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21 anos de arbítrio no Brasil

31 de Março de 2021 às 09:00
Crédito: Imagem google
21 anos de arbítrio no Brasil
Golpe militar de 1964
Em Goiás, a Ditadura Militar, inicialmente, cerceou as atividades da Assembleia Legislativa, para depois fechar o Parlamento goiano por 18 meses; 5 deputados estaduais e um suplente foram cassados.

Há 57 anos, na madrugada de 31 de março para 1º de abril de 1964, era deflagrado no Brasil o golpe militar de 1964, dando início a uma ditadura militar que duraria até a eleição de Tancredo Neves, em 1985, pelo Colégio Eleitoral.

Na largada do golpe, Parlamento algum foi afetado. A Assembleia Legislativa de Goiás (Alego) não seria fechada inicialmente, mas ficaria paralisada, sem votar nenhum projeto até 11 de maio, quando seria votado e aprovado um projeto de autoria do governador Mauro Borges que mudava regras de pagamento no Judiciário (Lei Estadual nº 5128/64).

Ouvido pela reportagem, o deputado Álvaro Guimarães (DEM) fala sobre o golpe de 1964. “Eu era estudante em Itumbiara, tinha 16 anos. Lembro que os militares usaram a força, aos poucos, para impor o regime militar, com muita gente sendo presa, perseguida, torturada e exilada. E lembro da cassação do Mauro Borges no final do ano, alguns meses depois do golpe, até demonstrando alguma coragem, mas cedendo quando os aviões sobrevoaram o Palácio das Esmeraldas”, afirma.

O então governador Mauro Borges, que em outubro de 1961 liderou um bem sucedido movimento ao lado do governador Leonel Brizola (Rio Grande do Sul) contra o golpe militar, a Frente de Libertação Nacional, incluindo a Cadeia da Legalidade e o manifesto ‘Declaração de Goiânia’, divulgando os objetivos da frente e conclamando os diferentes setores da sociedade a aderirem ao movimento, fez silêncio no momento do golpe de 64 e até acenos positivos.

No dia 4 de abril, Mauro participou de uma reunião de “governadores civis” onde se discutiu a sucessão presidencial. Dessa reunião fizeram parte o general Artur da Costa e Silva, ministro da Guerra e integrante do autointitulado Comando Supremo da Revolução, e os governadores Carlos Lacerda, da Guanabara; José de Magalhães Pinto, de Minas Gerais; Ildo Meneghetti, do Rio Grande do Sul; Ademar de Barros, de São Paulo; e Nei Braga, do Paraná, além dos deputados José Costa Cavalcanti e Juarez Távora.

Castelo Branco presidente

“Vitoriosos” na reunião, Mauro Borges e Carlos Lacerda defendiam o nome do general Castelo Branco, chefe do Estado-Maior do Exército, para a Presidência da República. No dia 15 de abril, Castelo toma posse como presidente, com o apoio do alto comando militar.

Os livros de história mostram que a queda de Mauro Borges foi construída, lentamente, de maio até novembro de 1964. Primeiro, em maio de 1964, mandaram para Goiás o coronel Danilo Darcy de Sá Mello para comandar o 10° Batalhão de Caçadores (BC), que fez os chamados Inquéritos Policiais Militares (IPMs) para indiciamentos.

E mais de 100 integrantes que ocupavam cargos de confiança no governo Mauro Borges foram indiciados. Além disso, antes do golpe, Mauro havia feito viagens à então União Soviética e à República Popular da China, sendo considerado de esquerda pelos setores mais conservadores das forças armadas.

Foram cassados os direitos políticos de três secretários estaduais de Goiás: o da Educação e Cultura, padre Rui Rodrigues da Silva; o do Interior e Justiça, Wilson da Paixão; e o da Administração, deputado Valteno Cunha Barbosa. Foi, então, instalado um Inquérito Policial-Militar (IPM) contra o próprio governador. Coronel Danilo de Sá foi mais explícito e chamou Mauro Borges de “comunista”, como registram os jornais da época, embora Mauro fosse militar e até tivesse apoiado o golpe militar e a eleição indireta do presidente Castelo Branco.

