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Mulheres no Legislativo

23 de Maio de 2019 às 14:15
Crédito: Agência de Notícias
Mulheres no Legislativo
Projeto Mulheres no Legislativo
A terceira edição do projeto "Mulheres no Legislativo" apresenta a deputada Delegada Adriana Accorsi, que está em seu segundo mandato no Poder Legislativo. Ela fala sobre a importância das mulheres se unirem para reformar a luta da Mulher.

“Nós precisamos nos sentir encorajadas, precisamos nos unir, apoiar outras mulheres. Não temer a luta”, proclamou, incisiva, a terceira entrevistada do projeto "Mulheres no Legislativo", ao tratar da situação em que se encontram os direitos femininos no país e no mundo.

Ela é a delegada Adriana Accorsi (PT). Dona de uma postura forte e decidida, a parlamentar não foge à luta e não tem medo de falar o que pensa. Pode-se imaginar que esse aspecto tenha sido configurado após sua longa trajetória na carreira da segurança pública – ela é delegada de polícia desde o ano 2000, estando hoje licenciada, ou até mesmo que isso seja associado ao seu pai, o professor Darci Accorsi, no entanto ela garante que esse comportamento firme e combativo foi herdado de sua mãe, Lucide Verônica Sauthier Accorsi.

“A minha principal influência feminina é a minha mãe. Uma mulher muito forte, muito corajosa. Ela que me ensinou a ser brava, sempre lutou contra a injustiça e contra a violência a qualquer pessoa”, disse a petista que fez questão de gravar a entrevista com a pequena Helena, sua filha de apenas cinco meses de vida. “Quero gravar com ela no meu colo para mostrar que esse é um direito de todas nós. Podemos cuidar e amamentar onde quisermos”, sustentou enfaticamente.

A parlamentar, natural de Itapuranga, 160 kilômetros de Goiânia, está em seu segundo mandato consecutivo. Ela foi eleita na 18ª Legislatura, no ano de 2014, com 43.424 votos. Já em 2018 conquistou 39.283 eleitores. Sempre esteve dentro do Partido dos Trabalhadores (PT) - hoje é presidente do Diretório da sigla em Goiânia - e se orgulha muita de sua trajetória política.

Outro motivo de “grande orgulho”, destaca Adriana, “é o fato de ser mãe de duas mulheres”. Ela quer deixar um legado de luta e defesa da democracia para suas filhas e para a sociedade brasileira. “Gostaria que as minhas filhas e as pessoas em geral vissem em mim uma história de luta pelos direitos das mulheres e de luta por uma sociedade mais igualitária”, afirmou contemplando Helena ao amamentá-la.

A deputada também deu forte ênfase ao tratar sobre a preponderância de seu pai, Darci Accorsi, durante sua construção pessoal e política. “Tinha disposição para dialogar com a população. Fazia política de uma forma alegre e prazerosa. Além de ter uma forma muito democrática de exercer as funções públicas”, orgulhosa, salientou. 

Darci Accorsi, falecido há quatro anos, foi professor, fundador do PT em Goiás, vereador em 1988 em Goiânia, deputado estadual em 1990 e prefeito da capital em 1992. “Era um ser humano muito solidário, muito generoso, tinha compaixão com as demais pessoas. Sempre procuro me lembrar disso quando estou diante de uma dúvida. Sempre penso o que meu pai faria.”, disse, saudosa.

Adriana também não nega a interferência da carreira policial em seu posicionamento político e também individual. Pelo contrário, a deputada se lembra com orgulho dos aprendizados que as práticas na segurança pública lhe trouxeram. Foram boas experiências e “muitos desafios”. Uma dessas adversidades que marcaram veementemente sua vida, segundo a parlamentar, foi o caso impactante que envolveu a vida da menina Lucélia Rodrigues da Silva. A ocorrência chocou o Brasil em 2008, quando um vizinho fez uma denúncia sobre maus-tratos e a polícia encontrou Lucélia acorrentada e amordaçada na lavanderia do apartamento onde morava com uma família adotiva, em Goiânia.

Accorsi é uma mulher pioneira no Estado. Foi eleita a primeira deputada estadual pelo PT em Goiás, sigla da qual nunca se desfiliou, e também foi a primeira mulher a ocupar o cargo de Delegada Geral da Polícia Civil. Espaços esses majoritariamente dominados pelo universo masculino, o que, para ela, foi mais um dos desafios enfrentados ao longo da sua trajetória. Mas Accorsi não foge à luta. “Consegui desenvolver um bom trabalho, demostrar competência e firmeza. Já conseguimos grandes avanços, mas temos um longo caminho pela frente. Nós precisamos nos sentir encorajadas, precisamos nos unir, apoiar outras mulheres. Não temer a luta”, disse em tom acentuado.  

Ela, que em nenhum momento se abdica de falar o que pensa, assume estar assustada com a posição que o novo Governo Federal tem tomado em relação aos Direitos Humanos, principalmente, os direitos femininos. Ao tratar a situação, a parlamentar cita a série The Handmaid’s Tale, inspirada no livro O Conto da Aia, da autora Margaret Atwood. Uma distopia que retrata uma sociedade teocrática regida por uma ditadura militar onde todos os direitos das mulheres são retirados. “Vocês assistem O Conto da Aia? Daqui uns dias nós estamos daquele jeito”, disse.  

A entrevista com a deputada Delegada Adriana Accorsi (PT) foi gravada, na Assembleia Legislativa, no dia 8 de maio, pela repórter Samiha Sarhan (Agência Assembleia de Notícias) e Luciana Martins (TV Assembleia). O projeto Mulheres no Legislativo é uma produção da Agência Assembleia de Notícias, TV Assembleia e as Seções de Assessoramento Temático e de Publicidade, Imagem e Identidade Corporativa deste Poder. A série foi criada para homenagear as célebres trajetórias de todas as mulheres que cumpriram mandatos nesta Casa de Leis. Lançada no dia 12 de abril, o programa reflete nova produção da Assembleia Legislativa de Goiás (Alego). A ação que reforça, portanto, o caráter integrado de todo o projeto, uma marca forte nos trabalhos da Alego.

Segura e incisiva, a Delegada Adriana Accorsi relatou detalhes de sua trajetória tanto no Parlamento quanto fora dele.

 

Como está sendo conciliar essa 19ª Legislatura com a maternidade? 

