Goiás no mapa global

Entenda como "tarifaço" estadunidense afeta exportações goianas. Com taxação a produtos brasileiros, Goiás, 8º maior exportador do país, busca alternativas para proteger economia e diversificar mercados.
No início de abril, o presidente dos Estados Unidos da América (EUA), Donald Trump, anunciou tarifas a vários parceiros comerciais do país e deu início a uma guerra comercial de proporções globais. A situação traz um cenário de imprevisibilidade para o comércio exterior em todo o planeta e Goiás, 8º maior exportador do Brasil, está sujeito aos impactos.
Os produtos brasileiros exportados aos EUA foram tarifados em 10%, a alíquota mínima. A única exceção é para aço e alumínio, sobretaxados em 25%. Como resposta imediata, o Congresso Nacional aprovou, foi sancionada e já está em vigor a Lei da Reciprocidade Comercial, que autoriza o Executivo Federal a adotar medidas contra países e blocos que imponham barreiras unilaterais aos produtos do Brasil. Além disso, os ministérios das Relações Exteriores (Itamaraty) e do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic) declararam que estão trabalhando na articulação para reverter as tarifas de Trump e não descartam recorrer à Organização Mundial do Comércio (OMC).
Em linhas gerais, o "tarifaço" é uma tentativa dos EUA de retomar o espaço e competitividade que sua indústria perdeu para a Ásia nas últimas décadas, avaliam especialistas ouvidos pela Agência Brasil. Entretanto, ainda é cedo para prever quais serão as consequências, tanto para os estadunidenses quanto em relação ao embate que se desenrola no comércio exterior.
Comprometida com seu dever de representar o povo goiano em todas as frentes possíveis, a Assembleia Legislativa do Estado de Goiás (Alego) está atenta ao panorama das relações internacionais.
Cenário local
Dados do Mdic apontam que, em 2024, a balança comercial brasileira, que é a diferença entre o valor exportado e o importado, registrou o segundo maior saldo positivo da série histórica, iniciada em 2002. Em relação aos EUA, as exportações brasileiras em 2024 atingiram marca recorde e cresceram 9,2% sobre o ano anterior, conforme revelou a Câmara Americana de Comércio para o Brasil (Amcham Brasil). Os produtos industriais respondem por 78,3% destes negócios e os norte-americanos seguem como principais compradores da indústria brasileira.
Quanto à realidade goiana, o estado ocupa o oitavo lugar no ranking das exportações por unidades da federação, conforme indica o último Goiás em Dados. Na Região Centro-Oeste, fica atrás apenas de Mato Grosso, que está na quarta posição.
Ainda de acordo com a publicação, a agropecuária responde pela maioria das exportações do goianas. A soja é o principal produto (53% do total, se considerada a soma de grãos e farelos), seguida, em ordem decrescente, pela carne bovina, milho, minério de cobre e açúcar. Rio Verde foi o município que mais exportou em 2023, responsável por 29,88% do resultado. O ranking segue com Jataí, Mozarlândia e Montividiu, todos especializados em produtos agropecuários.
Goiás é o 11º que mais demanda importações, especialmente as categorias “medicamentos e produtos farmacêuticos” (25% do total) e “adubos ou fertilizantes químicos” (18%). Campeã tanto como destino das exportações quanto como origem dos importados, a China é o principal parceiro comercial de Goiás. Os EUA figuram como 7º comprador e 2º vendedor ao estado.
O secretário de Relações Internacionais da Alego, Michel Magul, destaca a localização geográfica como um dos pontos fortes goianos quando o assunto é comércio exterior. “Podemos ser um centro logístico importante para relações comerciais. Principalmente se considerarmos que nossa força é o agro, o que posiciona Goiás a nível nacional e internacional”, avalia.
Especialista em comércio exterior, a diretora executiva da B21 Export Import, Anna Bastos, enfatiza os esforços da gestão estadual para fortalecer as relações bilaterais com países-chave. “Há também uma crescente preocupação em agregar valor às exportações, investindo em industrialização e inovação tecnológica no campo”, completa. Por outro lado, ela também afirma que a dependência de poucos mercados e produtos e a necessidade de uma infraestrutura logística mais eficiente são desafios para que Goiás possa competir em igualdade com outros atores globais.
Internacionalização na Alego
As relações internacionais de Goiás têm ganhado espaço entre as prioridades do Parlamento goiano. Uma marca desse movimento é a criação, em dezembro do ano passado, da Secretaria de Relações Internacionais da Casa. Responsável pela pasta, Michel Magul conta que a novidade visa a auxiliar os parlamentares no estabelecimento de vínculos entre a Alego e embaixadas, organizações e entidades estrangeiras. Adicionalmente, também vislumbra trazer bons exemplos internacionais para Goiás.
A iniciativa partiu do presidente da Alego, Bruno Peixoto (UB). Magul conta que o deputado compreende que o momento geopolítico exige atenção do Legislativo para desenvolver políticas públicas e trazer relações comerciais. Apenas nos primeiros meses de 2025, o Palácio Maguito Vilela já recebeu autoridades do Chipre, México e China.