Atendendo pedidos de Mauro Borges, o presidente então substituiu Danilo de Sá pelo general Riograndino Kruel (que era diretor-geral do Departamento de Polícia Federal), irmão de Amauri Kruel, chefe do Gabinete Militar da Presidência da República. A “fritura”, no entanto, continuou.

Para a ditadura, Goiás era de grande importância estratégica por cercar o Distrito Federal. Os militares tinham também a ajuda de “civis da UDN”, rivais políticos de Mauro Borges que queriam depor o PSD do poder em Goiás. Como parte da “fritura”, um pequeno furto de armas ocorrido em Anápolis foi considerado pelo regime militar “a prova cabal” de que contragolpe estava prestes a acontecer em Goiás.

Ainda respirando por aparelhos, o Supremo Tribunal Federal (STF) deu um habeas corpus preventivo a Mauro Borges, impedindo sua queda. O STF ainda foi claro dizendo que Mauro deveria ser julgado pela Assembleia Legislativa de Goiás e não por um tribunal militar.

A queda de Mauro

Pressionado, o presidente Castello Branco usou de uma artimanha jurídica, decretando intervenção em Goiás. Mauro seria deposto em 26 de novembro de 1964. O interventor foi o coronel Carlos de Meira Mattos. Passados os 45 dias, o presidente Castello Branco escolheu o marechal Emílio Ribas Júnior para governar o Estado. A indicação de Emílio Ribas foi aprovada pela Assembleia Legislativa.

O último projeto aprovado pela Assembleia Legislativa antes da deposição de Mauro Borges havia sido votado 13 dias antes: a Lei Orçamentária Anual (Lei nº 5650/64), aprovada em 13 de novembro de 1964, mas publicada no Diário Oficial apenas 47 dias depois, já com Mauro deposto, em 31 de dezembro. 

No dia 30 de dezembro de 1964, já com o Executivo em intervenção, a Assembleia Legislativa aprovou a Lei Estadual nº 5.735, de 30 de dezembro de 1964, que “estabelece, em obediência ao artigo 42 da Constituição do Estado, normas para o processo de julgamento do governador do Estado, nos crimes de responsabilidade e define os casos de vacância”.

O marechal Emílio Ribas ficou um ano no cargo, até ser substituído por Otávio Lage (UDN). Em 3 de outubro de 1965, ainda em eleição direta pelo voto popular (a última para governador que a ditadura militar permitiria, até 1982), Otávio Lage de Siqueira (UDN) foi eleito governador, vencendo José Peixoto da Silveira, candidato do PSD, por uma margem estreita (50,58% contra 49,42%, uma diferença de apenas 4 mil votos).

Filho de Jales Machado de Siqueira, a vitória de Otávio Lage na disputa pelo Palácio das Esmeraldas recolocou a UDN no poder pela primeira vez em 18 anos. Antes dele, o último governador udenista havia sido Coimbra Bueno. Aliado da ditadura, Otávio Lage tomou posse em 1º de janeiro de 1966, governando até 15 de março de 1971.

Em Goiás, o candidato apoiado pelos militares venceu a eleição para governador. Mas, em decorrência da eleição de governadores considerados oposicionistas, em especial em Minas Gerais e Rio de Janeiro, o Governo Federal editou, em outubro de 1965, o Ato Institucional nº 2, que, entre outras determinações, extinguiu os 16 partidos políticos existentes.

