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Audiodescrição é muito mais que mil palavras

06 de Novembro de 2009 às 10:23
Artigo do deputado Mauro Rubem (PT) publicado no jornal Diário da Manhã, edição de 05.11.2009.

* Mauro Rubem é deputado estadual e presidente da Comissão de Direitos Humanos, Cidadania e Legislação Participativa da Assembleia Legislativa do Estado de Goiás


Um dos grandes destaques da 4ª Mostra de Cinema e Direitos Humanos que está acontecendo em Goiânia são as duas sessões de audiodescrição para o público com deficiência visual. Nesta quinta-feira, dia 5, às 15h, será exibido no Cine Cultura o filme O Signo da Cidade, de Carlos Alberto Riccelli, que fala sobre o poder transformador da solidariedade.

No mesmo dia, às 21h, será exibido o filme Não Conte a Ninguém, de Francisco J. Lombardi, que é baseado no romance de Jaime Baily e que conta a história de um jovem acomodado da alta sociedade peruana que decide ruir com o entorno social e familiar em que vive para tentar encontrar sua identidade sexual, marcada desde sua juventude pelo abuso das drogas e do álcool.

A audiodescrição é o recurso que permite a inclusão de pessoas com deficiência visual em cinema, teatro e programas de televisão. No Brasil, segundo dados do IBGE, existem aproximadamente 16,5 milhões de pessoas com deficiência visual total e parcial e que se encontram excluídos da experiência audiovisual e cênica.

No cinema audiodescrito, são as brechas de música ou de silêncio as mais aproveitadas pelo narrador para explicar os detalhes da cena. Quando os personagens falam, é hora de o narrador se calar. No mais das vezes, é no momento em que o cinema se torna “mudo” que a audiodescrição é feita – sempre no intuito de tentar auxiliar o deficiente visual a enxergar a cena da forma como o espectador comum a recebe.

Uma obra cinematográfica é composta de muitos aspectos e você tem que saber julgar quando o diretor está usando de algum recurso que seja fundamental para contar aquela cena. Então, é importante ter noção de luz, de posicionamento de câmera.

Li uma entrevista onde perguntaram a um deficiente visual se a audiodescrição não faz do filme um livro falado, se a coisa não deixa de ser cinema. Ele disse ser diferente ouvir a história contada. Estar dentro da caixa-preta, ouvindo os diálogos originais, o som alto, não é a mesma coisa que sentar e ficar prestando atenção na fala de alguém. “Não adianta querer fazer de conta que é cego e achar que é só fechar o olho. É diferente, entendeu? Porque, não tendo visão, você aguça outros sentidos, você tem um outro caminho. Então, a gente é que é muito prepotente! Um monte de gente vem assistir e diz: ‘Vou ver como é que é. Vou fechar os olhos.’ Aí, primeiro, fica espiando, porque é impossível ficar uma hora e meia de olhos fechados no cinema. E, segundo, não basta isso! É outra compreensão da vida, outra atmosfera”, disse o entrevistado.

Os deficientes visuais estão acostumados a assistir a filmes sem audiodescritor, eles têm uma capacidade impressionante de ouvir um barulho e deduzir o que se trata. Não precisa dizer que o carro freou e o motorista buzinou. Se o chaveiro cai, não precisa narrar, a não ser que caia dentro de um bueiro.

A descrição mais precisa que já ouvi do que é audiodescrição vem de Graciela Pozzobon. “Eu, como audiodescritora, sou uma ponte entre o cinema e o cego. Eu não posso interpretar, não posso julgar, não posso explicar. A função da audiodescrição é ser imperceptível. É um trabalho de escolhas. Você tem de escolher a melhor palavra para descrever aquilo.” E aí, talvez, mais um paralelo: segundo Graciela, na audiodescrição, “você manipula emoções. Você tem que estar no clima. Você passa de uma emoção a outra com muita rapidez. Então, se você tem esse repertório de emoções, que é com o que o ator trabalha, é muito mais fácil”.

Graciela Pozzobon é atriz, premiada nos festivais de Brasília, do Rio e de Gramado pela sua atuação no curta Cão Guia, de 1999, dirigido por Gustavo Acioli, entre uma série de outros trabalhos. É formada pela Casa de Artes de Laranjeiras (CAL) e estuda Artes Cênicas na Unirio.

Graciela não entende exatamente por que as empresas não investem no mercado. “São milhões de cegos no Brasil. A audiodescrição representará uma oportunidade incrível de vender um produto para este público”, lembra. Mas ela acredita que, assim que a coisa for descoberta, vai virar moda. “E, aí, vai ficar feio para quem não der acessibilidade.”

A acessibilidade nos meios de comunicação é um tema que está em pauta no mundo todo. Os esforços neste sentido visam não apenas proporcionar o acesso a produtos culturais a uma parcela da população que se encontra excluída, como também estabelecer um novo patamar de igualdade baseado na valorização da diversidade.

“Dizem que uma imagem vale mais do que mil palavras, pois bem, a audiodescrição é muito mais que as tais mil palavras.”


 



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