É um desafio conciliar, mas é muito interessante. Eu que fui mãe muito jovem da Verônica, agora sou mãe da Helena. Essas são oportunidades maravilhosas de aprender e é um mandato muito desafiador, em uma época muito difícil, principalmente para nós mulheres. Nós temos aqui só duas mulheres deputadas, então a responsabilidade é muito grande. É preciso fazer um bom trabalho, estar presente para representar as mulheres de Goiás. Também é preciso ser boa mãe. É um desafio. Mas eu me sinto preparada e animada.  

A gente percebe que a Helena, que está apenas com cinco meses, é muito tranquila, tanto que estamos gravando com ela no seu colo.  

Ela já é acostumada com a política. Eu estava grávida dela durante toda a campanha. As pessoas ficavam muito surpresas. Acredito que uma candidata grávida é algo raro. As pessoas se admiravam e diziam “vai firme, cuide de nosso Estado para sua filha e para nossos filhos também”.  

Você cresceu em um ambiente político. Seu pai, Darci Accorsi sempre esteve na militância política. Isso te influenciou? 

Sim. Meu pai foi uma pessoa que me influenciou muito, não só na política, mas também em características pessoais, princípios de vida. Minha mãe também exerceu grande influência sobre minhas escolhas. Lucide Verônica não concorreu a cargos eletivos, mas sempre foi uma pessoa muito atuante, muito corajosa. Foi uma das fundadoras do Sindicato dos Enfermeiros aqui em Goiás. Dessa forma, eu fiz parte de toda essa movimentação na minha infância, na minha juventude. Comecei a minha vida pública justamente na minha adolescência, no movimento estudantil.  

De que maneira seu pai te influenciou na política?  

Ele ainda influencia, embora, infelizmente, eu o tenha perdido a mais de quatro anos. Mas eu acredito que ele gostava de estar com as pessoas, a política para ele era uma atividade prazerosa, de alegria. Foi um prefeito, deputado, vereador, que gostava de estar com o povo, com a população, nos bairros, nas cidades do interior. Então isso me influencia muito até hoje. Toda essa disposição para dialogar, além de ter uma forma democrática de fazer política. Por outro lado, meu pai era também uma pessoa muito solidária, muito generosa e tinha compaixão com as demais pessoas. Sempre procuro me lembrar disso quando estou diante de uma dúvida. Sempre penso no que meu pai faria. Ele foi uma pessoa que teve uma infância muito pobre, passou muita dificuldade e perdeu o pai muito jovem. Meu pai passou por muita tristeza e sempre manteve uma compaixão pelas pessoas, sobretudo as mais empobrecidas, mais humildes, que estavam passando algum tipo de necessidade. Ele também sentia muita satisfação em viver, muita alegria por estar com a família. Meu pai era uma pessoa ligada à família, muito carinhosa e sempre muito alegre, com um sorriso aberto. Uma risada que a gente ouvia de longe.  

Como seu pai é lembrado pelo povo goiano?

Aonde eu vou em Goiânia, em Goiás, as pessoas se lembram do meu pai, enquanto liderança do PT do qual ele foi um dos fundadores em Goiás. Também como professor e prefeito. É considerado um dos melhores prefeitos da nossa história.

Geralmente um bom político acaba adotando a população como segunda família. Você sentia falta do seu pai por ele estar grande parte do tempo fora de casa, trabalhando?

Não exatamente. Meu pai saía muito, mas é algo que para nós era tão tranquilo. Éramos acostumados. A minha mãe participava da política também. Muitas vezes meu pai ficou com a gente, meus dois irmãos e eu, para que minha mãe pudesse ir a reuniões, seminários e atividades. Ela tinha a militância dela na questão classista da enfermagem e meu pai sempre apoiou esse trabalho dela. Então, para nós era muito tranquilo.

Em 2000, depois de ser aprovada no concurso você passou por várias Comarcas. Cidades como Nazário, Turvânia, Bela Vista, Cristianópolis. Não deve ter sido fácil.   

Foi um aprendizado muito grande. Eu sou do interior de Goiás, eu gosto do interior. Na Polícia Civil a gente começa no interior, vai para longe da capital para servir quem está precisando mais. A primeira cidade em que fui acolhida como delegada foi Turvânia. Fui muito bem recebida no local. Lá fiz grandes amizades que perduram até hoje. Inclusive, mês que vem eu estarei em Turvânia, na festa da cidade. Todos os anos eles me convidam. No interior foi onde eu pude aprender, porque lá é possível conhecer melhor as pessoas da comunidade. Depois você vai aproximando da capital até ter uma promoção. No meu caso, foi quando eu fui convidada para ser chefe da Delegacia da Criança e do Adolescente em Goiânia em 2003.

Você foi a primeira delegada titular da Delegacia da Criança e do Adolescente em Goiânia?

Não, fui a segunda delegada. Essa delegacia foi uma das primeiras do Brasil e a primeira de proteção à criança de Goiás. Fiquei mais de oito anos como chefe dessa Delegacia. Foi um trabalho que me realizou profundamente pois pude ajudar a combater casos de pedofilia, assassinatos de crianças e exploração sexual. A função não só me ensinou muito sobre o trabalho policial, mas sobretudo sobre a natureza humana, sobre o sofrimento das pessoas. Essa experiência se tornou uma base muito forte para o meu trabalho como deputada, conhecendo o sofrimento das famílias, principalmente para defender as mulheres e as crianças.  

O caso da menina Lucélia foi muito distinto para a sociedade goiana e a senhora foi quem investigou o caso. Foi algo que te marcou muito?

Sim, sem dúvida, pela crueldade imensa que envolvia aquele caso, pela covardia, pelo tempo decorrido das violências que aquela criança sofreu. Foi um caso que nos marcou muito porque se não fosse a denúncia anônima que chegou até nós, ela teria sido assassinada. Isso é muito forte e me ensinou muito sobre o trabalho, sobre a necessidade de verificar as denúncias e acreditar nas crianças quando elas falam. Também serve de lição para a sociedade. Logo depois daquele caso nós recebemos 100 mil denúncias. Foi uma lição para que a sociedade aprenda que a criança que está ao seu lado pode estar sofrendo uma violência e você não prestou atenção. Se você olhar com carinho, pode perceber uma situação em que precisa se pronunciar e alertar as autoridades.  

A deputada acompanhou o desenvolvimento da menina depois do ocorrido e mantém contato até os dias atuais?

