Executivo veta parcialmente projeto que endurece punição contra o trabalho escravo
A Governadoria do Estado encaminhou para apreciação do Parlamento goiano a matéria de nº 1604/23, que veta parcialmente o autógrafo de lei nº 409/23 de 21 de junho 2023, que dispõe sobre os valores econômicos auferidos em decorrência de exploração de trabalho análogo ao de escravo, com endurecimento das penalidades para os empregadores e prepostos que praticarem essa conduta criminosa em Goiás. A proposta, de autoria do deputado Mauro Rubem (PT), tramitou na Alego sob o nº 225/23.
Conforme as explicações contidas no texto, o Executivo explicou que a Procuradoria-Geral do Estado (PGE) sugeriu o veto parcial ao autógrafo em razão da inconstitucionalidade de alguns de seus dispositivos. Dentre eles, o inciso II do art. 42, que definiria como infratoras pessoas físicas ou jurídicas "que comercializem produtos que, em cujas etapas de produção, tenha havido condutas que configurem redução de pessoa à condição análoga a de escravo".
Já o inciso 1° do mesmo artigo prescreveria que "a existência de trabalhadores em condições análogas a de escravo, aliada ao benefício econômico direto ou indireto auferido pelas pessoas previstas, faz presumir, em caráter absoluto, a infração a esta Lei, para os fins nela previstos".
De acordo com o veto, esses dispositivos, segundo a PGE, “parecem desconsiderar o postulado da razoabilidade ao estatuírem norma punitiva que estabeleça em caráter absoluto a responsabilização de agentes que façam parte da cadeia produtiva e desconsidere o elemento essencial da culpabilidade”.
Foi ainda sugerido pelo órgão veto à alínea "h" do inciso I do artigo 5°, que trata da pretensão legislativa. Ela determinaria, conforme o texto, a devolução da importância "recebida em contraprestação ao fornecimento de produtos ou serviços a quaisquer dos Poderes, órgãos e entidades do Estado de Goiás, em todo o período em que constatada a infração" à lei pretendida. "A previsão é de duvidosa constitucionalidade ao acarretar o enriquecimento sem causa da administração, nos termos do artigo 884 do Código Civil. Há potencial ofensa aos ditames gerais de natureza civil e da contratação administrativa inseridos na competência privativa da União”, pontua a matéria.
Outro veto recomendado pela PGE incide, segundo a matéria, no inciso III do artigo 52 da propositura. “Dele consta a sanção de impedimento pelo período de dez anos aos sócios administradores de pessoa jurídica responsabilizada de exercerem o mesmo ramo de atividade, mesmo que em estabelecimento distinto, e de solicitarem a inscrição de nova pessoa jurídica no mesmo ramo de atividade”, ponderou. Esses impedimentos desconsideram, conforme o veto, a competência da União para legislar sobre direito civil e comercial.
Situação similar ocorre, de acordo com o texto, com a alínea "h" do inciso V do artigo 5°, que proibiria ao infrator, também pelo período de dez anos, "disputar licitação ou participar da execução de contrato, direta ou indiretamente, com quaisquer Poderes, órgãos e entidades do Estado. Caso em que há também, segundo o veto, desconsideração da competência privativa da União para legislar sobre normas gerais de licitação e contratação prevista no inciso XXVII do artigo 22 da Constituição Federal.
Outro ponto que também não deve ser aprovado, conforme a PGE, é o inciso VI do artigo 52. Ele estatuiria a sanção de "expropriação, sem qualquer indenização ao proprietário ou a quem se beneficia economicamente da propriedade, nos termos do art. 243 da Constituição da República". Esse dispositivo da Constituição Federal, porém, refere-se, de acordo com o texto, à sanção mencionada nos casos de culturas ilegais de plantas psicotrópicas e exploração de trabalho escravo na forma da lei, cuja competência é exclusiva da União, que a exerceu somente em relação às culturas ilegais.
Por fim, o artigo 82 da propositura pretende acrescentar ao artigo 70 da Lei nº 11.651, de 26 de dezembro de 1991, que institui o Código Tributário do Estado de Goiás (CTE), a penalidade de cassação da inscrição estadual aos infratores da legislação tributária do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS).
Economia
O texto também destaca a recomendação de veto da Secretaria de Estado da Economia de Goiás, com relação à conveniência e à oportunidade, em especial à alínea "a" do inciso I, aos incisos III e IV, e ao inciso 22 do artigo 5°, bem como ao artigo 82. A pasta mencionou que o Estado de São Paulo, por meio da Lei n° 14.946, de 28 de janeiro de 2013, instituiu sanções semelhantes às indicadas na propositura. Trata-se, no entanto, conforme a matéria, de objeto da ADI n° 5.465/SP, ainda pendente de julgamento pelo STF.
“Na ação, alegou-se, entre outros argumentos, a usurpação da competência da União para a execução da inspeção do trabalho e questionou-se a penalidade aplicada aos sócios por violação do princípio da individualização da pena. Assim, considerado o desconhecimento da interpretação do STF quanto ao alcance das sanções administrativo-tributárias que podem ser aplicadas pelo Estado, a Economia entendeu ser inconveniente e inoportuna a incorporação dos dispositivos indicados do artigo 52 à legislação goiana, explica.
A pasta acrescentou, conforme o texto, ser favorável à inclusão do dispositivo que prevê a cassação da inscrição estadual e a incorporação ao CTE de normas legais com implicação tributária. “Entretanto, o órgão recomendou o veto ao artigo 82 em razão de o artigo 70 do CTE, que prevê penas aos infratores da legislação tributária do ICMS, não ser tecnicamente adequado para a inclusão de punição por utilização de trabalho escravo”, salienta.
SEAD
Há ainda, no texto, ponderações da Secretaria de Estado da Administração (SEAD), que mencionou especificamente o inciso IV do artigo 7° do autógrafo, que estabelece que os órgãos estaduais assegurem o acompanhamento e o tratamento psicológico, neurológico e/ou psiquiátrico dos trabalhadores pelo período mínimo de seis meses da data em que for resgatado da condição análoga a de escravo.
Foi destacado pela pasta que o cumprimento desse dispositivo poderá gerar despesas e encargos com pessoal que estão limitados pelo teto definido pelas Leis Complementares federais nº 156, de 28 de dezembro de 2016, e n° 159, de 19 de maio de 2017, e pelo Novo Regime Fiscal estabelecido pela Emenda Constitucional nº 69, de 30 de junho de 2021, que altera o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) da Constituição estadual.
“Essas novas despesas não devem ser aprovadas para este ano. Além disso, o dispositivo repercute em questões pertencentes à intimidade institucional do Executivo, que lhe confere iniciativa reservada de lei sobre o tema”, pontua.