Assembleia Legislativa sedia, na tarde de 6ª-feira, 25, ciclo de palestras sobre enfrentamento à violência sexual infantil

A Assembleia Legislativa do Estado de Goiás (Alego) realizou, na tarde desta sexta-feira, 25, uma palestra para capacitação profissional nas ações de enfrentamento às violências sexuais contra crianças e adolescentes. O evento integra as celebrações ao 25° ano da Rede Faça Bonito, uma ação nacional para o Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes, e ressalta a importância do trabalho realizado pelo coletivo. O encontro teve local no Auditório Francisco Gedda.
O encontro foi promovido pela deputada Bia de Lima (PT). Entretanto, um imprevisto na agenda da parlamentar a impediu de comparecer no local e ela foi representada por assessores de seu gabinete. Os palestrantes revezaram as falas. Tiveram oportunidade, na respectiva ordem: coordenador do Fórum Goiano de Enfrentamento de Violência Sexual Contra Crianças e Adolescentes, Joseleno Vieira dos Santos; psicóloga e servidora da secretaria estadual de Saúde (SES), Karen Esber; Pedro Florentino, coordenador da área de atuação da infância e juventude do Ministério Público de Goiás (MP-GO); psicóloga Lígia da Fonseca Bernardes; psicóloga da Secretaria Municipal de Saúde de Goiânia (SMS), Railda Martins; presidente do Colegiado dos Conselheiros Tutelares de Goiânia, Érika Reis; e a médica Marta Maria da Silva, servidora do Hospital das Clínica da Universidade Federal de Goiás (UFG)
Contexto histórico
Primeiro a fazer uso da palavra, Joseleno iniciou sua explanação destacando que a rede de apoio contra violência sexual contra crianças precisa trabalhar “em sintonia para harmonizar as informações” e combater com efetividade os abusos. Ele discorreu sobre os aspectos históricos e conceitos essenciais para compreender a violência sexual contra crianças e adolescentes e trouxe o que chamou de “marcos históricos”.
“A violência sexual é uma herança do processo de colonização do Brasil. Gilberto Freyre, em Casa-Grande e Senzala, destaca que a maioria das meninas negras eram vítimas de abuso sexual durante o período da escravidão”, explicou. Assim, ele salientou que é preciso relembrar o passado e “pensar no futuro que queremos para nossas crianças e adolescentes”, explicou.
Por fim, Joseleno observou que a visibilidade quanto a essa temática é recente e apontou que a primeira ação concreta de enfretamento foi lançada em 1995, no governo de Fernando Henrique Cardoso. Ele também salientou que é fundamental um ambiente de respeito à democracia para fortalecer a luta contra violência sexual a adolescentes e crianças. “Não se enfrenta violências, seja ela qual for, se não for em ambientes democráticos, que respeitem o estado democrático de direito”.
Atendimento às famílias no contexto das violências sexuais
A segunda palestrante, Karen Esber, falou que o tema é desafiante, sobretudo pela falta de consenso sobre o assunto. Ela falou sobre a violência sexual intrafamiliar e afirmou que as características desses grupos incluem relação de dominação e submissão, segredos, tristeza, culpa, vergonha e raiva. “São famílias nas quais o amor conjuga com o ódio. Então, ao mesmo que a criança tem amor pelo pai, ela tem ódio pelo que ele faz.
Ela falou, ainda, que a violência sexual abala a confiança e a proximidade emocional dos envolvidos e que a revelação da violência sexual intrafamiliar provoca impacto nas vítimas, nos autores e em toda a estrutura familiar. “A violência sexual dentro da família tem um impacto profundamente negativo na construção da identidade”, declarou.
Assim, ela apontou que romper o segredo na família é um dos primeiros passos para romper o ciclo de violência, reduzir negações e estabelecer que a violência é algo compartilhado por toda a família. “Os desafios são conciliar os aspectos de proteção das vítimas, criminais e terapêuticos, e dessas famílias, além de reconhecer os determinantes que dependem da individualidade de cada um”.