Bipartidarismo

Outro ato, relacionado ao AI-2, estabeleceu e tornou possível o funcionamento de apenas dois únicos partidos, criando um bipartidarismo artificial. A Aliança Renovadora Nacional (Arena) seria uma espécie de sucessora espiritual da UDN e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB) seria a chamada “oposição consentida pela ditadura”, sendo sucessor espiritual do então PSD. O pluripartidarismo só voltaria em 1980 ao Brasil, já no quase fim da Ditadura Militar, e só seria testado nas urnas pela primeira vez em 1982.

Para o deputado Álvaro Guimarães, aquele “bipartidarismo imposto” não era nada bom. “Não dá para dizer que isso é bom, uma das piores coisas que poderia acontecer seria aquilo”, afirma o parlamentar. Álvaro ainda diz que se filiaria à Arena “até ingenuamente e de forma boba” e seria eleito vereador pela legenda em 1972. “Filiei-me por ingenuidade e também porque minha família era tradicional da UDN, aí segui minha família. O Zenon Borges Guimarães, cunhado do Luiz Menezes, todo meu grupo veio da antiga UDN, então eu os acompanhei, eram uma reserva de seriedade em Goiás”, explica.

A cientista política e professora da Universidade Federal de Goiás (UFG), Denise Paiva, ouvida pela reportagem, considera que há duas fases do MDB dentro da Ditadura Militar. “Até 1970, o MDB era, de fato, uma oposição consentida, mas depois as coisas começam a mudar, houve uma inflexão, sobretudo em 1974, com o MDB sendo depois até o fiador da transição”, afirma.

Oposição ganha nas urnas

Muitos historiadores realmente consideram que foi em 1974 que a ditadura militar sofreu sua mais inesperada derrota nas urnas. Naquela eleição foram escolhidos senadores, deputados federais e deputados estaduais. Dos 22 estados que na época elegiam senadores, o MDB triunfou em 16 e entre esses eleitos estavam lideranças até então desconhecidas no cenário nacional e que se tornariam protagonistas da política brasileira nos anos seguintes, como Itamar Franco (Minas Gerais), Orestes Quércia (São Paulo), Paulo Brossard (Rio Grande do Sul) e Lázaro Barbosa (Goiás).

Como resultado daquela derrota, a ditadura militar começa a criar a figura do “senador biônico” para ter maioria no Senado.

Bem antes de 1974, no entanto, o bipartidarismo à fórceps não veio sozinho como mais um golpe na democracia. Houve também cassações de mandatos parlamentares e diversas alterações de governos formados, transformando drasticamente a política goiana.

Esvaziamento e fechamento da Alego

Com o golpe militar de 31 de março de 1964, a Alego sofre um esvaziamento do seu poder de decisão. Há, inclusive, perda de direitos políticos e de mandatos de alguns de seus membros. A Alego só seria fechada pelo Ato Complementar nº 49, de 22 de fevereiro de 1969, permanecendo em recesso por 18 meses, durante todo o ano de 1969 e no primeiro semestre de 1970, sendo reaberta somente dia 15 de julho de 1970.

“É uma história muito triste, essa é a verdade, não há nada bom no fechamento do Parlamento, foram anos de luta para que o povo brasileiro reconquistasse a democracia”, afirma Álvaro Guimarães.

Para a cientista política Denise Paiva, não há democracia plena sem um Poder Legislativo forte. “Por óbvio, o Legislativo funcionando com independência é um dos pilares, é ali que se espelha a diversidade da sociedade. Tirando o Legislativo você sufoca a democracia”, analisa.

“Com uma tradição autoritária como a nossa, muitos brasileiros enxergam erroneamente só no Poder Executivo a legitimidade e o Poder Legislativo é visto como um lugar clientelista, mas agora, no atual governo federal, quem está dando um contrapeso, uma resistência aos ataques autoritários, é o Legislativo”, explica Denise.

Conforme observa o livro “O Legislativo em Goiás - História e Legislaturas”, de Itami Campos e Arédio Teixeira Duarte, quatro legislaturas ocorreram no pós-golpe de 1964, sendo eleitos 147 deputados nesse período de 16 anos. Analisando a composição de cada Legislatura, observa-se que o processo de renovação foi menor que no período anterior de 19 anos (1945-1964).

