Proibição ao nepotismo independe de leis específicas
A coibição do nepotismo na acessibilidade aos quadros funcionais da administração pública: uma exegese possível
Ruth Bastos
Advogada e procuradora da Assembléia Legislativa de Goiás
RESUMO: A partir da exposição e da adoção no presente estudo do recente entendimento jurídico no sentido de desnecessidade de mediação legislativa acerca do nepotismo em face de operatividade normativa dos princípios constitucionais, buscou-se pincelar os rudimentos de uma tese, consubstanciada na “Teoria dos Impedimentos Máximo, Médio e Mínimo”, em cujo âmbito foram delineadas as condutas proibidas configuradoras do nepotismo na vertente da acessibilidade de parentes de agentes públicos nos quadros funcionais da Administração Pública, funcionando estes “delineamentos” como pressupostos de aplicabilidade das formas instrumentais legais de sua coibição. Referida teoria é produto de uma exegese possível do nepotismo, levando-se em conta o processo histórico de formação do Estado brasileiro e o ordenamento jurídico atual, este último analisado sob os aspectos doutrinário, legal (Constituição Federal e regras federais infraconstitucionais) e jurisprudencial (entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre a matéria).
INTRODUÇÃO
Despertou-me mais profundamente a atenção o tema “nepotismo” desde a edição das Resoluções nºs 7 e 1 pelos Conselho Nacional de Justiça e Conselho Nacional do Ministério Público, datadas de 18/10/2005 e 7/11/2005, respectivamente, vedando a sua prática.
Posteriormente, com o ajuizamento perante o Supremo Tribunal Federal da Ação Direta de Constitucionalidade nº 12 pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), com pedido de liminar, em favor da Resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), tendo em vista que Mandados de Segurança vinham sendo impetrados pelo país afora contra a aplicação da mencionada Resolução, o tema se tornou mais interessante e intrigante.
Notadamente em virtude desses episódios, vários questionamentos e perplexidades se aguçaram em busca de respostas e de melhor compreensão da matéria.
Nesse contexto, merece realce, igualmente, a atuação do órgão do Ministério Público goiano, que de forma pró-ativa passou a combater vigorosamente o nepotismo nos órgãos e entidades públicas estaduais, deflagrando uma verdadeira campanha antinepotismo, amparando-se, mormente, no entendimento de que os princípios constitucionais da isonomia, moralidade e impessoalidade [1]-- com sua operatividade normativa ativa -- dispensava a exigência de regra expressa proibitiva do fenômeno.
Até o surgimento do entendimento pioneiro acerca da eficácia normativa dos princípios constitucionais, argumentava-se de forma recorrente acerca da impossibilidade de combate ao nepotismo ante a inexistência de regra expressa proibitiva, corroborando, por conseguinte, com a sua crescente incidência no âmbito da Administração Pública, sem que se pudesse contrapor-lhe a ordem jurídica.
Contudo, não se pode olvidar que o nepotismo é uma espécie de corrupção e como tal exige-se que seja ferrenhamente combatido, soando falacioso conceber-se que a corrupção possa estar escudada no próprio sistema jurídico de um país. Daí a relevância da edição das referidas Resoluções vedando o nepotismo, que ao trazer o tema para a “ordem do dia”, provocou a discussão, o debate público e a busca de formas de coibição dessa prática que, lamentavelmente, assola a Administração Pública brasileira.
Registre-se, por oportuno, que o presente estudo está voltado, especificamente, para uma das vertentes do nepotismo, a qual se refere à acessibilidade de parentes dos agentes públicos nos quadros funcionais da Administração Pública.[2]
Com efeito, da confluência das várias idéias surgidas nesta arena, questionamentos pairam ainda sobranceiros: se o entendimento atual manifesta-se no sentido da desnecessidade de regra expressa proibitiva do nepotismo, qual o embasamento jurídico deste entendimento e como identificar tal proibição aos casos concretos, se seus limites ou contornos não estão ainda bem delineados no sistema jurídico pátrio? Enfim, como se chegar à delimitação dos contornos do nepotismo, a fim de viabilizar a incidência de mecanismos de sua coibição?
De antemão, percebeu-se que seria imprescindível empreender uma árdua tarefa interpretativa em busca de respostas a estes questionamentos. O processo de interpretação do fenômeno do nepotismo, para cumprir a sua finalidade de “re-construir” a verdade que se encontra latente, deve se abeberar tanto em sua fonte histórica, quanto no vigente ordenamento jurídico, este último analisado neste artigo sob os aspectos doutrinário, legal e jurisprudencial.
Com tais intuitos, dividiu-se o presente trabalho nos seguintes tópicos/itens:
Item 1: O Nepotismo na Gênese da Formação do Estado Brasileiro: buscou-se a origem do nepotismo desde o Brasil-Colônia até o Brasil-República dos dias atuais;
Item 2: Os Elementos e Pressupostos Jurídicos do Nepotismo: Para a melhor compreensão do fenômeno do nepotismo na vertente do acesso aos quadros funcionais da Administração Pública, procurou-se lhe desvendar os elementos componentes (gerais e específicos), bem como explicitá-los nos seus aspectos gerais;
Item 3: O Nepotismo à Luz da Constituição Federal de 1988: Buscou-se traçar as características mais relevantes dos princípios constitucionais que têm correlação com o nepotismo e fundamentar, com embasamento doutrinário, o entendimento sobre a operatividade normativa dos mesmos;
Item 4: O Nepotismo e a Legislação Infraconstitucional: Buscou-se trazer à luz as regras expressas proibitivas do nepotismo, a nível federal, com o objetivo de compreender o alcance das mesmas na visão do legislador brasileiro;
Item 5: O Nepotismo na Ótica do Suprem Tribunal Federal: Buscou-se trazer à luz, por meio da análise de vários julgados, o entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre o nepotismo;
Item 6: A Exegese Possível: Fixação das Condutas Proibidas Configuradoras do Nepotismo: Ao desvendar os elementos componentes do nepotismo em seus aspectos específicos procurou engendrar os rudimentos de uma Teoria de Impedimentos (máximo, médio e mínimo), em cujo âmbito pudessem estar delineados os “atos típicos” ou normas de condutas proibidas configuradoras do nepotismo, funcionando estes “delineamentos” como pressupostos de aplicabilidade das formas instrumentais legais de sua coibição.
1 O NEPOTISMO NA GÊNESE DA FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO[3]
Antes de incursionar pelas veredas de um tema, mostra-se, além de necessário, esclarecedor e didático, o estabelecimento, a priori, dos seus limites conceituais.
Nesse sentido, com auxílio de Waldir Vitral (1986:426), diz-se que a expressão “nepotismo”:
[...] é derivada do latim nepos que significa neto, sobrinho. O nepotismo era empregado por alguns papas, na Antigüidade, por concederem favores e facilidades aos seus familiares. Atualmente, é caracterizado pela prática por parte de detentores do poder para concederem facilidades, favores, lugares no governo ou no quadro do funcionalismo aos membros de sua família, independentemente de aferição da capacidade e do valor moral da pessoa beneficiada. Figura como uma das formas de corrupção do poder.
Por outra vertente, buscando-se no verbete “corrupção”, encontra-se no Dicionário de Política de Norberto Bobbio, Nicola Matteucci e Gianfranco Pasquino (1986:291) a seguinte definição: “fenômeno pelo qual um funcionário público é levado a agir de modo diverso dos padrões normativos do sistema, favorecendo interesses particulares em troca de recompensa”.
Nota-se que na essência da conceituação do nepotismo encontra-se a apropriação privada do público, em que há a prevalência do interesse particular do detentor do poder sobre o interesse público do Estado e, via de conseqüência, da sociedade.
Nesse contexto, questiona-se se no Brasil, esta forma de atuação dos detentores do poder ou administradores públicos é esporádica e pontual ou é contínua e generalizada no decorrer de seu processo histórico.
Para responder a tal questionamento mister destacar que a singular formação do Estado brasileiro, desde as suas mais remotas origens, foi o resultado de um processo histórico com raízes fincadas, desde o período pré-colonial, no Império Português de caráter patrimonial/medieval.
A temática do “patrimonialismo”, que se abeberou na fonte teórica do pensamento político do jurista e sociólogo alemão Max Weber, via de regra associa, como idéia principal, o trato da coisa pública pela autoridade como se fosse privada.
Observando-se os autores nacionais que tratam do tema, que dentre vários outros se destacam Sérgio Buarque de Holanda e Raymundo Faoro, constatam-se desdobramentos diversos decorrentes da idéia original proposta por Max Weber.
Nesse sentido, a recepção conceitual do “patrimonialismo brasileiro”, como uma forma de prática social que não efetua a fundamental diferença entre a esfera pública e a privada na vida política, em nosso contexto assumiu interpretação diversa da sua raiz terminológica weberiana.
Em especial os autores retrocitados, a partir da idéia central weberiana[4], procuraram explicar os traços mais marcantes das bases do modelo político brasileiro calcadas no patrimonialismo, conferindo, entretanto, conforme visto, novos tons à teoria originária.
Com efeito, em busca do entendimento dessa “nova roupagem” dada à teoria de Weber, é preciso analisar o pensamento de cada qual deles.
Na visão de Sérgio Buarque de Holanda, que de forma pioneira com o seu livro “Raízes do Brasil” de 1936, buscou elucidar nas formações cultural e institucional a gênesis do patrimonialismo estatal, extrai a característica fundamental do “homem cordial” brasileiro que, em sua débil vida política, era propenso em não diferenciar o seu interesse privado e a vida pública à sua volta. Este autor demonstra em sua obra que, por meio da herança decorrente do processo colonizador, desenvolveu-se na cultura nacional modelos patriarcais, de uma prática de subordinação à autoridade e de manifesto descaso com os assuntos relativos à esfera pública. Este “homem cordial”, na verdade, acreditava que o Estado era uma mera ampliação do círculo familiar, ou seja, o Estado era apenas a continuidade da vida privada.
Destaca, ainda, o autor que da transição de uma ordem feudal para uma ordem capitalista na Europa, a maioria dos países desenvolvidos modernos vivenciou um movimento social de passagem da predominância de uma esfera eminentemente privatizada, particularista, familiar, para a formação do Estado, entretanto, esse mecanismo de evolução não foi vivenciado pelo povo brasileiro em sua plenitude, o qual ficou, de forma “infantilizada”, intimamente ligado aos laços tradicionais, de predominância das relações familiares, transpondo estes valores inadvertidamente para a esfera pública.
Nesse sentido, era inerente à condição do brasileiro típico trazer para a seara pública os mesmos traços paternalistas/patriarcais delimitadores da sua visão de mundo, confundindo os assuntos públicos (atividade, bens, direitos, cargos etc), de interesse coletivo, com os assuntos pessoais.
Na visão de Raymundo Faoro[5], a explicação para as mazelas do Estado brasileiro está em sua formação histórica adquirida da estrutura patrimonialista do Estado português, cujo modelo administrativo foi exportado para a Colônia na época pós-descobrimento e a partir do qual se estruturaram a Independência, o Império e a República do Brasil. O patrimonialismo seria, para Faoro, a característica mais marcante do desenvolvimento do Estado brasileiro através dos tempos.
Faoro demonstra em seu livro que, tanto em Portugal quanto no Brasil, não houve o desenvolvimento de uma organização social compatível com o feudalismo, porém, ao revés, estas formações sociais foram marcadas pela forte presença do Estado na vida dos indivíduos, gerando os “estamentos”, que se fundam na divisão da sociedade conforme a posição social que ocupam. Calcam-se na desigualdade social, em que um grupo de indivíduos em suas relações com o Estado reclama para si privilégios que irão assegurar sua posição e sua base de poder no seio da comunidade.
Nesta acepção, estes estamentos organizados se apropriam do Estado, de seus cargos e funções públicas, impondo-se um regime de usos dessas vantagens advindas do status ocupado para a utilização da máquina estatal em proveito próprio, para a satisfação de interesses particulares. Eles são os verdadeiros “donos do poder”.
Faoro retrata, ainda, a ausência do indivíduo na condução da vida política no Brasil, o qual sempre esteve dependente da atuação estatal em sua vida privada.
De outra parte, Bresser-Pereira (2003:304) concorda com Faoro no sentido de que a realidade histórica brasileira demonstrou a persistência secular da estrutura patrimonial, formada pelo estamento burocrático, originado em Portugal; contudo, adverte que tal análise revela bem o Brasil do período imperial até o final do período da Primeira República.
A partir desse período, segundo informa Bresser-Pereira (2003:311), inicia-se a tentativa de reforma burocrática brasileira (1936), sob a liderança de Getúlio Vargas. Entretanto, como esclarece o mencionado autor, esta reforma fora imposta de cima para baixo e não respondia às reais necessidades contraditórias da sociedade e da política brasileiras, sendo que “o Estado necessitava de uma burocracia profissional, mas fazia concessões ao velho patrimonialismo que, na democracia nascente, assumia a forma de clientelismo”, “não surpreendendo” complementa o autor, “que logo após o colapso do regime autoritário de Getúlio Vargas, os velhos componentes patrimonialistas e os novos fatores clientelistas tenham se feito sentir de forma poderosa”.
No poder, os militares promovem a reforma administrativa de 1967, consubstanciada no Decreto-Lei nº 200, que prenunciava as reformas gerenciais que ocorreriam em alguns países do mundo desenvolvido a partir da década de 80 e no Brasil, a partir de 1995.
Em 1995, Fernando Henrique Cardoso assume a Presidência República, nomeando como Ministro da Administração Federal e Reforma do Estado (transformação do SAF em MARE) Luiz Carlos Bresser-Pereira que, por meio do “Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado”, buscou definir as instituições e estabelecer as diretrizes para a implantação de uma administração pública gerencial no país.
Para Bresser-Pereira, o Estado burocrático-industrial e o Estado gerencial são estados de transição de uma política de elites para uma democracia moderna, na qual a defesa dos direitos republicanos, ou seja, do direito que cada cidadão tem de que o patrimônio público seja usado de forma pública. Entretanto, a implantação do modelo gerencial sempre encontrou resistências do corporativismo dos velhos burocratas, dos interesses eleitorais dos políticos e do interesse dos capitalistas em obter benefícios do Estado.