Sim, sou madrinha de casamento dela. Ela tem duas crianças. Para mim é uma felicidade muito grande saber que ela está muito bem. Lucélia conseguiu superar essa vida na medida do possível, é claro, porque tem traumas. A violência, sobretudo a violência psicológica, marca profundamente as pessoas. Então, mesmo fazendo o tratamento, mesmo sendo adotada e passando um tempo fora de Goiás, mesmo assim, isso machucou muito o emocional da Lucélia. Mas ela conseguiu superar, está muito bem e isso é uma alegria muito grande para nós que acompanhamos todo o caso.

Você acredita que a profissão do delegado de polícia pode transformar a vida das pessoas?

Eu falei isso há poucos dias em uma palestra aos novos delegados. Eu disse que a profissão de delegado te dá a oportunidade de interferir diretamente na vida de uma pessoa que precisa ter sua vida salva ou transformada. Isso nos faz sentir realizados.

Em 2011, você foi superintendente de Direitos Humanos e logo em seguida a primeira mulher Delegada Geral da Polícia Civil. Como foi essa fase?

Foi ótimo. Fui a primeira mulher e uma das cinco do Brasil. Só tivemos cinco mulheres no Brasil que ocuparam esse cargo. Foi uma fase de muito aprendizado, muita dificuldade. Chefiar uma instituição que tem uma tradição masculina é um desafio. As pessoas misturam muito a questão da força física com o poder de segurança.  

E o machismo? Como era essa questão? Havia ou não?  

Sim, havia, e eu sempre me preocupei com o sentimento das pessoas em relação à minha posição como delegada. Vejo que isso vem avançando muito. Hoje temos um número muito maior de mulheres nas forças policiais e a população nos respeita. Talvez pelas colegas que vieram antes de nós, muito dedicadas, honestas e competentes. Isso vai transformando aquela cultura de que a mulher não tem a capacidade de ser policial. Nós somos muito bem recebidas pela população como eu no interior do Estado e aqui em Goiânia também. Então, esse é um caminho em que nós temos avançado bastante. Eu tenho muito orgulho de fazer parte dessa história. Mas acredito que nós temos que avançar muito mais.  Como chefe da Polícia foi um grande desafio, como eu disse, por ser uma instituição prioritariamente masculina, mas acredito que consegui ter um bom trabalho, demostrar competência, firmeza, e assim nós conseguimos grandes avanços.  

Em 2013 a senhora foi convidada pelo prefeito Paulo Garcia para assumir a Secretaria Municipal de Defesa Social. Já em 2014 a senhora se candidatou a deputada estadual. Esperava vencer com 43.424 votos?

Não esperava, pois foi minha primeira candidatura. A gente sabe do carinho das pessoas, do sentimento de admiração e reconhecimento, mas você não sabe se esse sentimento se transformará em votos. Então, eu fiz uma campanha muito próxima das pessoas, caminhando nas ruas, conversando, falando do meu desejo de estar aqui compartilhando minha experiência como delegada, sobretudo para defender as mulheres e as crianças que eu acredito que precisam da nossa defesa porque são sub-representados nas esferas de poder, nas esferas de decisão. Foi esse o meu esforço. Ser deputada depois de chegar ao grau máximo de promoção dentro da minha carreira e, dessa forma, eu acredito que as pessoas confiaram em mim. Fui a deputada, a mulher mais bem votada na primeira Legislatura. Em 2018 também fui a mais bem votada. Fui a mais bem votada também do Partido dos Trabalhadores (PT). Então, é uma honra muito grande, mas também é uma grande responsabilidade estar aqui representando mais da metade da população de Goiás que são as mulheres.  

Você apresentou 121 projetos, dos quais 28 foram sancionados. A Lei 20.473, por exemplo, foi sancionada agora no começo de 2019. Ela é proveniente do projeto nº 1482/18 que institui a Política de Atendimento a Mulher Vítima de Violência.  

Combater a violência contra as mulheres é um grande desafio no nosso Estado. Nós somos o segundo Estado em registros de crime de Feminicídio no Brasil e somos um dos estados em que mais mulheres são vítimas de todo o tipo de agressão: violência, assédio e estupro. Essa é uma prioridade que tenho aqui na Alego, até porque somos só duas deputadas e acredito que tem que ser a minha preocupação defender as mulheres do Estado de Goiás aqui na Assembleia. Nós temos proposto diversas ações, não só projetos de Lei, mas também requerimentos, como por exemplo, a criação de delegacias especializadas, bem como a criação de abrigos para acolher as mulheres que estão sendo ameaçadas e seus filhos menores. Há também os centros de referência, que são locais em que a mulher recebe uma orientação médica, psicológica e jurídica. Ela então é acolhida para que possa enfrentar o problema encontrando apoio. Então, tenho percorrido o Estado falando sobre isso, realizando audiências públicas sobre esse assunto. Goiás precisa avançar muito nessa questão. Nós temos poucos centros de referência. Temos apenas 10% das cidades com Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher, e isso é muito pouco. São duas delegacias para mais de 240 municípios, ou seja, menos de 10% das cidades de Goiás tem Delegacia especializada nisso. Além disso, não há abrigos. Quando a mulher denuncia, muitas vezes, ela se coloca, e coloca também seus filhos, em uma situação de grande risco de vida. No entanto, a maioria das cidades não possui abrigo para acolher essas mulheres. Temos em Goiânia um abrigo municipal. Tenho muito orgulho também por ter contribuído para trazer o recurso federal para construir esse abrigo. Hoje, as mulheres que vão à Delegacia da Mulher de Goiânia, que são duas, são encaminhadas a esse abrigo. A Guarda Civil Metropolitana está armada e treinada para proteger essas mulheres. A minha ideia é fazer esse tipo de abrigo em todo o Estado de Goiás, mas, para isso, tanto o município, o Estado e o Governo Federal precisam se unir para trazer esse recurso. Nós temos o Cevam, que é uma Ong, e que tem passado grandes dificuldades do ponto de vista financeiro. Há outras cidades que tem esse abrigo. Estamos lutando para que Aparecida de Goiânia em breve tenha, porém, na verdade, são muito poucos no Estado. Então, tanto projetos de Lei quanto requerimentos e ações do mandato são no sentido de trazer mais segurança para as mulheres. Dessa forma, apresentei um projeto de Lei, que agora se tornou Lei sancionada, que é uma Política de Atendimento à Mulher Vítima de Violência. Para que ela seja atendida nos órgãos de saúde, seja encaminhada a abrigos e tenha apoio jurídico, para ela e para seus filhos. Principalmente, para que realmente receba o apoio do Poder Público nesse momento que mais precisa.  

Dessa forma, agora é considerado crime negar atendimento à mulher vítima de violência?

