Abaixo o tabaco!
O cigarro continua sendo uma das grandes preocupações das autoridades de saúde em todo o mundo. A despeito da redução registrada nos últimos anos no número de pessoas que fumam, estudos mostram que no globo terrestre, ainda são cerca de 1 bilhão de fumantes.
Segundo a Revisão da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde [CID-10], o tabagismo integra o grupo de transtornos mentais e comportamentais em razão do uso de substância psicoativa e é considerado a maior causa evitável isolada de adoecimento e mortes precoces em todo o mundo.
Para reforçar as ações de combate à doença, desde 1986, por força da Lei Federal 7.488, o 29 de agosto é considerado o Dia Nacional de Combate ao Fumo, com o objetivo de reforçar as ações nacionais de conscientização sobre os danos sociais, de saúde, econômicos e ambientais causados pelo tabaco.
Imagine se num ano terrivelmente trágico, todos os dias, três aviões modelo Boeing 737 caíssem somente em solo brasileiro e todos os passageiros morressem nessas quedas. Ao fim desse ano hipotético, seriam mais de 200 mil pessoas mortas por uma única causa: acidentes aéreos. Esse cenário, felizmente sem a menor chance de ocorrer, é somente para efeito de ilustração de uma outra situação que causa a morte de 200 mil pessoas todos os anos: o tabagismo. Isso somente no Brasil. Em todo o mundo, a estimativa da Organização Mundial de Saúde (OMS) é que a dependência do fumo cause 8 milhões de mortes, a cada 365 dias. Uma grande tragédia.
O cigarro é uma verdadeira máquina mortífera. Está relacionado à ocorrência de cerca de 50 doenças, entre elas, vários tipos de câncer. Segundo o oncologista Gabriel Felipe Santiago, o tabagismo pode provocar os tumores de cabeça e pescoço (carcinomas escamosos da cavidade oral, laringe e orofaringe), de bexiga, de rim e de esôfago. E, claro, o principal e mais grave: o câncer de pulmão.
O especialista explica que esse último é o tipo de tumor mais letal em todo o mundo, inclusive no Brasil. “Nas mulheres, o câncer de mama é o segundo, entre os tumores, que causa mais mortes, mas nos homens, o de pulmão é o que leva ao maior número de óbitos, embora seja o terceiro em incidência”, esclarece o médico.
De acordo com Gabriel Santiago, as neoplasias malignas de pulmão podem ter causas ocupacionais, como as que ocorrem com os trabalhadores que são expostos ao asbesto (amianto) e à sílica (cerâmica) e ainda, da exposição ao gás radônio, gerado em solos enriquecidos por urânio ou à fumaça do fogão a lenha. Ele ressalta que o cigarro é o mais importante fator de risco para o desenvolvimento do câncer de pulmão, sendo que em cerca de 85% dos casos diagnosticados, o tumor está associado ao consumo de derivados de tabaco.
Mal muito agressivo
E ao contrário de outros tipos de tumor, que, se descobertos em estágio inicial têm grandes possibilidades de cura, o câncer de pulmão é tão agressivo que os especialistas preferem usar o termo sobrevida. E mesmo assim os índices não são nada animadores.
O oncologista explica que as chances de sobrevida dependem do estágio e da localização do tumor, o que vai influenciar também na escolha das terapias para tratamento. Mas se você quer mais um motivo para parar de fumar, saiba que todos os tratamentos são longos, agressivos e causam efeitos colaterais. Isso sem falar que podem não dar a resposta esperada.
Segundo Santiago, quando o tumor está localizado apenas no pulmão, é indicada uma cirurgia e, em alguns casos, quimioterapia como complementação. Nesses casos, a sobrevida em cinco anos é de 65% (a taxa de sobrevida em cinco anos se refere à porcentagem de pacientes que vivem pelo menos cinco anos após o diagnóstico da doença).
Já quando o câncer é considerado avançado localmente, ou seja, atinge também os gânglios linfáticos regionais, o tratamento terá que ser acrescido da radioterapia. Nessas condições, a sobrevida em cinco anos cai para 33%. E ainda existem os casos mais complicados, os chamados de Estágio 4, quando há metástase, o espalhamento do tumor para outras partes do corpo. Para o paciente nessa fase, usa-se a quimioterapia e a imunoterapia combinadas, geralmente, com o objetivo de diminuir o tumor e aliviar sintomas. E o índice de sobrevida em cinco anos é de apenas 6%.
Além desses índices trágicos, o médico revela, ainda, um outro dado extremamente preocupante e assustador: cerca de 70% dos casos diagnosticados já estão em estado avançado, com o câncer já detectado em vários órgãos. E segundo o especialista, não é só quem fuma que pode ter a doença. Os chamados fumantes passivos, pessoas que convivem com fumantes e acabam inalando a fumaça, mesmo sem tragá-la, respondem por 25% dos casos de câncer de pulmão.