Conclui Bresser-Pereira (2003:331) com percuciência ímpar:
Sem dúvida, a injustiça e o privilégio são ainda amplamente dominantes no Brasil. [...] Na administração pública, os direitos republicanos, que eram ignorados no Estado patrimonial, tornaram-se uma preocupação central da sociedade e do Estado: os cidadãos brasileiros têm cada vez mais claro para si que o patrimônio público deve e pode ser usado para fins públicos. Por isso, as denúncias de privatização ou captura do Estado por capitalistas e burocratas, de corrupção e de nepotismo não devem ser vistas com pessimismo, mas como um sinal de que o patrimonialismo está sendo combatido e de que um Estado democrático e gerencial está em formação no Brasil. (Grifou-se)
Verifica-se pelo pensamento dos autores mencionados, Sérgio Buarque de Holanda e Raymundo Faoro, desde a mais remota herança histórica do Brasil pré-colonial, com base no Império português, observa-se a difícil relação entre o público e privado.
Seja do ponto de partida da cultura patriarcal de Sérgio Buarque de Holanda, seja a partir da estrutura administrativa de Raymundo Faoro, engendrando, respectivamente, o “homem cordial” e os “estamentos burocráticos”, há tão-somente um ponto de chegada: o Estado patrimonialista que, arraigado na tradição histórica do Brasil, privatizando a coisa pública pela indistinção das esferas pública e privada, cuja dicotomia clássica surgiu no Império Romano da Antigüidade, em muito contribuiu e ainda influencia de forma premente a “cultura do nepotismo” na vida política brasileira.
De outra parte, Bresser-Pereira, ao remontar o processo de formação da Administração Pública no país, no período que medeia a Nova República até os dias atuais, traz à tona as tentativas de reforma do aparelho estatal, cuja gestão pública originária baseava-se no estamento burocrático de Faoro, passando, posteriormente, para o estilo burocrático-tradicional até transmudar-se para o modelo gerencial em 1995.
Admite o autor, entretanto, que atualmente o Estado brasileiro ainda permanece sob forte influência do patrimonialismo herdado do Império português, encontrando-se o Estado democrático e gerencial em processo de formação e evolução.
Destarte, constata-se de maneira irrefutável que a influência do patrimonialismo é tão marcante na formação do Estado brasileiro que esparge os seus efeitos maléficos e devastadores até os dias atuais. Com efeito, argumentos favoráveis ao acesso de parentes nos quadros funcionais da Administração Pública sem prévio processo seletivo objetivo, soa como hipocrisia ou total desconhecimento da história do Brasil.
Nesse contexto, o nepotismo, como forma de exteriorização do Estado patrimonialista, onde são “barganhados” cargos a parentes de autoridades, transformando a coisa pública em “negócio de família”, deve ser fortemente combatido, por meio da implantação de normas rigorosas que conduzam a sua total extirpação do cenário político nacional.
2 OS ELEMENTOS E PRESSUPOSTOS JURÍDICOS DO NEPOTISMO
Para a compreensão científica de qualquer fenômeno, quer seja natural, social ou jurídico, faz-se necessário adentrar em sua essência, buscando definir os seus contornos, os seus tons, a sua representação mais próxima possível da verdade.
Foram estabelecidas as noções conceituais gerais sobre o nepotismo, entretanto é preciso ir além. É necessário aprofundar nas nuances jurídicas do fenômeno.
Com efeito, antes de continuar adiante com o presente estudo, uma questão prejudicial merece ser respondida: Qual a estrutura, a tessitura do nepotismo? Quais são, enfim, os elementos que o compõem?
Antes de buscar a resposta para tais questionamentos, mister deixar claro que para o “homem médio” é fácil perceber a ocorrência do nepotismo, inclusive porque é uma conduta considerada de alta reprovabilidade social. E, conforme se verá, esta percepção da existência do nepotismo traçada pelos seus elementos tem relevância jurídica, eis que afronta princípios constitucionais como, v.g., os da moralidade, pessoalidade, igualdade e eficiência. Destarte, detectar a existência do nepotismo, tanto a nível social quanto jurídico, não é trabalho hercúleo, mas de simples percepção geral das suas circunstâncias ou de seus elementos, genericamente considerados.
Entretanto, a partir da percepção da existência do nepotismo, ser capaz de exarar as respectivas normas específicas por meio de um processo interpretativo extraído do sistema normativo e mesmo do processo histórico de formação do Estado brasileiro, para, reconhecendo o fenômeno nos casos concretos, de forma individualizada, aplicar sobre ele mecanismos de coibição dispostos no ordenamento jurídico vai uma distância muito grande.
Este é o trabalho que ora se propõe: a especificação dos elementos do nepotismo por meio da construção das situações concretas nas quais são verificadas a ocorrência do fenômeno, utilizando-se para tanto técnicas interpretativas. Busca-se uma exegese possível do fenômeno, pincelando rusticamente uma “Teoria de Impedimentos” que se traduz em regras onde se detecta o nepotismo, por meio da fixação das condutas proibidas, possibilitando a respectiva aplicação de mecanismos legais de coibição, a qual será delineada no item 6.2 deste trabalho.
A presente tarefa assemelha-se à função do legislador, que ao valorar juridicamente um fato social o transforma em regra. Diga-se que “assemelha-se” à função legislativa, porque têm aspectos bem distintos. O trabalho proposto neste artigo parte de elementos jurídicos e não meramente sociais, pois o nepotismo, ab initio, já é um fato valorado juridicamente e a sua interpretação não é tão livre quanto aquela feita pelo legislador, haja vista que a exegese proposta está estreitamente vinculada ao ordenamento jurídico composto por normas proibitivas já existentes (princípios e regras), decisões do Supremo Tribunal Federal, guardando-se, ainda, o devido acatamento ao processo de formação histórica vivenciada pelo Estado brasileiro.
Pelo exposto, pode-se dizer que os elementos gerais do nepotismo são aqueles que detectam a existência do fenômeno, de forma genericamente considerada (onde “tudo é proibido”) e por isso, também chamados de pressupostos de existência, mas que requerem para a sua aplicação, maior especificidade, pois do contrário, perguntas com o seguinte teor fatalmente serão formuladas pelo aplicador do direito: O nepotismo se configura em qualquer situação em que uma autoridade pública, usando de seu poder de mando, escolhe um membro de sua família para exercer trabalho remunerado no setor público, visando à satisfação de interesse pessoal?
Tal qual a lei distingue e discrimina situações e fatos sociais, não os acolhendo de forma genérica, de igual forma será feito o trabalho interpretativo pretendido neste artigo. Buscar-se-á discriminar situações, especificar os elementos gerais do nepotismo para que a sua detecção ao caso concreto possa ser possível. Mencionada tarefa não é feita de forma aleatória, conforme visto, e encontra-se também fulcrada em dois princípios jurídicos básicos: o da justiça e o da segurança jurídica. Colocar todas as situações, de forma indiscriminada, dentro de um mesmo “balaio” fere o princípio da justiça, eis que esse se subsume no adágio: “tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida da sua desigualdade”. De outra parte, este tratamento “genérico” conspira também contra a segurança jurídica, pois a incompreensão do “tudo proibido” gera perplexidades, questionamentos, incertezas e, via de conseqüência, a má ou a não aplicação da norma.
Com efeito, a especificidade de seus elementos é essencial e, dado o seu objetivo prático e concreto e que ao seu cabo criarão as condições necessárias para a aplicação dos mecanismos legais de coibição do nepotismo, será também chamado de pressuposto de aplicabilidade.
Ante a explanação feita, pode-se dizer que a estrutura ou tessitura do nepotismo é formada pelas seguintes partes componentes:
Elementos Gerais ou Pressupostos de Existência, e
Elementos Específicos ou Pressupostos de Aplicabilidade.
Dessa forma, pergunta-se: Quais os elementos que compõem o nepotismo? Indo ao seu cerne são encontrados os seguintes elementos gerais, sem os quais o fenômeno não ocorreria, sendo considerados, portanto, pressupostos de sua existência: a autoridade determinante da incompatibilidade, de um lado, e, de outro, o indicado para exercer cargo ou função, cujo provimento dependa de um ato discricionário da autoridade, tendo como elo de ligação entre autoridade e indicado a relação de parentesco existente entre ambos, lembrando-se que, apesar dos cônjuges ou companheiros não serem parentes, pelo estreito vínculo familiar que os une e com espeque no caput do art. 226 e seu § 3º da Constituição Federal, eles sempre estarão inseridos neste elemento.
Esquematicamente, pode-se representar os seus elementos gerais ou pressupostos de existência:
AUTORIDADE(s)-DETERMINANTE(s) DA INCOMPATIBILIDADE[6]
RELAÇÃO DE PARENTESCO
(incluindo-se o cônjuge e companheiro)
(elo de ligação)
INDICADO
PARA EXERCER CARGO OU FUNÇÃO, CUJA ESCOLHA OU PROVIMENTO
DEPENDA DE UM
ATO DISCRICIONÁRIO DA(s) AUTORIDADE(s)
De outra parte, existem elementos específicos ou pressupostos de aplicabilidade, os quais, ao contribuírem para delimitar e melhor definir o fenômeno do nepotismo, permitem a sua identificação ao caso concreto e a incidência dos mecanismos de coibição existentes (aplicação), sendo eles: o âmbito de incidência do nepotismo (âmbito geral: ente da federação envolvido; âmbito restrito: órgão, entidade ou instituição envolvidos); especificação da relação de parentesco e especificações das autoridades determinantes da incompatibilidade e do indicado (situação de ser ou não, previamente, agente público).
Esquematicamente, pode-se representar os seus elementos específicos ou pressupostos de aplicabilidade:
* ÂMBITO DE INCIDÊNCIA:
GERAL (ente da federação)
RESTRITO (órgão, entidade ou instituição)
*ESPECIFICAÇÃO DA RELAÇÃO DE PARENTESCO
* ESPECIFICAÇÃO DA AUTORIDADE DETERMINANTE DA INCOMPATIBILIDADE
* ESPECIFICAÇÃO DO INDICADO
(situação de ser ou não, previamente, agente público)
Os seus elementos gerais serão estudados no próximo item. Em relação aos elementos específicos, estes serão abordados no item 6.2 deste trabalho, oportunidade em que será engendrada a “Teoria dos Impedimentos”, conforme já mencionado.
2.1. ANALISANDO OS ELEMENTOS GERAIS OU PRESSUPOSTOS DE EXISTÊNCIA
A princípio, verifica-se que a admissão de pessoal por meio de concurso público, caracterizado como ato vinculado em que a vontade do administrador público não pode ser exercida e no qual o sistema de mérito é prestigiado e exigido, não podendo haver critérios subjetivos de escolha do candidato, é a forma ideal e antídota aos favorecimentos e apaniguamentos.
Nesse sentido, os cargos de provimento efetivo e empregos públicos, cuja admissão exige o prévio concurso público, bem como a contratação temporária para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público, desde que precedida de processo seletivo objetivo, estão excluídos do alvo do nepotismo.
A contrario sensu, os cargos e as funções que para a sua nomeação e provimento deixam margem de escolha ao administrador público, configurando-se ato discricionário, devem ser especificamente analisados, pois eles poderão ser a “porta aberta” para a entrada do “vírus” do nepotismo.
Nessa seara estão incluídos: cargo de provimento em comissão, função de confiança, função de natureza transitória[7], inclusive a contratação temporária para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público sem prévio processo seletivo (eis que a lei de cada ente da federação é que definirá os seus contornos) e nomeações diversas indicadas na Constituição Federal, incluindo-se, v.g., cargos vitalícios como os de Conselheiros dos Tribunais de Contas, e em relação a leis infraconstitucionais, nos termos da alínea “f” do inciso III do art. 52, da Constituição Federal.
Por oportuno, acrescenta-se que tanto as funções de confiança, que só podem ser desempenhadas por servidores efetivos, quanto os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se às atribuições de direção, chefia e assessoramento e são de livre designação/nomeação e exoneração, configurando a sua implementação pela autoridade competente um ato discricionário (CF, art. 37, II e V).
Para esclarecer a natureza dessas atribuições, busca-se o escólio de Régis Fernandes de Oliveira (2004:25), para quem os cargos em comissão são assim definidos:
de comando: a.1) de direção: refere-se a cargo de topo, que emite ordens. Tem poder de comando. Dirige um círculo grande, v.g., toda uma repartição; a.2) de chefia: tem poder de comando, só que o chefe dirige um círculo menor, restrito;
de assessoramento: o assessor é adjunto, o assistente ou participante das funções de outrem. Não tem o comando. Está vinculado a um agente de hierarquia superior. O cargo exige preparo intelectual, vez que exige o preparo de pareceres, orientações, discursos, falas etc.
Os demais elementos gerais merecem as considerações a seguir expostas:
Sujeitos: Autoridade-Determinante da Incompatibilidade e Indicado
O presente item visa estabelecer os possíveis vínculos funcionais formados entre os sujeitos sob referência e a Administração Pública, sendo que, da categoria dos agentes públicos, as espécies que interessam neste estudo são: agentes políticos e servidores públicos.
Em relação aos agentes políticos há grande divergência doutrinária, ora alguns juristas entendendo-a em sentido amplo, incluindo-se os membros da Magistratura, do Ministério Público e do Tribunal de Contas (MEIRELLES:2005; OLIVEIRA:2004), ora outros a compreendendo em sentido mais restrito (CARVALHO FILHO:2006; BANDEIRA DE MELLO:2001), enquadrando-se apenas o Presidente da República, os Governadores, os Prefeitos e respectivos Vices e auxiliares imediatos (Ministros e Secretários das diversas pastas), os Senadores, os Deputados e os Vereadores.
