, como forma de combater as desigualdades sociais.
Dona Ruth soube como ninguém desempenhar com dignidade o papel de primeira-dama. Não intrometia no governo de seu marido, mas o aconselhava como antropóloga, respeitada em todo mundo. Dona Ruth é exemplo para todas as primeiras-damas. Dona Ruth é um exemplo para todos os brasileiros.
Se atrás de um grande homem existe uma grande mulher, ao lado de Fernando Henrique Cardoso sempre houve Ruth Vilaça Correia Leite Cardoso.