Pelo fim da pobreza

O combate à pobreza não está apenas na data nacional criada para trazer o tema à reflexão. É uma preocupação mundial, tanto que a Organização das Nações Unidas (ONU), quando estabeleceu os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), da Agenda 2030, priorizou o tema, colocando-o como o primeiro da lista. A mesma ONU também propôs e a Assembleia Geral, em 1992, proclamou o 17 de outubro como o Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza. Mas, apesar das muitas iniciativas no sentido de reduzir o número de pessoas que vivem na pobreza ou na extrema pobreza no globo terrestre, os resultados ainda parecem distantes.
Segundo a última atualização do Índice de Pobreza Multidimensional da ONU, divulgada em outubro passado, o mundo tem, pelo menos, 1,1 bilhão de pessoas pobres em vários níveis. O índice avalia privações em campos como saúde, educação e padrão de vida combinados à incidência e à intensidade dessa situação. O estudo considera as pessoas como multidimensionalmente pobres, se forem privadas, em pelo menos um terço desses indicadores.
O levantamento da ONU, elaborado em conjunto com a Iniciativa para a Pobreza e o Desenvolvimento Humano da Universidade de Oxford, mostrou que 83,2% dessas pessoas estão nas regiões da África Subsaariana (553 milhões) e no sul da Ásia (402 milhões). Na América Latina, estão 3% desse contingente, o que corresponde a 34 milhões de habitantes.
O estudo das Nações Unidas ainda destrincha às condições de vida dessa população e mostra que o total de pessoas desprovidas de saneamento adequado chega a 828 milhões. Já em relação à moradia, são 886 milhões. Os habitantes do planeta sem combustível para cozinhar chegam a 998 milhões. Os dados revelam também que 637 milhões de pessoas convivem com questões de desnutrição. Outra estatística avaliada apontou que as crianças sofrem mais com a pobreza do que os adultos. Em nível global, cerca de 27,9% das crianças vivem na pobreza, em comparação com 13,5% dos adultos.
O parâmetro internacional para medir a pobreza, definido pelo Banco Mundial, é de uma renda de até US$ 6,85 por pessoa por dia. Já o parâmetro para a extrema pobreza é de uma renda de até US$ 2,15 por dia.
Brasil
A boa notícia é que no Brasil a situação vem mudando e para melhor. Segundo a Síntese de Indicadores Sociais (SIS) 2024, divulgada no início desse mês pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2022 a 2023 o percentual da população do País com rendimento domiciliar per capita abaixo da linha de pobreza, adotada pelo Banco Mundial, caiu de 31,6% para 27,4%. Foi a menor proporção desde 2012. Numericamente, essa população passou de 67,7 milhões para 59,0 milhões, seu menor contingente desde 2012. Em um ano, 8,7 milhões de pessoas saíram da pobreza no País.
O mesmo levantamento apontou que, no período, a proporção da população do País com rendimento domiciliar per capita abaixo da linha de extrema pobreza recuou de 5,9% para 4,4%, também a menor proporção desde 2012. Pela primeira vez, esse indicador ficou abaixo dos 5,0%. Em números absolutos, a população na extrema pobreza recuou de 12,6 milhões para 9,5 milhões de pessoas, também o menor contingente desde 2012. Em um ano, cerca de 3,1 milhões de pessoas saíram da extrema pobreza.
O estudo do IBGE também concluiu que, na hipótese de não existirem os programas sociais implementados pelo Governo federal, a proporção de pessoas na extrema pobreza em 2023 teria subido de 4,4% para 11,2%. Já a proporção da população na pobreza teria subido de 27,4% para 32,4%.
Para a coordenadora do curso de Serviço Social do Centro Universitário de Brasília (CEUB), Larissa Matos, como aponta o próprio órgão de pesquisa, os programas sociais e o dinamismo no mercado de trabalho foram aspectos que contribuíram para os resultados que apontam que o País caminha na direção da redução da pobreza.
Mas, apesar da queda expressiva, há que se considerar que 59 milhões de brasileiros, um contingente bem considerável, ainda vivem abaixo da linha de pobreza. E, para a especialista, somente com programas de transferência de renda não será possível atingir a meta desenhada pela ONU de acabar com a pobreza até 2030. “Até porque o objetivo das políticas sociais, especificamente os programas sociais, não é acabar com a pobreza, mas, sim, minimizar seus efeitos. Os programas sociais não resolvem as causas estruturais e sistêmicas que perpetuam a desigualdade econômica e social. Além disso, a pobreza tem uma distribuição desigual, dependendo da região e das características sociais. Muitas vezes, os programas sociais não conseguem alcançar eficazmente as populações mais marginalizadas, como as mulheres, os negros, as populações indígenas ou as áreas rurais mais afastadas”, analisa.
Para Larissa, além de mais investimentos nos programas sociais, a ampliação do acesso das pessoas a esses programas e políticas complementares, como geração de emprego e renda, podem ser estratégias para melhorar os índices de pobreza e diminuir o fosso da desigualdade social no país.
“Medidas como a isenção de impostos para pessoas que ganham até R$ 5.000 podem ser vistas como estratégias para tentar diminuir a desigualdade de renda, que é brutal no Brasil. Ainda estamos longe de uma conjuntura de maior igualdade, mas, sim, se houver distribuição de renda, podemos observar índices de pobreza menores”.
Goiás está entre os líderes do combate à pobreza no País
A Síntese de Indicadores Sociais do IBGE apontou que Goiás alcançou, em 2023, a menor taxa de pobreza da história do Estado: 1,3% da população goiana abaixo da linha de pobreza. Esse é o segundo menor índice do Brasil, atrás apenas de Santa Catarina e muito abaixo da média nacional, contabilizada em 4,5%.