Adota-se neste estudo, o conceito mais amplo de agente político, vez que a par de ocuparem cargos eletivos (cumprindo mandatos) ou vitalícios (só sendo demissíveis mediante sentença judicial), todos eles, indistintamente, detêm e são titulares de parcela do Poder do Estado, isto é, possuem a possibilidade jurídica de ingressar na esfera jurídica de outros, impondo-lhes deveres ou criando direitos.
Por outro lado, os servidores públicos[8], em sentido amplo, são as pessoas físicas que prestam serviços ao Estado, envolvendo a Administração Pública Direta e Indireta (autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista), com vínculo empregatício e mediante remuneração paga pelos cofres públicos, compreendendo as seguintes espécies:
servidores estatutários, sujeitos ao regime estatutário e ocupantes de cargos públicos;
empregados públicos, contratados sob o regime da legislação trabalhista e ocupantes de emprego público;
servidores temporários, contratados por tempo determinado para atender à necessidade temporária de excepcional interesse público (CF, art. 37, IX), exercendo função, sem estarem vinculados a cargo ou emprego público.
Relação de Parentesco
Consoante ensinamento fornecido pelo civilista Sílvio Rodrigues (2002a:8) “o direito privado é o que regula as relações entre os homens, tendo em vista o interesse particular dos indivíduos, ou a ordem privada”, elencando como um de seus objetos a disciplina das relações humanas que surgem no âmbito familiar. Esta disciplina engloba, por óbvio, as relações de parentesco, as quais estão dispostas nos arts. 1.591 a 1.595, no Livro IV (Direito de Família) do Novo Código Civil (Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002).
Para Sílvio Rodrigues (2002b:316) o parentesco é a “relação que vincula entre si pessoas que descendem umas das outras, ou que descendem de um mesmo tronco”. Esclarece o civilista que tal conceito é restrito, pois só abrange o parentesco consangüíneo, deixando de fora o parentesco por afinidade e o parentesco civil.
Por sua vez, nos termos dos §§ 1º e 2º do art. 1.595 do Código Civil em vigor, parentesco por afinidade é o que liga uma pessoa aos parentes de seu cônjuge ou companheiro, limitando-se aos ascendentes, descendentes e aos irmãos do cônjuge ou companheiro, sendo que na linha reta, a afinidade não se extingue com a dissolução do casamento ou da união estável.
Parentesco civil, consoante arts. 1.626 e 1.628 do Código Civil, é o decorrente da adoção, sendo que esta atribui a situação de filho ao adotado, desligando-o de qualquer vínculo com os pais e parentes consangüíneos, salvo quanto aos impedimentos matrimoniais. As relações de parentesco se estabelecem não só entre o adotante e o adotado, como também entre aquele e os descendentes deste e entre o adotado e todos os parentes do adotante.
De outra parte, com fulcro nos arts. 1.591, 1.592 e 1.594 do Código Civil, “são parentes em linha reta as pessoas que estão umas para com as outras na relação de ascendentes e descendentes” e “são parentes em linha colateral ou transversal, até o quarto grau, as pessoas provenientes de um só tronco, sem descenderem uma da outra”. Já o art. 1.594 explica como se contam os graus tanto na linha reta quanto na colateral.
A partir da explanação supra, pode-se concluir que são parentes, conforme preceituado pela lei civil:
Parentes consangüíneos: a.1) linha reta (sem limite de grau): ascendente (pais, avós, bisavós, trisavós, tetravós etc.); descendente (filhos, netos, bisnetos, trinetos, tetranetos etc.). a.2) linha colateral ou transversal (até o quarto grau), sendo: Segundo Grau (irmãos); Terceiro Grau (Tios e sobrinhos); Quarto Grau (Tios-avós, sobrinhos-neto e primos “1º Grau”);
Parentes por afinidade: b.1) linha reta (sem limite de grau): ascendente (sogros; avós, bisavós, trisavós e tetravós do cônjuge ou companheiro etc.); descendente (enteados; netos, bisnetos, trinetos e tetranetos do cônjuge ou companheiro etc.); b.2) linha colateral ou transversal (só o segundo grau): cunhados;
Parentes civis: c.1) são parentes do adotado: todos os parentes do adotante. O adotado enquadra-se na posição de filho do adotante. Segue-se o modelo do parentesco consangüíneo, na linha reta como na linha colateral. c.2) são parentes do adotante: os descendentes do adotado (sem limite de grau): filhos, netos, bisnetos, trinetos e tetranetos do adotado etc.)
Os cônjuges ou companheiros, apesar de não serem considerados parentes, em razão da proximidade do vínculo que os une, sempre estarão inseridos em normas antinepotismo, conforme já observado.
Exsurgem dúvidas nesta seara quando leis que proíbem o nepotismo criam “graus de parentesco” diferentes dos previstos no Código Civil. A pergunta que se faz, in casu, é: outros entes da federação que não a União (Estados, Distrito Federal e Municípios) têm competência legislativa para inovar ou alterar a ordem jurídica sobre relações de parentesco?
Na verdade, com escopo no inciso I do art. 22 da Constituição Federal, que dispõe que é da competência privativa da União legislar sobre Direito Civil, percebe-se que os demais entes federados incorrem em vício de inconstitucionalidade quando legislam sobre relações de parentesco, eis que tal matéria, conforme visto, está inserida no âmbito do Direito Civil.
Com efeito, a melhor exegese acerca do assunto é desconsiderar os graus de parentesco fixados de forma diferente da prevista no Código Civil, a não ser, por óbvio, que se trate de lei da União. A título de exemplo, cita-se a Resolução nº 7, de 18 de outubro de 2005, do Conselho Nacional de Justiça que veda a prática do nepotismo no âmbito do Poder Judiciário. A relação de parentesco citada na Resolução refere-se, além de cônjuge e companheiro, aos “parentes em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive”. Entretanto, conforme estudado, o parentesco por afinidade na linha colateral só vai até o segundo grau (cunhados), assim a melhor interpretação é a restritiva, entendendo-se o parentesco tão-somente no âmbito dos limites previstos no Codex.
Poder Discricionário ou Discricionariedade
Com fundamento em Celso Antônio Bandeira de Mello (2001b:9-13), em busca da fonte do Estado de Direito, extrai-se que o parágrafo único do art. 1º do Texto Constitucional, ao dispor que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição” abeberou-se no pensamento de Jean Jacques Rousseau que, em sua obra intitulada O Contrato Social, ao apoiar-se na idéia de igualdade, sustenta a soberania popular. Sendo todos os homens iguais, todo o poder a eles pertenceria, formando-se a idéia da soberania popular e da democracia.
De outra parte, extrai-se a origem do art. 2º da Constituição Federal (tripartição no exercício do poder) no pensamento do barão de Montesquieu, cuja obra O Espírito das Leis, afirma que todo aquele que tem poder, tende a dele abusar. Para evitar que os governos se transformem em tiranias, cumpre que o poder detenha o poder, porque o poder vai até onde encontra limites.
Da confluência dessas duas ordens de pensamento -- soberania popular e necessidade de limitação do poder --, é que se pode concluir que toda a atividade administrativa, quer seja no âmbito da atuação vinculada ou discricionária, está adstrita aos comandos normativos.
Tendo em mira a pirâmide de Kelsen, que postula a existência do grau de hierarquia no sistema normativo e em cujo ápice encontra-se a Constituição Federal, descendo-se aos atos infraconstitucionais, deflui-se que a atividade administrativa deverá estar adstrita, inicialmente, aos ditames constitucionais, em seguida, aos próprios termos propostos pelas leis e, por último, aos atos normativos inferiores, de qualquer espécie, expedidos pelo Poder Público.
Por sua vez, Maria Sílvia Zanella Di Pietro (2001:65/68/75/137) afirma que o fundamento da discricionariedade administrativa encontra-se no princípio da legalidade, sendo que “está longe o tempo em que a discricionariedade era vista como poder puramente político”. Assim, para a citada autora, a discricionariedade é poder jurídico, exercida nos limites legais e ainda limitada por inúmeros princípios previstos de forma implícita ou explícita na Constituição, observado que a mesma é criada para que se administrem interesses da coletividade e para ela. Ademais, destaca a autora que “o princípio da legalidade adquire um conteúdo axiológico, que exige conformidade da Administração Pública com o Direito, o que inclui, não apenas a lei, em sentido formal, mas todos os princípios que são inerentes ao ordenamento jurídico do Estado de Direito Social e Democrático”. E continua “qualquer outra interpretação significa a perda da segurança jurídica essencial para proteger os direitos do cidadão em face do poder público”.
Por ora, pode-se concluir que a Administração Pública, em sua atuação discricionária, encontra limites no ordenamento jurídico pátrio, representado pelos atos normativos lato sensu, que caso não sejam respeitados, levará à arbitrariedade e a incidência em abuso de poder, consoante se verá adiante.
Celso Antônio Bandeira de Mello (2001b) destaca que a ordenação normativa, que representa a vontade geral (CF, art. 1º), impõe as finalidades públicas a serem alcançadas em prol dessa vontade geral ou interesse público, não podendo a Administração Pública subtrair-se a este comando.
Por oportuno, citem-se o caput do art. 37, bem como os seus incisos II, V e IX, com vistas a uma percuciente análise jurídica sob o prisma do que foi aduzido até aqui.
Analisando os dispositivos mencionados, percebe-se, de forma cristalina, que o comando do caput do art. 37 espraia-se por toda sua extensão, estabelecendo uma relação umbilical com todos eles.
De outra parte, a ressalva estabelecida in fine do inciso II transforma a norma, cuja natureza exige a sua exteriorização por meio de ato vinculado (a investidura em cargo ou emprego público dependerá sempre de aprovação prévia em concurso público), para ato discricionário, mais perceptível pela expressão “livre nomeação e exoneração”. Significa dizer que a lei poderá declarar certos cargos em comissão de livre nomeação e exoneração pelo Administrador Público, investidura esta que independerá da prévia aprovação em concurso público. Buscando-se a finalidade da norma contida nesse dispositivo, bem como nos retrocitados incisos V e IX, verifica-se que ela se assenta no critério “confiança” que deve haver entre o Administrador e o indicado, bem como na flexibilização que deve nortear a escolha para tais cargos, independentemente de concurso público, vez que a Administração Pública possui poderes discricionários que, a par de evitar a sua robotização ou engessamento, permite o acompanhamento da dinâmica da vida de forma mais eficaz e, assim, da melhor forma possível, solucione as demandas sociais e os interesses públicos.
Entretanto, a finalidade buscada com os incisos mencionados não pode ser interpretada de forma isolada, eis que, conforme visto, estão os mesmos umbilicalmente ligados ao caput do artigo. A melhor exegese é aquela que, de forma sistemática, busca a finalidade das normas inscritas nos incisos juntamente com os princípios inscritos no seu caput. Nesse sentido, pode-se dizer, então, que o critério confiança deve ser levado em conta, bem como a flexibilização da Administração Pública, desde que em concordância com os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
Nesse mesmo diapasão deve ser a exegese relativamente aos demais princípios constitucionais relacionados com o controle do nepotismo. Os demais princípios, explícitos ou implícitos, fazendo parte do Texto Constitucional devem balizar o poder discricionário do Administrador Público, sendo que este poder sempre estará limitado pelo “desde que” respeitados os princípios constitucionais.
A argumentação daqueles que defendem a nomeação, inclusive de parentes, para cargos em comissão de livre nomeação e exoneração, funções de confiança e a contratação temporária, baseia-se na interpretação isolada do inciso II do art. 37 da Constituição Federal, e assim, consideram, em relação à finalidade da norma, apenas o critério “confiança” que deve haver entre o Administrador e o indicado, bem como na flexibilização que deve nortear a escolha para tais cargos, independentemente de concurso público, vez que entendem que o Administrador Público tem a discricionariedade para “livremente” indicar qualquer pessoa que mais lhe pareça conveniente e adequada.
Destarte, tais intérpretes apressados esquecem que os incisos mencionados fazem parte de um dispositivo, o caput do art. 37, que ao instituir princípios regedores de toda a Administração Pública, esparge sobre todos os seus desdobramentos (parágrafos, incisos e alíneas) o seu comando normativo. Da mesma forma acontece com os demais princípios constitucionais. Com Eros Roberto Grau (2002: 176) pode-se afirmar que “o intérprete está vinculado pelos princípios, além disso, não se interpreta o direito em tiras, aos pedaços”.
Destarte, a discricionariedade atua dentro da moldura traçada pela lei, não sendo ilimitada, inclusive porque em um Estado de direito não existem poderes ou direitos ilimitados. A assumir entendimento diverso, seria dotar o Administrador Público de poderes absolutos, em completa afronta ao Estado Democrático de Direito (CF, art.1º), permitindo-o agir ao seu bel prazer, de forma arbitrária, portanto. A arbitrariedade representa uma não aceitação ao direito posto. O ordenamento jurídico visa a normatização das condutas, evitando-se justamente a arbitrariedade. O que é arbitrário, por ser despótico, é injusto. Consoante clássica assertiva do Direito Inglês, no Estado de Direito quer-se o governo das leis e não o governo dos homens.
Pode-se concluir até aqui que a atuação da Administração Pública -- para manter-se em harmonia com os princípios do Estado de Direito e com o Texto Constitucional – deve buscar o atingimento das finalidades traçadas em lei em sentido amplo. Caso tal não ocorra, estará a atividade administrativa incidindo no vício de desvio de finalidade, o qual precisa ser reparado, por meio do expurgo do ato causador daquele vício.
Nesse passo, merece menção a “Teoria do Abuso de Poder”. Com fulcro nas lições de Hely Lopes Meirelles (2005:110-112), o abuso de poder ocorre quando a autoridade, embora competente para praticar o ato, ultrapassa os limites de suas atribuições ou se desvia das finalidades administrativas.
O gênero “abuso do poder” ou “abuso de autoridade” reparte-se em duas espécies, quais sejam: o excesso de poder e o desvio de finalidade.
O excesso de poder ocorre quando a autoridade, embora competente para praticar o ato, vai além do permitido e exorbita no uso de suas faculdades administrativas.