As reeleições de deputados ocorreram em maior número, atingindo quase 40% logo de início e subindo, na Legislatura seguinte, para 50% dos deputados. “O MDB herdou a estrutura do PSD e a Arena herdou a estrutura da UDN. Essas duas legendas tinham estrutura e capilaridade em todo o estado, então não são partidos que começaram do zero e isso favoreceu a reeleição de quem estava nesses partidos”, aponta a cientista política Denise Paiva.

Nas legislaturas que se iniciaram pós-golpe de 1964, nenhuma mulher foi eleita para o Legislativo estadual. Isso apenas voltou a ocorrer com o voto direto para governador em 1982. “Essa regressão ocorreu no Brasil todo, não só em Goiás. A participação feminina estava crescendo no início dos anos 60, antes do golpe”, assinala Denise Paiva. “As mulheres acabaram ficando restritas a pequenas cidades, infelizmente”, completa.

Em 15 de novembro de 1966, ocorreu a primeira eleição para composição do Parlamento depois do Golpe de 1964. A Arena, partido da situação, elegeu a maioria da Casa, com 64,1% (25 deputados), ficando o MDB com 35,9% (14 deputados). Em 13 de maio de 1967, foi promulgada a Constituição de 1967, elaborada sob a inspiração da nova ordem implantada no País pelo golpe militar de 1964.

Em 1969, com base no Ato Institucional nº 5, quando a Ditadura entrou na sua fase mais sombria, foram cassados os mandatos dos deputados estaduais goianos Eurico Barbosa dos Santos, Olympio Jayme, Heli Mesquita, Francisco Maranhão Japiassu e Manoel da Silva Brandão. Houve também a cassação de um suplente: Bianor Ferreira Lima. O AI-5, diferentemente do AI-1, também vedava a convocação de deputado suplente em substituição ao cassado.

Ainda em 1969, o então prefeito de Goiânia, Iris Rezende, seria também cassado pela Ditadura e teria seus direitos políticos suspensos. A anistia (e a volta dos direitos políticos) só ocorreria dez anos depois, em 1979.

Ponto de virada

A democracia voltaria aos poucos em Goiás, sendo seu passo mais impactante o retorno da eleição direta para governador em 1982, quando Iris Rezende (MDB) seria eleito com mais de 66,7% dos votos. Pelo mesmo partido, Mauro Borges seria eleito senador. “Naquela eleição de 1982 a ditadura ainda tentou o voto vinculado, para ver se a oposição perdia espaço, mas o tiro saiu pela culatra”, afirma Denise Paiva.

“Aquele voto vinculado obrigava o eleitor a votar de governador a vereador na mesma legenda para ver se salvava alguma coisa da Arena, mas foi o contrário”, lembra o deputado Álvaro Guimarães, que perdeu a eleição de prefeito de Itumbiara em 1982.

Para presidente da República, o Brasil só voltaria ao voto direto em 1989, quando Fernando Collor (no PRN, à época) foi eleito. Para Denise Paiva, foi a Constituição de 1988 e a eleição presidencial de 1989 que “coroaram a volta da democracia plena ao Brasil”.  

A democracia ainda corre risco no Brasil? Segundo a cientista política Denise Paiva, um golpe é “improvável”, mas ela diz que a democracia nunca esteve tão sob ataque quanto agora, cotidianamente. “O mais grave desse contínuo ataque às instituições é a gente se transformar em uma Polônia ou Hungria, com uma modificação e uma deterioração da democracia, fazendo a democracia ser ‘iliberal’, perdendo avanços democráticos conquistados, minando o próprio funcionamento e autonomia das instituições, levando, no limite, à uma desconfiguração, acabando, por exemplo, com a independência e autonomia dos três Poderes”, conclui.

Agência Assembleia de Notícias
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