Uma prova do interesse dos parlamentares da Alego pelo tema é a presença de seis deles na comitiva oficial do Governo do Estado em viagem à Índia em fevereiro passado. Organizada pelo governador Ronaldo Caiado (UB), a missão teve como foco fortalecer as relações comerciais com o país asiático e atrair investimentos.
Representante do Sudoeste goiano, região responsável pela maior parte das exportações goianas, o deputado Lucas do Vale (MDB) analisa que foi uma oportunidade de apresentar a força de Goiás ao mundo. “A parceria com a empresa indiana Raj Process, que atuará nas áreas de biogás, biometano, hidrogênio e biofertilizantes, em Rio Verde, é um dos frutos positivos dessa agenda internacional”, revela.
A deputada Rosângela Rezende (Agir) considera que a ocasião foi oportuna para compreender, na prática, a importância do intercâmbio de ideias, tecnologias e comércio entre nações. “Ao mesmo tempo em que a Índia tem muito a oferecer em termos de desenvolvimento industrial, fornecimento de insumos, especialmente fertilizantes e fármacos, e geração de empregos, nós temos a oferecer em exportação de alimentos e matérias-primas. Tudo isso é solo fértil para a criação de novos mercados”, detalha.
Enquanto isso, Jamil Calife (PP) afirma que a experiência abriu portas para futuras parcerias e investimentos que podem gerar emprego, inovação e mais qualidade de vida para o povo. “Estivemos em contato direto com empresas e instituições indianas que são referência global, especialmente nas áreas de energias renováveis e medicamentos. Isso é fundamental, pois Goiás tem um enorme potencial para avançar nessas frentes, tanto no campo da sustentabilidade quanto na industrialização de base tecnológica”, reflete.
Os parlamentares que participaram da viagem são unânimes quanto à importância da Alego no contexto do comércio exterior em Goiás. “Podemos colaborar com a regulamentação de tarifas, legislar sobre acordos, normatizar incentivos, propor audiências públicas para ouvir os setores afetados e instigar a criação de frentes parlamentares para dar destaque a esses temas”, vislumbra Rosângela Rezende.
Lucas do Vale completa: “A Assembleia Legislativa também tem incentivado relações multilaterais com entidades internacionais, públicas ou privadas”. E Calife arremata: “Quanto mais prepararmos nosso estado para o mercado global, mais desenvolvimento e mais oportunidades teremos para todos os goianos”.
Também representaram a Alego na comitiva oficial à Índia os deputados Dra. Zeli (UB), Cristiano Galindo (Solidariedade) e Vivian Naves (PP).
E a guerra comercial?
A dinâmica volátil do panorama econômico atual, causada pelo “tarifaço” dos EUA, pode impactar cidadãos comuns do mundo inteiro de forma direta e mensurável, não apenas empresários que trabalham com comércio exterior. Um exemplo: uma das possíveis consequências das taxas à própria economia estadunidense é o aumento da inflação nos EUA. Se isso acontecer, a tendência é que o país mantenha seus juros mais altos, o que desvaloriza o real no mercado de câmbio, intensifica a inflação brasileira e causa aumento generalizado de preços.
Ainda assim, na visão do secretário de Relações Internacionais do Parlamento goiano, Michel Magul, tanto o Brasil quanto Goiás estão atentos ao momento político e posicionados no ambiente das relações internacionais de forma eficiente e eficaz.
“Goiás pode e deve atuar em várias frentes integradas para fortalecer o setor produtivo e tornar o estado menos vulnerável às instabilidades externas”, complementa a advogada Anna Bastos.
Como potenciais medidas, ela cita apoio à diversificação de mercados, em especial com a promoção e participação em feiras e missões comerciais, e o estímulo à industrialização da produção agropecuária local para aumentar a competitividade e gerar mais empregos e renda localmente. Bastos também elenca o investimento em infraestrutura com objetivo de reduzir o custo de escoamento da produção goiana e oferta de capacitações, a fim de preparar produtores para lidar com os novos padrões internacionais.
A conjuntura atual do comércio exterior não gera apenas riscos e perdas, há também oportunidades. “Quando a China impôs tarifas sobre a soja americana em retaliação às medidas de Trump, abriu-se uma janela para que países como o Brasil aumentassem sua participação no mercado chinês, o que beneficiou diretamente Goiás”, explica Bastos. O principal produto de exportação goiano é justamente a soja e a China é a principal compradora.
Ainda assim, a especialista em comércio exterior alerta que a vantagem é contextual e volátil, além de ressaltar o perigo do excesso de dependência de um único parceiro. “Embora a guerra tarifária tenha, em um primeiro momento, beneficiado Goiás, ela também revelou a fragilidade de uma pauta exportadora concentrada e a necessidade de diversificação de mercados e produtos”, finaliza.