Já o desvio de finalidade ou desvio de poder verifica-se quando a autoridade, embora atuando nos limites de sua competência, pratica o ato por motivos ou com fins diversos dos objetivados pela lei ou pelo interesse público.
O ato praticado com desvio de poder incide em ilegalidade, pois contrário ao fim visado pela norma.
A análise da prova no desvio de poder no âmbito do nepotismo é questão mais simples do que para outros eventos ocorrentes na atuação administrativa. Enquanto para outros eventos utilizar-se-á para identificar o abuso de poder fatores como razoabilidade da medida, sua discrepância com a conduta habitual da Administração e outras, observa-se que pela própria gênese de nossa Administração Pública, a qual pautou-se pelo patrimonialismo (confusão entre as searas pública e privada), conforme verificado no primeiro item deste trabalho, o favorecimento a parentes e “clientes” é um fato recorrente na história política brasileira. A atuação do Administrador Público, lamentavelmente, sempre se pautou por usar de favorecimentos e perseguições, agindo com intuito particularista, em defesa de interesses próprios. Nesse contexto, extrai-se que a contratação de parentes no serviço público é prática contumaz caracterizada por explícito desvio de finalidade. Tal comprovação, na verdade, provém de uma presunção iuris et de iure, eis que pela convicção de sua veracidade ou verossimilhança, não se admite prova em contrário. Daí a ligação direta existente entre: ato discricionário de nomeação de parentes para os quadros funcionais do serviço público, desvio de finalidade e obrigatoriedade de invalidação do ato respectivo.
Pela pertinência do escólio de Bandeira de Mello (2001b:62), calha citar o seu entendimento quando trata do desvio de poder alheio a qualquer finalidade pública:
Em tal caso, a autoridade pratica um ato administrativo movido pela amizade ou inimizade, pessoal ou política, ou até em proveito próprio. Não raro está impulsionada pelo propósito de captar vantagem indevida, angariar prosélitos ou cegada por objetivos torpes de saciar sua ira contra inimigos ou adversários políticos, buscando molestá-los ou, pior ainda, vergá-los a suas conveniências.
Com efeito, a autoridade estará ultrapassando sua esfera discricionária e invadindo campo proibido. O ato será ilegítimo e renderá ensejo para que seja anulado pela própria Administração (poder de autotutela) ou pelo Poder Judiciário.[9]
No direito brasileiro, a colocação do desvio de poder como vício de ilegalidade consta do art. 2º da Lei nº 4.717, de 29 de junho de 1965 (regula a ação popular), que inclui entre os atos nulos os praticados com desvio de finalidade, definido no parágrafo único, alínea “e”, como o que se verifica “quando o agente pratica o ato visando a fim diverso daquele previsto, explícita ou implicitamente, na regra de competência”.
Além disso, a Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992, que dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício do mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional, considera como ato de improbidade que atenta contra os princípios da Administração Pública “praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto na regra de competência”. Isto significa que o desvio de poder constitui ato de improbidade administrativa, sujeito às penalidades previstas no art. 37, § 4º, da Constituição Federal e às normas da referida lei.[10]
3 – O NEPOTISMO À LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
NOÇÕES GERAIS
Buscou-se proceder a uma “varredura” no Texto Constitucional à procura de normas que regulassem ou coibissem a prática do nepotismo em nosso sistema jurídico. Tais normas, conforme visto amplamente no item anterior, representam as regulações e limitações à atuação discricionária do Administrador Público.
Desta pesquisa resultou na separação dos dispositivos correlatos com o nepotismo em princípios e normas gerais de regulação, estas últimas significando que apenas de forma genérica combatem o nepotismo, e formas instrumentais de coibição, que representam garantias de efetividade de aplicação dos princípios e normas.
Dentre os princípios, ressaltam-se os seguintes: Princípios expressos: princípios republicano e democrático (art. 1º); princípio da igualdade (art. 5º, caput) respaldado pelo inciso I do art. 37; princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência aos quais está submetida a Administração Pública (art. 37, caput). Princípio implícito: supremacia do interesse público sobre o particular.
Dentre as normas gerais de regulação, destacam-se: vedação aos entes federados de criarem distinções entre brasileiros ou preferências entre si, a qual tem relação com o princípio da isonomia (art. 19, III); competência dos entes federados pela guarda da Constituição, das leis e das instituições democráticas (art. 23, I); organização dos Estados pelas suas Constituições e leis que adotarem, com observância dos princípios da Constituição Federal (art. 25, caput); fixação como crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem com a Constituição Federal e especialmente contra a probidade na administração e no cumprimento das leis e decisões judiciais (art. 85, V e VII).
Consideram-se formas instrumentais de coibição ao nepotismo as seguintes: direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder (art. 5º, XXXIV); Mandado de Segurança individual e coletivo (art. 5º, LXIX e LXX) e ação popular (art. 5º, XXIII).
Ressalta-se, por oportuno, que não se adentrará neste estudo sobre as normas gerais de regulação, sendo que as formas instrumentais de coibição serão vistas no item 4 subseqüente, juntamente com a matéria sobre legislação infraconstitucional, mais especificamente, no âmbito das regras indiretas de coibição ao nepotismo.
OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS QUE LIMITAM O NEPOTISMO
Noções Gerais
Antes de se adentrar em cada um dos princípios de per si, mister fazer algumas considerações gerais sobre os mesmos.
A doutrina tradicional divide as normas jurídicas em regras e princípios, colocando em lados opostos cada uma dessas normas pelas suas características, sendo as suas principais diferenças:
as regras são descritivas, definindo comportamentos; enquanto os princípios apenas estabelecem diretrizes;
as regras são aplicadas de modo “tudo ou nada”, no sentido de que, se a hipótese de incidência de uma regra é preenchida, ou é a regra válida e a conseqüência normativa deve ser aceita, ou ela não é considerada válida; enquanto os princípios, ao contrário, não determinam absolutamente a decisão, mas somente contêm fundamentos, que devem ser conjugados com outros fundamentos provenientes de outros princípios;
as regras, no conflito entre elas, a solução deve ser a declaração de invalidade de uma das regras ou a criação de uma exceção; enquanto que o conflito entre princípios seria decidido mediante a ponderação entre eles.
Nesse sentido, pela doutrina tradicional, os princípios seriam meras diretrizes, incapazes de criar tipos de comportamentos desejáveis no caso concreto, vez que abstratos e sem força normativa concreta, ao contrário das regras. Entretanto, Humberto Ávila (2005) rompendo com esta doutrina, a partir da análise crítica das diferenças existentes entre regras e princípios, busca nestes últimos as condutas necessárias à realização dos valores por eles prestigiados, dando maior concretude, aplicação e efetividade aos mesmos. Vale a pena citar sua preciosa lição (2005:56):
[...] De um lado, pode-se analisar os princípios de modo a exaltar os valores por eles protegidos, sem, no entanto, examinar quais são os comportamentos indispensáveis à realização desses valores e quais são os instrumentos metódicos essenciais à fundamentação controlável de sua aplicação. Nessa hipótese privilegia-se a proclamação da importância dos princípios, qualificando-os como alicerces ou pilares do ordenamento jurídico. Mais do que isso, pouco.
De outro lado, pode-se investigar os princípios de maneira a privilegiar o exame de sua estrutura, especialmente para nele encontrar um procedimento racional de fundamentação que permita tanto especificar as condutas necessárias à realização dos valores por eles prestigiados quanto justificar e controlar a sua aplicação mediante reconstrução racional dos enunciados doutrinários e das decisões judiciais. Nessa hipótese prioriza-se o caráter justificativo dos princípios e seu uso racionalmente controlado. A questão crucial deixa de ser a verificação dos valores em jogo, para se constituir na legitimação de critérios que permitam aplicar racionalmente esses mesmos valores. Esse, é precisamente, o caminho perseguido por este estudo.
Neste artigo, tal qual no estudo formulado por Humberto Ávila, buscar-se-á, por um processo interpretativo, extrair dos princípios a delimitação dos comportamentos necessários à realização ou preservação do estado de coisas consubstanciadas em suas finalidades, bem como propor alternativas inclusivas de interpretação entre princípios e regras. Dizendo de outra forma, este estudo busca cumprir as finalidades consubstanciadas nos princípios por meio da fixação/especificação dos comportamentos que se configuram como nepotismo, viabilizando-se, conseqüentemente, a respectiva aplicação dos mecanismos de sua coibição, em atendimento às finalidades traçadas no ordenamento jurídico, independentemente de regra expressa proibitiva. É um trabalho interpretativo, o qual -- por meio da análise das normas existentes (princípios constitucionais e regras expressas federais), precedente judicial (posicionamento do STF), analogia e argumentum e contrario, temperados pelo princípios da razoabilidade e proporcionalidade, inclusive considerados como postulados[11] pelo autor citado --, chegar-se-á aos comportamentos “típicos” do nepotismo e, ao evitá-los, atingir as finalidades esperadas e desejadas. Os fins funcionam como razão substancial para desvendar os comportamentos necessários à sua promoção.
Tal interpretação, in casu, representa a fixação de normas de condutas proibitivas configuradoras do nepotismo a partir da análise do ordenamento jurídico vigente e de situações concretas. Significa dizer, “se dada situação concreta for esta, o comportamento proibitivo será este”. Representa, em última análise, a procura de aplicação de normas antinepotistas aos casos concretos, independentemente da existência de regras expressas e com fundamento no ordenamento jurídico.
Para Humberto Ávila (2005:25) “interpretar é construir a partir de algo, por isso significa reconstruir”. Acrescenta, ainda, o mencionado autor (2005:35):
[...] apesar de os princípios não possuírem um caráter frontalmente descritivo de comportamento, não se pode negar que sua interpretação pode, mesmo em nível abstrato, indicar as espécies de comportamentos a serem adotados, especialmente se for feita uma reconstrução dos casos mais importantes.
Com o mencionado autor (2005:65) é fixada a primordial diferença existente entre regras e princípios, que pelo poder de síntese e clareza de sentido merece a transcrição: “as regras prevêem condutas que servem à realização de fins devidos, enquanto os princípios prevêem fins cuja realização depende de condutas necessárias”.
No item 6 deste trabalho, quando será estudado sobre a exegese possível acerca do nepotismo, serão estudadas também as diretrizes para análise dos princípios e dos postulados normativos aplicativos segundo ensinamentos propostos por Humberto Ávila (2005).
Os Princípios in Specie[12]
O Princípio Republicano
No dizer de Geraldo Ataliba (2001:36 e 89), os princípios constitucionais mais relevantes no Brasil são os da federação e da república. E complementa afirmando que a república “traduz-se num conjunto de instituições cujo funcionamento harmônico visa a assegurar, da melhor maneira possível, a eficácia de seu princípio básico, consistente na soberania popular”.
Este princípio subsumido na res publica significa que os negócios públicos devem ser geridos em prol de todos e não em benefício de alguns poucos privilegiados. O nepotismo o afronta na medida em que visa beneficiar algumas autoridades e seus familiares, tornando a Administração Pública em “negócio familiar”, indo, pois, de encontro ao interesse público.
O Princípio Democrático
Consoante lição de Cármen Lúcia A. Rocha (1994:29), “o acolhimento do princípio democrático por um sistema constitucional permite, na generalidade de que se dota, que o seu desígnio se cumpra segundo os ideais, idéias, necessidades e perspectivas da sociedade em determinado momento”. De outra parte, quanto mais democrática for a Administração Pública, mais o cidadão participa de sua gestão e do exercício das decisões, consagrando-se mais a finalidade pública consubstanciada na defesa do bem comum.
A contrario sensu, a gestão da res publica voltada para o interesse privado afronta o princípio democrático. Daí dizer-se que o nepotismo viola o princípio ora analisado, eis que protege o interesse individual do governante, desrespeitando o interesse público e, conseguintemente, a vontade da maioria. Nesse contexto, mostra-se de singular importância a participação popular na esfera pública a cobrar não apenas eficiência, mas conhecimento dos motivos, dos fins e dos resultados das práticas públicas.
O Princípio da Supremacia do Interesse Público sobre o interesse Privado
Este princípio considerado como geral de Direito é inerente a qualquer sociedade. Assim, não está expressamente previsto no Texto Constitucional, mas encontra-se imanente à própria condição de existência do Estado e da sociedade, daí dizer-se que o mesmo é um princípio implícito no ordenamento jurídico brasileiro.
Mais uma vez, traz-se à colação o escólio de Celso Antônio B. de Mello (2001A:59) para conceituar o princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado. O autor inicia a delimitação do tema explicitando que o interesse público nada mais é do que o interesse pessoal das pessoas ou grupos, mas que “comparecem enquanto partícipes de uma coletividade maior na qual estão inseridos”, contrapondo-se ao “interesse individual, particular, atinente à conveniências de cada um no que concerne aos assuntos de sua vida particular”.
O mencionado autor, nessa mesma linha de raciocínio conclui que o Estado tem interesse público ou primário e interesse secundário, este último correspondente ao interesse pessoal e individual de cada cidadão, só que no âmbito estatal. Para esclarecer a presente diferença entre interesse primário e secundário do Estado, cita-se o caso de um dano causado ao particular por meio da atuação administrativa. O interesse primário da Administração consubstanciará no ressarcimento do prejuízo causado, nos termos da teoria objetiva do risco administrativo[13]. Por outro lado, no âmbito do interesse secundário desta mesma Administração, intentando proteger o erário, apesar da existência do direito subjetivo do particular de ser ressarcido, esta, de praxe se opõe à pretensão requerida, seja em sede administrativa ou judicial.
Na seara do nepotismo, o mesmo poderá ocorrer. Poderá haver o interesse secundário da Administração Pública em manter o parente da autoridade no cargo público, desde que este parente se mostre preparado técnica e profissionalmente; contudo, o interesse primário do Estado estará comprometido, vez que amparado notadamente no interesse pessoal e particular do agente público em manter o seu parente nos quadros funcionais públicos, um dos motivos pelo qual o nepotismo merece ser execrado da prática administrativa brasileira.