Como se vê, parar de fumar é também um ato de cuidado com aqueles que você ama. O médico sentencia: “O melhor mesmo é não começar a fumar, mas se começou, pare o quanto antes”.
Decisão
Foi o que fez o jornalista e agitador cultural Carlos Pereira. Demorou, mas ele tomou a decisão. Trabalhando numa profissão das mais estressantes, o cigarro era o escape para a pressão diária. Além disso, sempre foi notívago, militante e produtor cultural: uma mistura que o fazia consumir vários cigarros por dia. Foi assim por mais de 30 anos.
Tentou algumas vezes parar de fumar, mas o vício era mais forte e ele sempre voltava ao cigarro. A decisão definitiva aconteceu, paradoxalmente, num Dia de Finados. Depois de uma noitada de farra regada a muita cerveja e a milhares de tragadas, acordou, no dia 2 de novembro, com todos os efeitos possíveis dos excessos. Foi nesse momento que tomou a decisão: “Comecei a brincar com a situação inusitada: eu, vivo, morrendo no dia dos mortos. Conversando com o espelho a ideia foi sendo construída, se moldando. Que data legal para parar de fumar, pensei: no dia dos mortos o recomeço da vida!”.
Decisão tomada, não foi fácil resistir. Por várias vezes a dependência que o dominou por mais de três décadas, o chamava de volta. E ainda chama. “O primeiro dia foi horrível. Acordar e não fumar. Sentir cheiro de cigarro. Dormir pela primeira vez à noite sem fumar. Acordar no outro dia e ir trabalhar sem fumar. Alguém fumando do seu lado. Fumaça subindo e o cheiro...".
Os dias foram passando, Pereira recorda. Uma briga constante com todos os momentos que lembram o cigarro. O cafezinho. Dirigir fumando. Sentar em um bar, tomar umas e não fumar. "No início a conta era diária, depois semanal, mensal. Após um ano, ufa, anual. E todo dia 2 de novembro comemoro, no dia de Finados, o fato de ter parado de fumar, acreditando que dei um passo importante para prolongar minha vida.”
Apesar dos muitos anos de uso do tabaco, felizmente, o jornalista não chegou a desenvolver nenhuma doença relacionada ao cigarro. Parou a tempo e percebe, a todo momento, como a decisão foi acertada. “Melhorou tudo, tudo. Cheiro, paladar, olfato, o apetite, o físico, o astral. Posso dizer que melhorou tudo”, resume.
Aliado ao abandono da dependência, passou a ter outros hábitos que ajudam a manter a saúde em dia. “Passei a me dar de presente exames de rotina em comemoração ao meu aniversário. Todo ano faço isso”.
Parabéns ao Carlos!
Modinhas
Segundo dados da OMS, o número de fumantes em todo o mundo vem diminuindo, graças a campanhas de combate ao tabagismo, desenvolvidas em praticamente todos os países. Mas segundo o oncologista Gabriel Felipe Santiago, novas formas de consumo da nicotina, que se popularizam entre os jovens, vêm colocando sob ameaça, todas essas conquistas obtidas nas últimas décadas: o narguilé, o cigarro eletrônico e o cigarro de palha.
Com relação ao narguilé, o médico esclarece que a quantidade consumida é um dos grandes problemas. Segundo ele, uma hora de uso do vapor corresponde ao consumo de 100 cigarros. “Numa festa, por exemplo, ninguém fuma uma centena de cigarros, mas as pessoas usam mais de uma hora de narguilé”, diz ele.
Ao contrário do que muita gente pensa, o cigarro de palha (chamado popularmente de “paiero”) não é menos maléfico que o cigarro industrializado. Segundo o médico, há um mito de que o cigarro de palha é menos nocivo porque não tem as substâncias químicas, mas em compensação, também não tem o filtro, que é responsável por absorver até 50% de nicotina e alcatrão existentes no cigarro e, dessa forma, reduz a ingestão dessas substâncias pelos fumantes.
Já os cigarros eletrônicos, embora não existam, ainda, estudos definitivos que indiquem o impacto no desenvolvimento de cânceres, os dispositivos eletrônicos possuem, sim, elementos que podem ser altamente prejudiciais, mesmo não contendo tabaco em sua composição. Porém, o dispositivo vaporiza um líquido que contém uma grande quantidade de nicotina e, daí, a suspeita de que os cigarros eletrônicos, podem sim, ser causadores de doenças, entre elas, alguns tipos de câncer.
O consumo desses dispositivos já preocupa e mobiliza parlamentares da Assembleia Legislativa de Goiás, no sentido de frear o uso dos “vapers”. É o caso do projeto de lei nº 5573/19, apresentado pelo deputado Paulo Trabalho (PSL), que prevê a instituição da Política Estadual de Prevenção e Conscientização ao uso de cigarros eletrônicos.
O parlamentar cita um estudo feito pelo pesquisador David Thickett, do Instituto de Inflamações e Envelhecimento da Universidade de Birmingham, para verificar as consequências da exposição das células do corpo humano ao líquido presente nos "vapers" e ao vapor por eles produzidos.