Aspectos legais
Pedro Florentino falou sobre o enfrentamento da violência no contexto da Lei nº 13.431, de 2017, que trata da escuta de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência. Ele apontou que a legislação causa certa confusão entre os órgãos e, por isso, explicou conceitos relativos à legislação, como diferenças entre depoimento especial, escuta especializada e revelação espontânea.
Ele explanou que depoimento especial é a entrevista com a criança com finalidade de obtenção de prova e é feito somente no âmbito do Poder Judiciário. Já a escuta especializada é uma entrevista feita por um profissional da saúde, educação ou assistência social, que visa compreender a situação de violência. E, por fim, apontou que revelação espontânea não é entrevista, mas um desabafo sobre uma situação de violência, que pode ocorrer com qualquer pessoal.
O coordenador também trouxe o conceito do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) o qual define que a violência deve ser compreendida como um fenômeno complexo, cultural e historicamente construída, a exigir enfretamento transversal e qualificado. “Ou seja, enfrentar a violência só com segurança pública não vai resolver. A violência envolve uma série de outros fatores e enfretamento e depende de distintas áreas, que devem trabalhar de forma coordenada e complementar, sobretudo a educação”, disse.
Por fim, Pedro apontou que a lei pretende reduzir o número de vezes em que a criança e o adolescente são ouvidos na rede de proteção e que falar repetidamente sobre o assunto faz com que a vítima reviva a violência. Além disso, a legislação prevê a construção de um fluxo municipal de atendimento para as vítimas e a criação de sistemas informatizados de compartilhamento de informações, de modo a qualificar ainda mais os profissionais de acolhimento.
Políticas públicas e redes de atenção às vítimas de violência sexual
Lígia Bernandes falou sobre o atendimento às vítimas de violência sexual dento da rede de saúde. A psicóloga iniciou sua fala destacando que existem diversificadas portas de entrada para o atendimento às vítimas, como atenção primária, atenção psicossocial, ambulatório especializado, unidades de pronto atendimento e hospitais.
Ela citou, ainda, o Programa “Saúde nas Escolas”, que promove ensinamentos sobre diversos temas. “É um programa muito importante para trabalhar a prevenção e as orientações, como o toque indevido e até outras questões de violência, como racial e de gênero. O Saúde na Escola é um programa primordial”, declarou.
Sobre os cuidados em saúde nas situações de violência sexual contra crianças e adolescente, ela destacou que os principais pontos são a contracepção de emergência, realização de testes rápidos para detecção de infecções sexualmente transmissíveis (IST) e os cuidados emocionais. Ela falou, ainda, que, nos casos de gestação em decorrência de violência sexual, a legislação permite a interrupção da gravidez.
Railda Martins também falou sobre a rede de atenção às vítimas. “A rede é uma estrutura social composta por pessoas ou organizações, conectados por vários tipos de de relações, sendo um conjunto resultante que pode se espalhar indefinidamente para todos os lados sem que nenhum de nós possa ser considerado o principal ou central. A gente precisa ter responsabilidade, cumprir nosso papel e sempre relembrar da perspectiva de não revitimizar essa criança ou adolescente. E precisamos continuamente reforçar o processo de formação”, encerrou.
Fluxos e protocolos de notificação para o atendimento das famílias
Érika Reis, presidente do Colegiado dos Conselheiros Tutelares de Goiânia, falou sobre os desafios no cumprimento das funções de conselheiros tutelares. “Não é simples ser garantidor de direitos. Mas o importante é atuar com diálogo, pois, no calor da nossa atuação, temos o objetivo de garantir o direito da criança e estaremos mais aflorados nas emoções, pois queremos resolver com celeridade essa situação, embora os protocolos não sejam assim”, apontou.
Assim, reforçou as medidas que devem ser tomadas pelos conselheiros tutelares, seguindo as orientações legais, como escuta atenta e relato fiel ao que foi dito pela vítima.
A médica Maria Marta foi a última palestrante da tarde e destacou que a violência sexual infantil é “um grave problema de saúde pública”, que pode resultar em lesões, danos psicológicos e a morte por suicídio. Assim, ela pontuou que o desafio é atender as vítimas, garantindo o acolhimento humanizado.
Por fim, ela ensinou o passo a passo para a notificação de violência, válido para ambos os sexos, e não somente a violência sexual, mas todos os tipos de violência.