O Princípio da Igualdade
Cármen Lúcia A. Rocha (1994:151-3) informa que alguns autores têm, de forma indevida, insistido que a impessoalidade na Administração Púbica é o mesmo princípio da igualdade. Complementa que, conquanto a igualdade seja princípio muito próximo ao da impessoalidade, dispõe de conteúdo e finalidade diferentes.
Em suas palavras “o princípio da igualdade objetiva não discriminar, não distinguir onde razões de justiça concebidas e acatadas pela ordem de Direito não existam”.
Este princípio visa, em essência, impedir que o administrador público se privilegie ou privilegie terceiros em razão da facilidade de sua atuação para realizar projetos pessoais, de grupos ou de partidos políticos que têm acesso a cargos que compõem a Administração Pública.
Nesse sentido, no âmbito do nepotismo, este princípio visa impedir tais comportamentos “pessoais” na seara pública, eis que não se admitem comportamentos desigualadores, in casu, privilegiadores, quando razões jurídicas de desigualdade inexistam.
Magistralmente, Celso Antônio B. de Mello (2000:10) proclama que o princípio da igualdade se dirige tanto ao aplicador da lei quanto ao próprio legislador, sendo que “a lei não deve ser fonte de privilégios ou perseguições, mas instrumento regulador da vida social que necessita tratar eqüitativamente todos os cidadãos”. O autor destaca, ainda, que a lei nada mais faz do que discriminar situações, contudo o que precisa ser verificado é se este discrimen é legítimo ou ilegítimo. No caso do nepotismo, constata-se que há o malferimento deste princípio, vez que há o favorecimento a certas pessoas, em função da simples relação de parentesco existente entre elas e a autoridade pública, as quais são beneficiadas com cargos públicos. Assim, o discrimen existente – relação de parentesco -- para a facilitação do acesso aos quadros funcionais da Administração Pública não se encontra juridicamente legitimado.
O Princípio da Legalidade
Como se viu nos item 3.2 onde se estudou o princípio da legalidade em sentido amplo, conforme lição fornecida por Maria Sylvia Z. di Pietro, ele abrange o ordenamento jurídico como um todo, contrariamente ao princípio da reserva legal, que por ser mais restritivo, além de incidir tão-somente sobre os campos materiais especificados pela Constituição Federal, exige-se o tratamento de matéria exclusivamente pelo Poder Legislativo, por meio de lei formal.
Consoante Celso Antônio B. de Mello (2001a), este princípio é da essência do Estado de Direito, vez que a Administração Pública só pode ser exercida na conformidade da lei.
Tal princípio, ao submeter a Administração Pública aos comandos de norma geral, abstrata e, assim, impessoal, objetiva que os exercentes de poder, em sua atuação administrativa, não pratiquem atos eivados de favoritismos, perseguições ou desmandos.
No dizer de Celso Antônio (2001a:71), “o princípio da legalidade contrapõe-se, portanto, e visceralmente, a quaisquer tendências de exacerbação personalista dos governantes”.
Nesse diapasão, o nepotismo se verifica contrário à lei em sentido amplo, já que contrário aos princípios constitucionais e diversas regras infraconstitucionais, consoante se verá no item 4 seguinte.
O Princípio da Impessoalidade
No escólio de Cármen Lúcia A. Rocha (1994:147) “o princípio constitucional da impessoalidade administrativa tem como objeto a neutralidade da atividade administrativa, fixando como única diretriz jurídica válida para os comportamentos estatais o interesse público”.
A impessoalidade exige que o trato da coisa pública seja voltado à concretização do bem de todos e não de grupos ou de alguns poucos privilegiados, evitando-se o abuso do poder do Estado por estes últimos. Este princípio significa a Administração Pública “sem rosto”, id est, sem vontade própria particular de seus membros.
Com fulcro neste princípio, no campo do nepotismo, exsurge a seguinte indagação: por que permitir a indicação de parentes para ter acesso aos cargos públicos, se de antemão já se conhece as intenções do agente público de privilegiar tais pessoas por motivo de interesse pessoal[14], em detrimento da sociedade e em franca e direta ofensa ao princípio da impessoalidade?
Cármen Lúcia (1994:154), em enfática oposição ao uso da res publica de forma subjetiva e voluntariosa pelo agente público, assim se expressa: “a Administração personalizada não é pública, não é democrática, não é justa”.
Ademais, conforme já mencionado neste trabalho, este princípio respalda-se no ordenamento jurídico pátrio em razão da opção feita pelo “governo das leis” e não pelo “governo de homens”. Por isso, tal princípio encontra-se ínsito à idéia de legalidade e república. Caso o trato da coisa pública pudesse se dar ao bel prazer do administrador público, compondo uma administração personalizada, não careceria estar o ordenamento jurídico envolto por normas legais limitadoras/dirigidoras de sua atuação, nem tampouco necessitaria estar inscrita na Carta Federal a forma republicana de governo.
Registre-se, por fim, o pensamento de Lívia Maria Armentano Koenigstein Zago (2001:188) para quem o princípio da impessoalidade consiste em verdadeira limitação ao poder discricionário, vez que obriga a neutralidade e a objetividade inibidoras de subjetivismos por parte do gestor público.
O Princípio da Moralidade
Leciona Cármen Lúcia A. Rocha (1994:187) que o princípio da moralidade administrativa “formou-se a partir do princípio da ‘legalidade’, ao qual se acrescentou, como conteúdo necessário à realização efetiva e eficaz da Justiça material, a legitimidade do Direito”.
Acrescenta a referida jurista que a moralidade administrativa força a função administrativa do agente público no sentido de uma ordem ética em conformidade com os valores sociais prevalentes e voltada à realização de seus fins, gozando, ademais, das qualidades de efetividade jurídica e possibilidade de efetividade social.
O princípio da moralidade é um dos mais aviltados pela prática do nepotismo. Este como espécie de corrupção agride os valores que a sociedade tem como certos e devidos para o comportamento justo, não se permitindo, então, que pessoa alguma, menos ainda a pessoal estatal, criada dentro do Direito para garantir a sua aplicação, possa discordar e desobedecer a norma de observância obrigatória sobre a moralidade administrativa, ao argumento de ser o comportamento corrupto comum, ou socialmente freqüente, ou ideologicamente destratado, ou economicamente explicado.
Nesse sentido, a ninguém é ignorado que o nepotismo representa um comportamento socialmente reprovável, que fere o sentimento ético do cidadão comum.
Por outro lado, no entendimento de Cármen Lúcia (1994:196), “o princípio da moralidade administrativa é jurídico e a corrupção é um problema de Direito, que a este compete resolver pelas linhas do seu sistema de normas”.
Destarte, verifica-se com clareza meridiana que o nepotismo fere de morte o princípio da moralidade.
O Princípio da Publicidade
O princípio sub examine se consagra no dever administrativo de manter plena transparência em seus comportamentos, sendo que na esfera administrativa o sigilo só se admite, a teor do art. 5º, XXXIII, quando “imprescindível à segurança da Sociedade e do Estado”.
Tal princípio encontra-se previsto expressamente, além do caput do art. 37 do Texto Constitucional, no inciso retrocitado, bem como no inciso XXXIV, “b”, do art. 5º.
O nepotismo, como espécie de corrupção, nos termos do que foi visto no item 1.1 deste trabalho, só ganha forças para se reproduzir livremente ante o sigilo da informação referente a quem são os ocupantes de cargos e funções públicos, cujo provimento dependa de ato discricionário do agente púbico. Caso fosse divulgado, em harmonia com o princípio em tela, o nome das pessoas nomeadas para tais cargos, dificilmente o nepotismo se alastraria com tamanha facilidade.
Assim, o presente princípio revela-se um mecanismo eficiente de controle do nepotismo.
O Princípio da Eficiência
A Emenda Constitucional nº 19, de 1998 acrescentou expressamente aos princípios constitucionais da Administração Pública o princípio da eficiência.
Antes da edição da referida EC, tanto a jurisprudência quanto a doutrina já consagravam a existência deste princípio, sendo o seu conteúdo entendido como maior qualidade na atividade pública e na prestação dos serviços públicos.
Na visão de Alexandre de Moraes (2002:108), o princípio da eficiência é, verbis:
aquele que impõe à Administração Pública direta e indireta e a seus agentes a persecução do bem comum, por meio do exercício de suas competência de forma imparcial, neutra, transparente, participativa, eficaz, sem burocracia, e sempre em busca da qualidade, primando pela adoção dos critérios legais e morais necessários para a melhor utilização possível dos recursos públicos, de maneira a evitar desperdícios e garantir maior rentabilidade social.
Dessa forma, pode-se extrair que o princípio da eficiência possui as seguintes características básicas: direcionamento da atividade e dos serviços públicos à efetividade do bem comum, imparcialidade, neutralidade, transparência, participação e aproximação dos serviços públicos da população, eficácia, desburocratização e busca da qualidade.
No âmbito do nepotismo, pode-se dizer que é violado o princípio sob análise, mormente em razão de que a Administração Pública para ser eficiente, atendendo a contento as demandas sociais necessita, além do aparato material, recursos humanos aptos, técnica e profissionalmente. A escolha parcial e pessoal de parentes para compor os quadros funcionais, desprezando o critério do merecimento, prejudica, por óbvio, a consecução eficiente da atividade administrativa e da prestação de serviços públicos.
Da análise de todos os princípios violados pela prática do nepotismo e em cujo âmbito é limitada a atuação discricionária do Administrador Público, verifica-se que eles se entrelaçam numa rede intrincada e bem “amarrada” em que o termo final de um representa o marco inicial do outro, fazendo com que tal prática funesta atinja a todos e a cada um deles, produzindo o efeito “dominó”.
Percebe-se que, em essência, o nepotismo vicia a finalidade pública almejada por cada um dos princípios constitucionais. Ele representa a prevalência do interesse particular do Administrador Público que ao seu bel prazer concede privilégios a parentes no acesso a cargos públicos.
A partir da interpretação destes princípios deve-se buscar a aplicação dos mesmos no sentido da coibição do nepotismo, por meio de sua definição normativa. Quais as regras de comportamento – as que devem ser evitadas e as desejáveis -- que podem ser extraídas de cada um deles? Como estabelecer a convivência harmoniosa entre a possibilidade de nomeação discricionária para certos cargos e funções públicos sem esbarrar nos princípios limitadores desta competência discricionária? Enfim, como poderá o Administrador Público atuar nesta seara de forma discricionária sem praticar o nepotismo, conduta que, além de socialmente reprovável, é ilegítima e contrária ao Direito?
Direcionam-se os próximos itens em busca das respostas a estas perguntas.
O NEPOTISMO E A LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL
Registre-se que busca-se elencar neste tópico, porém de forma não exaustiva, as regras federais infraconstitucionais (diretas e indiretas), incluindo-se as resoluções do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Ministério Público (CNMP) coibitórias do nepotismo, buscando extrair das mesmas os seus aspectos principais[15].
Relativamente às regras diretas serão elencadas as leis que tratam diretamente do nepotismo deixando de mencionar as leis do Poder Judiciário e do Ministério Público, vez que tais órgãos estão submetidos às Resolução do CNJ e CNMP. Estas últimas, apesar de se referirem a regras diretas de coibição do nepotismo, serão abordadas em item a parte, em razão de suas particularidades.
Por outro lado, acerca das regras indiretas serão colacionadas as leis/decretos que coíbem a prática do nepotismo sem mencioná-lo especificamente, vez que instituem mecanismos genéricos de controle dos atos imorais, ímprobos ou contrários ao interesse público, as quais são também chamadas de formas instrumentais de coibição.
Ressalta-se que a menção às regras e resoluções referidas será feita de maneira muito específica, com foco tão-somente no conteúdo do presente trabalho.
REGRAS DIRETAS E REGRAS INDIRETAS OU FORMAIS INSTRUMENTAIS DE COIBIÇÃO
Dentre as regras federais infraconstitucionais que tratam diretamente da coibição ao nepotismo, em ordem decrescente de data, podem ser mencionadas:
Art. 51 da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993 (Institui a Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União e dá outras providências);
Art. 76 e parágrafo único do art. 110 da Lei nº 8.443, de 16 de julho de 1992 (Dispõe sobre a Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União e dá outras providências);
Art. 117, inciso VIII da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990 (Dispõe sobre o Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais);
Art. 4º, inciso VI da Lei nº 8.027, de 12 de abril de 1990 (Dispõe sobre normas de conduta dos servidores públicos civis da União, das Autarquias e das Fundações Públicas, e dá outras providências).
Dentre as regras federais infraconstitucionais que tratam indiretamente da coibição ao nepotismo, por meio de mecanismos de combate aos atos de imoralidade, improbidade e desvio de finalidade, incluindo-se os demais princípios constitucionais insculpidos no caput do art. 37 da Constituição Federal, em ordem decrescente de data, podem ser mencionadas:
Arts. 18 a 23 da Lei Complementar nº 101, de 5 de maio de 2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal);[16]
Art. 2º da Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999 (Regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal);
Incisos II, III, alínea “c” do inciso XIV e alínea “a” do inciso XV do Decreto nº 1.171, de 22 de junho de 1994 (Aprova o Código de Ética profissional do Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal);
Arts. 4º, 11, inciso I e 12, inciso III da Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992 (Lei de Improbidade Administrativa);
Art. 1º, inciso IV da Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985 (Regula a ação civil pública);
Art. 2º, alínea “e” e parágrafo único do art. 2º, alínea “e” da Lei nº 4.717, de 29 de junho de 1965 (Regula a ação popular).[17]
RESOLUÇÕES DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA E DO CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Tanto o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) quanto o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) foram criados pela Emenda Constitucional nº 45, de 8/12/2004, como órgãos de cúpula do Poder Judiciário e do Ministério Público, respectivamente.
As competências dos Conselhos criados no bojo da Reforma do Judiciário estão fixadas nos arts. 103-B e 130-A da Constituição Federal.