“Os resultados mostraram que o vapor condensado foi muito mais danoso às células que o líquido, notando também um aumento na produção de substâncias inflamatórias. Em suma, o vapor dos cigarros eletrônicos possui bem menos substâncias cancerígenas que a fumaça do cigarro tradicional. Mas, a longo prazo, esse vapor pode deixar o sistema respiratório bem mais frágil e suscetível a doenças sérias”, justifica. E por isso, a necessidade de alertar os usuários sobre os riscos provenientes da utilização do "vaper".
Outra propositura nesse sentido, vem do deputado Rafael Gouveia (Progressistas), que apresentou um projeto visando proibir o uso, a comercialização, a importação, produção e a propaganda de quaisquer dispositivos eletrônicos para fumar, especialmente os que aleguem substituição de cigarro, cigarrilha, charuto, cachimbo e similares no hábito de fumar ou objetivem alternativa no tratamento do tabagismo.
No projeto 5402/19 Gouveia diz que a proposta se deve à insegurança ocasionada pela disseminação do produto na sociedade, mesmo estando proibido pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). E justifica: “Embora aparentem ser inócuos, já que o vapor que expelem não é tão malcheiroso e incômodo como o do cigarro de combustão, os dispositivos eletrônicos para fumar emitem diversas substâncias tóxicas e cancerígenas que podem configurar risco, até mesmo, àqueles que, passivamente, são expostos a essas emanações. A proibição conta com o apoio da Associação Médica Brasileira (AMB), que destaca, também, o poder do produto para atrair usuários jovens, instigando o hábito de fumar”.
Os dois projetos encontram-se em análise pela Comissão de Constituição, Justiça e Redação.
Tratamento
Para quem quer deixar o vício, mas não tem a mesma determinação do jornalista Carlos Pereira, o Ministério da Saúde em parceria com o Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (Inca), oferece acompanhamento através do Programa Nacional de Controle do Tabagismo.
Em Goiânia, a Secretaria Municipal de Saúde desenvolve, já há alguns anos, com base no programa nacional, o Programa Municipal de Controle do Tabagismo, com o objetivo de tornar as unidades da rede ambientes livres do tabaco e, ainda, de oferecer apoio às pessoas que desejam deixar de fumar, através de ações educativas e da Abordagem Mínima e Intensiva ao Fumante. O programa está inserido no SUS, de forma gratuita em todos os distritos sanitários da Capital.
Segundo a Gerente de Atenção às Doenças Crônicas Não Transmissíveis, Daniela Teixeira Braga, as atividades coletivas foram suspensas, desde a chegada da pandemia de covid-19, no início do ano passado. Mas nesse período, o programa não foi paralisado. “Durante esse período, o tratamento ao fumante foi realizado de forma individual por profissionais capacitados. Mas a boa notícia é que a portaria que libera os atendimentos em grupo já foi publicada. Em breve novos grupos de tratamento ao fumante serão oferecidos aos usuários” explica Daniela.
A gerente conta que o tratamento oferecido no programa inclui avaliação clínica, abordagem mínima ou intensiva em grupo e, se necessário, terapia medicamentosa, juntamente com a abordagem intensiva. E esclarece que o tratamento pela abordagem intensiva em grupo segue a abordagem cognitivo-comportamental, sendo que a frequência dos encontros inicialmente é semanal e pode durar até seis meses.
A abordagem também é multiprofissional: várias categorias profissionais participam, como psicólogo, nutricionista, entre outras, de acordo com o tema do encontro. Além disso, quando há necessidade de acompanhamento individual, o tabagista pode ser encaminhado a um profissional específico.
Vencer a dependência da nicotina não é um processo fácil, já que a substância, encontrada em todos os derivados do tabaco, é uma droga que causa dependência, que é física, química e psicológica. Mas mesmo assim, segundo a gerente, nos últimos anos, aproximadamente 50% dos tabagistas que finalizaram o tratamento em grupo, pela abordagem intensiva, deixaram de fumar, com ou sem o uso de medicamentos.
Daniela Braga chama a atenção, ainda, para a necessidade do auxílio nesse processo. E ressalta a eficiência da abordagem adotada no programa, em cujas premissas está o entendimento de que o ato de fumar é um comportamento aprendido, desencadeado e mantido por determinadas situações e emoções, que levam à dependência devido às propriedades psicoativas da nicotina.
"O tratamento objetiva, portanto, a aprendizagem de um novo comportamento, através da promoção de mudanças nas crenças e desconstrução de vinculações comportamentais ao ato de fumar, combinando intervenções cognitivas com treinamento de habilidades comportamentais”, diz Daniela.
Se essa é a ajuda que você está precisando para deixar de vez essa dependência, busque agora esse apoio. O número da Secretaria Municipal de Saúde para informações sobre o programa é o (62) 3524-1604.