Sim. Agora é obrigatório da parte do nosso Estado prestar esse atendimento. É claro que é necessário em Goiás, e também no mundo todo, uma mudança cultural sobre essa questão do machismo que existe na nossa cultura e que está por trás de toda essa violência que muitas vezes é institucional. Por exemplo, uma mulher vítima de um estupro chega em uma delegacia ou em um posto de saúde e pode ser vítima de violência, ser discriminada. Temos que transformar essa cultura machista que existe para que não tenhamos mais esse tipo de situação. A capacitação é uma das premissas dessa lei para que todas as pessoas que tenham contato com vítimas de violência estejam preparadas para atendê-las.

Há alguma lei que você apresentou que lhe traga mais orgulho?

Das leis que foram aprovadas na última legislatura tenho muito orgulho da Lei sobre a Política de Cotas de Emprego para as Mulheres Vítimas de Violência. Porque algo que aprendi como delegada é que muitas mulheres se sujeitam a relacionamentos onde são agredidas, são violentadas, bem como seus filhos, porque as crianças sempre sofrem essa violência, em razão de condições de sobrevivência. Essa lei sancionada com o número 20.190 garante que todas as empresas que negociam com o Estado tenham que destinar 5% das vagas de emprego para as mulheres. Ela já está em funcionamento hoje no Tribunal de Justiça. Lá já estão trabalhando mulheres, indicadas pela justiça, que sofreram violência doméstica e tiveram essa vaga de emprego para poder recomeçar sua vida e promover dignidade para si e para seus filhos. Tenho muito orgulho dessa lei. Estou com uma reunião marcada com o presidente da Assembleia para que ele coloque em prática essa lei aqui na Assembleia. E vou lutar para que em todo o Estado, essas centenas de vagas sejam criadas de fato e a gente possa apoiar, dar a mão para a mulher que está passando por essa situação para que possa sair com vida e ter dignidade.

Também propôs lei que instituiu o Dia Estadual de Combate ao Feminicídio.

Isso mesmo. Em Goiás é no dia 6 de novembro. Esse dia foi escolhido por marcar o dia da morte da menina Rafaela, vítima de feminicídio na cidade de Alexânia, dentro da escola, por ter recusado se relacionar com um homem. Ela foi barbaramente assassinada com seis tiros no rosto. Por isso nós fizemos esse projeto do Dia Estadual de Combate ao Feminicídio para que seja uma data de reflexão. Para pensarmos se estamos realmente tomando as providências para evitar esse crime. O feminicídio é a expressão fatal da violência contra a mulher. Em geral, a mulher que é vítima de feminicídio já passou por outros tipos de violência. É um crime evitável. Nós podemos romper esse ciclo de violência e é muito importante a gente refletir sobre o feminicídio. 

Outra lei de sua autoria que foi sancionada é a de nº 19.257, que institui o Programa de Assistência Integral às vítimas da Hemoglobinopatia "S" e a doença falciforme.  

Exatamente. É uma doença que atinge, principalmente, pessoas da raça negra, e sobre a qual muitas pessoas, sobretudo do meio da saúde, não têm conhecimento. Pessoas já morreram em razão dessa falta de conhecimento por parte de médicos, de enfermeiros e, até mesmo, da própria família. Por não ter informação, não procurar os meios e exames adequados. Então, não é importante só a política de tratamento, pois existem exames próprios muito caros, mas também a política de informação.  

O número de deputadas estaduais diminuiu em relação a legislatura passada, na qual você já estava presente. Como encara essa situação? Apenas duas mulheres representando o povo no Parlamento goiano é um fato preocupante? Qual é a sua opinião sobre a baixa representatividade da mulher na política?

É lamentável que nós tenhamos tido esse retrocesso. Mas acredito que precisamos ver dois aspectos. A luta pelos direitos das mulheres é um processo, então têm passos para frente e, às vezes, para trás. É um processo de luta cotidiana. Então, há avanços, mas há também desafios. Por outro lado, nós vivemos hoje no Brasil e no mundo, um tempo de grandes retrocessos sociais e acredito que isso influenciou essa questão da eleição de mulheres. Esse retrocesso social que nós vivemos também se reflete no sentimento machista das pessoas de que as mulheres não têm direito de participar da política, de que as mulheres não têm competência, que elas devem estar na iniciativa privada e não pública. Então, creio que nós precisamos avançar e deixar para trás esses retrocessos, esse sentimento retrógrado, reacionário que nós estamos vivendo. Porque não traz felicidade nem democracia para a nossa sociedade.

A decisão tomada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para que as candidaturas femininas fossem beneficiadas com uma reserva de 30% do fundo eleitoral foi um avanço significativo?

Acredito que é muito importante que tenha as cotas nas candidaturas das mulheres, como está colocado hoje pela legislação, e quero colocar um exemplo desse período de retrocesso que nós vivemos. Houve um deputado federal que teve a coragem de propor a extinção desse projeto, sendo que na verdade, nós precisamos é de ampliar a participação das mulheres. Nós queremos é que além de 30% das mulheres nas candidaturas, nós tenhamos cotas no legislativo. Nós queremos 30% das cadeiras lá no Congresso Nacional, na Câmara Federal, no Senado e nas Assembleias. Infelizmente ainda é necessário que tenha política de cota para de alguma forma equilibrar essa injustiça que acontece. Nós somos mais da metade da população, mais da metade dos eleitores e temos direito a estar nos espaços de poder e de decisão.  

A ex-deputada Betinha Tejota acredita que tem que ser 50%, já que somos mais da metade de eleitores.  

Exatamente. Uma proposta que existe hoje no Congresso Nacional é de 30%, nós já tentamos na legislatura passada aumentar para 50%, mas não passou. Essa é uma luta nossa. Nós não podemos retroceder. Nós não vamos aceitar que essa política das cotas nas candidaturas seja burlada, como temos visto acontecer. Precisa de ter uma fiscalização rigorosa. É isso que nós exigimos. Que aqueles partidários que burlarem sejam punidos rigorosamente para que a questão das mulheres usadas como laranjas não aconteça mais.  

Hoje você integra a Comissão da Criança e Adolescente da Casa e é vice-presidente de Segurança Pública, na legislatura anterior você estava na presidência desta última. Dessa forma, é possível perceber que tanto em âmbito estadual quanto federal os homens participam de pautas consideradas “mais relevantes”, como Tributação e Economia e de Constituição, Justiça e Redação. Já as mulheres são posicionadas em outros temas. Você considera isso uma desigualdade? Existe esse machismo no pleito de uma comissão? Como funciona? 