Com base no poder normativo conferido aos referidos Conselhos, poder este atualmente reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal, foram editadas as Resoluções nºs 7, de 18/10/2005 do CNJ e 1, de 7/11/2005 do CNMP, vedando o nepotismo.
As regras da Resolução nº 7, de 18/10/2005 que têm pertinência com o presente estudo estão consubstanciadas nos seguintes dispositivos:arts. 1º e 2º, incisos I, II, III e IV e § 1º e arts. 5º e 6º.
Por sua vez, em relação à Resolução nº 1, de 7/11/2005 do CNMP, a priori, merece menção um dos seus “considerandos”, o qual assim dispõe: “nepotismo é conduta nefasta que viola flagrantemente os princípios maiores da Administração Pública e, portanto, é inconstitucional, independentemente da superveniente previsão legal, uma vez que os referidos princípios são auto-aplicáveis e não precisam de lei para ter plena eficácia”.
As regras da mencionada Resolução que têm pertinência com o presente estudo estão fixadas nos seguintes dispositivos: arts. 1º, 2º, 3º e 5º.
Destas Resoluções podem ser extraídos os seguintes aspectos pontuais positivos e negativos no combate ao nepotismo:
Pontos Positivos: exceção feita à contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público quando houver sido precedida de regular processo seletivo; vedação ao nepotismo cruzado e elaboração de políticas que privilegiem mecanismos de acesso ao serviço público baseados em processos objetivos de aferição do mérito em franco prestígio aos princípios da moralidade, impessoalidade e eficiência;
Pontos Negativos: equiparação do servidor investido em cargo de assessoramento ao de chefia com exclusão dos cargos de direção[18]; afinidade na linha colateral até o terceiro grau (ver item 2.1 deste trabalho) e exceção ao nepotismo somente do nomeado ou designado ser ocupante de cargo de provimento efetivo das carreiras judiciárias admitido por concurso público, excluindo-se os concursados de outros órgãos ou entidades, em desprestígio ao instituto do concurso público.
Em relação às regras diretas de vedação do nepotismo verifica-se que, à exceção da Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União, são muito restritas, abrangendo tão-somente a manutenção para cargos de confiança ou comissão de cônjuge, companheiro ou parente consangüíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o segundo grau civil de servidor e sob sua chefia imediata.
Tal forma tão restrita de tratar o nepotismo, na verdade pouco ou nada contribui para o seu controle efetivo. Pode-se dizer que até o institucionaliza, vez que possibilita inúmeras “brechas” capazes de burlar a norma proibitiva. A título de exemplo, cita-se a possibilidade de, dentro de um mesmo departamento de um mesmo órgão público, ser mantidos parentes “trocados” entre chefes diversos.
Registre-se, com efeito, que normas tão restritas e pouco abrangentes corrobora com a assertiva de que a pessoalidade no trato da coisa pública tem alcançado não só a atuação administrativa, mas igualmente a produção legislativa. Ao possibilitar “brechas”, a legislação proibitiva do nepotismo cria “ilhas de privilégios”, personalizando a Administração Pública. Cita-se o exemplo da Lei estadual de Goiás nº 13.145, de 5 de setembro de 1997, dispondo sobre a proibição de nomeação de parentes para cargos em comissão ou função gratificada, que no parágrafo único do art. 1º autoriza, excepcionando a regra, “a nomeação, admissão e/ou permanência de até dois parentes das autoridades referidas no caput deste artigo, além do cônjuge do Chefe do Poder Executivo”.
Já a Lei Orgânica do TCU constitui-se em norma bem mais abrangente e rigorosa, inclusive prevendo a “quarentena”, eis que sabe-se de antemão que autoridades recém-aposentadas mantêm seu poder de influência, mostrando-se, por conseguinte, medida eficaz e moralizadora.
Relativamente às regras indiretas ou formas instrumentais de coibição verifica-se que existem diversos mecanismos eficientes de combate ao nepotismo, destacando-se a ação civil pública, ação popular, ação por improbidade administrativa, bem como a Lei de Responsabilidade Fiscal em seu fim limitador de despesa de pessoal, incluindo-se o controle dos contratos disfarçados de terceirizações, mas que na verdade referem-se à substituição de servidores e empregados públicos com atribuições constantes do quadro permanente do órgão ou entidade públicos.[19]
No que concerne às Resoluções do CNJ e CNMP, a despeito de seus pontos negativos, conforme visto, representaram um avanço no combate ao nepotismo, seja pelo grande alcance de sua aplicação (no âmbito do Poder Judiciário e do Ministério Público), seja por trazerem à “ordem do dia” no cenário nacional a discussão e o enfrentamento desta prática.
O NEPOTISMO NA ÓTICA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
Por meio da análise de vários julgados do Supremo Tribunal Federal[20] que tratam direta ou indiretamente do nepotismo, é possível extrair a essência do entendimento de seus Ministros especificamente em relação à matéria em questão, consoante a seguinte ordem decrescente de data:
a) Acórdão - Ação Direta de Constitucionalidade nº 12 – Medida Cautelar/DF – Rel. Min. Carlos Ayres Britto - julg. em 16/02/2006: A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) ajuizou a ADC sob referência, com pedido de liminar, em favor da Resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que proibiu a prática do nepotismo no Poder Judiciário, sendo que os Ministros do STF, ao acolherem a liminar pleiteada, deixaram assentados os seguintes posicionamentos:
A Resolução atende aos princípios da igualdade, moralidade e da impessoalidade administrativas, estando este último princípio ligado à eficiência da Administração Pública;
A Resolução atua como limitador ao exercício do poder discricionário de nomear funcionários em cargos de confiança;
A Resolução definiu normas destinadas a impedir a formação de grupos familiares visando à patrimonialização do poder governamental, vez que há necessidade fundamental em separar o espaço público e o privado;
A Resolução representa uma importante contribuição na construção de um Estado Democrático de Direito ao afastar uma prática de natureza aristocrática cujas origens podem ser encontradas em nossas raízes coloniais;
O art. 37 da CF já proíbe o nepotismo, independentemente da existência ou não da Resolução, sendo desnecessária a mediação legislativa.
b) Acórdão – Mandado de Segurança nº 23780/MA. Rel. Min. Joaquim Barbosa - julg. em 28/09/2005: Extrai-se o seguinte entendimento:
ofensa ao princípio da moralidade administrativa, eis que a proibição do preenchimento de cargos em comissão por cônjuges e parentes de servidores públicos é medida que impõe a nortear toda a Administração Pública, em qualquer esfera de poder.
c) Decisão Monocrática – Recurso Extraordinário nº 308340/PR. Rel. Min. Ellen Gracie - julg. em 07/03/2005: Extrai-se o seguinte entendimento:
Inexistência de inconstitucionalidade formal na proibição de nepotismo no âmbito dos Poderes veiculada em Lei Orgânica Municipal.
d) Acórdão – Recurso Extraordinário nº 183952/RS. Rel. Min. Néri da Silveira - julg. em 19/03/2002: Extrai-se o seguinte entendimento:
Inexistência de inconstitucionalidade formal na proibição de nepotismo no âmbito dos Poderes veiculada em Lei Ordinária Municipal.
e) Acórdão - Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1521 – Medida Cautelar/RS– Rel. Min. Marco Aurélio - julg. em 12/03/1997: Extraem-se os seguintes entendimentos:
Inexistência de inconstitucionalidade formal na proibição de nepotismo no âmbito dos Poderes do Estado veiculada em Constituição Estadual;
Os preceitos da Carta Estadual sob análise somente esmiuçaram, pedagogicamente, o que se contém na Constituição Federal;
O tema tratado é merecedor de inserção na Lei Maior do Estado, porque implícitas as diretrizes básicas da Carta Federal;
Proteção à autonomia estadual.
Observa-se pelos julgados retrocitados que desde 1997 até o corrente ano, já transcorrida quase uma década, o Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição Federal, sempre se manteve francamente desfavorável à prática do nepotismo com fundamento nos princípios da Administração Pública inscritos no caput do art. 37, não se olvidando, por outro lado, de deixar patente que tal prática tem raízes fincadas na colonização brasileira.
Ressalta-se, ademais, que a posição do STF é no sentido de que os princípios constitucionais têm normatividade própria, não havendo necessidade, com efeito, de lei formal expressa para a coibição do nepotismo, que no dizer do Ministro Marco Aurélio representa a desnecessidade de “mediação legislativa” para tanto.
A EXEGESE POSSÍVEL: FIXAÇÃO DAS CONDUTAS PROIBIDAS CONFIGURADORAS DO NEPOTISMO
DIRETRIZES PARA ANÁLISE DOS PRINCÍPIOS E DOS POSTULADOS NORMATIVOS APLICATIVOS
Conforme mencionado no item 3.2.1 deste artigo, Humberto Ávila (2005) fixou várias diretrizes para análise dos princípios e dos postulados normativos aplicativos, das quais extrair-se-ão aquelas que têm pertinência com o presente estudo.
Consoante já referido, a positivação dos princípios implica a obrigatoriedade da adoção dos comportamentos necessários à sua realização, salvo se o ordenamento jurídico predeterminar o meio por regras de competência, observado que “se houver um conflito entre uma regra legal e um princípio constitucional, deve prevalecer o segundo” (2005:85), em razão da existência da hierarquia das normas.
Dito isso, definem-se as seguintes diretrizes para a análise dos princípios:
especificação dos fins ao máximo, tentando diminuir a vagueza dos fins por meio da análise das normas constitucionais que possam, de forma direta ou indireta, restringir o âmbito de aplicação do princípio;
pesquisa de casos paradigmáticos que possam iniciar esse processo de esclarecimento das condições que compõem o estado ideal de coisas a ser buscado pelos comportamentos necessários à sua realização, por meio da investigação da jurisprudência dos Tribunais Superiores. No presente estudo, foi escolhida a análise da jurisprudência do STF;
exame, nesses casos, das similaridades capazes de possibilitar a constituição de grupos de casos que girem em torno da solução de um mesmo problema central;
verificação da existência de critérios capazes de possibilitar a delimitação de quais são os bens jurídicos que compõem o estado ideal de coisas e de quais são os comportamentos considerados necessários à sua realização.
Por sua vez, os postulados normativos aplicativos, que estão definidos na nota de rodapé nº 12, fixam o modo como o dever de promover a realização de um estado de coisas deve ser aplicado. Significa dizer que tais postulados não prescrevem indiretamente comportamentos, mas modos de raciocínio e de argumentação relativamente a normas que indiretamente prescrevem comportamentos. Dentre eles, ressaltam-se:
da concordância prática: consistente na realização máxima de valores que se imbricam;
da razoabilidade: consistente na diretriz que exige uma vinculação das normas jurídicas com o mundo ao qual elas fazem referência, seja reclamando a existência de um suporte empírico e adequado a qualquer ato jurídico, seja demandando uma relação congruente entre a medida adotada e o fim que ela pretende atingir;
da proporcionalidade: consistente na aplicação de uma relação de causalidade entre um meio e um fim concretamente perceptível. A exigência de realização de vários fins, todos constitucionalmente legitimados, implica a adoção de medidas adequadas (caracterizadas pela promoção mínima do fim), necessárias (caracterizadas pela exigência de um único meio capaz de promover o fim com o mínimo de restrição aos direitos fundamentais afetados) e proporcionais em sentido estrito (caracterizadas pela promoção do fim proporcional e coerente com a restrição dos direitos fundamentais, ou seja, a medida será proporcional se a importância do fim justificar a intensidade da restrição dos direitos fundamentais).
Utilizando-se, doravante, as diretrizes citadas para análise dos princípios e dos postulados normativos aplicativos, a partir do estudo do sistema jurídico atual, incluindo-se os princípios constitucionais, as normas federais infraconstitucionais e o posicionamento do STF, bem como o processo de formação histórica do Estado brasileiro, e, levando-se em conta os elementos específicos ou pressupostos de aplicabilidade do nepotismo referidos no item 2 deste trabalho chegar-se-á à interpretação possível acerca das normas de condutas proibitivas configuradoras do nepotismo, exegese esta consubstanciada na Teoria dos Impedimentos Máximo, Médio e Mínimo, a seguir exposta.
– TEORIA DOS IMPEDIMENTOS MÁXIMO, MÉDIO E MÍNIMO
Para forjar os rudimentos desta teoria, uma série de raciocínios merece ser empreendida para sua perfeita compreensão.
Registre, ab initio, que busca-se demonstrar com esta teoria que é possível, a partir da exegese extraída do processo histórico de formação do Estado brasileiro e do atual ordenamento jurídico, especificar normas proibitivas do nepotismo para sobre elas serem aplicadas as formas instrumentais legais de coibição[21], seja no caso de inexistência de regras expressas, seja para servir de paradigma para análise da constitucionalidade de regras expressas existentes. No primeiro caso, a aplicação dar-se-á notadamente na via administrativa e, no segundo, exclusivamente na via judicial, seja no controle difuso ou no controle concentrado de constitucionalidade de normas.
A priori, não se pode olvidar acerca do processo histórico de formação histórica do Estado brasileiro, que desde a sua fase pré-colonial foi marcada pela vertente patrimonialista, onde são confundidas as searas pública e privada, trazendo para os dias atuais este ranço de efeitos tão maléficos.
Dessa forma, os argumentos favoráveis à admissão de parentes para os cargos e funções cujos provimentos dependam da discricionariedade administrativa não resistem aos antecedentes históricos, nem tampouco às regras de experiência, haja vista que, tal qual uma presunção iuris et de iure, não se admite prova em contrário em relação à verdadeira intenção do agente público que, movido por interesse pessoal, privilegia parentes em afronta direta aos princípios constitucionais vistos no item 3.2.2 deste estudo, incidindo, notadamente, em abuso de poder por desvio de finalidade.
