Gestão de resíduos sólidos

Goiás ainda convive com mais de uma centena de lixões ativos, refletindo os desafios para cumprir a Política Nacional de Resíduos Sólidos. Na Assembleia, foi criada recentemente a Frente Parlamentar pela Erradicação dos Lixões.
No especial sobre meio ambiente desta semana, o foco é no problema dos lixões em Goiás e os desafios para a devida implementação da Política Nacional de Resíduos Sólidos e Saneamento Básico. Com essa matéria a Agência Assembleia de Notícias da Assembleia Legislativa de Goiás (Alego) encerra a série de reflexões sobre o mês do meio ambiente, iniciada no último dia 5.
Ao longo do especial, foram explorados os principais temas em foco no âmbito da agenda ambiental do Parlamento goiano. As discussões envolvidas na programação da 26ª edição do Festival Internacional de Cinema e Vídeo Ambiental (Fica), o turismo sustentável e a crise climática estiveram entre os assuntos em destaque.
É importante lembrar que, junto com o Dia Mundial do Meio Ambiente, no dia 5, também foi celebrado o Dia Nacional da Reciclagem. Os assuntos correlatos foram alvo de lei estadual sancionada em junho de 2023, a partir de projeto do deputado Antônio Gomide (PT). A norma trata da instituição da campanha educativa sobre ambos os temas, a ser realizada, anualmente, na semana do dia 5 de junho, nas escolas da rede estadual de ensino.
Erradicação dos lixões
A Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), em vigor desde 2010, estipulou o prazo para a erradicação de todos os chamados “lixões”, no Brasil. Segundo a norma, que foi modificada pelo novo marco legal do saneamento básico, o dia 2 de agosto de 2024 seria a data limite para a implementação de uma gestão de resíduos ambientalmente adequada em todo o país.
Porém, em Goiás, a solução para o problema, que tantos prejuízos acarreta à saúde pública e ao meio ambiente, não veio conforme determinado e os vazadouros a céu aberto seguem sendo o destino final do lixo em 134 municípios do estado. Os dados são fornecidos pela própria Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), órgão responsável pela implementação da política nacional no âmbito estadual.
Como alternativa imediata ao impasse, o Parlamento goiano promulgou, em maio deste ano, lei garantindo novo prazo para a resolução do problema no estado. A normativa, que prorroga por mais um ano (até maio de 2026) o limite para o fechamento dos lixões em Goiás, foi contestada pelo Ministério Público (MP-GO), sob o argumento de promover retrocesso ambiental.
A situação motivou, inclusive, a criação da Frente Parlamentar pela Erradicação dos Lixões no Estado de Goiás, em dezembro passado. Liderado pelo deputado Clécio Alves (Republicanos), os trabalhos do colegiado tiveram início em março, com a realização da primeira audiência pública para debater a situação da gestão de resíduos sólidos no território goiano.
O presidente da frente destaca que o objetivo dos trabalhos é colher subsídios técnicos e institucionais que contribuam para a implantação de medidas voltadas à erradicação do lixão no estado. “Entendemos os malefícios que são os lixões. O que nós desejamos não é punir os prefeitos, mas unir forças e buscar a saída para esse problema”, declarou Clécio Alves, durante a sessão de instalação do colegiado.
O parlamentar encerrou a fala, na ocasião, destacando que é possível lucrar com lixo, desde que o descarte dele seja feito corretamente.
Programa Lixão Zero
Já a solução apresentada pelo Governo Estadual veio em 2023, por meio de decreto que instituiu o Programa Lixão Zero. Nele, estão previstas duas etapas para erradicação dos lixões, sendo uma de transição e a outra definitiva.
Na fase de transição, os municípios assumem a obrigação de encerrar imediatamente as atividades em seus respectivos vazadouros à céu aberto e encaminhar os resíduos para aterros próximos que disponham de licença ambiental emitida pela Semad.
Já a fase definitiva incorpora o plano de regionalização do saneamento, validada pela Alego, e sancionada via Lei Complementar 182, de 2023. Baseada em estudos técnicos, a legislação dividiu o território goiano em três microrregiões, que juntas, compartilharão a responsabilidade pela governança dos aterros e das demais infraestruturas necessárias à justa adequação dos territórios à PNRS. Tratam-se das microrregiões Oeste (com 88 municípios), Leste (com 70 municípios) e Centro (com 88 municípios).
Em maio, o governador Ronaldo Caiado (UB) e a titular da Semad, Andréa Vulcanis, realizaram uma reunião virtual com os municípios e sob orientação de técnicos do Banco Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para traçar as estratégias para a devida implementação do programa.
A frente parlamentar liderada por Clécio Alves vem contribuindo com a fiscalização referente aos licenciamentos ambientais dos aterros em operação no estado. O parlamentar informa que, até o momento, já foram emitidas 50 notificações a empresas com operações irregulares no entorno do Distrito Federal.
O próprio aterro de Goiânia também foi enquadrado nessa situação, tendo recebido, inclusive, uma interdição judicial, por descumprimento da legislação ambiental e falta de licença.
No momento, o colegiado segue com ações nos municípios de Formosa e Padre Bernardo. Este último, inclusive, decretou estado de emergência por 180 dias, após desabamento de lixão, ocorrido no último dia 19.