Sim. O machismo que existe enfronhado na nossa cultura, no nosso sentimento cotidiano, ele existe em tudo que a gente faz. Em todo momento da nossa vida e, às vezes, nós, mulheres, reproduzimos esse sentimento machista. No mundo da política ele é extremamente presente porque é um mundo que pela maior parte da história da humanidade foi exclusivamente masculino. A participação das mulheres na política é vista como uma intrusão. Ainda sinto assim. Mas acredito que temos avançado bastante. O momento que nós vivemos hoje no Brasil é que é um momento de retrocesso muito grande e percebemos isso todos os dias, e na política não é diferente. Tanto em projetos de Lei, em propostas que são apresentadas aqui, mas também nesse trato e no lidar com as mulheres. No momento, por exemplo, nós propomos a Procuradoria da Mulher aqui na Alego. A deputada Lêda e eu. Simplesmente, sem motivo algum, os deputados estão se colocando contra. Não cria despesas, não tem nenhum problema para eles. No caso seria um órgão que nós mesmas, deputadas, iríamos chefiar, no sentido de encaminhar os projetos de Lei que se relacionam aos direitos das mulheres de uma forma unificada. Em que isso pode atrapalhar um deputado? Absolutamente nada. Mas eles são contra. Então, isso demostra uma má vontade, um desinteresse pelo avanço da participação das mulheres no mundo da política. Mas é isso que deve nos encorajar. Fazer com que vejamos mais a importância de participar não só da política enquanto cargo legislativo, mas da política de uma forma geral, nas manifestações, nos partidos, nos grupos sociais.   

Você já tentou pleitear alguma comissão como a Comissão de Constituição, Justiça e Redação (CCJ) ou Tributação e Finanças ou até mesmo a Mesa Diretora?  

Tanto eu como a deputada Lêda tentamos fazer parte da mesa. Cada uma em uma chapa e nós fomos preteridas. Pra você ver que não é uma questão de estar em um partido minoritário. É uma questão mesmo de ser mulher porque nem a deputada Lêda conseguiu. 

A que você acha que deve esse tanto de retrocessos que a gente tem visto? Quando a gente vinha acreditando que estávamos em um momento mais progressista? 

Acho que é uma onda mundial. Alguns países têm conseguido reagir, como a Espanha, recentemente, que na eleição recusou os partidos de direita. Mas, eu creio que é uma onda, aconteceu nos EUA, em vários países da Europa, na Argentina. Também está acontecendo aqui, não só na política, mas em todos os aspectos. Isso faz com que nós tenhamos retrocessos em todas as áreas. Os direitos das pessoas, não só das mulheres, mas os direitos humanos de uma forma geral estão sendo atacados. Há retrocesso em todas as áreas, seja social, seja familiar. Penso nós precisamos reagir e resistir a essa situação. Sabemos que os direitos das mulheres são os primeiros a serem atacados por nós não termos o mesmo poder dos homens, e eles estarem no poder. Você vê que há uma onda machista imensa. Você posta qualquer coisa nas redes sociais e é atacada de forma machista e existem mulheres (frisou), mulheres, pelo amor de Deus, defendendo que não se pode ser feminista. Isso é o fim do mundo. É o fundo do poço reacionário. Penso que estamos em um momento extremamente preocupante onde há um ataque ao conhecimento em nosso país. Ataque ao conhecimento, não ataque à Universidade. Vocês assistem O Conto da Aia? Daqui uns dias nós estamos daquele jeito. 

Que estratégias podemos adotar em um momento como esse?  

Eu acredito que nós não podemos permitir retrocessos. Por exemplo, tem a lei de cotas para as mulheres participarem das eleições, daí vem um deputado propor que se acabe com a lei. Não existe justificativa. Somos apenas 10% de participação na política. Então você quer retirar uma lei que propõe um avanço, uma possibilidade de participação. O que justifica isso a não ser o machismo? Então nós temos que resistir e para isso nós precisamos nos unir. Acredito que as mulheres de todos os tipos de partidos, de todas as agremiações políticas, tem que se unir no sentido de não permitir isso. E os homens também têm que estar conosco. Os homens que acreditam em uma sociedade justa e fraterna. Todos eles têm que estar com a gente para que consigamos resistir. Se não estamos conseguindo avançar, temos que pelo menos, resistir.  Lutar para manter os avanços que já conquistamos. No caso, nós não estamos conseguindo porque ter duas deputadas no lugar de quatro é um retrocesso.

Nós percebemos que esse retrocesso vem mesmo nas mínimas coisas. O Ministério da Saúde, por exemplo, baniu o termo violência obstétrica.

Não existe esse termo mais. É um absurdo total. No lugar de avançar nas políticas de punição e de percepção da violência obstétrica, que era o que estava acontecendo. Inclusive, nós tivemos audiência pública sobre isso aqui na Casa. Estávamos discutindo essa questão, eles vão banir um termo que é técnico. Não é um termo político. Não tem justificativa nenhuma para isso. É só para ver se não abafam a discussão. Então, é um grande retrocesso. Nós temos que nos insurgir contra isso.

Por meio do projeto de Lei nº 1403/16, você buscou instituir uma campanha permanente de combate ao machismo e valorização das mulheres na rede pública estadual de ensino. Como você acredita que a educação pode mudar a mentalidade social e, dessa forma, mudar as atitudes arcaicas e patriarcais que ainda imperam em nosso país? 

A pesquisa do Mapa da Violência demostra que no Estado de Goiás um grande número de mulheres vítimas de violência são jovens. A gente percebe que a juventude tem reproduzido aquilo que eles veem em casa. Tanto as mulheres sendo vítimas quando os homens sendo autores. Até porque é comprovado que a pessoa que viveu violência doméstica em sua infância tem uma tendência a reproduzir, seja como vítima ou como agressor. Então, o que a gente pensou, e que muitos países fizeram, é discutir esse assunto com a juventude. A escola é um local onde a gente pode debater os assuntos e acolher as pessoas com seus problemas. A ideia é que cada escola capacite um grupo, tenham psicólogo, pedagogo, assistente social, o que na maioria das escolas públicas do Estado já existe. Essa capacitação é essencial para que possamos tornar essa discussão permanente, não em apenas, um dia no Dia da Mulher, mas sempre. Discutir com os estudantes, discutir com os professores, trabalhadores da escola e com a comunidade. Se houver alguém da escola passando por essa situação que seja acolhida, que sejam tomadas as providências para que ela denuncie, para que ela seja apoiada. Então, é realmente combater isso no seu cotidiano para que a escola seja uma trincheira de combate ao machismo e de valorização da mulher e de combate a violência doméstica. Essa é nossa ideia, que também foi aprovada e a gente espera conseguir colocar em prática.  