Por outro lado, faz-se mister mencionar que normas coibitivas configuradoras do nepotismo são de aplicabilidade imediata, mesmo inexistindo regras expressas, em função da operatividade normativa dos princípios, conforme fundamentos doutrinários traçados com base nas lições de Humberto Ávila no item 3.2.1. Embasa-se tal entendimento, ainda, na própria manifestação do Supremo Tribunal Federal, cuja idéia capitaneado pelo Ministro Marco Aurélio dirige-se no sentido de que, tendo os princípios constitucionais normatividade própria, não há necessidade de lei formal expressa vedando o nepotismo, ou dito de outra forma, ocorre, in casu, a desnecessidade de mediação legislativa para tanto.
Dos elementos jurídicos gerais (pressupostos de existência) e específicos (pressupostos de aplicabilidade) abordados no item 2.4.1, cabem ser ressaltadas em relação a eles as seguintes ponderações:
Elementos Gerais ou Pressupostos de Existência: da combinação de todos os seus elementos comprova-se a existência do fenômeno, devendo ser lembrado que somente os cargos e as funções que para a sua nomeação e provimento permitam uma “margem de escolha” ao administrador público, configurando-se, destarte, em ato discricionário, são alvos do nepotismo, estando incluídos: cargos em comissão, funções de confiança/gratificada (natureza permanente), funções de natureza transitória, inclusive as contratações temporárias por excepcional interesse público sem o prévio processo seletivo e nomeações diversas previstas no Texto Constitucional[22], excluindo-se aquelas situações que representam promoção na carreira, seja pelo critério da antigüidade ou merecimento[23] [24], sendo que, em relação às últimas, podem ser citadas:
a.1) art. 49, XIII c/c art. 73, §§ 1º e 2º: Os Ministros do Tribunal de Contas da União serão escolhidos: 1 (um) pelo Presidente da República, com aprovação do Senado Federal e 6 (seis) pelo Congresso Nacional[25];
a.2) art. 52, III, alíneas “b”, “c”, “d”, “e” e “f” e inciso IV c/c arts. 84, XIV, XV e art. 128, § 1º: Compete ao Senado Federal aprovar, previamente, por voto secreto, após argüição pública, a escolha de: Ministros do Tribunal de Contas da União indicados pelo Presidente da República; Governador de Território; presidente e diretores do Banco Central; Procurador-Geral da República; titulares de outros cargos que a lei determinar e chefes de missão diplomática de caráter permanente, sendo, posteriormente, à exceção deste último, todos nomeados pelo Presidente da República. O Procurador-Geral da República será nomeado pelo Presidente da República dentre integrantes da carreira, maiores de trinta e cinco anos, após aprovação de seu nome pela maioria absoluta dos membros do Senado Federal, para mandato de dois anos, permitida a recondução[26];
a.3) art. 84, I e XVI c/c art. 131, § 1º: Compete ao Presidente da República nomear e exonerar os Ministros de Estado e nomear o Advogado-Geral da União;
a.4) art. 89, VII: Dentre os membros do Conselho da República estão 6 (seis) cidadãos brasileiros natos, com mais de trinta e cinco anos de idade, sendo dois nomeados pelo Presidente da República, dois eleitos pelo Senado Federal e dois eleitos pela Câmara dos Deputados, todos com mandato de três anos, vedada a recondução;
a.5) art. 94, parágrafo único: Um quinto dos lugares dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais dos Estados, e do Distrito Federal e Territórios será composto de membros, do Ministério Público, com mais de dez anos de carreira, e de advogados de notório saber jurídico e de reputação ilibada, com mais de dez anos de efetiva atividade profissional, indicados em lista sêxtupla pelos órgãos de representação das respectivas classes. Recebidas as indicações, o tribunal formará lista tríplice, enviando-as ao Poder Executivo, que, nos vinte dias subseqüentes, escolherá um de seus integrantes para nomeação;
a.6) art. 101, parágrafo único: Os Ministros do Supremo Tribunal Federal serão nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal;
a.7) art. 104, parágrafo único: Os Ministros do Superior Tribunal de Justiça serão nomeados pelo Presidente da República, dentre brasileiros com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos, de notável saber jurídico e reputação ilibada, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal;
a.8) art. 107, inciso I: Os Juízes dos Tribunais Regionais Federais serão nomeados pelo Presidente da República dentre brasileiros com mais de trinta e menos de sessenta e cinco anos, sendo um quinto dentre advogados com mais de dez anos de efetiva atividade profissional e membros do Ministério Público Federal com mais de dez anos de carreira;
a.9) art. 111-A, I e II: Os Ministros do Tribunal Superior do Trabalho serão nomeados pelo Presidente da República após aprovação pela maioria do Senado Federal, sendo um quinto dentre advogados com mais de dez anos de efetiva atividade profissional e membros do Ministério Público do Trabalho, com mais de dez anos de efetivo exercício, observado o disposto no art. 94 e, os demais, dentre Juízes dos Tribunais Regionais do Trabalho, oriundos da magistratura de carreira, indicados pelo próprio Tribunal Superior;
a.10) art. 115, I: Os Ministros dos Tribunais Regionais do Trabalho serão nomeados pelo Presidente da República, sendo um quinto dentre advogados com mais de dez anos de efetiva atividade profissional e membros do Ministério Público do Trabalho, com mais de dez anos de efetivo exercício, observado o disposto no art. 94;
a.11) art. 119, II: Dois Juízes do Tribunal Superior Eleitoral serão nomeados pelo Presidente da República dentre seis advogados de notável saber jurídico e idoneidade moral, após indicação do Supremo Tribunal Federal;
a.12) art. 120, III: Dois Juízes dos Tribunais Regionais Eleitorais serão nomeados pelo Presidente da República dentre seis advogados de notável saber jurídico e idoneidade moral, após indicação do respectivo Tribunal de Justiça;
a.13) art. 123, parágrafo único, I e II: Três dos Ministros do Superior Tribunal Militar serão escolhidos pelo Presidente da República, dentre advogados de notório saber jurídico e conduta ilibada, com mais de dez anos de efetiva atividade profissional e dois, por escolha paritária, dentre juízes auditores e membros do Ministério Público da Justiça Militar.
Elementos Específicos ou Pressupostos de Aplicabilidade: para a formação da exegese possível acerca das normas proibitivas configuradoras do nepotismo, a fim de que, a partir sua especificação, possa ser viabilizada a aplicação da formas instrumentais de coibição do nepotismo, tais elementos devem ser detalhados, levando-se em conta os postulados da razoabilidade e proporcionalidade e as finalidades buscadas pelos princípios constitucionais:
b.1) Âmbito de Incidência: Será geral se considerar que a norma coibidora do nepotismo terá aplicação no âmbito do ente da federação, visando evitar o “nepotismo cruzado” ··· ou troca de favores. Pela gravidade da situação (impedimento máximo, conforme se verá adiante), neste caso, incluir-se-á, concomitantemente, o geral e o restrito, sendo este último no âmbito do órgão, entidade ou instituição. Na modalidade de impedimento médio, o âmbito de incidência será tão-somente o restrito e, por sua vez, na modalidade mínima, será o geral, por questão lógica, já que, via de regra, a autoridade nomeante pertence a Poder distinto, inclusive, em alguns casos, de outro ente da federação.
b.2) Especificação da Relação de Parentesco: além da inclusão de cônjuge e companheiro, pela proximidade da relação mantida, devem ser consideradas as relações de parentesco propostas pelo Código Civil, quer seja por consangüinidade, por afinidade ou adoção, consoante exposição feita no item 2.4.2.1. Contudo, mostra-se razoável a limitação da relação de parentesco, em razão da falta, em geral, de relacionamento mais próximo, no seguinte sentido: a) por consangüinidade: seja na linha reta ou colateral, até o terceiro grau; b) por afinidade: na linha reta, até o terceiro grau; e, na linha colateral, até o segundo grau; c) por adoção[27]: até o terceiro grau ou tão-somente relativamente ao vínculo formado entre adotante e adotado. Compulsando as leis infraconstitucionais, verifica-se que a relação de parentesco fixada até o segundo grau, mostra-se aquém do desejável, afrontando, inclusive, as regras de experiência[28];
b.3) Especificação da Autoridade-determinante: tais autoridades devem ser aquelas pertencentes aos níveis mais altos da hierarquia política e administrativa, podendo ser classificadas: a) autoridades máximas do ente da federação ou do órgão/entidade ou instituição: os agentes políticos (Presidente da República, os Governadores, os Prefeitos e respectivos Vices e auxiliares imediatos, Ministros e Secretários das diversas pastas, os Senadores, os Deputados e os Vereadores, os membros do Judiciário, do Ministério Público e do Tribunal de Contas), aquelas autoridades cujo processo de escolha/indicação ou nomeação está previsto no Texto Constitucional, tais como: Procurador-Geral da República, Advogado-Geral da União, Ministros do Supremo Tribunal Federal etc.; b) agentes públicos do órgão/entidade ou instituição, ocupantes de cargo de direção: autoridades máximas referentes à área administrativa, incluindo-se aquela responsável pela indicação (v.g. Diretor de Recursos Humanos, Diretor Financeiro etc.) c) chefe imediato do indicado; d) Pares de órgão colegiado[29]: membros do Poder Legislativo (Senadores, Deputados Federais e Estaduais e Vereadores), do Tribunal de Contas etc.; e) autoridades responsáveis pela escolha, designação, indicação ou nomeação: geralmente referem-se ao Chefe do Poder Executivo, naqueles casos previstos constitucionalmente).[30] Pode-se dizer que, em medidas diferentes, as autoridades-determinantes são aquelas que têm poder de mando ou de influência para que se efetive a escolha[31], de forma discricionária, das pessoas que irão preencher os cargos e as funções ditos de “livre nomeação e exoneração” ou “de confiança”. Por fim, acrescente-se que as nomeações diversas previstas no Texto Constitucional estão inseridas no âmbito dos impedimentos mínimos, conquanto o raio de influência da escolha dos indicados só se dá nas esferas mais elevadas da hierarquia da Administração Pública, mais reduzido, portanto;
b.4)Especificação do Indicado: observa-se que terá a sua situação abrandada ou tornada mais rigorosa, caso o mesmo seja servidor de carreira, servidor efetivo e agente público (pessoa pertencente aos quadros funcionais da Administração Pública) ou seja pessoa estranha à Administração Pública.
Nesse passo, não é demais lembrar que, consoante análise crítica elaborada em relação à legislação infraconstitucional exposta no item 4.2, regras não muito abrangentes ou pouco severas possibilitam a criação de inúmeras “brechas” capazes de burlar as normas proibitivas, corroborando na própria institucionalização do fenômeno do nepotismo, daí a razão pela qual, preferiu-se neste estudo, fazer uma interpretação mais rigorosa da matéria.
Resta, ainda, relembrar a regra, conhecida como “quarentena”, constante da Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União (parágrafo único do art. 110 da Lei nº 8.443/92), que inclui no rol das “autoridades-determinantes” os aposentados há menos de cinco anos. Tal regra é extremamente salutar, vez que fortalece o combate ao nepotismo pelo maior controle do poder de influência exercido por pessoas recém egressas do serviço público.
De outra parte, é importante trazer à tona consoante decisões do Supremo Tribunal Federal que, caso o ente da federação pretenda elaborar uma regra vedando o nepotismo, inexiste inconstitucionalidade formal a veiculação da matéria abrangendo todos os Poderes e órgãos, seja por meio de Lei Ordinária, Lei Orgânica Municipal ou Emenda à Constituição Estadual.
Por fim, faz-se mister ressaltar que o ideal seria que a Constitucional Federal tratasse da proibição, delimitando os seus contornos de forma igualitária para toda a Administração Pública brasileira.[32]
Ante todo o exposto, conjugando-se todos os elementos retromencionados e as respectivas informações e interpretações, criam-se três patamares de impedimentos, ou regras antinepotismo, que deram nome à teoria ora proposta, começando pelo mais severo (impedimento máximo), passando para o menos severo (impedimento médio) até chegar-se às regras impeditivas mais brandas (impedimento mínimo).
Mencionados “degraus” ou “níveis” de impedimentos estão mais fortemente vinculados a fatores como: nível de abrangência das autoridades-determinantes da incompatibilidade, espécies de cargos ou funções objeto do acesso, situação do indicado ser ou não, previamente, agente público, bem como se a ocorrência do fenômeno se dá no âmbito da Administração Direta, Autárquica ou Fundacional ou da Administração Indireta (Empresas Públicas ou Sociedades de Economia Mista) e com relação às nomeações diversas previstas na Constituição Federal.
Nesse sentido, com base nos critérios acima especificados, engendrou-se uma Teoria na qual ficam claras as normas proibitivas configuradoras do nepotismo.
Com vistas ao perfeito entendimento da classificação de cada elemento nos limites de cada impedimento referido, convém traçar o “Quadro Esquemático de Controle do Acesso de Parentes de Agentes Públicos nos Quadros Funcionais da Administração Pública”, com as respectivas notas explicativas e que consta do ANEXO ÚNICO deste trabalho.
CONCLUSÃO
O presente artigo buscou responder às perguntas centrais já anunciadas em sua parte introdutória.
Partindo da análise do nepotismo na gênese da formação do Estado brasileiro constatou-se que o “patrimonialismo” encontra-se arraigado na história do Brasil, desde a sua fase pré-colonial até os dias atuais, levando a Administração Pública à privatização da coisa pública, pela indistinção das esferas pública e privada. Esta influência histórica manifesta-se de forma tão avassaladora na atuação administrativa dos dias atuais que pode-se dizer que a intenção do agente público, ao contratar parentes para ter acesso nos quadros funcionais, está tão imbricada ou maculada pela vertente patrimonialista, que representa uma autêntica presunção iuris et de iure, sobre a qual não se admite prova em contrário.
Com embasamento no ordenamento jurídico atual, sob os prismas doutrinário (ÁVILA: 2005), legal e jurisprudencial, que proporcionou os ingredientes necessários e suficientes para a consecução de um trabalho interpretativo capaz (uma exegese possível) de delinear os comportamentos proibidos configuradores do nepotismo, ainda comprovou-se de forma cabal a operatividade normativa dos princípios constitucionais, in casu, republicano, democrático, da supremacia do interesse público sobre o privado, da igualdade, da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade, e da eficiência, reservando a estes últimos, inclusive, o papel limitador da competência discricionária do Administrador Público na escolha de pessoas para ter acesso aos quadros funcionais na Administração Pública.