O decreto em tela define as diferenças entre cada uma das situações apresentadas. Segundo o documento, considera-se:
Aterro sanitário: técnica de disposição de resíduos sólidos urbanos no solo, sem causar danos à saúde pública e à segurança coletiva, com a minimização dos impactos ambientais mediante método fundamentado em princípios de engenharia para confinar os resíduos sólidos à menor área possível e reduzi– los ao menor volume permissível, além de cobri–los com uma camada de terra na conclusão de cada jornada de trabalho ou em intervalos menores, se isso for necessário.
Aterro temporário de pequeno porte: aterro sanitário para dispor até 20 toneladas diárias de resíduos sólidos urbanos, e nele, considerados os condicionantes físicos locais, a concepção do sistema pode ser simplificada tecnicamente com adequações para a minimização dos riscos de impactos ao meio ambiente e à saúde pública, conforme diretrizes estabelecidas na ABNT NBR nº 15849, de 14 de junho de 2010.
Lixão: local utilizado para a disposição final inadequada de resíduos sólidos, e nele ocorre a simples descarga do lixo sobre o solo, com ou sem cobertura de terra, sem medidas adequadas para a proteção ao meio ambiente ou à saúde pública.
Soluções sustentáveis
Embora os aterros sanitários apareçam como a principal estratégia para a gestão adequada dos resíduos sólidos, de forma isolada, eles nem sempre correspondem à opção mais sustentável ou vantajosa. Para que a política seja, de fato, sustentável é preciso que ela incorpore um conjunto de ações, que de forma geral, levem em consideração os chamados cinco "Rs" da sustentabilidade, que envolvem as práticas do repensar o consumo, recusando o uso de produtos que gerem impactos ambientais negativos, reduzindo o consumo de recursos naturais, reutilizando o que é possível e contribuindo com as atividades de reciclagem.
Dentro desse combo de ações, incluem-se o incentivo a iniciativas voltadas à coleta seletiva, à compostagem e à logística reversa.
Segundo dados da Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente (Abrema), no Brasil, são geradas, anualmente, mais de 80 mil toneladas de resíduos sólidos urbanos. Quase 90% deste total são coletados pelo serviço público e encaminhados para os aterros.
A falta de políticas consistentes de coleta seletiva nos municípios, faz com que grande parte do lixo produzido seja enterrado, quando poderiam estar sendo compostados, visto que quase metade dos resíduos correspondem à matéria orgânica; ou reciclados, visto corresponderem a material seco como metais, vidros, plástico, embalagem multicamadas, têxteis e papel e papelão. Apenas, 14% desses resíduos são de fato, rejeitos, que não tem outra destinação a não ser o encaminhamento para os aterros.
A categoria que atualmente mais têm contribuído para a reciclagem, no Brasil, acaba sendo a enquadrada no campo da coleta informal, que corresponde à coleta de 5% dos resíduos produzidos e é protagonizada por associações de catadores de materiais recicláveis. Já os lixões são enquadrados no campo dos chamados “não coletados”, e correspondem a 7% dos resíduos gerados.
Ainda assim, os ganhos associados à reciclagem são inúmeros. Só de economia com os gastos públicos para coleta e tratamento foram poupados entre 2022 e 2023 mais de 34 milhões de reais. Além disso, foram igualmente poupados mais de 27 milhões de metros cúbicos de água, mais de 8 milhões de árvores, mais de 1 milhão de barris de petróleo, dentre outros benefícios econômicos e ambientais. Os dados são apresentados pela Associação Nacional dos Catadores (Ancat).
Outra questão que chama atenção, é a importação de resíduos para atender a demanda da indústria no país. Segundo a Abrema, no primeiro semestre de 2024, o país importou 102,8 mil toneladas de resíduos sólidos. O valor da tonelada de resíduo importada varia entre R$ 700,00 e R$ 900,00, e a tonelada de lixo equivale a R$ 163,39.
A pesquisadora Clarice Lima, formada em Ciências Ambientais pela Universidade Federal de Goiás (UFG) e doutora em Geografia pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), é especialista no tema. Ela tem se dedicado nos últimos anos à implementação das políticas de gestão de resíduos sólidos em regiões litorâneas e áreas insulares. Importante lembrar que a falta destinação adequada do lixo acaba fazendo com os oceanos sejam o destino final de mais de 25 milhões de toneladas de resíduos todos os anos.
A ambientalista especialista na gestão de resíduos sólidos destaca os desafios ambientais enfrentados para a devida implementação da política. “Muito do material reciclável hoje coletado pelo sistema público é desperdiçado ao ser encaminhado para os aterros. As coletas informais feitas por cooperativas e associações de catadores, os carroceiros, esses contribuem muito mais do que o próprio sistema de coleta público, porque acaba que eles dão a destinação mais adequada, que não é o aterro sanitário.”
Lima defende a eficiência do sistema de coleta seletiva que favorece a reciclagem e o trabalho dos catadores, que reúne cerca de 800 mil pessoas no Brasil. “Se atualmente 800 mil pessoas já trabalham com reciclagem em um país que recicla apenas 4% do lixo, imagine o impacto positivo que seria gerado se esse número aumentasse para, pelo menos, 20% de reciclagem”, finaliza a acadêmica.
Em Goiás, o dia 7 de junho foi escolhido para homenagear e dar visibilidade aos trabalhadores da área. A legislação está em vigor desde 2023 e foi aprovada a partir de proposta do deputado Antônio Gomide.
Na Alego, a gestão de resíduos sólidos, de forma geral, encontra-se atualmente defendida em projetos em tramitação assinados por Rosângela Rezende (Agir), Bia de Lima (PT), Anderson Teodoro (Avante), Paulo Cezar Martins (PL) e Charles Bento (MDB).