Em 2017 você trouxe a Maria da Penha para receber o Título de Cidadã.  Esse projeto teve resistência do Parlamento ou a aprovação foi unânime?  

Eu consegui aprovar, mas ela não tinha agenda para vir.  A proposta não sofreu resistência, foi aprovado com unanimidade. Se fosse hoje, haveria resistência.  Infelizmente, nós temos hoje um Congresso Nacional com pessoas muito conservadoras, pessoas que às vezes parecem não ter nem uma sanidade mental. Esse fato está se refletindo nos Estados também. Em Goiás não é diferente, pois também vejo posições extremistas aqui. Como, por exemplo, defender que não houve ditadura militar, que existe doutrinação nas escolas, que existe ideologia de gênero nas escolas, o que é uma inverdade. Isso não existe. Então, eu me preocupo muito com a formação que nós temos hoje no Parlamento.  

Como você avalia a prática da Lei Maria da Penha atualmente no país e em Goiás, sobretudo frente a tantos casos noticiados de crime de feminicídio? 

A Lei Maria da Penha é uma das leis mais avançadas do mundo. Considerada pela ONU como a terceira lei mais avançada do mundo. Eu considero uma lei importantíssima. Eu já era delegada antes dela.  Eu vi na prática, a diferença que a Lei Maria da Penha proporciona para a atuação das autoridades e na proteção aos direitos da mulher. Ela traz o conceito de violência doméstica, ela traz o conceito do que é crime contra a mulher que, até então, nós não tínhamos. Assim, nós não tínhamos como punir uma violência psicológica, não tínhamos como punir uma violência sexual, violência patrimonial, violência moral. Nada disso. Todo mundo achava que a violência era só a física. Assim mesmo, só punia quando a mulher conseguia denunciar. Hoje não, a Lei Maria da Penha possibilita que mesmo que a mulher por medo não denuncie, que por denúncia anônima a polícia possa agir. Então, ela é muito importante. Ela traz uma série de medidas que são políticas públicas também de combate à violência, como as medidas protetivas de emergência. Elas são excelentes. Muitas vezes não são cumpridas, mas já conseguimos um avanço que foi a Lei sancionada ano passado, que permite a prisão em flagrante daquele agressor que não respeita a medida protetiva de emergência. O que precisa realmente é colocar isso em prática.  Ter as Delegacias da Mulher nas cidades. Precisa capacitar os policiais, juízes, promotores. Precisa ter abrigo porque a mulher quando denuncia passa por um momento maior de tensão. Ela tensiona aquela situação. Se ela não fizer isso, provavelmente ela acabará morta. Mas quando ela denuncia, ela tensiona aquela situação e isso pode acelerar sua morte. Ela precisa do abrigo em média por três meses, para que ela possa organizar a vida dela. Precisa ter abrigo e precisa ter os centros de referência. Tudo isso é proposto pela Lei Maria da Penha e precisa ser colocado em prática.  

Quanto ao Transfeminicídio. O projeto Projeto nº 3107/16 de sua autoria especifica nos registros de ocorrência da Polícia Civil de Goiás crime de ''Transfeminicidio''. Essa proposta, se tivesse sido aprovada em Parlamento, representaria também um grande avanço para a sociedade goiana. Você acredita que a não aprovação reflete uma ideologia conservadora que impera no Poder Legislativo? Qual seria a solução para que a violência contra a população trans seja abolida do nosso país? Principalmente nos tempos de um governo conservador como de Jair Bolsonaro? Será que conseguiremos avançar? 

Fizemos audiência pública sobre o tema. Apresentei esse projeto de novo esse ano, porque da primeira vez ele foi arquivado. Eu lamento profundamente. Nós estamos passando por um período de grande retrocesso em nosso país em relação a direitos e a conhecimento, em todo o tipo de desenvolvimento que a gente poderia ter. Por exemplo, nesse momento foi cortada a verba para pesquisa. Então, pesquisa de célula tronco para que pessoas paraplégicas possam voltar a andar estão cortadas. Isso é muito grave! É muito triste, é lamentável. As maiores pesquisas do nosso país estão sendo feitas nas universidades. Ontem eu postei que o pessoal da Unb que descobriu um colírio que não permite que a pessoa que tem diabete fique cega. Você pensa a importância disso, e não vai ter como fazer mais. A Unb fez manifestação ontem porque foi cortada a verba. Isso é muito grave. As pessoas não estão percebendo a gravidade dessa questão.  

Há também a questão das barganhas políticas, como no caso do Ministro da Educação afirmar que apenas com aprovação da Reforma da Previdência a educação pode melhorar.

O ministro da Educação é insano. A Reforma da Previdência é a destruição do direito de aposentar para que os bancos fiquem ricos, pois são os financiadores do Governo Federal atual. É uma crueldade, desumanidade terrível. Não vai gerar emprego, não vai trazer economia, nada disso. Assim como a Reforma Trabalhista não fez, né? Estamos com 13 milhões de pessoas desempregadas. Eles falaram que fazer a Reforma Trabalhista ia gerar emprego. Não gerou um emprego, gerou desemprego. Trouxe as pessoas para a informalidade, para a precarização. As empresas estão demitindo e pagando menos com menos direitos. Mas nós avisamos.  

Quanto ao projeto nº 3880/15, que acrescenta no calendário do Programa Mamografia Móvel, o atendimento às unidades prisionais do Estado de Goiás, como você avalia a atual situação das unidades prisionais onde mãe estão presas? A situação está adequada? Como garantir direitos a essas mulheres? 

Não apenas para mães, para todas as mulheres. O Governo me garante que está sendo feito. Mas eu quero verificar isso porque é um direito. Um projeto meu que foi aprovado agora que trata sobre a população carcerária, foi o Exame Prévio de Doenças Transmissíveis, como a pneumonia. Foi aprovado para que toda pessoa que entrar no sistema carcerário faça o exame. Se ela tiver uma doença assim, ela ficará isolada e tratada. Porque hoje pode entrar uma pessoa com pneumonia e pode passar para todo mundo podendo provocar uma manifestação coletiva de alguma doença. 