Destarte, escudados pelas regras, princípios e entendimentos do Supremo Tribunal Federal sobre o nepotismo, buscou-se pincelar os rudimentos de uma tese consubstanciada na “Teoria dos Impedimentos Máximo, Médio e Mínimo”, em cujo âmbito foram delineadas as condutas proibidas configuradoras do nepotismo, funcionando estes “delineamentos” como pressupostos de aplicabilidade das formas instrumentais legais de sua coibição.
A praticidade de tal teoria – ao traçar os casos, de forma específica, em que se configuram o nepotismo, por meio da exposição das condutas proibidas – encontra-se na sua viabilidade de aplicação, seja no caso de inexistência de regras expressas, seja para servir de paradigma na análise de regras expressas existentes. No primeiro caso, a aplicação dar-se-á notadamente na via administrativa e, no segundo, exclusivamente na via judicial, seja no controle difuso ou concentrado de constitucionalidade de normas.
A despeito de indicar objetivos bem pretensiosos, esclareça-se que a tese sob referência não é o resultado de um trabalho acabado, pronto. Antes pelo contrário, está a merecer reparos e, não poucos.
Entretanto, como o nepotismo é um mal de funestas conseqüências e que permanece grassando de forma avassaladora a administração pública brasileira, precisa ser duramente combatido até a sua completa erradicação.
E, para lutar contra o inimigo, faz-se necessário, antes de tudo, conhecer-lhe a face. E a face do nepotismo encontra-se, ainda, envolta em perplexidades, dúvidas e incertezas, merecendo ser revelada pouco a pouco, como em um imenso quebra-cabeças. Quiçá possa a presente tese ter acrescentado pelo menos uma peça neste intrincado jogo ...
BIBLIOGRAFIA
ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. 2.ed. 2. tir. Atualização: Rosolea Miranda Folgosi. São Paulo: Malheiros, 2001.
ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 4.ed. 2 tir.. São Paulo: Malheiros, 2005.
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3. ed. 8 tir.. São Paulo: Malheiros, 2000.
___________________________________. Curso de Direito Administrativo. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 2001a.
___________________________________. Discricionariedade e controle jurisdicional. 2. ed. 5 tir. São Paulo: Malheiros, 2001b.
BOBBIO, Norberto et. Al. Dicionário de Política. Coordenação da Tradução: João Ferreira. 2 ed. Brasília: Universidade de Brasília, 1986.
BRASIL. Constituição Federal (1988). 37. ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2005.
BRASIL. Código civil. 53.ed. São Paulo: Saraiva, 2002.
BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. O desenvolvimento e crise no Brasil: história, economia e política de Getúlio Vargas a Lula. 5.ed. São Paulo: Ed. 34, 2003.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 15. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Discricionariedade administrativa na Constituição de 1988. 2. ed. São Paulo:Atlas, 2001.
FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. 3. ed. rev. São Paulo: Globo, 2001.
GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. São Paulo: Malheiros, 2002.
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 26 ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 30 ed. São Paulo: Malheiros, 2005.
MORAES, Alexandre. Direito Constitucional Administrativo. São Paulo:Atlas, 2002.
OLIVEIRA, Régis Fernandes.Servidores públicos.São Paulo: Malheiros, 2004.
ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Princípios constitucionais da administração pública. Belo Horizonte: Del Rey, 1994.
RODRIGUES, Sílvio. Direito Civil:parte geral.32. ed. São Paulo: Saraiva, 2002a.v.1.
________________Direito Civil: Direito de família. 27.Ed. São Paulo: Saraiva, 2002b. v.6.
SILVEIRA, Daniel Barile: patrimonialismo e a formação do Estado brasileiro: uma releitura do pensamento de Sérgio Buarque de Holanda, Raymundo Faoro e Oliveira Viana. Disponível em:<http://www.ager.mt.gov.br/ >. Acesso em: 20 jul. 2006.
VITRAL, Waldir. Vocabulário jurídico. 4.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1986.v.5.
ZAGO, Lívia Maria Armentano Koenigstein. O princípio da impessoalidade. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.
[1] Tais princípios encontram-se elencados nos “considerandos” da Resolução nº 1, de 7 de novembro de 2005, do Conselho Nacional do Ministério Público, que veda a prática do nepotismo.
[2] Excluem-se as terceirizações feitas a pessoas físicas ou jurídicas com o fim de prestação de serviços ou execução de obras públicas, pela inexistência de vínculo funcional entre elas e a Administração Pública (consoante o disposto, v.g., nas Leis nºs 8.666, de 21 de junho de 1993 e 8.987, de 13 de fevereiro de 1995).
[3] O conteúdo do presente tópico baseou-se nas obras de Sérgio Buarque de Holanda (1995), Raymundo Faoro (2001) e Bresser-Pereira (2003), bem como em artigo científico publicado nos anais do CONPEDI – Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito no Brasil (www.conpedi.org/manaus/arquivos/anais) de autoria de Daniel Barile da Silveira, mestrando em Direito do Estado pela Universidade de Brasília (UNB) e em Ciência Política pela Universidade de Campinas (UNICAMP), cujo título é “Patrimonialismo e a formação do Estado brasileiro: uma releitura do pensamento de Sergio Buarque de Holanda, Raymundo Faoro e Oliveira Vianna”.
[4] Para Max Weber, citado por Daniel Barile da Silveira, “patrimonialismo é uma forma de exercício da dominação por uma autoridade, a qual está legitimada pela roupagem da tradição, cujas características principais repousam no poder individual do governante que, amparado por seu aparato administrativo recrutado com base em critérios unicamente pessoais, exerce o poder político sob um determinado território. [...] Cronologicamente geralmente possui raízes na ordem familiar, de cariz patriarcal [...]”.
[5] A elaboração mais refinada da teoria patrimonialista ganhou corpo e maior estilo no pensamento político de Raymundo Faoro, quando da publicação em 1958 de sua obra paradigmática “Os Donos do Poder”, considerada um dos maiores marcos teóricos da conciliação entre dominação tradicional-patrimonial weberiana e a formação da identidade política brasileira.
[6] Doravante, quando se disser “autoridade-determinante”, entenda-se “autoridade determinante da incompatibilidade gerada entre ela própria e a pessoa indicada para ter acesso aos quadros funcionais da Administração Pública, em razão do grau de parentesco existente entre ambas”.
[7] A temporariedade da função significa que a necessidade dos serviços correspondentes é sempre temporária, vez que, caso a necessidade seja permanente, o Estado deve processar o recrutamento através dos demais regimes, inclusive, sem preterição da regra constitucional do prévio concurso público (CF, art. 37, II).
[8] Não foram adotadas as classificações de José dos Santos Carvalho Filho ou Hely Lopes Meirelles, vez que eles não consideram servidores públicos os empregados (celetistas) das entidades privadas da Administração Indireta, caso das empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações públicas de direito privado.
[9] STF, Súmula 473: “A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.”
[10] As Leis nºs 4.717/64 e 8.429/92 foram mencionadas no item 4.1 deste trabalho.
[11] No estudo formulado por Humberto Ávila (2005:62-63), além da proposta de superação de um modelo dual de separação regras/princípios, baseado nos critérios da existência de hipótese e do modo de aplicação e fundado em alternativas exclusivas, ele também propõe a adoção de um modelo tripartite de dissociação regras/princípios/postulados, estes últimos definidos como “instrumentos normativos metódicos, isto é, como categorias que impõem condições a serem observadas na aplicação das regras e dos princípios, com eles não se confundindo”. O autor denomina esta última categoria de “postulados normativos aplicativos”, vez que, situando-se num segundo grau, estabelecem a estrutura de aplicação de outras normas, princípios e regras.
[12] Grande parte do conteúdo dos subitens subseqüentes foi extraída da obra de Cármen Lúcia Antunes Rocha (1994).
[13] No § 6º do art. 37 da Constituição Federal estão compreendidas duas regras: a da responsabilidade objetiva do Estado e a da responsabilidade subjetiva do funcionário, a qual requer, ao menos, a culpa deste, sendo que as causas atenuantes e excludentes da responsabilidade estatal, no primeiro caso, caracterizam quando não for a causa única do dano e, na segunda situação, quando o dano ocorrer em virtude de força maior ou culpa exclusiva da vítima.
[14] Neste caso, refere-se a motivo viciado, eis que há eiva de personalismo e pessoalidade no comportamento administrativo. Tal ocorre ainda que o beneficiado tenha as condições descritas pela lei (e.g.,preparo intelectual/ técnico e conduta social irrepreensível), mas os motivos que poderiam determinar a outorga não se dão pelas razões e situações de fato e de direito descritas genericamente e que fariam com que a sua obtenção fosse de ordem pública.
[15] As leis e o decreto constantes deste item foram extraídos do site do Planalto (http://www.stf.gov.br/). Os textos das Resoluções foram buscados nos sites ( http://www.cnj.gov.br/ e http://www.cnmp.gov.br/ ).
[16] Observe-se que a LRF, ao estabelecer limites para a efetivação de despesa com pessoal para todos entes da federação contribui, por certo, para a coibição do nepotismo, eis que provoca um “enxugamento” geral da mencionada despesa, inclusive por meio da limitação da criação de cargos de provimento em comissão e funções gratificadas.
[17] Recorde-se que a Constituição Federal de 1988 incluiu como objeto desta ação a anulação de ato lesivo à moralidade administrativa (art. 5º, LXXIII).
[18] Deveria ter sido excluída a atribuição de assessoramento, pois esta não confere poder de mando, ao contrário dos cargos de direção, conforme demonstrado no item 2.1 deste trabalho.
[19] Trata-se de uma prática que pode violar normas antinepotismo, quando ocorre a contratação de parentes de agentes públicos para o exercício de atribuições permanentes do quadro funcional sob a fachada de “terceirizados”.
[20] Os julgados e demais informações constantes deste item foram extraídos dos site do Supremo Tribunal Federal (http://www.stf.gov.br/).
[21] Informe-se que as formas instrumentais de coibição do nepotismo atuam em dupla frente: na obrigatoriedade de anulação do ato administrativo de admissão do “indicado”, exonerando-o e na condenação da autoridade responsável pela nomeação/designação ou contratação.
[22] Incluem-se no âmbito das nomeações diversas previstas no Texto Constitucional (impedimento mínimo) as empresas públicas e sociedades de economia mista (integrantes da Administração Pública Indireta), vez que, por possuírem personalidade jurídica de direito privado, o rigor no controle do nepotismo em relação às mesmas deve ser mais brando do que o imposto para a Administração Pública Direta, Atuárquica e fundacional, cujas personalidades jurídicas são de direito público.
[23] As situações em que representam promoção na carreira merecem ser excluídas do âmbito de normas antinepotistas, vez que não representam privilégios ou favorecimentos, pois, a par de estarem embasadas em critérios objetivos (merecimento e antigüidade), são o coroamento natural de uma carreira profícua, inclusive que, por estimular profissionalmente o servidor público, trazem ganho na eficiência administrativa.
[24] Excluem-se também deste controle os cargos eletivos, como v.g., CF, alíneas “a” e “b” do inciso I do § 1º do art. 120, ainda mais que já existem leis eleitorais antinepotismo, inclusive em sede constitucional (CF, art. 14, §§ 7º e 9º).
[25] Quando a aprovação recair em órgão colegiado (Senado e demais Casas Legislativas), não é razoável impor que o aprovado/indicado não seja parente de nenhum de seus membros, mesmo porque a decisão de um colegiado não é simplesmente a soma das vontades individuais. Neste caso, surgirão duas situações: a) indicado fará parte de um órgão/entidade ou instituição colegiada: as autoridades-determinantes serão os seus pares e o responsável pela escolha/nomeação; b) indicado não fará parte de um órgão/entidade ou instituição colegiada: subdividem-se nas seguintes situações: b.1) Indicado será autoridade máxima do órgão/entidade ou instituição: a autoridade-determinante será o responsável pela nomeação; b.2) Indicado não será autoridade máxima do órgão/entidade ou instituição: as autoridades-determinantes serão a autoridade máxima do órgão e o responsável pela nomeação.
[26] O mesmo ocorrerá em relação ao Procurador-Geral dos Ministérios Públicos dos Estados e do Distrito Federal e Territórios, que sendo formada lista tríplice dentre integrantes da carreira, na forma da lei respectiva, a nomeação se dará pelo Chefe do Poder Executivo, para mandato de dois anos, permitida a recondução (CF, art. 128, § 3º).
[27] A falta de menção ou a maior restrição ao parentesco por adoção nas normas coibitivas do nepotismo mostra-se razoável, eis que, por vezes, o vínculo de proximidade estabelece-se apenas entre o adotante e adotado.
[28] O que normalmente acontece é que parentes até terceiro grau, inclusive, mantêm uma relação próxima ou afetiva o suficientemente apta a influenciar na escolha para acesso a cargos e funções públicas comparativamente a outras pessoas sem qualquer vínculo de parentesco com o agente público.
[29] Observado que os Tribunais, órgãos do Poder Judiciário, têm regras específicas de impedimento, visando coibir que membros unidos por vínculo de parentesco entre si atuem, simultaneamente, em processos, considerar-se-á neste caso como autoridade-determinante, excepcionando-se a regra geral, apenas a autoridade responsável pela nomeação e não os pares do indicado. Nos Tribunais de Contas em que haja regras semelhantes justificar-se-á a mencionada exceção, vez que ubi eadem est ratio, ibi ide jus.
[30] Vide Nota de Rodapé nº 24.
[31] Excluem-se os cargos de assessoramento, pois eles não conferem poder de mando aos seus titulares, conforme estudado no item 2.1 deste trabalho.
[32] Encontra-se em tramitação na Câmara Federal projeto de Emenda Constitucional (PEC nº 344-A/1996), vedando a prática do nepotismo em todos os níveis da federação brasileira. Disponível no site http://www.camara.gov.br/.