A redução da taxa de pobreza, no ano passado, em relação a 2022, foi significativa, com recuo de 1,6 pontos. A taxa medida em 22 era de 2,9%. Com a redução para 1,3%, significa que mais de 110 mil pessoas saíram desta condição em apenas um ano.
Já com relação ao combate à extrema pobreza, que é medida pela linha de R$ 110 per capita, Goiás assumiu a liderança. Em 2023, a taxa foi de 0,8%, a menor do país, enquanto a média nacional é de 1,7%.
Além disso, o Goiás Social foi apontado como o programa de combate à pobreza mais bem avaliado do Brasil. A iniciativa integra projetos, benefícios e ações que combatem a pobreza e a desigualdade por meio de assistência emergencial, protetiva e emancipatória. Entres as iniciativas do Goiás Social, estão os programas NutreBem, Dignidade Menstrual, Aquecendo Vidas, Nordeste Solidário, Mães de Goiás, Aluguel Social, Família Acolhedora, Dignidade, Restaurante do Bem, Aprendiz do Futuro, ProBem, Bolsa Estudo, Crédito Social, PAA Goiás e Goiás por Elas.
Para Larissa Matos, os resultados obtidos em Goiás mostram que políticas descentralizadas e regionalizadas podem ser uma estratégia eficaz de combate à pobreza. “Ainda que o Estado também tenha um território grande e realidades muito desiguais, ele é, obviamente, bem menor e com menos diferenças do que o território nacional. O combate regional, levando em conta as especificidades de cada área, pode ser uma das estratégias para se pensar em políticas públicas que atendam à demanda local”.
Projetos na Alego
Algumas matérias apresentadas pelos deputados na Assembleia Legislativa também contemplam medidas que podem contribuir com a redução da pobreza.
Um dos projetos de lei em tramitação é de autoria do deputado Antônio Gomide (PT), que propõe instituir em Goiás a Semana de Conscientização sobre Perdas e Desperdício Alimentar. Se a proposta se tornar lei, a ação será realizada, de forma anual, na última semana de setembro, em que é celebrada, em âmbito mundial, o dia voltado à temática.
A campanha proposta tem, entre os objetivos, promover a conscientização da população sobre a importância de reduzir as perdas e o desperdício de alimentos, estimular a doação de alimentos excedentes para instituições de caridade e bancos de alimentos e divulgar boas práticas e tecnologias que contribuam para a redução das perdas e do desperdício de alimentos.
O projeto ainda prevê que, durante a Semana de Conscientização sobre Perdas e Desperdício Alimentar, serão realizadas diversas atividades, como campanhas educativas e de sensibilização em escolas, universidades, empresas e comunidades, palestras, seminários e workshops sobre o tema, feiras e exposições de tecnologias e práticas sustentáveis relacionadas à cadeia produtiva de alimentos e ações de incentivo à doação de alimentos e ao combate ao desperdício em supermercados, restaurantes e outros estabelecimentos comerciais
Gomide frisa, em sua justificativa de apresentação da proposta, que o Dia Internacional de Conscientização sobre Perda e Desperdício de Alimentos, celebrado em 29 de setembro pela Organização das Nações Unidas (ONU), alerta sobre os impactos do desperdício de alimentos e promove práticas sustentáveis. Por esse motivo, evidencia que a instituição da ação proposta é urgente e relevante para Goiás, considerando os impactos sociais, econômicos e ambientais. O parlamentar sublinha ainda que o desperdício de alimentos agrava a insegurança alimentar, visto que recursos que poderiam beneficiar pessoas vulneráveis são perdidos. Além disso, gera um impacto ambiental significativo.
“A produção de alimentos consome recursos naturais, como água, solo e energia. Quando desperdiçados, esses recursos também são perdidos, e o descarte inadequado contribui para a emissão de gases de efeito estufa, agravando as mudanças climáticas. Portanto, a conscientização é essencial para a sustentabilidade ambiental”.
Outra iniciativa nesse sentido é do deputado Gustavo Sebba (PSDB), que apresentou um projeto prevendo a criação da Política Estadual de Combate à Fome e à Insegurança Alimentar e Nutricional no Estado de Goiás (PAN-GO). A ideia busca garantir alimentação saudável e acessível a toda a população, tendo como meta a superação da fome e a garantia da soberania e da segurança alimentar e nutricional como prioridade absoluta em Goiás.
Segundo o parlamentar, a ideia é “abrigar e otimizar ações já existentes, assim como gerar novos programas voltados para erradicar essa chaga social tão desumana e cruel”.
Sebba ainda lembra que em 2021 o Brasil voltou ao Mapa da Fome da ONU, após ter saído dessa condição em 2014, e cita que o período da pandemia de covid-19 também contribuiu para a escalada da fome. “Assim, propõem-se ações integradas de combate à insegurança alimentar e à fome em Goiás, com atenção especial para as áreas da assistência social, saúde, educação, economia solidária, trabalho e geração de renda, com o fortalecimento da tríade de controle social Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN), Sistema Único de Assistência Social (SUAS) e Sistema Único de Saúde (SUS). Dessa forma, a PAN-GO implementará políticas, programas e ações de segurança alimentar e nutricional, fomentando a criação de sistemas municipais e de uma rede de equipamentos formada por bancos de alimentos, restaurantes populares, cozinhas e hortas comunitárias, abastecidos pela agricultura familiar, articuladas com organizações sociais e redes de vizinhança, CRAS e CONAB”.
O projeto está em análise pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e, caso passe pelo crivo do colegiado, segue para a tramitação para a comissão temática e votação em Plenário.