Existe uma ideia de que os delegados são contra quem está preso. Muitos são a favor de muitos maus-tratos contra a população carcerária e você, pelo contrário, está sempre lutando por mais dignidade dentro dos presídios, humanização, inclusive para menores de idade. Como é a sua relação com essa população? Você entende que mais humanização pode reinserir essas pessoas na sociedade? 

Sem dúvida, eu vou completar 20 anos como Delegada. Tenho certeza que a ressocialização e a humanização são o caminho. Se formos estudar a história das forças de segurança no Brasil, notaremos que elas tiveram um treinamento com resquícios da Ditadura Militar, então veem a segurança pública como uma guerra. Você está travando uma guerra contra os bandidos. Isso faz com que se acirre esse sentimento da polícia contra a população, sobretudo a população marginal, a população mais pobre. Isso faz com que nós tenhamos esse tipo de distorção. Eu acredito que os delegados de polícia podem ser os principais garantidores de direitos humanos. Acredito que fazia isso como Delegada de Proteção da Criança e do Adolescente. Eu batalhei muito e fui uma das responsáveis pela delegacia dos Direitos da Pessoa Idosa quando eu fui chefe da Polícia. Eu acredito nisso, na polícia como garantidora dos Direitos Humanos. Acho que nós precisamos investir em Políticas que não sejam só de encarceramento. Não acredito que o encarceramento em massa vai resolver, pois se resolvesse nós estaríamos no país mais seguro do mundo. Somos o terceiro ou quarto país que mais encarcera pessoas. Só que a gente encarcera as pessoas mais pobres e que cometem pequenos delitos. Por exemplo, crime contra a vida, as pessoas que assassinam as outras, não ficam presas. É tudo o inverso dos países que conseguiram superar a violência. A solução não é encarcerar em massa, devemos buscar outras formas de punir como trabalhar, pagar o prejuízo, tratamento para adição de entorpecentes. Enfim, tem muitos caminhos para a segurança. Acredito que precisamos investir em prevenção. Prevenção para a nossa juventude com esporte, com educação, com política de primeiro emprego, de capacitação.  

Na década de 1990, você atuou efetivamente em atividades políticas da juventude petista, inclusive foi presidente da juventude do PT, afastando-se somente quando passou no concurso para delegada estadual no ano 2000. Diferente da maioria dos políticos, você nunca trocou de partido. Isso se deu apesar de todos os entraves que o PT enfrentou ao longo dos últimos anos. Dessa forma, acredita-se que a senhora concorda com a pauta do partido, com as bandeiras defendidas, porém, há alguma objeção quanto ao que o PT defende atualmente? 

Sim, concordo com a pauta, inclusive sou presidenta do partido em Goiânia. Meu pai foi um dos fundadores do PT aqui no Estado. O Partido dos Trabalhadores, se você estudar como ele foi fundado vai perceber que ele é um partido que trabalha em prol dos direitos das pessoas, tem uma origem muito popular e surge para ser um instrumento de luta realmente da classe trabalhadora. O partido é formado por pessoas, então ele comete erros, pois as pessoas cometem erros. Mas eu acredito que é o partido que mais luta pelos direitos dos trabalhadores, das pessoas mais empobrecidas, mais humildes. Também luta por uma sociedade mais democrática, justa e fraterna e defende a democracia de uma forma geral, por exemplo, é o partido mais feminista que eu conheço. Nós temos paridade em todas as instâncias partidárias. Todo diretório é metade mulher, metade homem. Em tudo nosso há paridade entre homens e mulheres. Tem machismo? Lógico! Tem ser humano, tem brasileiro ali, então tem. Mas a gente procura combater. É o único partido hoje, por exemplo, que tem presidentas mulheres em Goiânia, em Goiás e no Brasil. Eu acredito que é o partido que mais contribuiu para os direitos da classe trabalhadora e das pessoas mais humildes.

Você entende que por causa disso, por trazer mais equidade social, que o PT foi criminalizado nas eleições? 

Nós ganhamos quatro eleições. A classe dominante, principalmente representada pelo PSDB, percebeu que não iria mais ganhar eleições, cansou da disputa. Então, conseguiram uma forma de criminalizar o PT e o nosso maior líder, Lula, de todos os crimes possíveis. Eu fui a Porto Alegre, eu conheço o processo, eu acompanhei o julgamento porque eu sou delegada e eu tive direito e, realmente, não há provas de que ele cometeu crime. Não há provas. Então, a gente acredita que ele foi preso para não disputar eleição porque estava em primeiro lugar na pesquisa de qualquer outro candidato. Hoje está preso para não liderar a nossa luta contra essa questão da Reforma da Previdência e esse Governo Federal que está aí, principalmente, colocando à venda do nosso país para o capital estrangeiro. Nós falamos da Reforma da Previdência, mas nós estamos muito preocupados com a venda da Amazônia, da Petrobras e do nosso pré-sal. Estão vendendo tão barato, estão dando para o capital estrangeiro. Amanhã a Alemanha estará lá desmatando a Amazônia todinha, pegando a nossa madeira e nós não vamos poder fazer nada. Nós estamos muito preocupados com isso. Acreditamos que o grande capital fez toda essa armação e infelizmente a maioria das pessoas caíram. Eu vejo que hoje muita gente percebe, e nós avisamos. O candidato desse grande capital não era o Bolsonaro, mas eles não conseguiram emplacar Geraldo Alckmin e aí acabaram aceitando o Bolsonaro mesmo. Eu não sei o que vai acontecer porque é uma pessoa que está trazendo uma instabilidade absoluta também para o campo econômico porque não tem projeto. Tem ministros insanos, pessoas com problema mental. Não tem nenhum projeto. Não tem projeto para a Educação, não tem projeto para a saúde, não tem para a geração de emprego. Nós estamos com 13 milhões de pessoas desempregadas. Isso é uma tragédia social.  

Quanto ao impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff. Acredita que foi um processo marcado pelo machismo?

Nunca um presidente foi desacatado daquela forma, inclusive com imagens ofensivas quando aumentou a gasolina, por exemplo. Agora ninguém está fazendo fotinho com “trem” enfiando na bunda do Bolsonaro. Tudo isso foi por ser mulher. Os xingamentos de cunho sexual no estádio com milhares de pessoas. Isso nunca aconteceu com outro presidente. Depois foi comprovado que ela era totalmente inocente, tanto que foi candidata a senadora.  Essas pessoas que estão no poder elas são contra os nossos direitos. Colocaram uma ministra lá que fala que as mulheres têm que ser submissas. Vocês entendem isso? Na campanha eles usaram uma música que falava que feminista é cachorra que tem que comer comida no chão.

Essas forças sempre estavam aí ou foi uma onda recente?  

É um fenômeno antropológico, que eu acredito que deve ser estudado porque não é só aqui. Ele está acontecendo no mundo todo. Você vê nos EUA, na Argentina. Não é isolado. A história é cíclica. Acho que as forças progressistas conseguiram avançar muito e essas forças reacionárias conseguiram se mobilizar com algum enfraquecimento nosso. Tem que ser estudado. Não tenho essa explicação. Eu acredito nisso, que a história é cíclica, que essas forças conseguiram se mobilizar, mas que sempre tiveram presentes. Só que às vezes elas se sentem encorajadas. Quando que há alguns anos uma pessoa ia ter coragem de entrar numa rede social e ser racista como as pessoas estão sendo hoje? Em chamar uma artista negra de macaca? Quando? Eu não acho que isso acontecia há uns anos atrás! Não era dessa forma e, hoje, as pessoas se sentem encorajadas e é permitido fazer esse tipo de coisa. Elas são legitimadas pelas forças que estão no poder. Mas isso não é só aqui, isso acontece no mundo todo. Há lugares onde as pessoas estão conseguindo reagir. Mas, nós aqui não conseguimos ainda. 

Por que mulheres, a seu ver, não estão votando em mulheres? Como a gente explica essa baixa representatividade apesar de sermos maioria?  

Creio que precisamos ver a história como um processo. Então, num processo você tem avanços e retrocessos. Então isso sempre acontece quando você tem uma luta. Em toda a história dos direitos da mulher você vai ver avanços e retrocessos. Então, essa questão foi um retrocesso. Isso acontece. Agora, porque aconteceu? Eu acredito que essa fase de retrocessos, de ultraconservadorismo que nós vivemos, influenciou. Tanto que partidos usaram mulheres como laranjas e não foram punidos. Até agora eu não vi punição, inclusive aqui em Goiânia teve caso provado e não foi punido. Também pode ser esse sentimento machista que hoje está incorporado em todas as instâncias. Por outro lado, é pelas pessoas sentirem e terem esse pensamento de que as mulheres não têm capacidade e competência para serem políticas, inclusive outras mulheres sentirem isso.

Na sua opinião, qual o legado que mulheres como você têm deixado na história do Parlamento Goiano?

 A presença da mulher na política é imprescindível. É a forma de trazer para os espaços de decisão os nossos sonhos, as nossas dificuldades, as nossas lutas. Não só das mulheres, mas das famílias, das crianças. Essa é nossa maior preocupação. Então, a nossa presença, além de ser justa, por nós sermos mais da metade da população, dos eleitores, ela é imprescindível para que nós tenhamos uma sociedade democrática e onde os direitos das mulheres e das crianças sejam ouvidos. O legado das mulheres na política no Brasil é muito grande. Nós temos uma história de muita luta. Nós lutamos contra esse machismo e pela igualdade de forma muito forte, muito bonita no Brasil. Lutamos contra a ideia de crime contra a honra – que o homem tinha o direito de matar pela honra. Nós lutamos contra isso e conseguimos muito. Em Goiás, nós temos várias leis que são produto do trabalho das mulheres. Então, eu acredito que é muito importante a gente resgatar essa história e principalmente encorajar as mulheres a participar daqui pra frente da política também. 

E o seu legado, deputada? 

Eu pretendo participar da política muito tempo ainda. Então ainda não avaliei o meu legado, mas eu gostaria que as minhas filhas e as pessoas vejam em mim uma história de luta pelos direitos das mulheres e de luta por uma sociedade mais igualitária. Eu gostaria que esse fosse meu legado.  

Houve alguma mulher que lhe serviu como inspiração ao longo da sua trajetória de luta política e também como agente pública?   

A minha principal influencia é a minha mãe. A minha mãe não é conhecida como o meu pai, mas é uma mulher muito forte, muito corajosa. Ela que me ensinou a ser brava, sempre lutou contra a injustiça e contra a violência contra qualquer pessoa. Então, eu cresci vendo o trabalho dela e ela é minha principal influência.

Você sente que as mulheres que vieram antes de você aqui na Casa prepararam o terreno de alguma forma? 

Sem dúvida, inclusive como Delegada eu estive aqui por discussões chamadas por elas sobre crimes contra a criança e o adolescente. Eu vejo que as mulheres que estiveram antes aqui, inclusive, tiveram um papel até mais preponderante do que hoje nós temos, como participar da Mesa, por exemplo, e outras ações importantes. Além de vários projetos importantes apresentados por elas que vão ficar na história do Estado.  

Qual seria o maior desafio para as mulheres que querem entrar hoje para a política?  

Provar que nós temos a competência, capacidade e inteligência para estarmos onde a gente desejar. Seja na política, seja como engenheira espacial, seja como policial. Acho que o nosso grande desafio é esse. É ter igualdade de direitos para poder estar onde a gente sonhar.  

Qual mensagem você deixaria para encorajar mais mulheres a entrarem para a vida política? Ou antes ainda: para incentivá-las a depositar sua confiança em lideranças femininas, ajudando a eleger mais em mulheres? 

Que nos sintamos encorajadas a lutar. Está em jogo a nossa independência, a nossa vida, a nossa saúde, os nossos direitos. Não só a presença das mulheres na política, mas a nossa igualdade no mundo do trabalho e a luta contra a violência contra mulheres e meninas. Todos esses direitos estão em jogo. Nós precisamos nos sentir encorajadas, precisamos nos unir, apoiar outras mulheres. Não temer a luta. Temos que nos encorajar e perceber que se hoje você estuda, se você vota, é porque mulheres que vieram antes de nós lutaram por isso. Nada foi dado na nossa mão, tudo foi por meio de luta e nós não podemos parar de lutar. Agora é hora de lutar mesmo. Todo mundo tem que deixar de se acomodar. Por exemplo, na nossa casa quem lava a louça? É só a gente ou nosso companheiro tem que contribuir? Estamos criando nossos filhos do mesmo jeito? A gente ensina o nosso filho a lavar a vasilha também, arrumar a cama dele ou é só a filha? A gente fala que homem não chora para nosso filho? Será que a gente não contribuiu para reproduzir o machismo? No nosso mundo social a gente tem contribuído para essa luta dos direitos da mulher? Para a igualdade da nossa sociedade? Então, a gente tem que se perguntar e se colocar nessa luta.

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